Matilda Djerf queria mostrar à indústria da moda que as mulheres não são todas iguais, que a representatividade importa. Em teoria, a narrativa até pode não ter nada de novo na era por excelência da cultura woke, mas é seguro dizer que, na prática, nunca ninguém a levou tão longe como a influencer sueca de 26 anos. A 3 de setembro, um grupo diverso e inexperiente de 22 modelos desfilou no auditório Peter B Lewis do Museu Guggenheim de Nova Iorque para mostrar pela primeira vez as propostas da Djerf Avenue — a marca de roupa que lançou em 2019 — dias antes do arranque oficial da Semana da Moda.
“Vamos arrasar, vamos mostrar à indústria da moda que podemos ter mais do que um tamanho e ser mais do que um tipo de rapariga”, dizia-lhes, ainda nos bastidores do evento a que chamou Fifth Avenue Angels. Nenhuma daquelas manequins teria lugar em qualquer um dos outros desfiles que se seguiriam no calendário. Foram escolhidas por serem clientes da Djerf Avenue, membros da comunidade, a que costuma tratar por “anjos”. Uma das meninas tinha várias falhas no cabelo, outra atravessou a passerelle apoiada num andarilho. A mãe de Djerf, uma assistente social na casa dos 50 anos com o cabelo pintado de cor-de-rosa, fechou o desfile abraçada à filha.
Na plateia, nem sinais de Anna Wintour ou da exclusiva bolha que poderia normalmente avistar-se nas primeiras filas. Durante alguns dias, a influencer convidou as suas seguidoras a preencherem um formulário para selecionar aleatoriamente as 273 sortudas que poderiam assistir ao desfile in loco e celebrar na sua companhia com um “jantar delicioso” e “cocktails refrescantes” no mesmo espaço do Guggenheim. Foram elas que conheceram em primeira mão Remake, a coleção exclusiva, made-to-order, que esteve disponível na loja online durante apenas duas semanas e cuja produção se fez valer de sobras de tecidos reaproveitados.
Com 3,1 milhões de seguidores no Instagram, Matilda Djerf recebeu ao longo dos anos vários convites para ocupar essas mesmas cadeiras de destaque em eventos de moda internacionais, mas recusou-os sempre. “Não quero estar em sítios onde não apoio nem concordo com o que se está a passar. A indústria da moda tem de ser mais inclusiva. Até o ser, não vejo o propósito de ir a um desfile, não me iria sentir confortável estando num”, contou no The Breaking Beauty Podcast.
A “representatividade deve ser um valor core do negócio, sem dúvida. Para mim, é tão importante que a nossa marca reflita aquilo com que o mundo realmente se parece. Devia ser um dado adquirido”, afirmou numa outra entrevista para o Sequel. Desde o primeiro dia, as modelos escolhidas para vestir as peças à venda no site vão do tamanho XXS ao 3XL, sem esconder dispositivos médicos para lidar com síndromes raras, como a Ehlers-Danlos, ou que tenham passado por cirurgias como a ostomia. São as meninas daquilo a que chama a sua comunidade, que mostram como cada peça assenta em cada tipo de corpo, de forma a tornar a experiência de compra não só mais inclusiva, como também mais transparente.
“Quando comecei a fazer trabalhos de modelo fiquei chocada”, recordava ainda no Sequel sobre quando descobriu que certas produções usavam molas para as roupas assentarem melhor nas fotografias, ou sobre as vezes em que a editaram para parecer “três tamanhos mais pequena”. É, comenta, “literalmente enganar os clientes. O que mostram online não é o que os clientes vão receber.” Foi por isso mesmo que começou a falar com Rasmus, o namorado de longa data, sobre tentarem lançar juntos uma marca, sem experiência na área ou qualquer plano de negócios.
De uma pequena cidade na Suécia para o mundo
Filha de um militar e de uma assistente social, Matilda Djerf é a mais nova de três irmãos — Adrian é o mais velho e Amanda [também influencer] é a segunda. Descreve a família como “muito segura”, mas nunca gostou da escola em Borås, a pequena cidade sueca (com cerca de 70 mil habitantes) onde nasceu. “Na minha adolescência, nunca senti que pertencia. Senti-me sempre deslocada no liceu e na escola”, revelou a Boris Jabes. “Não era para mim. Tive muitas dificuldades com amigos. Sofri um episódio de bullying. Não era um espaço divertido, sempre quis sair de lá.”
Quando tinha 9 anos, a família Djerf foi viver para a Califórnia. Ao início, Matilda chorava todos os dias antes das aulas porque não sabia falar inglês. Passados dois anos, voltaram para a Suécia e foi para a escola secundária. “Ter estado nos EUA ajudou-me a perceber que Borås era demasiado pequena para mim.” Tornar-se fluente em inglês também acabaria, mais tarde, por ajudá-la a chegar a um público mais alargado.
Enquanto estudava, trabalhou em supermercados a amanhar peixe e serviu sumos num juice bar. Com o dinheiro que juntou, foi viajar pelas Caraíbas, Austrália e Indonésia com o namorado e começou a partilhar fotografias e vídeos num blogue, em 2016, para os amigos e família acompanharem as aventuras. No espaço de um ano, saltou de 30 mil para 100 mil seguidores.
Quando voltou das viagens para a sua pequena cidade, resolveu a medo dedicar-se à criação de conteúdos. “Não sabia se as pessoas iam querer ver fotografias dos meus looks. Estava muito nervosa, porque os seguidores que acumulei foram durante as minhas viagens. Voltar para Borås, que é uma cidade muito pequena, não é inspiradora…”, recorda no Sequel. “Sempre adorei fotografia, sempre gostei de ser criativa. Nunca gostei de ter um chefe acima de mim, por isso sinto que, de certa forma, manifestei [ser criadora de conteúdos]. Apesar de, na altura, não saber o que era manifestar”.
