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O pássaro azul é mais conhecido. O amarelo começou a ser mais falado nas últimas semanas, quando recebeu novos utilizadores portugueses e brasileiros. Muitos desses aderiram à plataforma por brincadeira. O motivo? O nome Koo, que a rede social diz que representa apenas o som do pássaro amarelo.
Com as incertezas em redor do futuro do Twitter, os brasileiros descobriram o Koo — uma alternativa à rede social de Elon Musk. A plataforma indiana, que diz estar avaliada em mais de 250 milhões de dólares e que conta com investidores como a empresa americana Tiger Global, admite que foi o nome que levou os cidadãos do Brasil a criarem uma conta: “Começaram a falar sobre isso no Twitter e a piada ficou viral”.
As brincadeiras com o nome Koo invadiram as redes sociais e muitos quiseram perceber que plataforma era esta que, de repente, tinha conquistado a atenção do Brasil. Lançada em março de 2020, descreve-se como a “segunda maior plataforma de microblogging [pequenos posts] do mundo” — que afirma ter à sua frente apenas o Twitter, “em termos de downloads de utilizadores”.
Em comunicado enviado ao Observador, a startup indiana diz que a sua plataforma conta, no total, com “mais de 50 milhões de downloads realizados” e que compete com “Twitter, Gettr, Mastodon e Parler”. O Koo não divulgou o número de utilizadores ativos mensais, mas a Fortune India estima que sejam entre 10 e 15 milhões — incluindo as “mais de 7.500 personalidades eminentes da política, do desporto, da comunicação, do entretenimento, da arte e da cultura” que utilizam a rede social. No Koo, essas figuras públicas têm as contas verificadas com um selo amarelo (equivalente ao selo azul do Twitter).
Entre “toots” e “boosts”, pode o Mastodon ser mesmo uma alternativa europeia ao Twitter?
Atualmente, a rede social indiana está disponível em 11 línguas: hindi, canará, tâmil, telugu, marata, bengali, assamês, guzerate, panjabi, inglês e português. A versão portuguesa ficou disponível este mês e a plataforma diz que nas primeiras 48 horas obteve “mais de um milhão de utilizadores” do Brasil a fazer download da aplicação. Além disso, refere que, nesse mesmo período de tempo, registou “mais de dois milhões de koos [nome dado às publicações partilhadas, equivalente a tweets] e 10 milhões de likes“. A cantora Claudia Leitte e o ator e comediante Felipe Neto são duas das personalidades que utilizam a rede social, com o youtuber a ser o brasileiro com mais seguidores (tem um total de 770 mil).
Os números do Koo em Portugal são parecidos aos do Brasil?
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Não. No primeiro contacto feito pelo Observador, o Koo mencionou apenas os números do mercado brasileiro. Após insistência, a startup declarou que recebeu “mais de 75 mil utilizadores portugueses nos últimos sete dias”.
“Investimos muito tempo no Brasil. Ainda não o fizemos em Portugal”, admite a rede social indiana, que acrescenta que não faltará “muito para que um fenómeno semelhante” ao que aconteceu com o aumento de utilizadores do Brasil “ocorra também em Portugal”.
O aumento de utilizadores que o Koo registou, provenientes principalmente do Brasil, originou alguns bugs na aplicação — por exemplo alguns utilizadores deixaram de conseguir ver o número de seguidores. Foi com recurso ao “rival” Twitter que o Koo garantiu que a equipa estava a trabalhar para resolver os problemas. Mas será que fazem o suficiente para ser uma alternativa segura para aqueles que querem deixar o Twitter? Os especialistas contactados pelo Observador pedem cautela.
Nossa equipe está trabalhando em alguns bugs que foram causados devido a muitas mudanças que a equipe fez às pressas nos últimos 3 dias. Vamos consertar isso hoje! Alguns de vocês não podem fazer login ou acessar a conta, não se preocupe. Está sendo consertado ????????????
— Koo Brazil (@KooForBrasil) November 20, 2022
O Koo é seguro? Os especialistas têm dúvidas
Com a chegada de mais utilizadores, os especialistas alertam para a possibilidade de o Koo se poder tornar “num alvo mais atrativo” para os piratas informáticos. As preocupações adensam-se se a rede social “continuar a ganhar popularidade”, afirma Luis Corrons. Desta forma, o especialista da segurança da Avast pede aos utilizadores para terem “todas as precauções possíveis para evitar que as suas contas sejam hackeadas“.
