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O primeiro-ministro, António Costa intervém na conferência de imprensa no final da reunião do Conselho de Ministros onde foi discutido o programa “Mais Habitação” no Palácio da Ajuda, em Lisboa, 18 de março de 2023. MIGUEL A. LOPES/LUSA
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MIGUEL A. LOPES/LUSA

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Novo apoio aos créditos é menos abrangente (e menos generoso) do que Costa anunciou

António Costa disse que critério para a bonificação nos créditos é aumento de três pontos percentuais face à Euribor no momento da contratação. Mas não é bem assim: juros negativos são desprezados.

A nova bonificação dos juros no crédito à habitação, para os clientes mais vulneráveis, será interrompida caso a taxa Euribor desça para menos de 3% – o que poderá estar perto de acontecer, sobretudo na Euribor a três meses. O decreto-lei publicado nos últimos dias, que define as condições de acesso às novas medidas aprovadas pelo Governo para mitigar o aumento das prestações, estabelece que a bonificação só existe quando o indexante “for igual ou superior a 3%” – o que significa que, caso as Euribor desçam, a abrangência será menor do que na forma como António Costa explicou o mecanismo. E os apoios também são menos generosos.

Quando apresentou oficialmente a bonificação parcial e “temporária” para os créditos, a 16 de março, o primeiro-ministro indicou que esse apoio seria calculado com base no “valor do indexante existente à data da celebração do contrato” – a partir do momento em que há, depois, “um aumento superior a 3% [sic], é esse diferencial acima de 3% que comparticiparemos em 50% ou em 75%”, indicou o primeiro-ministro.

“E porquê 3%? Porque é o valor que nos últimos anos, desde 2018, já [tem sido utilizado pelos bancos] para verificar, no momento da contratação, a capacidade das famílias de fazer face a uma eventual subida das prestações”, explicou António Costa. Nesta declaração do primeiro-ministro estará uma confusão entre 3%” e “três pontos percentuais“, porque o que o Banco de Portugal determina é que, para aferir o stress dos clientes caso os juros subam, devem ser somados três pontos percentuais ao indexante naquele momento. O cálculo “aplica-se a qualquer valor do indexante, inclusivamente quando este regista valores negativos“, confirmou fonte oficial do Banco de Portugal.

Este detalhe é relevante porque entre a primeira metade de 2015 e meados de 2022 todos os créditos à habitação com taxa variável, feitos em Portugal, começaram com uma taxa negativa, abaixo de zero. Assim, durante todos estes anos, os bancos testaram um agravamento de três pontos percentuais em comparação com o indexante calculado no início do contrato. Por exemplo, uma família que tenha começado com Euribor no valor negativo de -0,5% teve, na altura, o banco a simular se seria capaz de aguentar a prestação com a Euribor em 2,5%.

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Todas as principais taxas Euribor estão, ainda, acima de 3% – com a Euribor a três meses em 3,012%, o indexante a seis meses nos 3,239% e a Euribor a 12 meses em 3,469%. Mas os indexantes estão a dar alguns sinais de alguma estabilização – basta ver que a Euribor mais longa tocou os 3,978% a 9 de março –, o que resultará das dúvidas crescentes sobre se o Banco Central Europeu (BCE) irá fazer mais algum aumento das taxas de juro.

epa10269060 European Central Bank (ECB) President Christine Lagarde addresses a press conference following the meeting of the ECB Governing Council in Frankfurt am Main, Germany, 27 October 2022.  EPA/RONALD WITTEK

Taxas Euribor continuam acima de 3% (por muito pouco, no caso da Euribor a 3 meses), com analistas a duvidarem que Christine Lagarde anuncie (muitas) mais subidas dos juros.

RONALD WITTEK/EPA

A razão pela qual a medida pode vir a abranger menos pessoas do que António Costa deu a entender é que a legislação, na forma como foi escrita, faz interromper os pagamentos das ajudas caso as Euribor baixem dos 3%, o que está a poucas décimas de acontecer na Euribor mais curta. Se a legislação levasse em consideração os três pontos percentuais de agravamento (e não incluísse este limite mínimo “cego” de 3% no indexante), então a descida das Euribor teria mais espaço para cair antes de ser interrompido o apoio.

