A palavra inglesa “face” (“cara”), quando usada como sufixo no mundo anglo-saxónico, passou a ter sinónimo de apropriação cultural e étnica no melhor dos casos e de utilização ofensiva desses caracteres no pior. Provavelmente já terá lido algures o termo “blackface”, quando alguém de outra etnia se faz passar por uma pessoa negra ou mascara-se dessa forma ao pintar a cara e vestir-se de forma estereotípica. “Yellowface” é o equivalente relativo a pessoas asiáticas, mas no romance de R.F. Kuang, a apropriação ganha contornos bastante mais graves — e sinistros.
O título da tradução deste romance para português pela Desrotina — “Impostora” — não tem a mesma carga de significados no nosso mundo de amálgamas digitais e negociações identitárias, mas atinge o mesmo propósito. A premissa é a seguinte: numa noite, Jane — uma jovem autora frustrada — vai a casa da amiga-mas-nem-por-isso Athena, uma estrela em ascensão no mundo literário, tão atraente quanto talentosa. Acontece que Athena morre em frente a Jane engasgada numa combinação mortal de estupor alcoólico e panquecas de pandan. Chocada, a protagonista ainda assim dá conta de um manuscrito para um próximo romance que a recém-defunta estava a preparar e que ainda não tinha mostrado a ninguém. Antes das equipas de emergência chegarem, June surrupia-o e, apercebendo-se de que tem um futuro sucesso nas mãos, decide trabalhá-lo e publicá-lo como se fosse seu.
Acontece que esse proto-romance é uma história épica sobre o Corpo de Trabalho Chinês, os cerca de 140 mil trabalhadores chineses que trabalharam nas linhas da frente britânicas durante a Primeira Guerra Mundial, mas June é uma mulher ocidental branca — ao contrário de Athena, que era sino-americana. O que se segue é uma espiral de peripécias que envolve a protagonista fazer-se passar por asiática — publicando com o nome Juniper Song, por exemplo —, uma indústria conivente com o seu logro e uma comunidade online tão capaz de empolá-la aos céus como atirá-la aos infernos quando começam a surgir rumores de plágio e apropriação.
Esta foi a premissa que Rebecca F. Kuang quis explorar com a sua primeira incursão na área da ficção literária, depois da incrivelmente bem sucedida e multi premiada trilogia de fantasia “A Guerra das Papoilas”, que a tornou num fenómeno, e do igualmente celebrado — a nível comercial e crítico — ”Babel”, misto de romance histórico com uma realidade alternativa durante a Inglaterra vitoriana.
“Pensei ‘bem, seria muito divertido escrever ficção que captasse este ambiente, não um mundo secundário de espadas e magia, mas este mundo muito estranho em que podemos dizer o que queremos e fingir ser quem quisermos, muitas vezes sem consequências’, e quis analisar isso”, contou ao Observador na sua vinda a Lisboa para promover a sua obra literária.
O facto de tratar de apropriação cultural junto da comunidade sino-americana não é mera coincidência; Kuang, de 28 anos e que divide a carreira literária com a académica (encontra-se a tirar um doutoramento em Yale), nasceu em Guangzhou, na China, mas foi criada desde tenra idade nos Estados Unidos, para onde a família emigrou. Indo beber a uma problemática que lhe é tão próxima, a escritora quis levantar questões quanto às práticas da indústria literária e aos lugares da fala. Em particular, quis abordar a “forma muito superficial como falamos de raça e diversidade”.
“Em vez de pensarmos de forma estrutural e sobre as injustiças históricas, sobre as distorções presentes em todos os níveis do mundo editorial, pensamos que uma ou duas oportunidades concedidas — subsídios, bolsas de estudo ou contratos de livros para escritores sub-representados — irão magicamente resolver tudo”, lamenta. É por isso que uma personagem como June sente que é fazendo-se passar por asiática que conseguirá gerar atenção para si mesma. “Sabemos que isso não é verdade, porque os números têm sido muito claros a este respeito desde os anos 50”, alerta.
Numa conversa que foi desde a sua relação com o mundo online e como este se tem vindo a degradar até à sua vontade de nunca repetir um projeto, Kuang revela o quão fácil é criar inimizades e ceder a mesquinhez no mundo editorial. Ter inveja de outros escritores é bom, assume, se isso servir para cada um querer ser melhor, mas não para deitar os outros abaixo. “É bastante comum entre os escritores ter ciúmes profissionais e isso pode virar-se para dentro e levar a atitudes muito prejudiciais em relação aos outros. Eu também já senti isso e já fui vítima disso. Acho que é mais comum quando se é mais novo, mas a certa altura decidi que preferia ter amigos”, revela.
Tornou-se uma autora famosa sobretudo com romances de fantasia. “Impostora” representa um desafio diferente, pois marca a estreia na ficção literária. O que a levou a enveredar por esta área?
