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A 17 de abril assinalam-se os dez anos da morte de Gabriel García Marquez

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A 17 de abril assinalam-se os dez anos da morte de Gabriel García Marquez

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"Não há mais livros perdidos": a história do romance inédito de Gabriel García Márquez, que é agora revelado

O colombiano nunca deu o livro como terminado. A viúva, Mercedes Barcha, proibiu a publicação. Os filhos reverteram a decisão. É publicado esta quarta-feira e esta é a história de como chegou aqui.

Gabriel García Márquez (1927-2014), Prémio Nobel da Literatura 1982, deixou a nota de que se tratava de um livro que não estava pronto para ser publicado e que, por essa razão, devia ser destruído. Anos depois, os seus filhos, Gonzalo e Rodrigo García Barcha, decidiram que era chegado o momento de revelar a obra até agora desconhecida do autor colombiano, que passa assim a poder ser lida na sua integralidade. Esta quarta-feira, dia 6 de março, data em que o escritor faria 97 anos, é publicado este romance inédito, no qual trabalhou desde a década de 1990, intitulado Vemo-nos em Agosto.

Constituído por cinco histórias autónomas, mas relacionadas entre si, há muito que era sabido da existência deste romance breve, ao qual García Márquez aludira mais do que uma vez publicamente. Em março de 1999, o escritor leu mesmo um excerto numa sessão em Madrid, junto do escritor português José Saramago. Um mês mais tarde, a obra em curso veria uma das suas primeiras narrativas ser publicada na revista Cambio. Na versão que agora chega aos escaparates das livrarias, contam-se pouco mais de uma centena de páginas nas quais ele trabalhou ao longo da última década de vida, e cujos manuscritos se encontravam no Harry Ransom Center da Universidade do Texas, a instituição que adquiriu em 2014 o arquivo de García Márquez, junto a outros documentos seus ali depositados.

Na apresentação deste novo livro, que decorreu na tarde desta terça-feira no Instituto Cervantes de Madrid, Pilar Reyes, diretora da Penguin Random House Grupo Editorial (responsável pela edição do livro nos países de língua castelhana), salientou a “decisão feliz” dos herdeiros de publicar finalmente em livro este romance, num gesto que vem “enriquecer uma obra fundamental da literatura mundial” e que é também testemunho de uma fase final da vida literária do escritor, em que o mesmo reconhecia a incapacidade de escrever uma obra de fulgor mais extenso devido às suas perdas de memória.

A capa da edição portuguesa de "Vemo-nos em Agosto", publicado pela Dom Quixote

“Trata-se de uma obra em que se aborda o amor transmutado em desejo. A protagonista e a sua procura pela liberdade são uma nova porta de entrada no universo de Gabo [alcunha pelo qual era conhecido o escritor] e por isso mesmo é um presente inesperado, de alguém que não podia viver sem escrever”, realça a editora. Vemo-nos em Agosto, que em Portugal é publicado pela Dom Quixote, relata a história de Ana Magdalena Bach (homónima da segunda mulher de Johann Sebastian Bach), uma mulher de 52 anos que, anualmente, viaja sozinha a uma ilha do caribe a fim de depositar flores na campa da mãe. Numa dessas viagens, ficou a saber que o cemitério iria deixar de o ser, pelo que ela deveria encontrar outra morada para a campa. Mas a surpresa não se fica por aí.

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Casada e feliz há vinte e sete anos, sem motivos para abandonar a vida que construiu com o marido e os dois filhos, a protagonista contempla os homens no bar do hotel, e todos os anos arranja um novo amante. Através das sensuais noites caribenhas repletas de salsa e boleros, homens sedutores e vigaristas, a cada agosto que passa Ana viaja mais longe para o interior do seu desejo e do medo escondido no seu coração.

Um romance exuberante e tropical

A obra, que em Portugal conta com tradução de J. Teixeira de Aguilar, é vista pelo crítico e poeta espanhol Luís García Montero como um “labor de concórdia entre a ficção e realidade, marcada pelos sentimentos mais íntimos”, e que recupera a faceta mais tropical da obra do escritor. Mantendo, no entanto, o cunho literário inconfundível de García Márquez, Vemo-nos em Agosto, salientam os filhos, afasta-se do chamado “realismo mágico” que marcou alguns dos títulos mais conhecidos, nomeadamente do célebre romance Cem Anos de Solidão. Por outro lado, é definido pela protagonista feminina, algo que não era propriamente uma característica comum aos seus livros.