Os bugs verificados nos primeiros dias após a disponibilização da língua portuguesa na plataforma foram apenas o início dos problemas. A conta de Felipe Neto foi hackeada e a rede social reconheceu que “relaxou um pouco a segurança” para que todos os utilizadores pudessem “obter o seu OTP [código único que se recebe para fazer a verificação da conta]”, com o pirata informático a aproveitar-se “dessa falha”. De acordo com o Tech Crunch, o hacker fez publicações no Koo do youtuber brasileiro a avisar que estava, com a invasão, a alertar os utilizadores para a falta de segurança da rede social.
Após a falha, o Koo garantiu que todos os dados dos utilizadores estavam “seguros”. E Felipe Neto explicou que a rede social lhe tinha garantido que erros como este “nunca” mais voltariam a acontecer, revelando que ia processar o “hackerzinho” que “quis fazer a graça”. O youtuber garantiu, por outro lado, no Twitter que o pirata informático “não teve acesso a NADA, só conseguia publicar”. Contudo, o especialista espanhol Luis Corrons, contactado pelo Observador, garante que “quando se entra na conta de outra pessoa, tem-se acesso às mesmas informações e serviços que ela”.
Tínhamos um hacker agora que mexeu na conta do Felipe. Nossa equipe relaxou um pouco a segurança para garantir que todos pudessem obter seu OTP e o hacker usou essa falha. Ele precisa ser levado à tarefa! Desculpe o incómodo. Todos os dados estão seguros, então não se preocupe.
— Koo Brazil (@KooForBrasil) November 19, 2022
1) Explicando sobre o hacker no meu koo
Ocorreu uma falha no sistema durante 2h. Período em q os engenheiros da rede social liberaram um acesso mais fácil pela qnt de novas contas.
Foi por aí q o hacker entrou na minha conta, mas ele não teve acesso a NADA, só conseguia postar.
— Felipe Neto ???? (@felipeneto) November 20, 2022
Questionado sobre se o Koo era uma alternativa segura ao Twitter, Luis Corrons afirma que não utiliza e não pretende no futuro utilizar a rede social indiana. Isto porque “uma das melhores abordagens” para proteger os dispositivos contra o malware e contra os piratas informáticos é “ativar a autenticação de dois fatores”, tecnologia que o Koo não implementou. “As redes sociais são utilizadas para interagir e seguir pessoas. O Twitter é muito mais forte nesse campo. Isso pode, no entanto, mudar. O Koo pode ser uma alternativa interessante, mas tem trabalho a fazer. Eu nunca entraria numa rede social que não permitisse a autenticação de dois fatores“, acrescenta.
Quem também tem dúvidas em relação à segurança do Koo e pede às pessoas para “esperarem para ver” é Ricardo Lafuente. O vice-presidente da Associação D3 — Defesa dos Direitos Digitais diz que a intromissão na conta de Felipe Neto é um erro que “certamente estará resolvido e ultrapassado”, “mas não quer dizer que não tenhamos de nos preocupar. Pelo contrário, temos que nos proteger”, alerta, acrescentando que “as próximas semanas serão muito esclarecedores” acerca dos prós e contras da plataforma indiana.
Ao Observador, Ricardo Lafuente afirma ainda que quem já criou uma conta no Koo deve ficar “atento às notícias porque pode facilmente vir ao de cima uma surpresa”. Para os que estão interessados, mas ainda não criaram uma conta o conselho é “esperar” e não criá-la antes de serem dadas mais garantias de segurança. Posto isto, se tivesse que sugerir uma alternativa ao Twitter, numa altura em que a rede social está no “olho da tempestade”, Ricardo Lafuente aponta para o Mastodon.
O Koo permite discurso que incita ao ódio e divulgou dados pessoais dos utilizadores?
As preocupações dos especialistas quanto à segurança do Koo não se devem apenas à invasão da conta de Felipe Neto. Ainda antes de estar nas ‘luzes da ribalta’, a rede social indiana viu-se envolvida em algumas polémicas. Sediada em Bangalore, centro tecnológico na Índia, a aplicação tinha sido lançada há menos de um ano quando, em fevereiro de 2021, o Twitter e o governo do país entraram em confronto.
O executivo liderado por Narendra Modi pretendia, segundo a BBC, que fossem bloqueadas contas e tweets ligados a protestos contra as leis da reforma agrária (entretanto revogadas), que iam permitir aos agricultores vender os seus produtos a compradores da sua escolha — fora dos mercados controlados pelos Estado, que forneciam a garantia de um preço mínimo de apoio em certos produtos. Em resposta a um aviso legal, o Twitter bloqueou cerca de 250 contas. Porém, seis horas depois, restabeleceu-as citando “justificação insuficiente” para continuar com a suspensão.