De facto, fazem-me muitas vezes esta pergunta e não sei se tenho uma resposta definitiva. A questão é que gosto de escrever o que gosto de ler, e quando andava na faculdade, lia muita fantasia. Gostava de fugir para outros mundos, e os meus autores preferidos escreviam ficção especulativa. Por isso, naturalmente, quando comecei a escrever “A Guerra das Papoilas”, fazia sentido que fosse fantasia. E depois, à medida que fui ficando mais velha, comecei a recuar no tempo e a aperceber-me de que gosto muito de ficção histórica e também de romances escritos há séculos, de que adoro os vitorianos. Por isso, quando comecei a escrever “Babel”, fazia sentido escrever num estilo de ficção histórica, porque era o que eu andava a gostar tanto de ler. E depois, quando comecei a escrever “Impostora”, tinha-me apaixonado recentemente por um tipo de romance contemporâneo que é muito observador quanto às pequenas interações e à natureza realmente acelerada da sociabilização digital. Acabei de ler o “Sobre Isto Ninguém Fala”, de Patricia Lockwood, que é brilhante, e pensei “bem, seria muito divertido escrever ficção que captasse este ambiente, não um mundo secundário de espadas e magia, mas este mundo muito estranho em que podemos dizer o que queremos e fingir ser quem quisermos, muitas vezes sem consequências”, e quis analisar isso. Por isso, na minha opinião, trata-se menos de uma mudança para a ficção literária e mais de um interesse por um determinado lugar numa determinada altura.
Afirmou previamente, por exemplo, que ao escrever “Babel”, teve de ler muito sobre a Inglaterra vitoriana e os seus autores para garantir que o livro não acabasse por ser uma “má imitação”. Mas “Impostora” não correu esse risco, porque se passa nos tempos atuais e no mundo editorial em que se insere. Quanto dele é que foi pesquisa e quanto é que foi alimentado pelas suas próprias experiências?
Gosto de pensar que as minhas experiências foram a pesquisa. Foi incrível a curta passagem de uns meses a escrever “Babel”, onde tinha de fazer horas de pesquisa só para descobrir o tipo de moeda que usavam, qual era o seu valor e quanto se podia comprar, para o mundo de “Impostora”, onde já conhecia os termos, sabia qual o tipo de discurso e os tipos de emoções que as pessoas sentiriam em diferentes circunstâncias. Mas, claro, acho que sempre que se escreve um romance, é importante não deixar que ele se torne apenas um diário e um reflexo das nossas próprias opiniões e experiências; caso contrário, torna-se bastante aborrecido. Por isso, o desafio de “Impostora” não foi tanto a investigação histórica, mas sim garantir que me colocava na perspetiva de um conjunto de personagens diferentes que discordam umas das outras. Assim, Athena e June e toda a gente no mundo editorial e todos os outros autores, nenhum deles partilha a mesma opinião sobre todo o tipo de questões, incluindo a apropriação cultural. E eu queria ter a certeza de que passava tempo suficiente a pensar na perspetiva de cada uma delas, para que parecesse um verdadeiro choque de posições e uma verdadeira batalha, em vez de me limitar a dizer ao leitor todos os meus pensamentos e sentimentos pessoais.
No centro do romance está June. Ela é uma escritora branca sem sucesso que acredita que tem de se fazer passar por uma mulher asiático-americana para subir na indústria. No entanto, as métricas mais recentes mostram que, embora tenha havido algum esforço para diversificar vozes, a maioria dos autores publicados nos EUA continua a ser branca, tal como a maior parte do setor. Então, porque é que existe esta narrativa de que, hoje em dia, se é um autor oriundo de uma minoria, terá um tratamento preferencial?
Penso que isso tem a ver com a forma muito superficial como falamos de raça e diversidade. Em vez de pensarmos de forma estrutural e sobre as injustiças históricas, sobre as distorções presentes em todos os níveis do mundo editorial, pensamos que uma ou duas oportunidades concedidas — subsídios, bolsas de estudo ou contratos de livros para escritores sub-representados — irão magicamente resolver tudo. E assim que essas oportunidades especiais são anunciadas, os escritores que não se enquadram nessas qualificações perguntam-se “bem, porque é que eu não sou qualificável? Porque é que estas pessoas têm um tratamento especial?” É o mesmo velho problema da discriminação positiva, em que se tenta pôr um penso rápido em algo que requer um exame muito mais profundo. Penso que a superficialidade e a forma como lidamos com a diversidade foi também o que gerou esta opinião, penso eu, muito desinformada, de que é realmente melhor ser não-branco se se está a tentar ser publicado. Sabemos que isso não é verdade, porque os números têm sido muito claros a este respeito desde os anos 50.
É interessante até porque houve exemplos, antes e depois da publicação de “Impostora”, de autores brancos que tentaram fingir ser de uma minoria para conseguir um contrato para um livro. Por isso, apesar de haver esta visão míope da etnia e do papel que esta desempenha, há já consequências no mundo real, certo? Há pessoas a tentar fazer esse tipo de coisas.
