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Jordan Bardella cresceu em Saint-Denis, nos subúrbios de Paris. O jovem de 28 anos recordou, ao jornal Le Monde, os tempos em que viveu naquela localidade, que descreveu como um “terreno islâmico entregue ao crime e ao tráfico de droga”. Apesar de politicamente representar tudo aquilo que abomina, aquele que poderá vir a ser o próximo primeiro-ministro de França não “consegue odiar” aquele subúrbio da capital francesa. E não só por causa das recordações: foi a situação social de Saint-Denis que o levou a ser político. “Faço política por tudo o que vivi lá. Para que não se torne uma constante em toda a França. O que acontece lá não é normal.”
Quando vivia nos subúrbios da capital francesa, Jordan Bardella não esquece o dia 13 de novembro de 2015, em que o autoproclamado Estado Islâmico atacou o Stade de France, precisamente em Saint-Denis, durante um jogo entre França e a Alemanha. Após os atentados, a polícia levou a cabo um raide para desmembrar uma célula do Daesh, cujos militantes estavam escondidos num prédio a apenas alguns metros da casa da mãe de Jordan Bardella. Na altura com 20 anos, o jovem, que já tinha entrado no mundo político, garante que nunca se esqueceu das explosões e da operação policial.
Há uns anos, Jordan Bardella trocou Saint-Denis por um apartamento em Garches, na localidade de Hauts-de-Seine, onde vive atualmente. O estatuto também é diferente: tornou-se uma estrela em ascensão na política francesa. Em 2022, sucedeu a Marine Le Pen — a sua mentora política — à frente da União Nacional (RN), tornando-se o primeiro rosto fora do clã Le Pen a assumir esse cargo. Dois anos depois, obtém uma vitória em toda a linha nas eleições europeias. E, dentro de menos de um mês, se vencer as eleições legislativas, pode tornar-se o próximo primeiro-ministro.
Ideologicamente, Jordan Bardella converteu-se num dos principais rostos da direita radical e da extrema-direita francesa, ainda que mantenha algumas divergências (nunca de fundo) com Marine Le Pen, a mulher que o motivou, aos 17 anos, a entrar na vida política. Dominando as redes sociais como ninguém, a sua mensagem chega aos mais jovens. Além disso, a imagem cuidada e a postura modesta que adota ajuda-o a conquistar os mais velhos.
Diferenciando-se ligeiramente das declarações de cariz mais populista e explosivas de Marine Le Pen, Jordan Bardella passa uma imagem mais moderada. Sarah, uma estudante de 18 anos salientou ao Le Figaro, que nunca votaria na ex-candidata presidencial: “Muda de ideias quando lhe convém”. Mas este discurso altera-se quando a pergunta é sobre o jovem de 28 anos. “Ele é brilhante para a sua idade, conquistou muita gente. Consegue convencer os outros graças à sua eloquência, expondo as suas ideias com educação. Marine Le Pen tende a ser mais agressiva.”
A imagem polida de Jordan Bardella. O media training que queria que “um fascista” fosse visto como “simpático”
São pequenos vídeos com mais de um minuto. Mostram pequenos momentos em debates ou em entrevistas, em que Jordan Bardella dá respostas convincentes e assertivas sem nunca ser contrariado. Noutros, mais descontraídos, vê-se o candidato a primeiro-ministro da União Nacional a comer bolos, cachorros-quentes ou a beber cerveja. No TikTok, os comentários são geralmente positivos (“tu és a nossa esperança”), mas também há negativos (“que tristeza”).
Com mais de um milhão de seguidores no TikTok, Jordan Bardella tornou-se numa estrela das redes sociais. E isso ajuda-o politicamente, uma vez que lhe permite, como admitiu, “alcançar jovens despolitizados que se tornam politizados graças às redes sociais”. No entanto, o político da União Nacional também é uma presença assídua nos meios de comunicação ditos tradicionais. Segundo uma contagem realizada pela France 2, é convidado para ir falar à televisão ou à rádio, em média, de três em três dias.
