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Um centro de dados que é o “maior investimento privado em Portugal desde a Autoeuropa”, uma zona protegida em Sines e muitos pedidos de favores. Nos últimos três anos, o Ministério Público manteve sob escuta vários intervenientes, diretos e indiretos, no projeto da Start Campus, por suspeitas de corrupção e tráfico de influências.
No despacho de indiciação do DCIAP, não há qualquer menção aos negócios do lítio e do hidrogénio. Apenas as conversas sobre o centro de dados levaram à detenção de Diogo Lacerda Machado, conhecido como o melhor amigo de António Costa, Vítor Escária, ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro, Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, administradores da Start Campus. Foram ainda constituídos arguidos o ministro João Galamba, Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e João Tiago Silveira, advogado da Morais Leitão e ex-secretário de Estado de José Sócrates.
Foram dezenas as conversas escutadas, e que constam na indiciação que o Observador consultou. Nelas, constam também várias dezenas de referências dos detidos e arguidos a António Costa, muitas vezes referido apenas como “o PM”. Este é apenas um resumo das horas de conversas que serviram de base à “Operação Influencer”.
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O “jantar top” e as “promessas” de Galamba
Durante a apresentação do projeto a João Galamba, a 19 de outubro de 2020, Lacerda Machado e os restantes representantes da Start Campus admitiram que procuravam o “apoio político” e ”apoio no licenciamento” do Governo para o projeto. Nos dias subsequentes, o então secretário de Estado manteria várias conversas sobre o centro de dados. Uma delas com a sua chefe de gabinete, Eugénia Correia, a quem disse que “um dos advogados deste mega projeto é o grande amigo do PM” (Lacerda Machado) e que “como ele está nas reuniões e vê o (…) que o Jerónimo e a nossa equipa está a fazer pelo projeto, ele conta ao PM, não é?”, ao que Eugénia responde que “Sim, sim!”.
A investigação conclui que, depois desta apresentação, os administradores da Start Campus passaram a contactar com regularidade com Galamba, mesmo depois de este ser nomeado ministro, já em 2023. Em reuniões formais, em almoços e jantares informais e por WhatsApp. Depois de um desses jantares, no JNcQUOI Asia, que teve o valor de 1.301,79 euros, a 20 de junho de 2022, Salema e Oliveira Neves comentaram que o jantar “foi top” e que “tanto o Galamba como o Lacasta abriram o jogo sobre a pressão que têm agora de entregar renováveis”, para alimentar o centro de dados.
Em outubro do mesmo ano, em conversa com o advogado da PLMJ João Marques Mendes, filho de Luís Marques Mendes, Salema diz, sobre Galamba,: “Somos os mais avançados, como o critério, vai avançar, o que ele diz é que quer dar capacidade a todos, mas não quer dar capacidade a gajos que só estão aqui à procura do papelzinho que é para depois fazer o flip.” (…) “Vai, vai avançar. Vai avançar. Ele disse que estava só à espera que a REN e a AICEP alinhassem palhetas, mas ele, ele espera durante o próximo mês ter resolvido.”
“Andei a jantar com o Duarte Cordeiro, e depois ainda fui para os copos com ele”
Não era só com João Galamba que os administradores da Start Campus mantinham uma relação próxima. Em junho de 2022, Afonso Salema conta a um consultor de comunicação: “Andei a jantar com o Duarte Cordeiro, e depois ainda fui para os copos com ele”. “Já percebi todas as paquicardias das ZEC’s (Zonas Especiais de Conservação)”. Haveria mais jantares com o ministro, segundo a investigação.
Em junho de 2023, Salema diz a Lacerda Machado que quer ir novamente jantar com o ministro, ao que este responde que “já fez uns quantos jantares, e está na altura de repetir”. O responsável da Start Campus revela que precisa de tratar com o ministro do “atraso significativo na potência de injeção e da secretária de Estado que é preciso tomar o pulso para não se perder”, referindo-se a Ana Fontoura Gouveia, secretária de Estado da Energia.
