Índice
Índice
O que significa o prazer sexual? Não existe uma resposta fechada, mas há sensações que parecem ser vantajosas para que esta experiência “complexa”, “emocional, psicológica e relacional intensa”, seja vivida em plenitude. Os clichés são reais: o prazer sexual está, sobretudo, na nossa cabeça e conseguirmos atingir este “estado alterado de consciência” depende muito de um espaço de “confiança” e “segurança”. Desmontando alguns mitos: não, o prazer sexual não diminui com a idade — toda a gente, em qualquer faixa etária e de qualquer género, pode senti-lo. E, sim, existe prazer sexual em relações monogâmicas duradouras.
Estes são algumas das conclusões dos resultados preliminares do “Estudo Prazer Sexual“, desenvolvido pelo MUSEX -Museu Pedagógico do Sexo; o Gerador, plataforma independente de jornalismo, cultura e educação; o Mestrado Transdisciplinar de Sexologia da Universidade Lusófona; e a Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica — quatro entidades que uniram forças para estudar esta que é considerada uma “componente fundamental da saúde global”, incluída na Declaração dos Direitos Sexuais, publicada pela Associação Mundial de Saúde Sexual.
Uma investigação que resulta da “vontade muito antiga de todas as partes envolvidas”, explica ao Observador Patrícia Pascoal, investigadora principal do estudo, psicoterapeuta, terapeuta sexual e professora associada na Universidade Lusófona. A equipa fica completa com Tiago Sigorelho, presidente do Gerador, e com Marta Crawford, terapeuta sexual e criadora do Museu Pedagógico do Sexo e da exposição Amor Veneris – Viagem ao Prazer Sexual Feminino, que esteve patente até esta quarta-feira no museu de Algés.
Apesar da “visibilidade” que o tema do prazer sexual tem ganho nos últimos anos — e que foi um dos fatores que veio também viabilizar este trabalho — esta mantém-se uma área “obscurecida” no que toca à investigação. Tem sido, relata Patrícia Pascoal, deixada em segundo plano em prol de temas considerados mais urgentes, o que resultava na falta de “conhecimento empiricamente fundamentado”.
Uma lacuna que esta investigação quer ver corrigida. O questionário online, submetido e aprovado por uma comissão deontológica para a investigação científica, incluiu uma série de perguntas abertas e fechadas, deixando ainda espaço para um contributo qualitativo naquelas que foram as questões essenciais: o que é o prazer sexual e como é que obtém prazer sexual, tanto com outras pessoas como a sós, detalha a investigadora. O resultado, descreve, é o de um vasto conjunto de testemunhos de “grande riqueza”.
Ao todo, foram analisados nesta investigação — “ainda em estado muito preliminar” — os dados recolhidos a partir dos 1624 questionários completos e respondidos até 23 de fevereiro. E, apesar da amostra reduzida (“constituída por pessoas que sentem muito prazer com a sua sexualidade”, o que importa na consideração dos resultados), foi possível concluir que o prazer sexual vai muito além do orgasmo: é, antes, uma experiência “complexa”, “emocional, psicológica e relacional intensa”.
Quais são os principais problemas sexuais?
Vamos a alguns números. Cerca de 63% dos inquiridos encontra-se numa relação monogâmica. Semanalmente, 65% dos participantes masturba-se e 48% têm atividade sexual. Os dados revelam também que as pessoas sentem mais prazer na atividade sexual com outra pessoa (83% do prazer) do que sozinhas (74% do prazer).
Um dado menos positivo revela que 17% dos participantes sentem que têm um problema sexual, destacando-se, entre a grande variedade de obstáculos (tanto do foro relacional, como psicológico ou até físico), desde a discrepância de desejo entre pessoas, à “ausência de libido”, até dificuldades eréteis, dor sexual, questões de saúde e terapêuticas, ausência de prazer sexual, problemas em atingir o orgasmo, ansiedade de desempenho, pouca frequência, endometriose, ou timidez durante a atividade sexual.
Das 279 pessoas que relataram a existência de problemas sexuais, 56% não são acompanhadas para resolver a situação, apesar de o quererem fazer, indicando questões financeiras e a falta de crença na eficácia dos tratamentos como principais motivos, ou colocando também o ónus do problema na outra pessoa. Em todas as faixas etárias, o sofrimento psicológico — como ansiedade ou depressão —, bem como a angústia relacionada com problemas ligados ao funcionamento sexual (sentimentos ansiosos durante o ato sexual ou dificuldade com a excitação e o orgasmo) associam-se a menos prazer sexual.
Quem são os participantes deste estudo?
↓ Mostrar
↑ Esconder
- Idade: têm entre 18 e 83 anos, com média de idade de 40 anos e desvio padrão de 12 anos.
