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Histórico da UDP faz parte da moção E, a única que se oporá à moção A, de Mariana Mortágua
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Histórico da UDP faz parte da moção E, a única que se oporá à moção A, de Mariana Mortágua

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Histórico da UDP faz parte da moção E, a única que se oporá à moção A, de Mariana Mortágua

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Mário Tomé: Saída de Mariana Mortágua de CPI à TAP "é atitude de arrogância e deselegância"

Em entrevista, histórico deixa fortes críticas a Mortágua e a uma direção que diz ser pouco democrática e centralista. Estar no Governo com PS seria "fim do BE". Posição sobre Ucrânia é "oportunista".

Histórico da UDP e do Bloco de Esquerda, membro da Mesa Nacional do partido e, nos últimos anos, crítico da linha que a direção tem seguido, Mário Tomé é o rosto mais conhecido da moção E — a única moção, representada pelo ex-deputado Pedro Soares, que desafiará a moção A, de Mariana Mortágua, na convenção do partido marcada para 27 e 28 de maio. E é a Mortágua que deixa uma das críticas mais duras, considerando a decisão de abandonar a Comissão de Inquérito à TAP “deselegante” e “arrogante”.

Em entrevista ao Observador, o histórico bloquista mostra, de resto, a sua desilusão em relação à atual gestão do partido, que acusa de não querer fazer o balanço das derrotas — o que só por si justificaria “quase uma revolução interna” — e de tratar o Bloco de forma burocrática e centralista, fingindo uma democracia interna que é “mentira”.

Arrepia-se com a ideia de ver o partido num Governo ao lado do “neoliberal” PS — “era o fim do Bloco” — e, mesmo admitindo que a candidatura de que faz parte vai perder, quer ver o Bloco a mudar de rumo e a estar mais nas ruas, em vez de ser “obrigado” a apoiar os sindicatos. Sobre a guerra na Ucrânia, discorda da ida do Bloco a Kiev, dispara acusações de “oportunismo”, critica EUA e NATO e diz que o partido se esqueceu das suas posições históricas. “Ou então já não são aquilo que eram…”

“Bloco perdeu a capacidade de interpretar a realidade”

Tem muitas décadas de militância, primeiro na UDP e agora no Bloco de Esquerda. Nos últimos anos tem-se mostrado desiludido com algumas opções do Bloco. O partido que temos hoje é o Bloco que faz falta à esquerda portuguesa?
Não. O Bloco nasceu para transformar a situação política em Portugal, de forma radical, e a resposta da esquerda aos problemas com que o mundo e o povo português se defrontam. Neste momento, o Bloco está a falhar nesse escopo.

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Porquê?
Não está a dar a resposta que se esperava. Está pendurado na esperança de um dia vir a ser útil ao PS, esse é o grande problema do Bloco. Depois desta derrota de 2022 — uma grande derrota, não vamos fingir que foi só uma derrota.

Que surge no contexto de um ciclo de derrotas nos últimos anos.
Sim. Na Madeira, nomeadamente, perdemos qualquer representação parlamentar. Isso não é por acaso. A direção tem tentado fugir ao balanço. Não se pode dizer: ah, não votaram em nós.

Mas a direção está com medo de alguma coisa?
Não quero substituir-me aos sentimentos da direção. O que têm é já uma grande adequação aos lugares do Parlamento, que perderam mas pensam que continuam lá. Os que estão a mandar – o termo pode parecer excessivo para um partido democrático com pretensões revolucionários — adequaram-se ao Parlamento e a intervenção do Bloco tem sido essencialmente a partir de lá. É importante. Mas um partido como o Bloco, que nasceu e viveu como o Bloco, não pode ter isso como centro da sua atividade. Tem de ser a intervenção na sociedade, no concreto, junto dos trabalhadores e das pessoas, do movimento social. É evidente que o Bloco aparece, e vai lá, mas perdeu a capacidade de interpretar a realidade, e não olhar de cima, do Parlamento.