Além disso, apelidado de “coqueluche da juventude nacionalista” pelo Le Figaro, Jordan Bardella sabe cativar aqueles que são da sua faixa etária com eventos fora da caixa. Por exemplo, em janeiro de 2024, fez um evento numa famosa discoteca parisiense com 800 membros da juventude da União Nacional. Entre bebidas e música eletrónica, o evento foi um êxito.
“O voto da União Nacional é um voto jovem”, corrobora Frédéric Dabi, diretor do Instituto Francês de Opinião Pública. Ao Le Figaro, o cientista político sublinhou que Jordan Bardella contribui para isso. “Ele rompe com o estereótipo clássico dos políticos. Há um fenómeno identificador: ele é um jovem como eu. E claro que há o efeito nas redes sociais”, afirmou.
Porém, não são apenas os jovens que Jordan Bardella convence. Num tom mais sério e assertivo, o político pouco se exalta em entrevistas e em momentos mais solenes. A roupagem mais populista da União Nacional, associada à Marine Le Pen e ao pai Jean-Marie Le Pen, é contrariada pela sobriedade com que Jordan Bardella discursa. A roupa elegante que usa também ajuda a compor a persona política do jovem de 28 anos.
Um membro do partido Renascença, de Emmanuel Macron, relatou ao Politico que, publicamente, Jordan Bardella apresenta-se sempre com “fato e cabelo arranjado”. Outro conhecido contou ao mesmo jornal que nunca o “viu sem fato“. “Nunca nos tornámos amigos, mas ele era bom a fazer conversa sem nunca revelar muito de si.”
Nem sempre foi assim. O ex-jornalista e media trainer Pascal Humeau, que lhe deu formação para lidar com os meios de comunicação sociais, recordou que, quando o conheceu, Jordan Bardella era um jovem “triste”. Aos 23 anos, “repetia as fórmulas de Marine Le Pen”, mas sem grande substância. “Era uma concha vazia, muito controlado, mas sabia muito pouco sobre o que se passava em França e no mundo”, revelou o responsável à France 2.
“A tranquilidade, descontração e entusiasmo que se pode sentir hoje tiveram de ser trabalhados e demorou meses e meses”, confidenciou Pascal Humeau, acrescentando que até o sorriso e os cumprimentos foram treinados. O objetivo, frisou, era que as pessoas dissessem que “um fascista” pudesse parecer “simpático”. Com uma postura de “humildade consensual”, o antigo jornalista considera que Jordan Bardella se tornou, ao longo dos anos, uma “besta dos meios de comunicação sociais” que até “assusta os oponentes”.
Ainda assim, a oposição não poupa críticas a este cultivo de imagem por Jordan Bardella; os adversários acusam-no de apenas se focar na forma e não na substância. Além disso, outra ideia que os seus adversários tentam passar é a de que o jovem de 28 anos é um “político fantasma”. Para essa fama, conta, por exemplo, o facto de ter faltado a 75% das sessões do Parlamento Europeu, para o qual foi eleito em 2019.
Não é só a oposição que olha com desdém para as táticas eleitorais do jovem de 28 anos. Dentro da União Nacional, existem algumas críticas ao estilo reality-show que Jordan Bardella utiliza. “O lado visual é bom e precisamos dele, mas não deve ser [preponderante] em detrimento da substância”, comenta um amigo próximo de Marine Le Pen ao jornal Express.
A substância de Jordan Bardella. O mesmo discurso anti-imigração de Le Pen, mas menos radical
Com pouca ideologia e passando mensagens simplistas nas redes sociais, a União Nacional quer apresentar-se de forma menos radical aos eleitores, ainda que a sua ideologia se tenha mantido a mesma — aquilo em que a França se chamam habitualmente processo de dédiabolisation da antiga Frente Nacional. Jordan Bardella é o rosto e tem uma vantagem: não usa o apelido Le Pen. Ainda que Jordan Bardella namore com a sobrinha de Marine Le Pen (Nolwenn Olivier), não carrega as polémicas de Marine e Jean-Marie.