A questão das ZECs e a conversa com Pedro Nuno
Em junho de 2021, Lacerda Machado e Afonso Salema reuniram-se com outras pessoas da Start Campus e da Davidson Kemper (um dos donos Start Campus), onde foi referido que o centro de dados deveria ser desenvolvido com recurso a “facilitation” junto de “Government People”.
A “facilitação” necessária surgiu em 2021 porque uma parte da área destinada ao centro de dados estava prevista para uma zona especial de conservação. Em setembro de 2021, Galamba falou por telefone com o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, na qual transmitiu esta situação.
“Aquilo é uma área, (…) de proteção especial, (…), hoje numa reunião, onde ‘tava, não ‘tava o Eurico, mas estava o gabinete do Eurico, a AICEP, o gabinete do João Paulo, pá eu e a minha chefe de gabinete e o ICNF, o João Paulo a certa altura disse assim: mas eu falo com os promotores, pá, e digo-lhes que o projeto não pode ser ali, pronto, tem que desviar o projeto, tem que ser noutro sítio. (…) O projeto é o projeto que foi apresentado pelo PM, em Sines do Data Center, com o Hugo também, 3.5 bi, que já tem terrenos e queriam começar a construção em janeiro.”, diz Galamba. Nesta conversa, “João Paulo” é João Paulo Catarino, secretário de Estado da Conservação na Natureza e Florestas, que não queria alterar os limites da zona protegida.
Na mesma conversa, Galamba acrescenta: “a AICEP pede ao ICNF rectifique o mapa da zona (…) e desvie 50 metros ou 70 metros, percebes? (…) E o ICNF não faz isso? … Pá, é irredutível diz que, pá, ‘Nem pensar’, o João Paulo… diz que não temos condições políticas para o fazer, eu disse ‘Ó João Paulo, desculpa lá, eu acho que é ao contrário’.”
Na mesma conversa, Pedro Nuno Santos pergunta se o primeiro-ministro “ainda não sabe disto?”, ao que Galamba diz que não, mas “vai-lhe chegar aos ouvidos”. Pedro Nuno Santos questiona depois se “o melhor amigo do primeiro-ministro já sabe?”, e Galamba lembra que “o melhor amigo do primeiro-ministro é consultor do projeto”. “Eu sei, por isso é que estou a perguntar, se… (…) ele já sabe?”, insiste Pedro Nuno. Galamba conclui: “Não sei, não, não me meto nisso, não faço a mais pequena ideia, mas o que eu disse à Mariana, foi ‘Ó Mariana, diz ao secretário de Estado, pá, que tem que ser entre ministros, com a intervenção do primeiro-ministro, isso não vale a pena estar aqui o secretário de Estado…’”.
O exemplo do Freeport
No dia seguinte, Galamba procuraria a intervenção de Costa. Em conversa com Vítor Escária, tentou convencer o chefe de gabinete a fazer chegar o tema ao primeiro-ministro, ou seja, para que este interviesse para alterar a ZEC e permitir a construção do centro de dados. “Temos aí uma situação muito delicada em Sines, o Eurico acho que vai falar com o Augusto e o Augusto vai falar com o PM, pá, há ali um problema entre a AICEP e o ICNF que só pode ser resolvido com a intervenção do, do núcleo duro de coordenação do governo”.
A Escária, Galamba conta que parte da zona de construção do data center foi classificada como zona especial de conservação “que proíbe a construção, proíbe! (…)”. Admite que “travou” João Paulo Catarino de dizer aos promotores do projeto que tinham de mudar os planos. E defende: “Acho que isto não pode surgir do Ministério do Ambiente, acho que isto tem que surgir do PM ou da coordenação do núcleo duro do governo. O quê que a AICEP quer e na minha opinião bem e na, na opinião da minha chefe de gabinete, muito bem (…) só há aqui uma solução, para não destruirmos Sines, em contrato industrial do país, que é a o ICNF tem que retificar a zona, como o fez no Freeport e como fez noutras zonas. Não é preciso comunicar à Comissão Europeia, é um decreto regulamentar do governo. (…) Eu acho que isto é um embaraço para o Ministro do Ambiente, se, se de repente chegar ao PM, olha o ministro do Ambiente e o ICNF invalidaram uma parte do da zona industrial de Sines, não se pode lá fazer nada e os quatro projetos que lá estão localizados tem que ou desistir ou mudar de sitio. É pá, isto vai che… chegar ao PM”.