"[Posição do Bloco sobre a guerra na Ucrânia] é uma opção oportunista, claro que é. Ou então já não são aquilo que eram. Se calhar não são"

“Saída de Mortágua do comissão de inquérito? Por amor de Deus. É deselegante”

Escreveu que “a fulanização aproxima o Bloco de uma feira de vaidades”. Isso está a acontecer no caminho para esta convenção? A candidatura de Mariana Mortágua alimenta isso?
Alimenta, porque estão a transformar esta convenção não num confronto de ideias políticas, mas ao nível da personalidade. Esta saída da Mariana da comissão de inquérito. Não percebo. Dizem: ah, é porque vai preparar [a convenção]. Vai preparar o quê?

Acha que não havia necessidade?
Não é haver necessidade. Estamos a confrontar propostas políticas e moções apresentadas à militância. A Mariana é uma excelente deputada, então nestas comissões de inquérito é muito reconhecida. Vai sair porquê? Vai preparar o quê? A direção do partido?

Ouça aqui em podcast a entrevista a Mário Tomé conduzida por Mariana Lima Cunha.

Mário Tomé desiludido com o Bloco Esquerda

É uma questão de centralizar muito na figura dela esta candidatura?
Sim. É uma atitude de arrogância. Vai tomar conta do partido? O que é isso? É deselegante. Há um confronto de duas moções. E depois a Mariana sai. Por amor de Deus.

Mas é como se a convenção fosse tratada como um pró-forma?
Não é como se fosse, é o que estão a fazer. Recusam todos os debates públicos.

Houve um público, transmitido pelo esquerda.net, mas foram recusados os propostos por jornais. 
Isso mostra que querem fazer da convenção um pró-forma: isto é nosso e vai continuar a ser nosso.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“Sucessão de Catarina? Burocracia é a forma mais bruta de poder”

Acredita que a moção E tem alguma hipótese real de ganhar? Qual é a vossa fasquia?
Não sei bem trabalhar com fasquias. Já saltei em altura quando era puto. Acho que vamos ter uma boa votação. É evidente que não vamos ganhar, porque há todo um percurso de sectarismo, de afastamento, de inquéritos — nunca se viu o Bloco com tantos inquéritos como agora.

Os inquéritos são processos internos a militantes.
Até na tropa, quando a gente via uma unidade militar com muitos castigos, dizia: a coisa não funciona. Como é que há tantos inquéritos e penalizações? Mostra que há aqui um centralismo burocrático e que a vitalidade e alegria que eram o funcionamento do Bloco estão a perder-se, para não dizer que já se perderam.

O facto de se ter começado a noticiar a candidatura dela horas depois da notícia da saída de Catarina Martins indicia que o processo tem algo de sucessão dinástica?
Dizem que não será dinástica, mas é encomiástica. Temos aqui a grande Mariana para substituir a grande Catarina… Sempre apreciei muito a Catarina e acho que a geringonça se deve a ela. No debate com António Costa em 2015, ela confrontou-o e disse que se estivesse disposto a certas condições, conversavam no dia a seguir às eleições. A Catarina teve um papel muito importante, mas depois há a máquina. E ela também é responsável. No sentido da burocracia que se veio instalando. A burocracia é a forma mais subtil e ao mesmo tempo mais bruta de poder. Admite-se que um partido que nasce assim praticamente não tenha núcleos? Os núcleos são a osmose do partido, das suas ideias e militantes, à sociedade.

As duas candidaturas, em temas como a oposição ao PS, no apoio às maiorias sociais, em vários pontos estão perfeitamente de acordo. Afinal o que é que as separa fundamentalmente?
Pode parecer que não é fundamental, mas é: a recusa sistemática de fazer o balanço. Como é que se pode avançar para uma estratégia de futuro sem isso? Depois, a falta de polarização com o PS. É evidente que o Bloco agora está na oposição, mas o Bloco não nasceu para ser oposição: nasceu para ser alternativa. Para uma sociedade nova, que tenha como referência o ecossocialismo. Depois tem de lutar contra os despedimentos, contra o pacote laboral, nas lutas concretas dos trabalhadores, e apresentar propostas de orientação. E ter um objetivo utópico. Não é no sentido do que é realizável, mas no sentido do que não temos, mas desejamos ansiosamente e achamos que temos direito a isso. A direção desistiu. Deixou de falar nisso, no socialismo; dá uns saltinhos nas manifestações a dizer que é anticapitalista. o que é ser anticapitalista? Qualquer fascista diz que é anticapitalista — mas não é. Somos anticapitalistas, ok, mas para quê? Temos de dar como referência o socialismo, o ecossocialismo.