Sim, é um bocado desconcertante. As pessoas estão sempre a falar-me destes casos quando aparecem nas notícias e continuam a dizer que “‘Impostora’ é como uma profecia”, o que é muito desencorajador para mim. Mas parece-me que nunca ninguém o faz com sucesso — o que é mais uma prova de que não é verdade que o mundo editorial nos favoreça se formos asiáticos, porque nenhum destes casos é de pessoas que tiveram romances de sucesso; apenas de autores que acabaram por ser alguém diferente do que afirmavam, por isso…
Em Portugal, a diversidade é ainda menor. Temos apenas uma mão-cheia de escritores de sucesso de minorias raciais. Diria que, além da desigualdade estrutural e da discriminação — especialmente no que diz respeito aos escritores de minorias em Portugal, mas creio que também nos EUA — o problema recai também o facto destas minorias estarem remetidas, na sua esmagadora maioria, a meios desfavorecidos, pelo que é mais difícil entrar no meio editorial. Qual é a sua opinião quanto a isso?
Isso é certamente verdade. Gostaria que houvesse muitas mudanças no meio editorial que o tornasse mais democrático e acessível. Por exemplo, costumava ser muito difícil ser publicado sem um MFA [“Master of Fine Arts”, um programa de mestrado] ou sem o tipo certo de formação e contactos. Mas, embora eu tenha tido muitas oportunidades, não estudei escrita criativa, não me formei em Inglês, não frequentei um MFA. Pude simplesmente procurar agentes online e enviar-lhes o meu manuscrito por email e recebi a mesma consideração que qualquer outra pessoa naquela inbox. Portanto, por um lado, há todas estas mudanças, penso que em parte devido aos meios de comunicação social e à Internet — criaram todas estas oportunidades para as pessoas, independentemente do seu passado, conseguirem que o seu trabalho seja visto por outros. Por outro lado, penso que algo de que não falamos o suficiente quando a conversa é dominada pela raça, género e sexualidade é também o privilégio de classe. É muito difícil escrever quando se tem um emprego a tempo inteiro. Eu sei, porque estava a trabalhar a tempo inteiro quando escrevi “A Guerra das Papoilas” e depois estava a escrever como estudante. E quando se espreme a escrita às primeiras horas da manhã ou a altas horas da noite — e, noutros casos, se nem sequer se pode comprar um portátil e não se pode ter tempo porque se está a tentar pagar as contas —, é muito, muito difícil produzir trabalho criativo. Portanto, há todos estes eixos de desigualdade — criando obstáculos para as pessoas que gostariam de ser autores — que devemos considerar.
Uma vez que “Impostora” é escrito na perspetiva de uma narradora pouco fiável, temos estes retratos muito pouco lisonjeiros, por vezes humilhantes, de Athena, feitos por June, de forma a justificar as suas ações. Ao mesmo tempo, fiquei com a sensação de que nem tudo foi distorcido pela narração e que ela tinha realmente algumas falhas de carácter apontadas por outras personagens. Quem é realmente Atena?
Não vou responder a essa pergunta! Acho que o texto dá a resposta. O que vou dizer é que o desafio que coloquei a mim mesma quando estava a criar a personagem foi escrever alguém que só existe como espaço vazio. Nunca tinha escrito uma personagem assim. Todas as minhas personagens existiam na página, eram capazes de se defender, eram capazes de dizer aos leitores quem eram. Mas Athena morre logo no primeiro capítulo — e morre de uma forma que lhe rouba literalmente a voz, já não pode falar. E tudo o resto que nos é dito sobre ela é da perspetiva de June ou de alguém que não gosta muito dela. E temos todos estes relatos contraditórios, e não sabemos o que é verdade. Ao escrever este tipo de personagem, quis espelhar a forma como desenvolvemos falsas narrativas sobre as pessoas na Internet. Acho que há um grande problema na forma como formamos relações parassociais e falsas narrativas sobre celebridades — especialmente mulheres. Atente-se, por exemplo, à forma como falamos da Taylor Swift ou de qualquer mulher criativa, como a Sally Rooney. É como se tivéssemos construído este alter-ego sombra, este “doppelgänger” [duplo]. Uso esta palavra porque acho que a discussão de Naomi Klein no seu livro “Doppelgänger” é muito inteligente sobre a forma como temos os nossos eus genuínos em pessoa e depois estes eus sombra online que por vezes criamos, outras vezes as pessoas criam para nós e impõem-nos — e é mais ou menos isso que se passa com Athena. Temos a verdadeira Athena, que se foi, e depois temos esta Athena falsa que toda a gente está a criar a toda a hora.
É interessante que fale de narrativas, porque acho que há também um espelho na forma como as narrativas dominantes afetam a vida de June, para o bem e para o mal: por um lado, quando ela entrega o manuscrito, é como se toda a gente já tivesse decidido que o livro vai ser um sucesso, independentemente da sua qualidade; por outro lado, quando começam a surgir as primeiras suspeitas, toda a gente começa a pensar que ela é culpada de plágio, independentemente da verdade, das provas ou da falta delas. Qual a importância do aparelho mediático para ditar o futuro de um escritor?