A conversa com Brilhante Dias e a “chantagem política”
Dois dias depois, Galamba discutiria o mesmo tema com Eurico Brilhante Dias, então secretário de Estado da Internacionalização, que lhe deu razão. “Ouve lá, tive aqui uma conversa longa com a minha jurista e eu mantenho aquela que é a minha opinião e que era a minha opinião de partida. Não tenho fundamento para dizer que em 1997 eles alteraram o perímetro. Eu não sei. Eu não tenho nenhuma evidência”, diz Brilhante Dias.
Galamba sublinha que “isto já chegou ao PM”. “O Siza falou comigo e acho que o PM pediu ao Siza para ver isso com o Matos Fernandes para resolver este problema.” Eurico Brilhante Dias defende que, na sua opinião, não há fundamento para alterar o projeto “e que o que eles têm que fazer é uma retificação”, e que o pedido de alteração do projeto por parte do ICNF “é chantagem política com o governo”.
Também critica a postura do secretário de Estado João Paulo Catarino. “Eu lamento é que o nosso colega não ajude. Pá. É a minha opinião. Porque aquilo que me dizem da reunião, pá, que tiveste que o meter um bocadinho na ordem”. Brilhante Dias ainda acrescenta: “Lamento, mas não pode ser. Vamos lá ver. Eu serei o último a querer violar qualquer lei dessa natureza. Qualquer regulamento. Mas não é isso que está em causa, está em causa um erro objetivo, foi até 2019”.
“Aquela merda é quase intocável”
Em meados de 2022, continuava a discussão em torno da área protegida. Em junho, Salema disse a Oliveira Neves que esteve numa reunião com Filipe Costa, da AICEP Global Parques, e que este lhe transmitiu que Duarte Cordeiro estava a defender a posição do ICNF, mas que o “ministro da Economia, o das Infraestruturas e o primeiro-ministro, aprovaram a desclassificação daquilo”.
Em maio, tinha havido uma reunião que contou com João Galamba e Escária e ainda com Nuno Banza, presidente do ICNF, em que foi discutida a forma de compatibilizar a zona protegida com o data center. No dia da reunião, Nuno Banza e Nuno Lacasta, arguido e presidente da APA falaram ao telefone, numa conversa em que Nuno Banza tentou convencer Lacasta de que o projeto não poderia avançar naquela zona. “Eles querem isentar aquilo de AIA”, refere Banza.
“Sim, não há… aquilo já está isentado de AIA, nesta fase, agora no futuro não faço ideia se, se é isentada ou não. Aquele triângulo, aquilo que me disseram é que eles querem é… a discussão hoje é o triângulo, não é?”, respondeu Lacasta. E acrescentou: “Vamos lá ver o projeto, nós estamos já completamente organizados com o promotor, há meses, há um ano e tal, em que nós em que eles têm sete módulos, desses sete módulos estão agora a construir dois, acho eu, vão construir, já foram isentados de AIA, já está resolvido esse tema, percebes? Isso já está resolvido e há um… compromisso do promotor que foi e há um compromisso do promotor que depois fará um AIA para o resto da da coisa, mas são, são sete módulos, é uma coisa gigante, são não sei quantos hectares, portanto isso está tudo resolvido, está tudo feito, está tudo tratado, está tudo tranquilo, não tem nenhum tema”.
Banza refere que a zona tem “umas espécies prioritárias e uns habitats prioritários”, ao que Lacasta sugere “uma espécie de compensação”, que Banza diz não ser possível. “Não consigo porque aquilo é… porque os prioritários não consegues. Percebes? Tu conseg… tu consegues fazer isso para os habitats da diretiva, desde que não sejam prioritários. O risco de fazer isso, os prioritários normalmente a produção em, em estado de conservação muito desfavorável. E tu num estado de conservação muito desfavorável, eh pá, aquela merda é quase intocável, ‘tás a ver? Porque, porque depois tu podes não conseguir reproduzir…”. Banza reforça que o terreno do data center está todo em ZEC e “nunca” pode ser isento de AIA.