"A Catarina teve um papel muito importante, mas depois. há a máquina. E ela também é responsável. No sentido da burocracia que se veio instalando. A burocracia é a forma mais subtil e ao mesmo tempo mais bruta de poder"

“O BE abdicou da luta, da polarização com o PS”

O período da geringonça mudou o perfil do Bloco enquanto partido? Quando é que esse foco se perdeu?
Custa-me ir por aí porque acho que a geringonça foi muito importante. Só que foi uma tática de uma mente mais arguta, o António Costa. Foi uma forma de ficar no poder e não de resolver os problemas do país, porque se a gente for a ver não resolveu problemas. Travou uma ofensiva da troika e de Passos Coelho, mas foi o mínimo. A partir de metade da legislatura o essencial estava feito. Era preciso que o Bloco fosse capaz de dizer: a partir daqui vamos fazer um novo acordo escrito. Admite-se que com a geringonça o pacote laboral tenha ficado na mesma?

Porque é que a direção não avançou para essa renegociação?
Porque fundamentalmente estava interessada em estar com o PS. Não acredito que não percebesse as intenções do PS — temos grandes políticos na direção do Bloco. Perceberam, mas escolheram. Foi uma opção. E mantiveram-na. Tivemos eleições em 2019 com um belo programa, chamado social-democrata — a social democracia desde a Tatcher e o Reagan hoje é uma nostalgia, não tem base material para existir porque a finança é que manda em tudo. Era um belo programa e em 2022 também, mas passou a campanha a apelar à unidade com o PS. O PS está classificado pelo próprio Bloco como um partido socio-neoliberal, que existe para cumprir as orientações da UE, que representa tudo aquilo que o BE quer combater para que a sociedade se transforme. Como é possível passar uma campanha a dizer que queremos unidade com o PS?

Mas concorda que a geringonça veio permitir ao Bloco ter uma relevância e influência de que o partido precisava?
Sim, claro.

E o que é que aconteceu? O partido ficou um bocadinho viciado nessa influência?
Não digo viciado. É abdicar da luta, da polarização com o PS. Porque mantém-se a ideia, foi expressa numa convenção, de que o Bloco ia para o Governo. Como é que o Bloco podia sequer pensar em ir para o Governo com um partido com as características que o PS tinha e que, teoricamente, o Bloco só propôs o acordo para travar o avanço da direita. Isso estava esgotado, já se sabia claramente o que o PS é, queria e quer. E está aí. Temo que ainda pensem em ir para o Governo com o PS. Para mim, era o fim do Bloco. O Bloco surge como alternativa e alia-se de forma estruturante ao partido que é a representação da política neoliberal em Portugal? Porque é que o PSD anda aí a patinar?

Acha que foi esvaziado?
Foi, pelo PS. É uma grande vitória da esquerda? Não, o PS é que representa os interesses do neoliberalismo imposto pela UE e a finança em Portugal.

Portanto o PS é que age como um partido de direita.
Não chamo ao PS um partido de direita porque ofendo aquela malta toda. Mas têm de começar a pensar a sério nisto. E se não veem o outro pólo, que devia ser o Bloco, a polarizar ativamente com a política do PS e da direita. A direita sobe porque o PS não dá resposta aos problemas dos trabalhadores, porque há uma revolta permanente nas pessoas. Precisavam de algo que polarizasse do seu lado. A extrema-direita não está a polarizar do lado dos trabalhadores: quer usá-los.

Mas o Bloco tem-se assumido como oposição à maioria absoluta. Não é suficiente?
Mantém-se a mesma questão: há um discurso de papel químico. Somos da esquerda, somos dos trabalhadores. Mas onde é preciso estar. Tivemos casos como o do sindicato dos motoristas das matérias perigosas. O Bloco esteve fora disto, pôs-se contra. Não podia. Tinha de apoiar, dizer que era preciso uma greve a sério. Em relação à luta dos professores, o Bloco foi obrigado a ir apoiar o STOP, que mostrou que mobilizava milhares de professores.

