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Os resultados agora alcançados pelos alunos portugueses no TIMSS 2019 evidenciam um enorme retrocesso relativamente a 2015
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Os resultados agora alcançados pelos alunos portugueses no TIMSS 2019 evidenciam um enorme retrocesso relativamente a 2015

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os resultados agora alcançados pelos alunos portugueses no TIMSS 2019 evidenciam um enorme retrocesso relativamente a 2015

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Matemática. O TIMSS 2019 e o currículo nacional: alguns apontamentos

O que o TIMSS 2019 nos diz, acima de tudo, é que estes alunos, quando comparados com os seus colegas quatro anos mais velhos, estarão bem menos preparados. Análise de Filipe Oliveira.

Filipe Oliveira é professor do ISEG-Universidade de Lisboa. Foi coordenador das Metas Curriculares de Matemática e presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática

O TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) é uma avaliação internacional organizada de quatro em quatro anos pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement, IEA. A aplicação de testes estandardizados – com conteúdos e graus de complexidade e de dificuldade equivalentes entre as diferentes edições – permite comparar o desempenho dos alunos portugueses com o dos alunos oriundos dos outros países participantes. Permite igualmente, a nível nacional, seguir a evolução da qualidade da aprendizagem e, de forma mais lata, do sistema educativo nacional. Os testes são concebidos após uma análise detalhada dos currículos do 4.º ano dos diferentes países, centrando-se nos conteúdos comuns previstos para esse ano de escolaridade. Os resultados agora alcançados pelos alunos portugueses no TIMSS 2019 evidenciam um enorme retrocesso relativamente a 2015.

É importante salientar que a eliminação em 2015 das provas finais do 4.º ano de escolaridade pôs fim a uma série temporal iniciada em 2001 que permitia a monitorização ano após ano do desempenho dos alunos no final do 1.º ciclo, identificando pontos positivos e eventuais fragilidades a corrigir. Neste contexto, a prova do 4.º ano do TIMSS tornou-se no único instrumento credível com capacidade para desempenhar este papel.

É naturalmente necessária muita prudência na análise dos resultados de uma prova deste tipo, nomeadamente no que diz respeito a imputar a alterações curriculares, ou outras, a responsabilidade pelo claro retrocesso verificado, em contraponto com os progressos que se vinham registando sistematicamente e que faziam de Portugal um exemplo internacional de sucesso. Contudo, será seguro afirmar que estes dois grupos de alunos, avaliados no seu 4.º ano pelo TIMSS 2015 e pelo TIMSS 2019, fizeram percursos escolares totalmente distintos, nunca se tendo verificado em Portugal uma rutura tão drástica e radical do nosso sistema educativo como no período que separou estas duas edições. Na verdade, mais do que os alunos, foram avaliadas duas conceções inconciliáveis de Currículo e de Escola.

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Entre o início dos anos 2000 e 2015 assistiu-se em Portugal a uma melhoria muito significativa do ensino, plasmada em resultados progressivamente melhores nos testes internacionais PISA e TIMSS. Deu-se uma maior atenção à avaliação, com provas de aferição de final de ciclo introduzidas no 4.º ano e no 6.º ano em 2001 e no 9.º ano em 2002, todas elas substituídas posteriormente por exames nacionais. Os documentos curriculares foram sendo melhorados: estabeleceram-se objetivos claros para o ensino e foram elaboradas umas primeiras Metas de Aprendizagem em 2010.

A equipa que elaborou o Programa e Metas Curriculares do Ensino Básico contou com matemáticos, especialistas em Educação na sua vertente científica e professores do Ensino Básico com décadas de experiência de terreno

Nas palavras da Ministra Isabel Alçada, este projeto «concretizou-se no estabelecimento de parâmetros que definem de forma precisa e escalonada as metas de aprendizagem para cada ciclo, o seu desenvolvimento e progressão por ano de escolaridade, para cada área de conteúdo, disciplina e área disciplinar. Corresponde a resultados da investigação nacional e internacional sobre padrões de eficácia no desenvolvimento curricular, que recomendam este tipo de abordagem».