Por vezes, pode ser extremamente importante, porque estamos sempre a ver nas notícias que, devido a uma tempestade online, um autor pode adiar o lançamento do seu livro ou ver o seu contrato cancelado. Por outro lado, os meios de comunicação social esforçam-se muitas vezes por posicionar um livro como bestseller, e penso que é mais comum que um livro receba este enorme impulso de marketing e depois não venda muito bem. Por isso, é muito difícil prever a reação do público a algo. Há também um caso interessante: não sei se já ouviu falar do tweet do “Bigolas Dickolas”. É uma conta, penso eu, de um fã de videojogos, e isto aconteceu há algum tempo, mas ele apenas tweetou algo como “oh, eu gosto mesmo deste livro, este livro é espetacular” e, por qualquer razão, isso tornou-se super viral e trouxe o livro de volta à lista de bestsellers do New York Times. Isto acontece no TikTok a toda a hora. Por vezes, os leitores começam a falar de um livro que saiu de circulação há décadas e a sua popularidade ressurge. Por isso, é muito fixe ver estas tendências de leitura a pegarem fogo e as pessoas ficarem realmente entusiasmadas com um livro que, à partida, não tinha recebido tanta atenção. Claro que o lado perigoso é que, por vezes, a desinformação pode espalhar-se muito facilmente. O ódio online e algumas acusações realmente cruéis contra os autores, mesmo que não sejam verdadeiras, podem transformar-se em movimentos que fazem descarrilar um livro. Por isso, penso que temos um potencial de alcance como nunca tivemos antes, mas isso também exige, creio, muita responsabilidade por parte dos leitores e de todos os que participam no discurso online, para termos cuidado com o que dizemos e prestarmos atenção ao que é verdade e ao que não é. Sermos críticos sobre a forma como percecionamos a informação e a transmitimos.
Há uma passagem no livro em que June diz, a dada altura, que “o Twitter é a vida real; é mais real do que a vida real, porque é nesse domínio que a economia social da publicação existe, porque a indústria não tem alternativa”. Quando leio isto, também me vem à cabeça aquela velha ideia das redes sociais como uma espécie de ágora e como, para o bem e para o mal, o funcionamento do gatekeeping foi de certa forma pulverizado. Mencionou como o BookTok ou o Bookstagram alteraram realmente algumas das dinâmicas do setor.
De facto, estou muito preocupada com isso. Interessa-me que tenha recuperado a palavra “ágora”, como um fórum público onde os filósofos de Atenas trocavam ideias, porque essa é a versão mais ideal das redes sociais, não é? É o que gostaríamos que fosse. Mas acho que estamos a ir numa direção realmente assustadora. Wendy Brown, ao escrever sobre o neoliberalismo há décadas, referia que uma das maiores ameaças à democracia é o encerramento dos espaços públicos — espaços onde podemos partilhar opiniões e onde as pessoas que não ocupam cargos públicos ou não têm muito poder se podem expressar. E pareceu, durante breves instantes, que as redes sociais poderiam desempenhar essa função — talvez o Twitter fosse isso mesmo há uma década. Mas depois Elon Musk comprou-o e agora os seus algoritmos fazem um ótimo trabalho a suprimir opiniões que ele decide que não quer ver e a amplificar muita informação nociva e flagrantemente falsa. E é igualmente mau no TikTok — já o Instagram não é sequer um fórum onde as pessoas troquem ideias sérias. Por isso, estou cada vez mais nervosa. Embora pareça que estamos mais ligados do que nunca, a forma como estes sítios são moderados e a forma como os conteúdos são promovidos significa que não temos um fórum verdadeiramente democrático nos meios de comunicação social, no qual possamos ter uma pluralidade de ideias. O que acontece é que somos alimentados com os mesmos anúncios vezes sem conta e as mesmas opiniões realmente nocivas, cruéis e francamente de extrema-direita ganham mais força do que qualquer outra coisa. Estou muito preocupada com esta situação e com o facto de uma geração de leitores e estudantes que estão a crescer nestes fóruns não ter memória de uma instituição mais democrática.
Todos estes sentimentos e tendências foram exacerbados durante os anos da pandemia, porque não tínhamos muitas opções a não ser percorrer incessantemente os nossos feeds e estar sujeitos a essa cascata de informação. Disse que escreveu “Impostora” durante esse período de consumo contínuo de, honestamente, muito lixo online e nota-se que o livro também parece uma espécie de purga. Concorda?
Sem dúvida. Foi muito catártico, pude pôr para fora todas as minhas emoções e pensamentos negativos que sempre quis dizer em voz alta e colocá-los no texto. Isso fez-me sentir mais leve. E também, pouco tempo depois de escrever “Impostora”, deixei de ir às redes sociais. Claro que não ajudou o facto de o Twitter se ter tornado X e depois ter ficado basicamente inutilizável. Costumava gostar muito de percorrer o Twitter, mesmo quando estava aborrecida, mesmo quando sabia que era mau para mim e que me distraía. Era pelo menos agradável e agora nem isso. Por isso, agora que saí desse espaço onde tudo o que faço é olhar para o meu telemóvel todos os dias, estou muito feliz por ter passado a escrever sobre outra coisa.