Isso é problema do Bloco? Ou da esquerda, e do PCP também?
O PCP tem uma tradição de ser a esquerda bem organizadinha, tem o esquema montado. Mas isso sempre foi assim, até no PREC. O PCP às vezes era aventureiro e depois travava. A esquerda está muito mal. E se o Bloco não assume o seu papel. Temos grandes desafios pela frente. Não é só o Bloco.

Que desafios são esses para o novo mandato? O que mais o preocupa?
Temos de apresentar-nos como aqueles que entendem o que se está a passar e desmontar todo este sistema, estar na luta dos trabalhadores e apresentar propostas para que essa luta vingue. Precisamos de um serviço nacional de Habitação. É preciso um novo compromisso civilizacional pelo ecossocialismo, a ciência, as novas gerações, estruturado do ponto de vista político e depois da resposta tática. E aqui vamos esbarrar diretamente com o PS, isso tem de ser assumido. A moção E tem de conseguir ter militância que perceba isto. Acho que a militância percebe, mas a culpa também será um pouco nossa, mas há um certo divórcio das bases em relação ao Bloco. Esta burocracia, este sectarismo, este afastamento das bases, esta direção tem a sua estrutura montada, dá as orientações. E faz-se sem entusiasmo, sem participação. A própria militância aderente à direção perdeu o entusiasmo.

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“Há uma aparência de democracia interna no Bloco”

Na Mesa Nacional, onde tem assento, sente que é ouvido? As decisões são participadas, abertas?
Ouvido sou. Participado como? A gente intervém, a maioria vota. A Comissão Política, por exemplo, está esvaziada. O secretariado é que manda. As discussões são mínimas, depois vota-se e ganha a maioria. É evidente que isso é democrático à brava, mas é mentira.

É uma aparência de democracia interna?
É uma aparência de democracia interna. Nos núcleos, concelhias e distritais é que se deve elaborar a política. Claro que a direção depois cumpre as decisões do coletivo. Aqui é ao contrário. Não é só no Bloco, é em todo o lado. São os velhos partidos que nunca foram o que era necessário para as transformações na sociedade e agora ainda menos.

O Bloco está numa lógica muito profissionalizada? Desde quando?
Burocrática. O Bloco nasceu do encontro da UDP, PSR e Política XXI. Nos primeiros dois ou três anos era necessário manter esta equação, era preciso manter uma ponte, criar as estruturas necessárias. A partir daí decidiu-se e muito bem: agora é a militância. Já não há cá as organizações que deram origem ao Bloco. Podem existir enquanto associações políticas, mas o Bloco são os militantes e esse funcionamento define o caminho do Bloco. Passado poucos anos, alguém teve a clarividência — isto é irónico — de dizer que agora era o tempo das tendências. Esse tempo liquidou o pulsar democrático e revolucionário do Bloco, cujo funcionamento parte do confronto e dos acordos, das dinâmicas de confronto e unidade das tendências, como pequenos partidinhos. Voltou-se ao princípio. Agora estão unidas.

Tem havido unidade desde o embate entre Catarina Martins e Pedro Filipe Soares, em 2014.
Agora estão unidos. Ainda por cima quando surge uma alternativa.

Mas desta vez a moção E teve menos assinaturas do que há dois anos e a porta-voz de há dois anos desvinculou-se. Porquê? Tiveram dificuldades em mobilizar as pessoas que querem uma alternativa no Bloco?
Pode parecer uma desculpa, mas não é: a militância do Bloco esmoreceu. O pessoal começa a ficar menos empenhado. Isso tem consequências, tanto em relação à maioria como a nós. Não sei porque é que a Ana Sofia e o Bruno Candeias saíram da Convergência, eles falaram comigo, deram-me essa deferência, porque éramos os três da Comissão Política. Disseram que achavam que isto não estava a ter a dinâmica que devia. A minha proposta era trabalharmos para essa dinâmica, todos. Não? Tudo bem, não vou tentar convencê-los de nada, são tão inteligentes do que eu ou mais.