"Todos os livros que não gostava, destruía, e não foi o que sucedeu neste caso. Não há mais livros perdidos, este é o último sobrevivente. Pode não ser tão polido como outros títulos seus, mas é uma forma de completar a sua obra. Os leitores irão julgar se tomámos a decisão acertada”, diz o filho Rodrigo García Barcha.

“A sua história é bastante tropical e exuberante e esta obra foi o fruto de um último esforço para continuar a criar contraventos e marés. Embora nunca se tivesse declarado como feminista, Gabo cresceu rodeado de mulheres fortes e inspiradoras, algo que esta protagonista também recorda e recupera”, explicou Gonzalo García Barcha. Juntamente com o irmão Rodrigo, explicaram a decisão de permitir a publicação do livro. “Lemos parte do livro no seu processo de escrita, ao qual voltava até chegar ao momento em que perdeu a memória e deixou de trabalhar. Lendo-o anos depois, percebemos que o texto estava muito melhor do que recordávamos, com muitas das características que todos lhe reconhecemos: uma prosa preciosa, um profundo entendimento do ser humano, a construção das personagens e sua capacidade de invenção”, sintetiza o irmão Rodrigo García Barcha.

E não há dúvidas que se trata de uma obra que foi acarinhada por García Márquez. Já no passado, o Harry Ransom Center fez saber que possuía nada menos do que dez versões desta obra inacabada. Ainda assim, explicam os herdeiros, subsistia a importância da nota do próprio autor que dizia que a mesma devia ser destruída. “Dizia que era uma desordem, que não podia ser publicado, mas suspeitávamos que tinha perdido essa capacidade de julgar o livro. Todos os livros que não gostava, destruía, e não foi o que sucedeu neste caso. Não há mais livros perdidos, este é o último sobrevivente. Pode não ser tão polido como outros títulos seus, mas é uma forma de completar a sua obra. Os leitores irão julgar se tomámos a decisão acertada”, acrescentou ainda o filho Rodrigo.

Trabalho de arqueologia

Até chegarmos a esta versão que agora se publica foi, no entanto, preciso um “trabalho de arqueologia e de recoleção de dados através dos diversos manuscritos”, explica Gonzalo García Barcha, realçando o papel do editor Cristóbal Pera, que já em 2011, dava conta do esforço levado a cabo pelo colombiano para tornar mais a seu gosto uma personagem que ainda não o convencia, esperando que desse em breve por concluído este romance. Quando morreu, em 2014, os media retomaram o tópico da obra inédito e da sua eventual publicação, mas cerca de um mês e meio mais tarde, o diretor da Fundación Gabriel García Márquez para el Nuevo Periodismo Iberoamericano, Jaime Abello, revelou que, por decisão da viúva do escritor, Mercedes Barcha, o livro nunca seria publicado.

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Pilar Reyes (do grupo editorial Penguin Random House) e Gonzalo García Barcha (um dos filhos de García Márquez) na apresentação de "Vemo-nos em Agosto", esta terça-feira em Madrid

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Com a morte de Mercedes e motivados pelas leituras que várias pessoas tinham feito do romance a partir dos manuscritos disponíveis, chegou-se ao entendimento de que o mesmo já quase não requeria trabalho de edição. Foi aí que começou o trabalho de Cristóbal Pera. “Não se agregou nada que não estivesse já nos diversos originais. Comentou-se que carecia de um final, mas o Cristóbal confirma que, conversando com Gabo, este lhe diz que o romance tinha um final. Não se fez nenhum trabalho de edição ou de juntar frases. A novela estava um pouco dispersa nos originais, mas estava completa e isso foi muito importante. O trabalho do editor limitou-se à corroboração de dados e em comparar as diferentes versões”, explica o filho.

Depois de um período de algum secretismo perante a surpresa, Vemo-nos em Agosto é agora editado como derradeiro testemunho literário daquele que foi, ao lado do peruano Mario Vargas Llosa, do argentino Julio Cortázar e do mexicano Carlos Fuentes, um dos maiores escritores do chamado “boom latino-americano”, um fenómeno editorial e literário dos anos 1960 e 1970 que os tornou conhecidos mundialmente. Para os filhos do escritor de língua castelhana mais traduzido em todo o mundo, este livro é também uma forma de não deixar cabos soltos no seu percurso. “Já não fica assim perdido num arquivo algures apenas para ser lido por alguns curiosos”, concluem.

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