Entre várias polémicas, uma das que mais coladas está à pele de Jean-Marie Le Pen tem a ver com o facto ter assumido posições antissemitas. Foi inclusivamente condenado e obrigado a pagar uma multa por dizer que o Holocausto e as câmaras de gás eram apenas um “detalhe” na História. Ao longo dos últimos meses, principalmente desde que a guerra em Gaza começou, Jordan Bardella tem sido confrontado com estas declarações — e se as subscreve. Em novembro do ano passado, causou polémica a assegurar que o antigo candidato presidencial não era “antissemita”. Num debate frente à candidata liberal Valérie Hayer, para estas europeias, corrigiu a rota e declarou: “As palavras de Jean-Marie Le Pen foram observações eminentemente antissemitas”.
Esquecer as polémicas associadas ao legado Le Pen para vencer eleições é uma das componentes da estratégia eleitoral de Jordan Bardella e que começou por ser cultivada pela própria Marine Le Pen e aprofundada agora com o seu delfim. Os dois pesos pesados da União Nacional estão unidos por um propósito — uma vitória nas legislativas no próximo mês e uma vitórias nas presidenciais em 2027 — ainda mais forte.
Em termos ideológicos, Jordan Bardella apresenta vários pontos em comum com a sua mentora política. Critica duramente a “desregulação das migrações” e “o Islão totalitário”, quer limitar o número de imigrantes que entram em França e até propõe introduzir controlos fronteiriços dentro do espaço Schengen.
Publicamente, aquele que poderá vir a ser o próximo primeiro-ministro francês já disse acreditar na “teoria da grande substituição” (teoria racista que acredita haver um plano para substituir demograficamente os europeus brancos por imigrantes), apesar de não gostar do termo. “É muito intelectual”, referiu numa entrevista, ressalvando, contudo, que se assiste a uma “mudança demográfica” que pode “suscitar receios de que França mude as feições dentro de alguns anos”; aliás, garante, esse processo “já está acontecer”.
Colocando na mira os imigrantes muçulmanos, Jordan Bardella assumiu ter um “problema” com “pessoas” que vão para França tentar “mudar o país”: “Tentam mudar a nossa língua, tentam mudar a cultura, tentam impor o burquini nas praias, impõem o véu a meninas de cinco, seis, dez anos, impõem horários separados nas piscinas”, exemplificou, recordando as experiências que vivenciou no bairro onde cresceu, em Saint Denis.
À Reuters, Emile Chabal, professor de História Contemporânea da Universidade de Edimburgo, considera que Jordan Bardella e Marine Le Pen “mantiveram muitos dos aspetos” que estavam no “ADN” da União Nacional, usando um discurso contra as “políticas migratórias e uma hostilidade ao Islão”. Contudo, com o recurso a uma linguagem menos radical, conseguiram que estes assuntos alcançassem e tivessem acolhimento junto a novos públicos. “Tornaram-se no partido dos trabalhadores franceses.”
Altamente crítico do funcionamento da União Europeia e até da NATO, Jordan Bardella ecoa, em grande medida, a postura nacionalista e de defesa da soberania defendida há anos pelos Le Pen. “A sua palavra de ordem é soberania nacional. Eles recusam tudo o que possa limitar a soberania do povo e isso inclui a União Europeia e a NATO. Eles não gostam do Tribunal Internacional de Justiça, nem do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Eles querem mudar a União Europeia por dentro”, disse ao Politico Jean-Yves Camus, especialista em movimentos da extrema-direita em França.
Em termos da política externa, existe uma diferença entre Marine Le Pen e Jordan Bardella, principalmente no que diz respeito à Ucrânia. Enquanto a antiga candidata presidencial olha com desconfiança para os objetivos de Kiev para a guerra e é acusada de ter sido próxima de Vladimir Putin, o jovem de 28 anos é mais pró-ucraniano do que a maioria do seu partido.
“É impossível negociar a paz se a Ucrânia não recuperar o seu território e se as tropas russas não saírem da Ucrânia”, argumentou Jordan Bardella em fevereiro de 2023, lamentando a “ingenuidade coletiva relativamente às intenções e ambições de Vladimir Putin”. O Presidente russo, no entender do político de 28 anos, mudou ao longo dos anos, principalmente após “invadir a Ucrânia e cometer crimes de guerra em Odessa e Mariupol”.