Mas houve pessoas desiludidas com a forma como a Convergência tenta apresentar uma alternativa dentro do Bloco?
É possível. Se elas se afastam é porque não se sentem bem. Por mim, a Convergência surgiu em boa altura e mantém – com os condicionamentos que já referi, que é uma certa abolia geral da militância, que se traduz e reflete na Convergência – mas a moção E não é só Convergência. Temos de dinamizar, pode ser que as nossas propostas e o confronto na convenção mobilizem o pessoal.

Na direção há quem, ao analisar a ação da moção E, diga que é uma oposição pela oposição, sem diferenças fundamentais e com críticas às pessoas.
A gente não criticou pessoa nenhuma.

Quando tentaram antecipar esta convenção para o ano passado, a direção disse que a intenção era fazer rolar cabeças.
Isso é um disparate total. Exigir um balanço não é cortar cabeças. Eles é que são cabeçudos. Até a mercearia mais pequenina faz um balanço nas contas. Perdem catorze deputados e é só porque as pessoas não votaram? Mas porque é que não votaram? Como é que um partido que tinha a vitalidade do Bloco tem esta perda de influência política e a direção diz que não é preciso fazer um balanço? Dava quase para fazer uma revolução interna. Mas não, vai andando. As pessoas habituaram-se a ir caminhando e é por isso que é preciso um abanão, com propostas fortes.

"O secretariado é que manda. As discussões são mínimas, depois vota-se e ganha a maioria. É evidente que isso é democrático à brava, mas é mentira"

“Bloco tem uma opção oportunista face à guerra na Ucrânia”

A moção E diz que o Bloco está também submetido às opções dos Estados Unidos e da NATO, embora a direção venha criticando repetidamente ambos e pedindo uma conferência de paz. O que é que falta a direção fazer?
Ou não fazer. O que não devia ter feito era ir na delegação de Augusto Santos Silva a Kiev, a convite de um assassino.

Está a falar do presidente do Parlamento ucraniano.
Sim, um nazi. E pior: foram na delegação e não tiveram uma palavra para a exclusão, o afastamento, a prisão de pessoas que não estavam de acordo com o Governo.

Mas a ida da deputada do Bloco, Isabel Pires, não é importante para mostrar solidariedade com a Ucrânia e com o povo ucraniano?
A solidariedade com o povo ucraniano não se mostra assim. É exigindo uma conferência de paz de que o Bloco agora já fala, mas esteve um ano para falar nisso, apesar de haver propostas a tentar esclarecer o que se passa na Ucrânia. A solidariedade mostra-se exigindo que pare a guerra e indo às razões que levaram a que a guerra esteja a ser um instrumento à custa do sofrimento do povo ucraniano para, segundo foi dito por Joe Biden, esta guerra durar até enfraquecer a Rússia. Os objetivos estão aí.

Mas acha que a guerra interessa mais a esse eixo ou à Rússia, que é o invasor?
A Rússia tem de parar a guerra primeiro, para haver uma conferência de paz. Desde o Kissinger, o grande estratega dos crimes de guerra durante estes anos todos, de que a gente parece que se esquece; ao Edgar Morin, que já disseram: a guerra tem de parar imediatamente. Temos de ir discutir, como se fez em qualquer guerra.

E como é que se obriga a Rússia a parar? É cedendo território ucraniano?
Não tenho de me pronunciar sobre isso. É o que têm de decidir numa conferência de paz. Em 1917, na Revolução Russa durante a Primeira Guerra Mundial, os pilares eram pão, terra e paz. Quando os bolcheviques propuseram à Alemanha a paz, a Alemanha tinha ocupado milhões de quilómetros quadrados da Rússia. E eles disseram: está bem, a gente faz a paz mas ficamos aqui. O que fizeram os bolcheviques? Para acabar com a guerra tiveram de aceitar e perderam milhões de quilómetros quadrados. Mas isso é um problema que tem de ser discutido pelas partes. Porque se não a guerra eterniza-se, a Rússia é incapaz de reconhecer a derrota e entramos numa escalada brutal. Portugal foi metido na guerra sem ser ouvido o Parlamento. Claro que iam votar a favor de continuar a guerra, porque manda o Biden e eles fazem. Toda a gente quer fugir a isto, mas isto é uma guerra dos Estados Unidos contra a Rússia, que invadiu, deu todas as abébias aos EUA e eles aproveitam. Também fizeram coisas para que a coisa fosse para aí. E a pensar na China. E se esta questão não é clarificada e discutida, ficamos assim: os russos são maus – e o Putin é, os russos não – e invadiram a Ucrânia. A Ucrânia tem o direito de se defender? Tem. Pronto, agora continua a guerra. Há propostas de paz, o Lula teve um papel importante, o Brasil é uma potência. E está a ser olhado pelo mundo todo e se fala na paz é porque é possível. Ou só há guerra? Como é que acaba? Com uma bomba nuclear?