O fenómeno da “Brigitte Bardot dos nórdicos”
Em poucos anos, tornou-se uma das influencers mais famosa do mundo, respeitada pela imprensa e pela indústria, mas sempre discreta. Considera-se tímida e introvertida. Não circula nos grupos de influencers. “Se estiver numa festa grande onde não conheço ninguém e houver muitos grupos, fico tímida.”
Chamam-lhe a “Brigitte Bardot dos nórdicos” graças, em parte, ao maravilhoso cabelo dourado, com franja em cortina e um famoso penteado, cheio de ondas e volumes, que inspirou um número sem fim de tutoriais nas redes sociais e artigos na imprensa. “Todos os produtos que Matilda Djerf usa para conseguir o icónico penteado volumoso”, escreve a StyleCaster. “O cabelo de Matilda Djerf é cheio — mas não de segredos”, na Allure. Na Gazia: “Matilda Djerf revelou finalmente a ferramenta de culto por detrás do seu estilo assinatura”.
Quando lhe pedem a receita para o sucesso que alcançou online, responde que é a autenticidade. Matilda nunca editou as fotografias, recusou-se a trabalhar com projetos com os quais não se identifica e foi sempre transparente em relação às suas próprias lutas e dificuldades. Sofreu de um distúrbio alimentar, a ortorexia (definida como uma obsessão por comer apenas alimentos considerados saudáveis) e culpa a cultura pró-anorexia difundida no Tumblr. “Era muito tóxico”, recorda no The Breaking Beauty Podcast. “Quando comecei a ganhar seguidores, percebi que as coisas que dizia eram escutadas por muitas pessoas. Se falar sobre as minhas dificuldades ajudar alguém, então já valeu a pena.”
Fez esgotar todas as colaborações para as quais foi convidada a fazer com marcas de roupa. Dessas experiências, ficou a vontade de controlar onde é que as peças eram produzidas, que modelos contratar e como fotografar as campanhas.
Djerf Avenue, a marca sueca produzida em Portugal
“A primeira coisa que sabíamos era que queríamos produzir em Portugal”, disse a Boris Jabes. Porquê? Por um lado, queriam que a produção se mantivesse por perto, permitindo que os envios fossem feitos por camião em vez de barco ou avião. Por outro, pela perícia artesanal. “Eles são tão bons no que fazem, é incrível.”
“Portugal é conhecido pela mão-de-obra de qualidade, respeitar as condições de trabalho, investigação de tecidos premium e melhorias no conhecimento e tecnologia”, lê-se no site. “Foi uma escolha fácil para nós e estamos muito contentes com ela.” Em julho deste ano, a Djerf Avenue enviou para os clientes uma newsletter onde dava a conhecer alguns dos operários, contando há quantos anos trabalhavam na área, a sua parte favorita do trabalho e factos divertidos sobre si mesmos. Essa informação também foi publicada no site.
Embora o grande sumo da produção aconteça em solo nacional, a Djerf Avenue estendeu-se, numa escala mais pequena, a um estúdio em Borås e a uma fábrica em Itália. Em terras lusas, as unidades de onde saem os famosos blazers, calças de afaiataria, saias e vestidos, entre outras peças essenciais para um guarda-roupa cápsula, ficam entre Barcelos, Lousada, Viana do Castelo, São João da Madeira, Guimarães e Porto.
Matilda e Rasmus começaram o negócio sozinhos, sem experiência na área. Agnes, namorada do irmão da influencer, foi a primeira contratação e é hoje responsável pela produção. Naqueles primórdios em que tudo era novo, foi ela quem os guiou, ajudou a perceber como funcionava a produção e a que características deviam estar atentos para avaliarem a qualidade dos produtos.
Lançada a 6 de dezembro de 2019 — mesmo antes de a pandemia rebentar — a Djerf Avenue começou com apenas nove peças de roupa no estilo minimalista e escandinavo por que a influencer sueca é tão popular. Entre 80 e 90 por cento das primeiras peças esgotaram rapidamente e os restantes produtos ficaram dentro de caixas no apartamento dos pais, que iam despachando os envios à medida que as encomendas chegavam.
Eventualmente, acabariam por arrendar um escritório e um armazém em Estocolmo e por contratar uma equipa em Nova Iorque. Hoje, a Djer Avenue tem cerca de 40 funcionários. Nos primeiros três anos, as receitas da marca chegaram aos 35 milhões de dólares (cerca de 33 milhões de euros).
Rasmus é o CEO da marca, toma conta do negócio. Matilda é a diretora-criativa. “Chamam-me mamã Djerf porque consigo, literalmente, fazer tudo. Faço parte da equipa de redes sociais, ajudo com a parte criativa do site, assino tudo, tiro fotografias para as nossas páginas. Tudo o que tenha a ver com a parte criativa, é aí que me vão encontrar.” Também é ela quem desenha todas as peças.
Trabalhar com o namorado “é mesmo cool“, garante no Sequel. “Imensa gente me pergunta: ‘não se cansam um do outro?’ E eu digo sempre que há algo de tão mágico e poderoso em trabalharmos em direção ao mesmo objetivo e em construirmos algo juntos, que me dá arrepios. E, hoje em dia, estamos os dois tão ocupados que eu praticamente não o vejo.”