Dois exemplos práticos:

  • A família Rodrigues contratou um crédito em abril de 2022, quando a Euribor a 12 meses estava ainda em valores muito baixos, poucas centésimas acima de zero. O banco, no cumprimento da recomendação do supervisor, concedeu o crédito depois de simular um cenário em que a família se via confrontada com uma taxa Euribor mais pesada em três pontos percentuais – o que corresponderia a um indexante de sensivelmente 3%.
  • Por outro lado, a família Almeida comprou casa em outubro de 2021, também recorrendo a crédito bancário, quando a Euribor a 12 meses estava próxima de -0,5%. Aí, o banco terá testado o cenário de uma subida da Euribor até 2,5%.

Se a legislação fosse construída apenas com base no teste de stress feito pelos bancos, a família Almeida teria direito a uma bonificação parcial das prestações sempre que a Euribor estivesse acima de 2,5%.

Porém, tanto a família Rodrigues como a família Almeida deixam de receber o apoio no mesmo momento, no momento em que a Euribor baixar para menos de 3%. “A bonificação temporária de juros é aplicável quando o indexante do contrato de crédito for igual ou superior a 3%”, clarifica o número 1 do Artigo 16.º do novo decreto-lei (Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de março).

Tal significa que, por hipótese, se a Euribor baixar para 2,7% tanto a família Rodrigues como a família Almeida deixam de receber. Em contraste, se o critério fosse aquele que foi referido verbalmente por António Costa, a família Rodrigues já não seria elegível mas a família Almeida ainda seria.

Apoio pode ser, também, menos generoso

Além de ser, na prática, menos abrangente, o apoio também poderá ser menos generoso, porque o ponto 3 do mesmo artigo estabelece que “a bonificação incide sobre a diferença entre o valor do indexante apurado contratualmente”, após cada revisão, e “o limiar de 3% referido no n.º 1“.

Ou seja, nunca são considerados os hipotéticos 2,5% da família Almeida, nem mesmo para o cálculo do valor a pagar que, assim, será menos generoso.

O Observador confirmou esta leitura da legislação com a equipa da Deco Proteste. Nuno Rico, economista, calcula que num empréstimo de 150 mil euros, com spread a 1% e Euribor 12 meses, contratado em março de 2022, o valor inicial do indexante era de 0,335%. Aí, a prestação mensal era de 459,73 euros. Porém, com a revisão do contrato em março, o indexante passou a ser de 3,534%, o que fez saltar a prestação para 752,06 euros.

Assumindo que a família simulada por Nuno Rico preenche as condições de acesso ao apoio, o benefício será de 32,37 euros (caso a bonificação seja de 50%) e de 48,55 euros (se for 75%). “Se não existisse o limite dos 3%, os valores seriam de 52,67 euros e 79,01 euros, respetivamente”, conclui Nuno Rico.

Bonificação de juros no crédito à habitação. Quem pode pedir? Quanto e quando vou receber?

Este cálculo contrasta com a explicação feita por Costa quando apresentou a medida, que a justificou com o “esforço inesperado” que os clientes estão a ter. Costa associou esse “esforço inesperado” à tal subida de três pontos percentuais testada pelos bancos – embora esse teste nunca tenha sido mostrado ao cliente. O teste é uma simulação feita pelo banco internamente: o que é mostrado ao cliente não é o possível agravamento de três pontos percentuais mas, sim, uma simulação com a taxa Euribor no nível máximo dos 20 anos anteriores (nível que ainda não foi atingido, pelo menos para já).

Contactado pelo Observador, o Ministério das Finanças referiu que “os critérios de elegibilidade e a fórmula de cálculo são os mesmos quer o indexante inicial tenha um valor positivo ou negativo“, mas não explica como é que, na prática, as duas situações produzem um resultado diferente quando existe um limite mínimo de 3%. As duas simulações apresentadas por Fernando Medina, no anúncio das medidas, partiam de casos em que os indexantes eram de 0% e de 0,25%, ou seja, não foi simulado qualquer caso com juros iniciais negativos.

Fonte oficial do primeiro-ministro também foi questionada sobre o contraste entre o que foi dito e o desenho da legislação, mas não houve, até ao momento, resposta. O Governo planeia gastar 460 milhões de euros com esta medida e com o apoio às rendas, no total.

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