De seguida, o governo indiano voltou a pedir à rede social para bloquear as contas e ameaçou os funcionários da rede social na Índia com ações legais — de até sete anos de prisão — caso não o fizessem. O Twitter respondeu afirmando que suspendera mais de 500 contas, algumas de forma permanente, que violavam as diretrizes ou que estavam envolvidas em “manipulação” de informação ou spam. Porém, deixou claro que contas de empresas de comunicação, ativistas, políticos e jornalistas não seriam bloqueadas, pois isso “violaria o seu direito fundamental à liberdade de expressão sob a lei indiana”.
Ao perceber que o Twitter iria continuar a desafiar o Governo, ministros e legisladores do Partido Bharatiya Janata (BJP) do primeiro-ministro Narendra Modi viraram-se para o Koo — a rede social “da casa”. Foi a partir daí que a rede social começou, escreve a BBC, a ser acusada de não remover discurso de ódio contra muçulmanos e de amplificar a propaganda do governo. O Koo nega as acusações argumentando que proíbe esse tipo de discurso e a publicação de conteúdos discriminatórios ou ofensivos. Quanto às ligações ao governo ou à extrema direta, a plataforma considera-se “apolítica” e “neutra”. Em comunicado, o Koo salienta que a sua aplicação “nunca vai influenciar as escolhas ou decisões dos utilizadores”.
Na mesma altura em que o Koo começou a ser acusado de amplificar a propaganda do governo indiano, o hacker francês Baptiste Robert alegou, publicamente, que a rede social estava a divulgar dados pessoais dos seus utilizadores. “Pediram, então eu fiz. Passei 30 minutos nesta nova aplicação Koo. A app está a divulgar dados pessoais dos seus utilizadores: email, data de nascimento, nome, estado civil e género”, escreveu, em fevereiro de 2021, num tweet que contém imagens que mostram os dados de uma pessoa.
You asked so I did it. I spent 30 min on this new Koo app. The app is leaking of the personal data of his users: email, dob, name, marital status, gender, … https://t.co/87Et18MrOg pic.twitter.com/qzrXeFBW0L
— Baptiste Robert (@fs0c131y) February 10, 2021
A reação oficial do Koo demorou um dia a chegar. Aprameya Radhakrishna afirmou que as alegações do pirata informático eram falsas porque os “dados visíveis são algo que o utilizador mostra voluntariamente no seu perfil”. “Não pode ser chamado de divulgação de dados. Se visitar um perfil de um utilizador poderá ver [essa informação]”, escreveu o CEO e cofundador da rede social no Twitter.
De acordo com o jornal Tribunal India, Baptiste Robert considerou que as declarações do CEO da plataforma eram “mentira”. Ainda assim, o Observador verificou que atualmente é possível colocar essas informações pessoais no Koo e ter acesso a elas quando se carrega no perfil de um determinado utilizador. Porém, não é obrigatório colocá-las. Fica ao critério de cada pessoa.
Some news about data leaking being spoken about unnecessarily. Please read this:
The data visible is something that the user has voluntarily shown on their profile of Koo. It cannot be termed a data leak. If you visit a user profile you can see it anyway
— Aprameya ???????? (@aprameya) February 11, 2021
Com a chegada à ‘ribalta’ fora da Índia, as polémicas a envolver o Koo voltaram. O Tech Crunch relatou que foram publicados vários tweets que sugeriram que a aplicação estava repleta de pornografia infantil. A rede social condenou as publicações e disse que as contas que colocassem esse tipo de conteúdos seriam bloqueadas “para sempre”.
Aqueles que postam pornografia infantil:
1. Que vergonha
2. Você será bloqueado para sempre
3. Vá arrumar um emprego e não jogue sua sujeira na humanidade????????????????????
— Koo Brazil (@KooForBrasil) November 21, 2022
Com o potencial aumento de publicações diárias à medida que recebe mais utilizadores, os especialistas temem que o Koo tenha ainda mais dificuldades em fazer a moderação de conteúdos. Ricardo Lafuente vê “os sinais” — as polémicas que envolvem a rede social — com alguma preocupação. “A moderação de conteúdos é absolutamente fundamental para assegurar que as plataformas não passam a ser ninhos de spam, de assédio. E não temos qualquer pista de como é que o Koo pretende assegurar ou sossegar os seus utilizadores na moderação que os proteja das ameaças frequentes na internet. Falta mesmo essa garantia”, vinca o vice-presidente da Associação D3.
O Observador questionou o Koo acerca da moderação de conteúdos. A rede social afirma que “a moderação de conteúdos é muito importante para salvar a humanidade dos elementos falsos da sociedade”. Além disso, diz que “não há espaço para mentiras” na plataforma e que trabalha com “fact checkers que ajudam a verificar a veracidade de uma publicação”. Se esses confirmarem que são fake news, a “publicação é apagada” e as contas que começaram a disseminar essa informação são “monitorizadas”.