Relativamente a outro tema abordado em “Impostora”, o último relatório da PEN America sobre equidade racial e publicação de livros menciona como os autores de minorias étnicas são pressionados a escrever romances estereotipados sobre a alteridade ou sobre as suas lutas enquanto membros de uma minoria, mas também são criticados se continuarem a explorar as suas próprias origens para obter material. Como é que se evita este campo minado?
Não se evita. Como disse, é um “catch-22” [expressão equivalente a “pescadinha de rabo na boca”]: independentemente do que fizer, estará a provar um mito prejudicial sobre escritores sub-representados. Costumava debater-me muito com isto, escrevia sobre a história da minha família e sobre a história chinesa e depois pensei “já não quero fazer isso, quero escrever sobre outra coisa”. Mas, no momento em que o fiz, pensei “oh, bem, afastei-me demasiado das minhas raízes e sinto que não estou a escrever sobre nada de importante”. Por isso, tudo o que me pergunto agora é se esta história é interessante e importante para mim. E se for, vou escrevê-la, e o leitor certo vai encontrar o seu caminho para ela. E não me interessa o que os outros dizem, porque estas armadilhas foram criadas com intenções terríveis e não há qualquer razão para ter em conta esses estereótipos quando estou a tentar decidir que projeto escrever a seguir.
Já foi referido que a publicação de “Impostora” tem uma espécie de caráter subversivo, porque é uma mulher asiático-americana a escrever sobre uma autora branca que finge ter essa etnia. Isto abre também uma discussão que já teve anteriormente sobre as formas como nos é permitido escrever sobre determinados temas. A receção de “Yellowface” influenciou de alguma forma as suas ideias sobre este assunto?
Na verdade, fiquei muito curiosa ao ver quantas pessoas vieram ter comigo e me perguntaram algo como “posso escrever personagens que sejam negras?”, por exemplo. Há pessoas brancas que me perguntam isso. Por vezes, os leitores asiáticos perguntam “bem, achas que os autores brancos devem poder escrever sobre asiáticos?”. E eu tive de pensar muito sobre isso, porque “Impostora” não oferece uma resposta clara. A minha resposta pessoal é que qualquer pessoa deve poder escrever sobre qualquer coisa. Na verdade, detesto a palavra “permitido” porque acho que é perigoso falar sobre o que os autores podem ou não escrever em termos de permissões e qualificações prima facie, certo? Como em todos os projetos artísticos, penso que a diferença está na forma como se faz e na qualidade da execução do projeto. Por isso, preocupa-me que tenhamos desenvolvido este discurso de permissões e identidade, quando na verdade deveríamos estar a falar do texto em si e a criticar cuidadosamente o que um texto consegue ou deixa de conseguir fazer. Mas isso seria muito difícil e exigiria ler efetivamente o livro e ter conversas difíceis sobre interpretações concorrentes. É muito fácil, mais uma vez, cairmos em discursos inflamados nas redes sociais, olhar para alguém e dizer “não podes escrever isto, não podes escrever aquilo”, etc. É uma posição fácil, virtuosa e moral que não requer pensamento crítico, e receio que seja isso a que nos tenhamos reduzido quando pensamos em apropriação cultural.
E isso é exacerbado pelo que disse, certo? Uma vez que não temos fóruns públicos para discutir estas coisas, só nos resta analisá-las através do prisma mais básico.
Sim, quero dizer, penso muito no TikTok. Apesar de já não lá estar, é claro que todos os meus alunos estão, e temos de pensar na forma como vai influenciar as vendas do nosso próprio livro. E uma coisa que me assusta no TikTok é que um vídeo sobre uma teoria da conspiração pode tornar-se viral e acumular milhões e milhões de visualizações e um vídeo que desmente cuidadosamente essa teoria, facto a facto, premissa a premissa, obtém, na maioria dos casos, uma pequena fração das respostas. Por isso, apesar de, sim, ser uma plataforma tecnicamente democrática, em que qualquer pessoa pode dizer qualquer coisa, a forma como estes vídeos são enviados às pessoas significa que as informações falsas recebem muito mais atenção e isso desvia o discurso numa direção aterradora.
Mencionou os alunos. Sente que as gerações mais jovens têm abordado a compreensão da leitura, a forma como se analisa um livro, de maneira diferente da nossa geração?