- Identidade de género: são maioritamente mulheres (63%) e homens (34%). Duas pessoas identificaram-se como “fluídas”, uma como “gay”, uma como “homem não binário”, uma como “homem trans” e outra como “trans não binária”.
- Orientação sexual: identificaram-se maioritariamente como heterossexuais.
- Escolaridade: têm, maioritariamente, educação universitária.
- Coabitação: a maioria das pessoas vive com alguém.
- Situação profissional: a maioria das pessoas trabalha por conta de outrém.
“Os problemas sexuais vão constituir sempre um fator inimigo da experiência do prazer. Insistir em ter relações e expor-me à situação que me traz sofrimento não só aumenta o sentimento de sofrimento, como faz com que eu não usufrua daquilo que aquela ação me devia trazer, que é o prazer sexual”, explica Patrícia Pascoal.
“Se uma pessoa está constantemente a expor-se a uma situação com a expectativa de que esta seja prazerosa, mas que depois, não só não é prazerosa, como também é angustiante, o prazer parece algo cada vez mais distante e longínquo”.
A dor durante o sexo é um aspeto especialmente presente no género feminino. “A dor sexual aparece de várias formas: muitas vezes por antecipação, na expectativa de ter relações, pode acontecer com o toque na vulva, com tentativas de penetração durante a atividade sexual ou até depois.”
Este, descreve a especialista, é um dos grandes fatores inibidores do prazer sexual — e um que merece especial atenção: “Para nós é muito óbvio que há aqui um trabalho de proteção que deve ser feito destas pessoas — destas mulheres, na maior parte dos casos —, porque estão a expor-se a uma experiência de dupla punição: primeiro, a experiência de dor, desagrado e angústia, depois a punição de não conseguirem sentir prazer e terem os benefícios próprios da atividade sexual.” É fundamental procurar ajuda médica.
A comunicação serve para se dizer aquilo de que se gosta, mas também do que não se gosta. E, não, ser mais velho não significa sentir menos prazer sexual
Para 78% dos participantes, e em todas as faixas etárias, a comunicação é fundamental para o prazer sexual. E este aspeto, revela o estudo, não deverá servir, apenas, para expressar preferências. “Não chega dizer só aquilo de que gostamos, também temos de dizer aquilo de que não gostamos”, frisa Patrícia Pascoal. “Usufruirmos daquilo que nos sabe bem não será vivido com tanta plenitude se experienciarmos fatores que são invasivos e intrusivos.”
Ainda que a maioria dos participantes relate satisfação com o seu corpo, é possível identificar a imagem corporal como outro fator que promove ou inibe o prazer sexual. Neste aspeto, Patrícia Pascoal indica que a tonificação corporal é um dos fatores mais associados a uma boa imagem. “Isto acaba por penalizar muito as mulheres, principalmente aquelas que já passaram por processos de gravidez, que referem várias vezes que se sentem mais inibidas com o corpo por terem estado grávidas, porque têm os seios mais descaídos, porque estão mais flácidas, porque não voltaram à mesma forma física.”
Segundo a amostra do estudo, a imagem corporal não é um inibidor do prazer sexual em todas as faixas etárias: a insatisfação com o corpo tem um impacto mais elevado nas faixas etárias mais jovens (até aos 34 anos), sentimento que parece desvanecer-se conforme a idade vai avançando.
Ainda no campo da idade, destaca Patrícia Pascoal, estes resultados deixam cair uma ideia pré-concebida: “Não há nenhuma relação entre a intensidade do prazer e a idade. O prazer está acessível a todas as pessoas, a todas as identidades de género e a todas as faixas etárias”, destaca. “Os nossos dados não suportam em nada a ideia de que com a idade o prazer diminui. O prazer é uma experiência positiva em todas as idades.”
A idade pode, na verdade, ser sinónimo de novas experiências para obter ou maximizar o prazer sexual. Isto porque foi na faixa etária dos 55 aos 64 anos que o prazer foi mais associado à utilização de “brinquedos sexuais”, ao assistir a pornografia com outras pessoas, a frequentar workshops sexuais, usar sexting e outras formas de receber e enviar mensagens sexuais. Este resultado, salienta o documento, “não indica se é nesta faixa etária que estes comportamentos acontecem com maior frequência” — sugere, antes, que é nesta faixa etária que “estes fatores têm uma associação moderada com prazer sexual”.
Segurança, confiança, desinibição e entrega. O prazer sexual com os outros
O que é que influencia mais o prazer sexual nas relações com outras pessoas? “O que sabemos é que a diversificação, o sentimento de desejo e o receber e dar sexo oral em todas as faixas etárias parece ter alguma associação ao prazer, mas depois as descrições das pessoas sobre o que é o prazer sexual não se focam muito em práticas.” Os testemunhos incluídos no estudo mostram isso mesmo, como poderá ler abaixo.