Lacasta diz que já isentou o primeiro pavilhão, dos 9 previstos. “Como é que isentaste o primeiro pavilhão… está dentro da ZEC?”. Lacasta responde que está isento e que foi “um não assunto”. Banza acaba a dizer que terá de dar um parecer desfavorável “e eles se quiserem avançar com aquilo tem que fazer aquele, aquele processo de infração de declarar o edifício… de utilidade pública”.
Nuno Banza falaria logo no dia a seguir com Galamba para propôr “a solução”. “A solução eu, eu fazer o processo de avaliação de impacto ambiental, é pensar se houver necessidade de pensar nas medidas compensatórias, propor as medidas compensatórias, fechar o processo, licenciá-lo e deixar lá estar a ZEC na maior, tás a ver?”.
A pressão sobre a REN
A influência de Diogo Lacerda Machado junto do primeiro-ministro era um dado adquirido para os administradores da Start Campus, que, segundo a investigação, colocavam essa influência ao serviço da empresa sempre que era preciso desbloquear alguma coisa. Uma das escutas revela, por exemplo, que era preciso pressionar a REN. Numa das conversas, mantida a 13 de dezembro de 2022, Afonso Salema pergunta a Rui Oliveira Neves “o que é que o Rodrigo precisa, de uma chamada do primeiro-ministro a dizer que ele precisa de fazer isso?”, referindo-se a Rodrigo Costa, CEO da REN. Oliveira Neves responde que “o Rodrigo só precisa que lhe digam, que o governo lhe diga que aquilo é para avançar”. Salema sugere ainda a Oliveira Neves que diga a João Conceição, membro da Comissão Executiva da REN, que “vão ter de escalar com isto”.
“Se for Finanças, eu falo logo com o Medina”
Outro exemplo do uso dessa influência aconteceu a 31 de agosto de 2022. Afonso Salema precisava que fosse exercida influência junto de Bruxelas, e recorreu a Lacerda Machado. O administrador da Start Campus pediu ao conselheiro que abordasse o Governo, para que o Executivo pedisse a Bruxelas uma alteração nos códigos de actividade económica para os Data Centers. Na resposta, Lacerda Machado é explícito sobre o manifesta-se disponível para agir. E não só junto de António Costa. “Tá bem. Eu vou decifrar essa, se é Economia ou Finanças. Vou começar por aí e depois logo lembro como tomamos a iniciativa de suscitar e sugerir. Se for Finanças, eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes, que é o secretário de Estado. Se for Economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa”, disse a Afonso Salema.
Nestas conversas, Lacerda Machado acabaria ainda por revelar que exerceu influência junto de António Ceia da Silva, presidente da CCDR Alentejo, para tentar obter um parecer que permitisse alterar a afectação do terreno de Monte Queimado para instalar painéis solares, que também estão previstos no projeto da Start Campus. E também junto de representantes do Partido Comunista Português. A investigação refere que o consultor conseguiu obter o apoio do PCP ao projeto da Start Campus. O PCP emitiu entretanto um comunicado a refutar isto.
A pressão junto do filho e o secretário de Estado que “não serve para nada”
Uma das ocasiões em que a Start Campus procurou a influência de Lacerda Machado teve que ver com o atraso na emissão de autorizações de residência de trabalhadores da Start Campus. Aqui, Lacerda Machado comprometeu-se a intervir junto do membro do Governo que tinha a tutela da matéria e, se fosse preciso, junto do chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária. Afonso Salema denuncia a Lacerda Machado que o SEF “está um caos” e que isso estava a afetar o pagamento aos funcionários, alguns dos quais não recebiam há nove meses, porque não tinham autorização de residência. “Conseguimos falar com alguém no Ministério dos Negócios Estrangeiros? Só para nos dar orientações para isso”.