O discurso não estava alinhado com o resto do partido, bastante tímido nas condenações ao Presidente russo. Não é de estranhar que tentassem corrigir a rota. Num esclarecimento ao jornal Libération, a equipa de Jordan Bardella indicou que defende o “retorno da plena soberania da Ucrânia nos territórios ocupados pela Rússia”. Em concreto, trata-se da “saída das tropas russas das conquistas territoriais obtidas” ao longo dos últimos dois anos — excluindo-se, por isso, a Crimeia, ocupada pela Rússia em 2014.
O jovem de mãe imigrante que desistiu da faculdade
Em Saint-Denis, o subúrbio de Paris que o inspirou a entrar na política, Jordan Bardella viveu com a mãe, Luisa, imigrante originária de Itália (mais concretamente de Turim) e que era assistente hospitalar. Ainda que tenha nascido em França, o pai também era filho de imigrantes e detém uma empresa de vending. A avó paterna veio da Argélia, enquanto o avô paterno era italiano.
Os pais divorciaram-se quando tinha um ano e Jordan Bardella cresceu em habitação de cariz social no bairro de Saint-Denis. Contrariamente a muitos políticos, a jovem promessa da União Nacional não nasceu no seio da elite política parisiense; mas também não cresceu propriamente num meio pobre, já que frequentou um colégio privado, que foi pago pelo pai. “Não vem da classe trabalhadora, isso é claro, mas também não é um privilegiado de forma alguma”, resume Jean-Yves Camus.
Sempre bom aluno e entrando em quadros de honra, a política entrou na vida de Jordan Bardella aos 17 anos, quando se juntou à União Nacional. Aderiu à juventude do partido não propriamente pelo que representava, mas por se identificar com o discurso de Marine Le Pen. Desde cedo entrou no núcleo duro da antiga candidata presidencial e foi ganhando, apesar da reduzida idade, cargos de destaque.
A dissidente da União Nacional que saiu do partido em 2017, Sophie Montel, contou ao Le Journal du Dimanche que Jordan Bardella se juntou rapidamente ao “clã de Le Pen”, principalmente por conta do relacionamento que manteve com uma das filhas de Frédéric Chatillon, assessor que foi bastante próximo de Marine Le Pen em tempos.
Conquista espaço na União Nacional, vai sendo promovido e consegue encontrar espaço dentro do partido. Pelo meio, inscreve-se na licenciatura de Geografia na prestigiada Universidade Paris-Sorbonne, mas desiste, devido aos afazeres na política. Torna-se assessor de um eurodeputado da antiga Frente Nacional aos 20 anos, idade com que concorre às primeiras eleições municipais — as quais perde. Em 2017, já é vice-presidente; cinco anos depois, após a derrota presidencial de Marine Le Pen, torna-se presidente da União Nacional.
O antigo media trainer Pascal Humeau contou, desde cedo, que Jordan Bardella tem a ambição de se tornar primeiro-ministro e Presidente de França. O primeiro sonho pode ser já realizado a 7 de julho, data da segunda volta das eleições legislativas francesas. Quanto ao segundo, ainda terá de esperar, dado que é improvável que o jovem de 28 anos queira derrubar a sua madrinha política — e que se tornou inevitavelmente família, por inerência da sua relação com a sobrinha de Marine Le Pen.
Numa entrevista ao Financial Times, Jordan Bardella recusou qualquer “rivalidade” com Marine Le Pen, que está de olhos postos no Palácio do Eliseu em 2027. E existe “uma razão simples” por trás: “Foi ela sozinha que criou esta parceria”. “Devo-lhe uma grande parte do que sou hoje em dia e trabalhamos bem em conjunto.”
Por agora, a parceria Bardella-Le Pen deverá manter-se. O ambicioso e carismático jovem de 28 anos concorre a primeiro-ministro nestas legislativas; a ser eleito, ficará no cargo até 2029, esperando, que, dois anos antes, Marine Le Pen cumpra o sonho do partido e chegue a Presidente. Um antigo assessor da União Nacional antecipa ao Politico que Jordan Bardella tem todo o “interesse em esperar” para empreender, mais tarde, voos mais altos. Porém, o antigo responsável não esconde igualmente que o filho de mãe italiana que cresceu num subúrbio complicado de Paris “está a preparar-se” para chegar um dia ao Eliseu.