Acreditamos absolutamente que o conteúdo precisa de ser moderado”, revela o Koo, que “acredita numa liberdade de expressão responsável” com a desinformação e o discurso que incita o ódio combatidos.
As (muitas) semelhanças com o Twitter
O pássaro amarelo quer ser uma alternativa ao Twitter e tem muitas semelhanças com a rede social comprada por Elon Musk. Desde logo, o Koo está disponível em Android e iOs, mas também tem uma versão web.
Quem cria uma conta no Koo percebe que a aplicação é muito parecida à do Twitter: tem um feed, tem tendências, usa hashtags e assume a verificação de contas com um selo, que neste caso é amarelo e não azul. Ao contrário do que acontece na rede social de Musk, na plataforma indiana, quando se carrega num tópico que está entre os mais populares, percebe-se que as publicações que aparecem já têm várias horas e não apenas alguns segundos ou minutos (que é o que acontece nas tendências do Twitter).
Para escrever uma publicação sobre um tópico que esteja nas tendências basta carregar no “+”. Aqui vem a primeira diferença relativamente ao Twitter: ao carregar nesse sinal a hashtag desse tópico aparece automaticamente sem que precise de a escrever. Se quiser comentar um tópico que não esteja nas tendências é preciso carregar no botão “+koo” que na versão web aparece na barra lateral esquerda do ecrã. Na aplicação aparece no fundo do ecrã, do lado direito. Os botões para adicionar uma publicação no Koo aparecem exatamente no mesmo sítio dos do Twitter, para adicionar um tweet.
No botão das definições que está na caixa onde pode escrever o koo consegue decidir quem pode comentar o seu post. As opções são “todos”, “as pessoas que segue” ou “ninguém”. E pode aplicar a sua escolha a “todos os koos”, ou seja, a todos as publicações que fizer daí em diante.
As semelhanças são muitas, mas também há algumas diferenças — principalmente depois de o Koo ter adicionado novos recursos este mês. Agora, a aplicação indiana permite agendar uma ou mais publicações em datas e horários diferentes e colocar até 10 fotografias de perfil. De acordo com o jornal indiano First Post, Mayank Bidawatka, cofundador da rede social, disse que alguns destes recursos “são inéditos no espaço social” e que o Koo é o primeiro a “permitir que os utilizadores carreguem até 10 fotos de perfil”.
As publicações do Koo também não têm limite de caracteres — ao contrário do que acontece com o Twitter, onde não podem passar dos 280. Ainda assim, Elon Musk já admitiu que o aumento do limite está “na lista” de coisas a fazer.
It’s on the todo list
— Elon Musk (@elonmusk) November 28, 2022
Para o futuro, o Koo quer ‘aproveitar’ a incerteza vivida no Twitter e “em breve”, segundo o cofundador Mayank Bidawatka, será possível encontrar os seus seguidores do Twitter no Koo e fazer a “migração” de todos os antigos tweets para essa plataforma. Não foram dados mais detalhes sobre como é que a migração será feita, nem de que forma o Koo vai colaborar com o Twitter para que tal aconteça.
We will soon enable you to seamlessly migrate all your old Tweets to Koo and also help find your existing Twitter following on Koo. Will keep you posted.
— Mayank Bidawatka (@mayankbidawatka) November 18, 2022
Questionado sobre a liderança de Elon Musk no Twitter, o Koo afirma que existe nessa plataforma “muita instabilidade” que causa “agitação entre os utilizadores de todo o mundo”. Dizendo ter crenças “diametralmente opostas” às da rede social do pássaro azul, a startup indiana considera que essa empresa “já não é estável ou neutra. E isso é muito perigoso para uma plataforma que deve representar os valores democráticos”. Os despedimentos marcam o ano das duas empresas: a plataforma indiana conta com 200 funcionários, depois de em agosto ter demitido, devido a “problemas de performance”, 5% dos trabalhadores; o Twitter conta com cerca de 3.800 funcionários depois de ter demitido cerca de 3.700 com a chegada do homem mais rico do mundo.
As respostas escritas enviadas pelo Koo ao Observador terminam a desejar o melhor para o Twitter. Porém, a realidade é que tenta competir com essa rede social e quer receber as pessoas que dela estão a desistir. Ainda assim, a própria Koo não larga o Twitter. É à rede de Musk que tem recorrido sempre que tem algum anúncio a fazer ou sempre que precisa de avisar os utilizadores sobre um problema técnico.