Não sei se é uma questão geracional, porque as pessoas da nossa idade também sofrem deste problema. Acho que a Covid foi devastadora para muita gente — e certamente foi-o para mim, não conseguia acabar de ler um livro durante o confinamento, simplesmente não tinha capacidade de atenção. A única coisa que me despertava a atenção era ler um tweet. E demorou bastante tempo, penso eu, para que o meu cérebro recuperasse e desenvolvesse a capacidade de me sentar com um livro durante horas e nem sequer sentir qualquer impulso para verificar o meu telemóvel ou aceder ao Twitter ou ao Instagram. Penso que é particularmente perigoso para a Geração Z, porque isto aconteceu durante os seus anos mais formativos, no ensino básico e secundário. Na altura em que estava a dar aulas a caloiros, tinha alunos que não tinham estado numa sala de aula física durante três ou quatro anos. Saltaram diretamente do ensino básico para o primeiro ano da faculdade [em ensino presencial], essa foi a primeira vez que estiveram novamente numa sala de aula e penso que foi muito difícil para eles adaptarem-se.
Apesar de todo o comportamento monstruoso de June, há algo que parece muito honesto nela — as dificuldades e o custo psicológico de ser uma autora falhada. É como se tivesse sido isso o que a fez “pirar”. Até que ponto é que este sentimento prevalece no setor?
Não posso falar por todos os escritores, mas acho que é muito, muito difícil lidar com isso, especialmente quando se lança o primeiro livro. Porque não só temos todas estas esperanças e sonhos loucos para o livro, e qualquer pequeno contratempo pode ser devastador, como também estamos num ambiente único em que podemos ver todas as críticas negativas que alguém faz ao nosso trabalho. E isso não era necessariamente verdade para Dickens, certo? Claro que as pessoas podiam escrever-lhe cartas e podiam publicar coisas más nos jornais, mas agora podemos entrar no Goodreads e ver dezenas de milhares de críticas, mesmo dos livros mais populares. E leva algum tempo a treinarmo-nos para aprender a filtrar tudo isso. Porque, naturalmente, somos humanos, também queremos que os outros gostem de nós, e também queremos saber que algo em que trabalhámos arduamente durante anos e anos está a ser bem recebido. Por isso, penso que todos os novos autores têm o impulso de procurar e ver se as pessoas gostam do seu trabalho. Depois leem as suas críticas e, claro, sentem-se mal consigo próprios, porque não importa se lemos nove boas críticas, se virmos que a décima é uma má crítica, isso estraga-nos completamente o dia. Na verdade, demorei anos a chegar a um ponto em que, não é bem não me importar, mas saber no que me devo concentrar e sobre aquilo em que tenho controlo — e sei que é sobre a qualidade do meu próximo livro e não sobre a forma como o último está a ser recebido.
Os escritores podem, por vezes, ser encarados como estando nas suas torres de marfim, apenas a escrever e sem pensar em tudo o resto, mas, na verdade, oferece um exemplo muito pungente quando June não consegue parar de olhar para o telemóvel. É quase o mesmo tipo de relação parassocial que estavas a mencionar…
…sim, tal como toda a gente está obcecada em deitá-la abaixo, ela está obcecada com o seu público e com o que dizem.
A isso junta-se o sentimento alienante de estar sempre a competir com outros escritores por atenção e oportunidades. June fala sobre o facto de a inveja não ser realmente aquela “coisa afiada, verde e venenosa”; é sobretudo o medo de que os outros tenham sucesso quando nós não temos. Até que ponto isso é verdade?
Bem, eu também senti essas emoções. Há tantas pessoas de quem tenho inveja… Sou uma pessoa muito competitiva, por isso, quando alguém se está a sair melhor do que eu, é claro que pergunto-me “como é que eles estão a fazer isso? O que é que eles estão a fazer que eu não estou? Como é que eu chego lá? Etc…” Mas o que realmente fez a diferença para mim foi perceber que a inveja pode ser uma coisa muito boa se reagirmos a ela da forma correta. E penso que a forma correta de reagir não é tentar deitar a outra pessoa abaixo, mas descobrir o que podemos fazer para melhorar a nossa própria arte e como chegar ao nível dela. Penso que é bastante comum entre os escritores ter ciúmes profissionais e isso pode virar-se para dentro e levar a atitudes muito prejudiciais em relação aos outros. Eu também já senti isso e já fui vítima disso. Acho que é mais comum quando se é mais novo, mas a certa altura decidi que preferia ter amigos, sabes? É tão fácil não gostar de uma pessoa na Internet, especialmente quando ela está bem, mas é muito melhor sentarmo-nos com alguém pessoalmente, a beber um copo de vinho, e falarmos sobre o que temos em comum e como nos podemos inspirar mutuamente. E a maior parte dos autores que conheço estão muito mais concentrados em construir essas amizades e relações porque, de outra forma, é uma indústria muito difícil de atravessar sem apoio. Estão mais interessados nisso do que em deitar abaixo os outros. Penso que a June é um caso isolado.
Essa é uma das tragédias do livro — a forma como June pega no manuscrito de Athena e o reescreve e o torna naquilo que é, poderia ter formado uma relação especial se, em vez disso, tivessem trabalhado juntas. Achei muito engraçada a ideia de ela ver-se como Rafael a terminar a Capela Sistina de Miguel Ângelo. Isso vai ao encontro da ideia que estavas a partilhar sobre como a colaboração pode ser muito mais produtiva do que a competição.