“Existem vários estádios. O estádio mais intenso (que nem sempre acontece) é um estado etéreo em que o tempo e o espaço deixam de existir. Como se entrasse num estado alterado de consciência. Sem pensar no que estou a fazer, como estou a fazer, quase como se fossemos um corpo só. Esse será o estado mais elevado que já experienciei e que procuro”, pode ler-se num dos testemunhos incluídos na análise qualitativa do estudo.
Assim se entende que não é sobre atingir o orgasmo, sobre o toque em determinadas zonas do corpo ou sobre ações concretas que possam acontecer durante o sexo. O prazer sexual com outras pessoas é uma “experiência emocional e sensorial intensas de conexão, mutualidade, explosão sensorial, alteração da consciência, descontrolo”.
Mas para que esta “total sensação de liberdade”, descreve outro testemunho, possa ser atingido, é fundamental também que a segurança e a confiança estejam presentes. Estes são fatores fundamentais: “Estas descrições que as pessoas apresentam — de que sentir o prazer sexual é sentir conexão, mutualidade, sensação da alteração da própria consciência, de passar para um plano mais elevado, um plano diferente, um descontrolo, abandono e entrega — podem acontecer porque há uma predisposição e um sentimento de segurança”, destaca a investigadora. Talvez por isso caia também o mito de que o prazer sexual diminui em relações duradouras — o estudo não encontrou dados que suportassem essa afirmação.
Outro ponto fundamental para o prazer sexual é a capacidade de nos desinibirmos: “Nas descrições que fazem, sobretudo naquilo que é o prazer sexual com os outros, o que vemos é que é muito importante para as pessoas sentirem-se desinibidas sexualmente, libertas e em relações de grande confiança e conexão emocional, independentemente de ser uma conexão de uma noite”, indica Patrícia Pascoal, que ressalva que é importante não confundir a sensação de segurança e de confiança com relações monogâmicas estáveis. “Tem, antes, que ver com a qualidade daquela relação, naquele momento.”
A associação com o bem-estar emocional é indiscutível: para termos prazer sexual temos de “estar bem”. “Nós tendemos erradamente a arrumar os assuntos de saúde mental em extremos, mas a maior parte das pessoas pode até nunca ter um diagnóstico, mas podem sentir-se mais ansiosas, preocupadas, angustiadas. Tudo isto são inimigos sociais do prazer, inimigos e fatores que promovem a falta de saúde sexual”.
“As pessoas que se sentem bem mentalmente poderão ter mais prazer, independentemente das práticas. Não basta levarmos o arsenal material todo, também precisamos do nosso arsenal mental.”
Uma imaginação “sem restrições” e a ausência da pressão externa. O prazer sexual a sós
No que se refere ao prazer sexual a sós, esta será, segundo a amostra, menos prazerosa face à obtida na relação com outras pessoas. Ainda assim, o estudo destaca o facto de a masturbação permitir “a exploração e o auto-conhecimento”, sendo descrita como “livre”, permitindo também a utilização da “imaginação sem restrições”. É ainda um momento ausente da “pressão externa”, sensação inimiga e inibidora do prazer sexual, muitas vezes presente nas interações com terceiros.
Sobretudo no caso das mulheres, frisa a especialista, a masturbação é um “momento em que estão libertas de todas as pressões e que podem fazer o que querem, nem que seja com a imaginação, o que nos diz também que na relação com os outros há muito isto — as expectativas, o sentir-se observado.”
Ainda assim, houve relatos que demonstraram que até no ato da masturbação as pessoas sentem que precisam de responder a uma expectativa. “A masturbação satisfaz-me bastante, mas às vezes fico envergonhada como se alguém me estivesse a observar”, disse um dos participantes. Há ainda testemunhos que relatam que a masturbação é uma ação que permite atingir sensações de relaxamento, descontração e descompressão.
Seja com terceiros ou a sós, o estudo arruma definitivamente uma questão: o prazer sexual não passa, simplesmente, por ter atingir o orgasmo. Apesar de ser uma “experiência fisiológica intensa”, o prazer é aqui descrito como algo que vai para além disso. “Há pessoas que dizem que só sentem verdadeiro prazer quando sentem que gostam pessoa com quem estão amorosamente. Outras pessoas dizem que o prazer começa quando se sentem desejadas, quando sentem uma excitação muito grande”, exemplifica Patrícia Pascoal. “Portanto, será uma experiência mais duradoura.”
Os portugueses têm, então, uma noção saudável daquilo que é o prazer sexual? “As pessoas têm uma noção de uma forma geral do que é o prazer. Agora, sem têm as condições relacionais e emocionais para usufruir da melhor maneira e da forma mais digna? Acho que às vezes não. Somos um país pobre, em que as pessoas trabalham muito, com muitas pessoas precárias, com muitas preocupações e inquietações. Sem justiça social e sem condições de vida dignas, muito daquilo que pode ser o prazer da vida, incluindo a sexualidade, pode estar comprometido.”