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Mick Jagger em 1964, o ano em que os Rolling Stones lançaram o álbum de estreia

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Mick Jagger em 1964, o ano em que os Rolling Stones lançaram o álbum de estreia

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Mick Jagger: aos 80 anos, talvez já esteja satisfeito

O jovem apaixonado pelos blues, o maior dos demónios do rock'n'roll, o empresário de sucesso, o ancião do showbiz em total controlo: nasceu a 26 de julho de 1943 e nunca mais o mundo foi o mesmo.

Uma das piadas mais batidas do mundo do rock’n’roll é tão simples quanto eficaz: acontece uma tragédia qualquer (uma notícia apocalíptica sobre o aquecimento global, ou o desemprego ou uma guerra) e alguém diz a um amigo ou no Twitter (se à hora a que lerem isto ainda houver X/Twitter): “Que raio de mundo vamos nós deixar ao Keith Richards?”. Já a lemos ou ouvimos milhares de vezes – mas tem sempre piada.

Como em muitos outros casos, o segredo da graça estará, possivelmente, no absurdo que jaz no cerne da mesma: Richards já não é um rapazinho, o mais provável é que morra em breve, tendo em conta o que é o rock’n’roll, é quase um milagre que ainda esteja vivo e é esse milagre que não só é dado como adquirido como é tido por absoluto: se Richards ainda está entre nós depois de tudo o que passou, viveu, experimentou, então irá viver para sempre e temos de nos preocupar com o mundo que lhe vamos deixar (mais um dos absurdos da piada: esta é uma preocupação que normalmente temos para com as crianças).

Nunca ninguém fez esta piada com Mick Jagger, possivelmente porque quando Jagger andava a fazer uma vida semelhante à de Richards, ainda assim era mais comedido (tirando a ocasional barra de Mars) e, em chegada a idade adulta, já o vocalista dos Rolling Stones se tornara no atleta mais conhecido do mundo: nem toda a gente saberá quem foi Carl Lewis, mas não há um ser ao cimo da Terra que não conheça Jagger, que faz 80 anos e provavelmente irá dar uma corridinha matinal. Dad joke: não lhe deviam chamar Mick Jagger, deviam chamar-lhe Mick Jogger.

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Jagger em 1976: enterrado o sonho da década anterior, consumidos pelo rock'n'roll que criaram, os Stones aceitam todas as contaminações e é Mick o líder de um circo que se assume interminável

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É que apesar de toda a loucura ao redor dos Rolling Stones nos loucos anos 60, do descalabro de drogas e prisões em que os músicos caíram nos anos 70, foi nos anos 80 que eles se tornaram uma espécie de bibelot caseiro, conquistaram o estatuto de “aceitáveis”, um produto de consumo tão presente quanto as baterias Duracell. Porque foi nesse instante que o mundo começou a globalizar-se, foi nessa altura que o rock se mudou para os estádios, Mick puxou a saia a Tina Turner no Live Aid, em frente a dezenas de milhões de espectadores e a reputação dos Stones mudou: eles não eram mais um mito de quem se dizia serem perigosos, uma agremiação de vagabundos, drogados e promíscuos, que aterrorizavam os pais que imaginavam as filhas a fugirem com eles — eram quarentões com ar malandreco, mas aceitáveis.

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Antes, quando os Stones vinham tocar à terra, dizia-se que os pais trancavam as filhas no quarto; a partir dos anos 80 passaram a levá-las aos concertos e no dia seguinte os telejornais abriam com imagens do dito concerto e o povo a comentar que espantoso feito é um homem da idade de Jagger correr como corre durante aquelas horas todas. Passados 40 anos, ele ainda corre aquilo tudo, mas é significativo que os Stones tenham deixado de ser o símbolo da revolta juvenil para serem um exemplo de saúde na velhice.

Ninguém esperava isto, pelo menos até chegarem os anos 80 e Jagger, o jogger, comprar um par de sapatilhas. Durante décadas, os Stones foram protagonistas de capas de jornal pelos piores motivos e mitos: prisões por posse de droga ou evasão fiscal, notícias constantes de trocas de namoradas e orgias, o mais absoluto desrespeito pelas normas básicas de civilidade – enfim, tudo aquilo que hoje em dia admiramos no mais pacato dos CEOs.

Jagger, depois de ver uma série de músicos acabarem na rua, com uma mão à frente e outra atrás, tornou-se uma espécie de empresário, empenhado em fazer perdurar a marca e ganhar o máximo possível com ela.

Se o rock’n’roll nasceu nos anos 50, como uma espécie de blues mais ritmado, foi nos anos 60 que explodiu entre as massas, o que aqui significa os brancos. Uma pequena indústria formou-se, criando estrelas à mesma velocidade que as deixava cair; era uma indústria implacável que conheceu nos Beatles e nos Stones os seus primeiros filões inesgotáveis, mas que era composta de milhares de (sobretudo) rapazes que vinham do nada e aspiravam ao estrelato.

O que é que acontece quando miúdos que vêm de lares desfeitos dão por si na rádio e com muito dinheiro no bolso – por norma, tragédia, e foi assim que nasceu o clube dos 27, assim denominado tendo em conta que foi com essa idade que morreram algumas estrelas rock (Janis, Jimmy, Cobain). Com que idade morreu Brian Jones? É muito possível que nenhum de nós saiba – ou que nem sequer saiba quem foi Brian Jones.