Sim, com certeza. No entanto, é claro que nunca poderei colaborar num projeto de escrita com alguém porque preciso de ter controlo criativo absoluto sobre tudo, por isso nunca poderia ter um co-escritor. Mas fico feliz apenas por ter amigos!
Outra questão que este romance aborda é a ética de pegar na história de outra pessoa e publicá-la como se fosse nossa — quer seja literalmente, como é o caso de June, ou inspirando-nos diretamente na história de outrém. Onde é que deve ser traçado o limite?
Não creio que haja uma linha rígida em termos do que os escritores podem fazer. Acho que é mais sobre o que os amigos podem fazer. Como escritora, sou muito a favor da liberdade criativa absoluta para os escritores. Penso que os escritores devem poder escrever sobre qualquer coisa, mesmo que seja uma história que ouviram ontem do seu melhor amigo — mesmo que seja um segredo que o seu melhor amigo esperava que não escrevessem. Agora, se eles realmente escreverem e publicarem isso, não será porque faltaram a alguma responsabilidade profissional como escritores, mas porque agiram na qualidade de maus amigos. Portanto, a questão ética tem a ver com as suas relações com as pessoas de quem estão a receber as histórias, mas não com o que os escritores devem fazer. Acho que os escritores devem fazer o que quiserem.
“Impostora”, cobre muito terreno no que diz respeito à natureza por vezes perversa do mundo editorial. Apesar de ser June quem comete o pecado capital de roubar o manuscrito e apresentá-lo por seu, é incentivada por editores e assistentes de marketing a, por exemplo, publicá-lo com um nome etnicamente ambíguo, de modo a maximizar o seu alcance. Até que ponto é que este tipo de caracterizações coincide com o setor?
Diria que estão muito próximas. Quer dizer, o setor é muito confuso, certo? Claro que me sinto muito sortuda por trabalhar com uma equipa de que gosto e que respeito e é por isso que tenho estado na mesma editora durante toda a minha carreira. Mas tenho tantos amigos que passaram por maus tratos horríveis nas suas editoras. Tenho uma boa amiga cujo segundo livro acabou de sair, sendo que o seu primeiro foi um bestseller. No entanto, a editora sabotou deliberadamente o segundo, não o enviou para críticas, não o promoveu, não lhe deu um orçamento de marketing, não o apoiou de forma alguma porque estava a tentar retaliar contra o seu editor, que tinha ido para outra casa editorial. Esse tipo de comportamento mesquinho só para afundar um livro com o qual se poderia ter ganho dinheiro é impensável, mas acontece nalgumas editoras porque estas são feitas de pessoas e, tal como os escritores, operam a partir de ciúmes mesquinhos e das suas piores emoções. Gostaria de pensar que não é muito comum, mas acontece.
Há muitos escritores, editores e outros atores reais da indústria mencionados pelo nome neste livro. Preocupou-se com as reações que “Impostora” poderia provocar?
Nem por isso, porque não mencionei pelo nome nenhuma das coisas realmente más. Acho que quem já conhece a história é capaz de a identificar, mas tivemos muito cuidado para que não houvesse nada pelo qual pudéssemos ser processados. Na verdade, houve alguns momentos muito divertidos. Há uma altura no livro em que a June diz qualquer coisa sobre a Reese Witherspoon e depois a Reese Witherspoon acabou por escolher “Impostora” para o seu clube de leitura. E June também pensa que talvez a Gemma Chan pudesse fazer de Athena e depois a Gemma Chan leu o livro e disse numa entrevista que tinha gostado, o que foi muito emocionante para mim. Foi divertido ver a vida assemelhar-se à arte quando as figuras que mencionei se tornaram em figuras que sabiam da existência do livro.
A minha pergunta não tinha apenas uma conotação negativa. É que penso que, por vezes, os escritores de ficção evitam ir beber assim tanto à cultura popular contemporânea e a atores reais, porque talvez sintam que a resposta será um pouco desconfortável. Não sentiu isso de todo?
Não, porque só estava interessada em escrever uma boa história. Mas a melhor coisa que aconteceu, penso eu, foi uma cena em que a June pensa “bem, quero ter tanto sucesso como o Stephen King”. E depois o Stephen King leu “Impostora” e gostou imenso! Por isso, fiquei muito contente por ele saber da sua existência.
O mundo está tão louco nos tempos que correm que se tem falado sobre o facto de a sátira estar talvez em crise porque não consegue refletir a loucura de tudo o que se passa. Mas aqui está, a publicar uma sátira que é ainda mais brutal, talvez, do que aquilo que realmente acontece. Como é que foi o processo de querer escrever uma sátira engraçada e incisiva sem pôr em causa a credibilidade da história?