Ao pedido, Lacerda Machado começa por dizer que depois de o projeto entrar em velocidade cruzeiro, começaria a ser mais fácil obter as autorizações. Mas concorda que “aquilo”, o SEF, está “um caos”, referindo-se depois em concreto ao Ministério da Administração Interna. Ao que Salema pergunta se fala “diretamente” com Luís Castro Henriques, presidente do AICEP. Lacerda Machado anui e acrescenta. “Peço aí alguém para fazer uma nota muito curta. Um A4. Já agora que me faça duas notas. Uma com os três casos” principais. “ E acrescenta. “Vou chatear o meu filho Francisco. Tá a ver? Pôr ali a pressão porque é a obrigação dele”. Francisco Lacerda Machado tinha sido técnico especialista do Ministério dos Negócios Estrangeiros entre 2015 e 2020, ano em que foi nomeado para Adido Técnico Principal para a área Económica da embaixada de Portugal nos Estados Unidos.
Lacerda Machado vinca ainda que “sensibilizará” Castro Henriques, porque “é uma lástima este secretário de Estado da Internacionalização. Não serve para nada”, diz, referindo-se a Bernardo Ivo Cruz. “Não [tem] nenhuma capacidade política. Nenhuma (…) Portanto, eu vou chatear o vizinho, que é secretário de Estado da Cooperação”, aponta, em referência a Francisco André. “Às tantas eu ainda falo com o Escária”, diria ainda.
“Pôr o medo de Deus em cima dele”
Em maio de 2023, Afonso Salema fala por telefone com Miguel Borralho, Director da ZILS, a quem transmite que vai falar com Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, acompanhado por Diogo Lacerda Machado, “para pôr o medo de Deus em cima dele porque a atitude dele não pode ser.”
“Eu tenho que dizer ao Nuno ‘Ó Nuno, o que vocês estão a fazer, estão a empurrar para que seja tomada uma decisão e vocês percam esse controle’ (…) e vou dizer-lhe nós não estamos a falar, é o António Costa que vai propor uma solução, é o Escária e o Escária percebe mais de leis de urbanismo em Portugal que qualquer professora que o Nuno possa ir buscar. Portanto se o Escária diz que é preciso fazer uma task force ou é preciso fazer uma portaria onde a AICEP licencie e a Câmara deixa de ser…”. A referência de Salema era à vereadora Filipa Faria, que segundo a investigação manteve uma conduta que por vezes se revelou incompatível com os interesses da Start Campus.
“Se o Escária vai dizer ao Costa que esqueça os sonhos do Data Center porque existe uma arquitecta na Câmara que não quer trabalhar, o que achas que vai acontecer? Essa é a narrativa que ele vai ouvir”, acrescentou.
No mesmo dia, Salema fala com Filipe Costa, presidente da AICEP, dizendo que vai reunir-se com Nuno Mascarenhas e Lacerda Machado e que “quem vai falar directamente é o Diogo, o Diogo já está por dentro dos assuntos, uma das coisas que o Diogo vai dizer é que foi acordado com o primeiro-ministro que este é que seria o processo, e o mais rápido, que não ia fazer nenhum problema e porquê que agora estão a mudar”.
A lei “do bar aberto”
Em agosto deste ano, a preocupação dos responsáveis da Start Campus era a aceleração do reforço da capacidade de injeção da rede eléctrica em Sines. Afonso Salema e Rui Oliveira Neves combinaram contactar Lacerda Machado, para que este falasse com Vítor Escária e com António Costa, para que estes pressionassem a secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura, que Salema chega a chamar de “inútil”, porque “isto está tudo parado”.
Salema e Oliveira Neves comentam que “continuam com a crises penduradas na energia e “ninguém consegue compreender isto, não consigo justificar isto a ninguém, nem aos investidores, nem aos clientes, passa, ou vocês conseguem andar, ou a gente tem que falar, tem que falar no, patamar acima para ver se as coisas se desbloqueia”. Salema comenta ainda que tem “estado a ver se sai o despacho do bar aberto, ainda não saiu”. Questionado por Oliveira Neves sobre o que é o despacho do “bar aberto”, Salema responde: “Lembras-te do bar, que ela disse bar aberto para, pá, aumentos de, de potência de consumo”. O decreto lei que cria um regime excecional para grandes consumidores de energia seria publicado em setembro.