Mas Jones foi o fundador dos Stones e (em 1962) foi ele quem recrutou Jagger e Richards e os restantes membros para alcançar a sua visão de criar uma banda de blues autêntica. Exímio guitarrista, talentoso, loiro, bonito e carismático, Jones era o líder, apesar de Jagger ser o vocalista – e assim teria continuado se Andrew Loog Oldham não tivesse convencido Jagger e Richards a escreverem as suas próprias canções.

O conselho de Oldham não foi baseado num extraordinário instinto acerca das enormes capacidades da dupla: simplesmente eles fariam todos mais dinheiro se tivessem os direitos de autor das canções, em vez de cantarem o reportório de outros. Além de Jagger e Richards eram, apesar de tudo, mais confiáveis que Jones – este, sentindo-se cada vez mais posto de parte da sua própria banda, caiu numa espiral de drogas, foi expulso dos Stones e depois caiu na sua própria piscina, morrendo afogado em 1969.

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Mick Jagger ao vivo com os Rolling Stones na Suécia, em julho do ano passado, durante mais uma digressão europeia da banda

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A primeira canção que Jagger e Richards compuseram, “As Tears Go By”, foi um êxito na voz de Marianne Faithful, que conseguiu o feito de, ao longo dos anos, ter sido amante de todos os membros dos Stones (os efetivos, não os músicos de palco ou de sessão – quer dizer, pelo menos desses ela não falou). A escrita subsequente foi canalizada para os Stones e não para outros – e em 1966 eles editaram o magnífico Aftermath, completamente composto pela própria banda, e que incluía temas magníficos como “Paint It Black”, “Under My Thumb”, “Mother’s Little Helper” e “Lady Jane”.

Começou a famosa guerra Beatles vs Stones, que foi vencida pelos Beach Boys; John Lennon morreu, Brian Wilson enlouqueceu e os Stones ficaram como símbolo de uma época – até os azares contribuíram para o mito: a morte de Brian Jones ou a tragédia de Altamont (onde um fã da banda foi morto por membros do grupo motard Hells Angels, durante o concerto dos Stones), tudo isso serviu para criar a imagem (meticulosamente cuidada) de uma banda perigosa, que apelava às raparigas que gostavam de bad boys e aos rapazes que queriam ser bad boys.

Podia tudo ter acabado mais cedo: Richards foi salvo de sobredoses várias vezes (um par delas pelo filho mais velho) e Jagger, depois de ver uma série de músicos acabarem na rua, com uma mão à frente e outra atrás, tornou-se uma espécie de empresário, empenhado em fazer perdurar a marca e ganhar o máximo possível com ela: quando os Verve samplaram as cordas de um disco de versões sinfónicas dos Stones (um arranjo de cordas que não havia sido escrito pelos Stones, note-se), a banda ficou com todos os tostões do single, roubando uns valentes milhões a Richard Ashcroft e amigos.

“I can’t get no satisfaction” é uma canção que pode ser interpretada de duas maneiras: ou o moço quer sexo depressa, ou por mais avarias que cometa nunca fica satisfeito. Mas o Jagger real aproveitou o que a vida lhe deu, soube retirar-se do mundo da drogaria a tempo e sempre foi bem mais lúcido do que as pessoas imaginam.

Mas Richards sobreviveu, Jagger descobriu o jogging, alguém se encarregou de fazer esta malta tomar meia dúzia de red bulls antes de subirem a palco de maneira a fazerem de conta que são eles – e não os músicos contratados – que estão a tocar e de quando em quando vem novo disco, nova digressão, nova afirmação de que os Stones são a maior e mais perigosa banda do mundo — mesmo que tenham 80 anos.

Claro que houve muita subversão: numa breve incursão pelo cinema, Jagger foi o protagonista de “Performance” (uma longa, de 1970), em que interpreta o papel de Turner, um cantor de rock’n’roll. O filme ficou conhecido pelas cenas explícitas de sexo, violência e drogas e acabou por se tornar uma fita de culto, apesar de ser uma patetice pegada – se fosse feito nos anos 80 não veríamos Jagger na banheira, com mulheres nuas, a fumar charros, mas a correr, fazer alongamentos ou impecavelmente vestido nas bancadas de Wimbledon.

Há muitos anos, Jagger tornou-se tão conhecido quanto é possível a um ser humano, ao cantar “I can’t get no satisfaction”. É uma canção que pode ser interpretada de duas maneiras: ou o moço quer sexo depressa, ou por mais avarias que cometa nunca fica satisfeito. Mas o Jagger real estará por certo satisfeito: aproveitou o que a vida lhe deu, soube retirar-se do mundo da drogaria a tempo e sempre foi bem mais lúcido do que as pessoas imaginam – aliás, basta ler as letras de “Sympathy for the Devil” (do álbum Beggars Banquet, 1968) ou de “You can’t always get what you want” (de Let it Bleed, 1969) para perceber que Jagger foi um observador nato da condição humana, seja política ou emocionalmente, um tipo com os pés bem assentes na terra.

Aposto que, quando for a hora de soprar as velas, há-de ter mais oxigénio naqueles pulmões do que a maior parte de nós com metade da idade dele. Não consegue encontrar satisfação? Não fez ele outra coisa que satisfazer-se.

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