Em conjunto com o Programa do Ensino Básico de 2007, estas Metas foram reformuladas em 2012 dando lugar ao documento único Programa e Metas Curriculares do Ensino Básico. A equipa que elaborou estas Metas contou com matemáticos, especialistas em Educação na sua vertente científica e professores do Ensino Básico com décadas de experiência de terreno. Reorganizaram-se os conteúdos programáticos em sequências coerentes de aprendizagem, no respeito da natureza cumulativa da Matemática. Organizou-se o Programa para cada ano de escolaridade em Domínios, Objetivos Gerais e Descritores precisos que lhes conferiram rigor, tal como é preconizado pela Psicologia Cognitiva moderna, num modelo já utilizado com sucesso nos Mathematics Common Core Standards americanos. Estabeleceram-se assim metas claras e avaliáveis para cada ano de escolaridade e deu-se total liberdade aos professores para definir as metodologias pedagógicas que melhor ajudassem os seus alunos a atingir esses objetivos.

Era este documento único que vigorava nas escolas quando os alunos avaliados na edição de 2015 do TIMSS estavam no 3.º e no 4.º ano de escolaridade, sendo não obrigatório, mas já fortemente recomendado pelo Ministério da Educação no seu 2.º ano.

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A partir de 2015 rompeu-se com este modelo de ensino organizado e estruturado. O início desta profunda mudança deu-se logo em novembro de 2015, com a aprovação do Projeto de Lei do Bloco de Esquerda que suprimiu os exames finais dos 1.º e 2.º ciclos. É certo que as medidas em Educação têm um certo período de latência até que os seus efeitos se tornem visíveis no terreno. Mas a eliminação abrupta das avaliações finais – inclusive para os alunos do 4.º ano que já tinham iniciado o ano letivo – induziu reconhecidamente nas escolas um clima de relaxamento imediato.

Toda esta revisão curricular algo caótica gerou uma grande incerteza junto dos professores quanto ao que devia ser efetivamente lecionado no ensino básico e secundário, tendo vigorado neste período um grande número de documentos oficiais que se excluíam mutuamente

Este relaxamento acentuou-se em 2016, tendo o Ministério da Educação iniciado um processo de desautorização dos documentos curriculares em vigor, transmitindo muito claramente às escolas a ideia de que os programas seriam demasiado extensos, demasiado rígidos e demasiado complexos, e que novas orientações seriam dadas em breve.

Este processo culminou com a apresentação do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC) iniciado em 2017 em cerca de 250 escolas do país e generalizado no ano seguinte a todos os alunos do 1.º ciclo, independentemente da escola ou do ano de escolaridade que frequentassem. O PAFC constitui a antítese de um ensino organizado, estruturado e metódico. Estipulou uma redução drástica dos conteúdos programáticos, de até 25%, redução essa que na prática ultrapassa largamente essa percentagem. Os escassos conteúdos obrigatórios encontram-se plasmados nas Aprendizagens Essenciais, elaboradas integralmente por associações profissionais de professores e já não por sociedades científicas. Apesar de se constituírem como referencial para o ensino e para a avaliação, estes documentos são excessivamente vagos, elencando os conhecimentos a adquirir e as capacidades a desenvolver pelos alunos de forma incoerente e muitas vezes contraditória, sendo frequentemente impossível integrar estes elementos numa sequência coerente de aprendizagem.

Toda esta revisão curricular algo caótica gerou uma grande incerteza junto dos professores quanto ao que devia ser efetivamente lecionado no ensino básico e secundário, tendo vigorado neste período um grande número de documentos oficiais que se excluíam mutuamente: Aprendizagens Essenciais, Programas e Metas Curriculares, Programas anteriores revogados, Perfil do Aluno, e Orientações Curriculares da Direção Geral de Educação.

Com a desvalorização do programa e a redução efetiva dos tempos de ensino formal, o PAFC colocou nas mãos de cada professor o “desenvolvimento do seu próprio currículo”, preconizando a elaboração de projetos de “domínios de autonomia curricular, com possibilidade de partilha de horário entre diferentes disciplinas”, a “alternância, ao longo do ano letivo, de períodos de funcionamento disciplinar com períodos de funcionamento multidisciplinar, em trabalho colaborativo” ou “a integração de projetos desenvolvidos na escola em blocos que se inscrevem no horário semanal, de forma rotativa ou outra adequada”.

Foi neste ambiente que os alunos avaliados em 2019 viveram os seus quatro primeiros anos de escola. O que o TIMSS 2019 nos diz, acima de tudo, é que estes alunos, quando comparados com os seus colegas quatro anos mais velhos, adquiriram menos conhecimentos, desenvolveram uma menor capacidade de raciocínio e de resolução de problemas e estarão bem menos preparados para fazer face aos muitos desafios que com toda a certeza os aguardam.

É urgente tirar as conclusões que estes factos impõem.

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