“Acho que o Galamba ia ficar lixado se nós fossemos fazer queixinhas ao PM sem falar antes com ele”
A necessidade de procurar intervenção junto de membros do Governo, fosse do primeiro-ministro ou de João Galamba, era tema de conversa frequente entre os dois administradores da Start Campus. A 13 de dezembro do ano passado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves discutiram se seria necessário insistir com o na altura secretário de Estado da Energia sobre a regulamentação da capacidade de injecção na rede eléctrica, admitindo que fosse necessário ir diretamente a António Costa.
“Temos que falar com o Galamba”, diz Afonso Salema a Oliveira Neves. “Epá, acho que o Galamba, é de falar com o PM e dizer ao PM que, que temos que resolver o tema da capacidade, vai lá parar”, responde Oliveira Neves, ao que Afonso Salema admite: “Acho, acho que o Galamba ia ficar lixado se nós fossemos fazer queixinhas ao PM sem falar antes com ele”. Rui Neves lembra que “há seis meses” que Galamba tem sido o interlocutor da Start Campus e sugere que se pergunte ao ministro se “vale a pena falar com o PM sobre isso”.
Salema insiste que a Start Campus devia falar com Costa, através de Lacerda Machado, para fazer um “ponto de situação”, ao que Rui Oliveira Neves concorda porque Galamba está “bloqueado”. Ambos chegam à conclusão que se falarem com Costa sem o conhecimento de Galamba, o então secretário de Estado iria ficar “chateado connosco”. “Ele tende a ficar chateado”, resume Salema.
Os dois responsáveis concluem que têm de falar com Galamba antes do “ponto de situação” com Costa, “porque isto está a avançar muito rápido, e estamos a pôr muita pressão para entregar mais rápido”. Na sequência desta conversa, Rui Oliveira Neves fica de mandar uma mensagem a Galamba e Salema diz que vai falar com Lacerda Machado. Além da capacidade instalada, querem falar dos parâmetros urbanísticos. “Portanto, temos que escalar já ao Primeiro Ministro”.
Afonso Salema ligaria depois a Lacerda Machado, pedindo uma reunião com o primeiro-ministro, para que fosse Costa a pressionar para desbloquear ou acelerar processos. Lacerda Machado aceitou tentar marcar a reunião, falando primeiro com Vítor Escária e só depois com Costa. “As agendas daquelas almas não estão fáceis (…) deixe-me gerir isto com o Escária e depois com o António”.
Já em janeiro de 2023, Afonso Salema contactaria Lacerda Machado para pedir uma audiência com o primeiro-ministro, conversa na qual se queixou da subida de Galamba a ministro, na sequência da saída de Pedro Nuno Santos. “A alteração da secretaria de Estado para nós foi um grande retrocesso”, disse Salema.
“Isto é muito malandro mas é por aqui que a gente tem que ir”
Foi há menos de um mês, a 13 de outubro, que Afonso Salema falou com Rui Oliveira Neves sobre o recém-aprovado simplex de licenciamento para infra-estruturas industriais de plataformas logísticas. Oliveira Neves respondeu que sabia da aprovação do diploma, porque foi João Tiago Silveira, arguido no processo, a “fazer esse regime”. O objetivo dos promotores do centro de dados de Sines era que os data centers fossem incluídos no novo simplex. Na sequência dessa conversa, João Silveira diz a Rui Neves que “à partida é uma coisa muito fácil pôr lá, já não é fácil aceitar, mas o espirito neste momento é aceitar”.
Refere que “não faz outra coisa nos últimos dias a não ser tratar disto, já anda a tratar disto há meses, e teve com o Costa quatro horas a ver isto na quarta-feira e o gajo está completamente entusiasmado com isto, e que “o espírito é acabar com a maluqueira que as câmaras inventam, o espírito é positivo”. Mais tarde, Rui Neves fala com Nélson Magalhães, “Head of Procurement” da Start Campus, a quem diz que o objetivo é ter um regime favorável aplicável não aos data centers, mas apenas à Start Campus. ”Nós” não pedimos o loteamento, quem pede é o dono do terreno, e o dono do terreno é uma entidade pública, (..) isto é muito malandro mas é por aqui que a gente tem que ir” “.