A direção acredita que a posição da moção E é parecida com a do PCP e que desculpabiliza o regime de Vladimir Putin. Aceita essas acusações? E acha que a direção tem medo de perder votos?
Uma das razões que a direção deu para tomar estas posições é porque depois ficamos parecidos com o PCP. Estou-me marimbando para o PCP. Quero é que o Bloco tome uma posição coerente consigo próprio. O Bloco estabeleceu há anos, e muito bem, que a estratégia dos EUA é a da guerra infinita. Fazem guerra em todo o lado. E querem abordar esta questão como se não tivessem tido esta posição de olhar para a geopolítica.

O Bloco está a ignorar o histórico de posições que tem? Com que objetivo?
Claro. Para estar na onda. É uma opção oportunista, claro que é. Ou então já não são aquilo que eram. Se calhar não são.

O Bloco também tem dito que do outro lado há uma potência imperialista: a Rússia de Putin. Não concorda?
Não é imperialista quem quer, é quem pode.

Mas é esse o plano de Putin, a maneira como anunciou a chamada operação militar especial.
A operação militar, a ideia que ele tem, é que a zona do Donbass, que é russófona. Estava a ser martirizada pelos nazis e pelo governo da Ucrânia. Depois resolveu armar-se em defensor dos russos e aceitou as provocações que lhe foram feitas.

Mas teve um papel ativo, não foi só provocado. Invadiu.
É óbvio, não devia ter invadido. A invasão da Ucrânia é um crime de guerra em si, ninguém põe isso em dúvida. O problema é que se arranja desculpas. O Putin é mau, ninguém põe isso em causa. Agora: vamos continuar a guerra ou vamos fazer a paz? O que é preciso fazer? Quem for mediador que resolva. Isso é o essencial. O resto é o povo a ser chacinado e a Ucrânia a ser destruída, e a malta que vai para a recuperação da Ucrânia a esfregar as mãos, porque aquilo vai dar dinheiro como o caneco.

"A militância do Bloco esmoreceu. O pessoal começa a ficar menos empenhado. Isso tem consequências, tanto em relação à maioria como a nós. O Bloco nasceu para transformar a situação política em Portugal, de forma radical, e a resposta da esquerda aos problemas com que o mundo e o povo português se defrontam. Neste momento, o Bloco está a falhar nesse escopo."

“Catarina Martins é mulher de pensamento, ação e combate”

Sobre o futuro da Catarina Martins. Acha que ela continua a ser um bom ativo político? Pode ser uma boa opção para Belém ou para o Parlamento Europeu?
A Catarina teve um papel muito importante no Bloco. É uma grande parlamentar, uma mulher de pensamento, ação e combate. Tanto me faz que seja a Catarina, a Mariana ou o Pedro Soares. Quero saber qual é o programa que se empenham em defender.

Mas confia em Pedro Soares para isso.
Confio porque estivemos em conjunto, com outros camaradas, a elaborar uma moção que é uma alternativa à moção. E espero que ele confie em mim. Embora ele é que seja — para já, que isto não são lugares cativos, é uma das nossas bases.

Neste momento é o porta-voz da moção.
Tínhamos de ter um.

Mas se ganhassem.
Não sei.

Tinham falado de um sistema de porta-vozes. Têm isso definido, sabem quem seriam?
Não, ainda não temos isso definido.

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