A demissão de António Costa ainda é uma notícia fresca, mas da reunião da Comissão Política Nacional do PS já saiu uma candidatura confirmada para a sua sucessão: a do seu ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro. Apesar de a reunião de mais de quatro horas ter sido dominada pelos elogios, memórias e pelas palavras de homenagem ao primeiro-ministro demissionário, inaugurando as despedidas de Costa, Carneiro não quis perder tempo e apresentou-se como o primeiro nome que se “habilita” a chegar à liderança do Governo.
Já era quase uma da manhã quando Carneiro anunciou aos comissários do PS, durante a reunião que decorria à porta fechada, que se confirmava a sua “disponibilidade”, noticiada nos últimos dias, para ser candidato ao partido. Aos jornalistas, poucos minutos depois, acrescentaria que quer colocar a sua “experiência de vida” ao serviço dos valores da liberdade, da igualdade e da justiça social”, discorrendo mais sobre uma possível futura disputa pela liderança do Governo do que sobre a etapa que agora se abre: a disputa para liderar o PS. A dada altura sublinhou mesmo que avançava: “Habilito-me a ser candidato a primeiro-ministro”.
Pelo lado de Carneiro, que disse ser candidato para “garantir segurança, estabilidade e o investimento na melhoria e aprofundamento das políticas que criam mais e melhores oportunidades”, ficou prometida uma declaração ao país nas próximas horas. Ainda assim, e apesar de esta ter sido a novidade que marcou a reunião socialista, dentro da sala de reuniões a reação terá sido fria, apurou o Observador junto de várias fontes, não despertando nem comoção nem muitos aplausos.
O motivo para essa receção à candidatura de Carneiro, foram apontando ao Observador vários dos presentes na reunião, passará em boa parte por se ter instalado a sensação de que o anúncio veio fora de tempo, ou seja, cedo demais tendo em conta que o momento ainda era de despedida de Costa, que estava na sala a presidir à reunião. “Destoou do ambiente emocional da sala, não era noite para isso”, comenta uma fonte que estava na sala. “Caiu mesmo muito mal”, acrescenta outro socialista, que ainda acrescentou que “ninguém subiu para o apoiar”.
Na prática, a saída de cena de Costa levará tempo: o primeiro-ministro não apresentou nem apresentará para já a sua demissão, apurou o Observador, uma vez que só cessará funções quando o seu sucessor for eleito — isto é, nas eleições diretas que ficaram marcadas para 16 de dezembro.
No arranque da reunião, na direção do partido a expectativa era que ninguém fizesse este movimento nesta altura, segundo apurou o Observador. Da parte dos pedronunistas não foi feito qualquer avanço relativamente à mais do que anunciada candidatura de Pedro Nuno Santos, que só dará um primeiro sinal esta sexta-feira. O futuro candidato não faz parte da Comissão Política Nacional do partido (abandonou todos os órgãos quando saiu do Governo em janeiro passado). Ainda assim, tinha muitos dos seus principais apoiantes presentes, mas a orientação foi para aguardarem e não tocarem no assunto na reunião.
Da reunião acabaram por sair mais notícias de indisponibilidades do que o contrário: a meio do encontro, Ana Catarina Mendes convocava os jornalistas para anunciar que não será candidata à liderança do partido. O Observador apurou que Fernando Medina também está fora da corrida, embora planeie tomar uma posição sobre a disputa pela liderança do PS.
A indisponibilidade de dois dos nomes mais referidos como hipóteses, ao longo dos últimos anos, para representarem a ala moderada do partido significa que José Luís Carneiro poderá contar com uma margem maior para poder congregar apoios nessa frente, apresentando-se assim como uma alternativa à linha mais à esquerda de Pedro Nuno.
Pedro Nuno Santos sinaliza esta sexta apresentação da sua candidatura ao PS
Recordações com Costa e críticas ao Ministério Público
Logo no início da reunião, o primeiro-ministro demissionário tinha feito uma declaração para galvanizar as tropas neste momento de crise, defendendo que o PS contava, “nesta sala e fora dela”, com “dez pessoas com mais experiência e capacidade de liderar o país que o líder da oposição, que se saiba nunca liderou, nem uma junta de freguesia“, apurou o Observador. Já tinha usado uma fórmula semelhante à porta, quando disse que os dirigentes do partido davam “dez a zero” aos dirigentes e ao líder do PSD.
Depois disso, sucederam-se as intervenções de solidariedade com Costa: começando por figuras de topo do partido, como Carlos César, Eurico Brilhante Dias e Vieira da Silva, “toda a gente quis falar” e mostrar “afetos” ao líder que está de saída, fazendo questão de partilhar “histórias” e recordações com Costa ou deixar elogios aos quase oito anos de governação e quase dez à frente do partido.
Do lado de Vieira da Silva, juntou-se também um aviso: o histórico socialista fez questão de lembrar, nesta fase de transição no PS, que o partido não pode voltar a cometer erros que já cometeu, renegando o seu passado — será preciso conciliar a era que agora termina com o futuro socialista. Já o dirigente e deputado Porfírio Silva deixou outro alerta, de olhos postos na fase que aí vem, avisando para o perigo de confronto e divisão entre as alas mais à esquerda e mais centristas do PS.
Mas a noite em que o PS começou a carpir as mágoas da inusitada queda de Costa também ficou marcada por declarações em tom crítico em relação à atuação do Ministério Público. Isto depois de, à entrada, o líder socialista ter voltado a referir que a sua demissão teve origem num “comunicado do gabinete de imprensa” da Procuradoria Geral da República, garantindo que não teve qualquer notícia sobre o caso em que se viu envolvido e que está a acompanhar os desenvolvimentos que vão aparecendo na comunicação social. Ainda que tentando mostrar contenção nas críticas à Justiça, não há quem no partido não se tenha mostrado, nos últimos dias, indignado com o caso que resultou na demissão de Costa — ou quem não ponha em dúvida o modus operandi da Procuradoria Geral da República.
De resto, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro — que também foi alvo de buscas esta semana — fez uma intervenção bem acolhida nas hostes socialistas sobre a necessidade de garantir um equilíbrio entre a garantia de independência do sistema judicial e, ao mesmo tempo, a manutenção do espírito crítico, mesmo em relação à Justiça. O ministro deixou um apelo sobre os perigos para a democracia que a mistura de casos e denúncias de natureza diferentes pode representar, independentemente de esses processos afetarem governos de esquerda ou de direita.
Segundo as fontes que estavam na sala, esses “temas que dominaram a noite” continuaram a ser abordados mesmo depois da declaração de candidatura de Carneiro. À porta, o primeiro candidato oficial à liderança do PS foi questionado sobre o perigo de o partido poder mergulhar num período de guerra interna, enquanto se espera, já esta sexta-feira, uma declaração no mesmo sentido de Pedro Nuno Santos. Carneiro prometeu “levar o diálogo ao PS”, sem mais detalhes. Esta noite, limitou-se a fazer a declaração que dá o tiro de partida para a guerra da sucessão no PS.