Bem, acho que se trata apenas da lógica interna da história. Não se trata tanto do que o leitor pode acreditar que aconteceria numa editora real, mas, como em qualquer livro de fantasia, se estabelecermos as regras básicas desde o início — eis uma personagem, eis a sua personalidade, eis os tipos de decisões que toma —, então nada será surpreendente, porque tudo é consistente com o que aprendemos sobre a personagem no capítulo anterior. É a mesma coisa quando se está a escrever um livro de magia, por exemplo; não se perde a credibilidade se se introduzir uma regra no primeiro capítulo e depois se introduzirem novas regras organicamente à medida que se avança. E eu acho que “Impostora” nunca perde a credibilidade porque cada capítulo se baseia numa decisão que June toma ou numa informação que nos foi dada sobre June, revelada num capítulo anterior.
Já que estamos a falar de fantasia, existe a ideia de que só se pode ser um escritor sério quando se mergulha na ficção literária, e de que a ficção de género não tem tanto prestígio. Ao mesmo tempo, também acredito que tem havido uma espécie de reavaliação da ficção de género como mais “séria”. Tem sentido isso?
Sem dúvida. Por exemplo, a forma como se fala dos romances de Susanna Clarke, “Jonathan Strange & O Sr. Norrell” e “Piranesi”. Penso que as pessoas respeitam realmente o valor literário desse trabalho. Ou David Mitchell, que também é um dos meus escritores favoritos. Agora as pessoas reconhecem que ele pertence ao género da ficção especulativa, bem como à ficção literária, mas a sua reputação sempre foi solidamente de ficção literária — foi finalista do Booker Award. E depois Kazuo Ishiguro, que é um dos meus romancistas favoritos de sempre, escreve pura e simplesmente fantasia! E o seu último livro foi de ficção científica. Penso que estamos a assistir a um esbatimento das fronteiras, em que os escritores de ficção literária estão a brincar com tropos especulativos, e também as pessoas que se consideram escritores de género estão a fazer experiências com prosa e linguagem de uma forma muito literária. Por isso, atualmente, penso que não pode haver uma divisão clara.
Uma das grandes virtudes da ficção especulativa em geral é a possibilidade de abordar questões éticas sem que a história se passe num cenário real. Creio que mencionou numa entrevista que, por vezes, é preferível situá-las em fantasia porque não se desvendam as dores das pessoas — se o fizermos num cenário de fantasia, é mais fácil dissecá-las.
Não acho que seja tanto uma questão de ficar longe da dor da vida real, acho que apenas nos permite uma forma diferente de pensar sobre ela. São todas metáforas que iluminam certas coisas de uma forma mais nítida do que seria possível se estivéssemos a escrever sobre elas num sentido não ficcional. Por isso, penso que, por vezes, a fantasia pode aproximar-se mais da verdade e ser mais honesta do que a reportagem e é um prisma muito útil, penso eu, para analisar todo o tipo de coisas.
Na secção de agradecimentos de “Impostora”, sugere que esta se trata de uma espécie de história de terror em si mesma, e não tanto de uma sátira linear.
Sim, brinco definitivamente com muitos tropos de terror. Por exemplo, a personagem fantasma e a forma como June reage a isso. Mas, na verdade, a parte que mais se assemelha a um filme de terror é quando June está a pensar no ódio online e entra em pânico, pensando em como deve reagir a isto. Num cenário de terror clássico, o protagonista vê uma ameaça mas é incapaz de distingui-la da realidade, assim como de determinar o grau de ameaça. E mesmo quando ele vê a ameaça — o monstro, o fantasma, o demónio, o que quer que seja — as outras pessoas podem não acreditar nele e podem pensar que não é real. Da mesma forma, June está a lidar com o demónio da Internet, mas não sabe se está a alucinar, se está completamente enganada, se é mesmo uma coisa importante e se devia desligar o portátil e ir lá para fora apanhar ar, ou se o demónio está mesmo lá e ela é a única que o consegue ver.
E isso é a coisa mais alienante de todas — estarmos presos dentro da nossa cabeça com os nossos próprios pensamentos e não podermos divulgá-los porque ninguém vai acreditar em nós.
Sim, é aterrador! É por isso que já não uso muito as redes sociais.
Levantou o véu anteriormente quanto a alguns dos próximos projetos. Quais são? E acha que “Impostora” a libertou, de alguma forma, para correr mais riscos?
Libertou-me definitivamente para correr os riscos que quiser. Por um lado, a nível profissional, porque a minha editora agora confia em mim e diz-me “escreve o que te interessar e nós trabalhamos com isso”. Isto é ótimo, porque não me sinto pressionada a escrever um determinado tipo de livro, apenas me sinto pressionada a esforçar-me por ser uma escritora melhor a cada novo livro. Sobre os projetos, um deles é “Katabasis”, que sai em agosto próximo [2025] e é a minha ponte entre a “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll e o “Inferno” de Dante, contada através da lente de dois estudantes de doutoramento nos anos 80 que viajam para o Inferno. Estou muito entusiasmada com esse livro! O livro seguinte passa-se em Taipé e trata da linguagem, do luto e da identidade. É tudo o que posso dizer sobre ele por agora.
Basicamente, ainda está a fazer o seu próprio caminho e não está a criar expectativas que as pessoas possam ter de si.
Não, nunca faço a mesma coisa duas vezes!