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ILUSTRAÇÃO: Ana Martingo/OBSERVADOR
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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Novo Banco. O negócio da GNB Vida e o magnata que espiava as namoradas

Seguradora do Novo Banco esteve para ser vendida a magnata controverso. Negócio atrasou e Novo Banco ficou a perder mais ainda. GNB Vida foi vendida a "preço desolador" mas negócio foi transparente.

A seguradora GNB Vida, do Novo Banco, esteve para ser vendida ao conglomerado norte-americano dos seguros que é controlado por um controverso magnata californiano chamado Greg Lindberg. No entanto, perante as notícias de que o californiano estava a ter problemas com a justiça, o supervisor português dos seguros – a ASF, ainda no tempo de José Almaça – bloqueou o negócio. O atraso resultante acabou por ser penalizador para o Novo Banco, que por isso perdeu largas dezenas de milhões de euros, mas o ativo acabou por ser vendido a uma empresa liderada por um executivo que fora próximo de Greg Lindberg, um magnata com muitos inimigos que foi condenado num caso de corrupção e que foi notícia por ter detetives privados a espiar as mulheres com quem se relacionava.

Ao que o Observador apurou junto de fontes que acompanharam este longo processo, depois do veto da Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) no início de 2019, não se pôde avançar com a compra da GNB Vida, que tinha sido fechada por cerca de 190 milhões de euros (cerca de metade do que estava avaliada no balanço). Nessa altura, várias entidades foram contactadas para ver se queriam comprar a seguradora pelo valor que tinha vencido o concurso lançado, que tinha sido ganho pela Global Bankers, de Greg Lindberg.

Entre as entidades que foram contactadas nesse momento delicado estavam, sabe o Observador, as empresas que tinham ido ao concurso e perdido, ou seja, que tinham oferecido ainda menos por este ativo, que acumulava prejuízos atrás de prejuízos. “Uma seguradora com pouco novo negócio, a pagar juros de 3% e 4% sobre responsabilidades antigas e com investimentos que lhe rendem 0%… uma seguradora assim perde dinheiro todos os dias“, disse fonte próxima do processo, numa alusão às dificuldades que o contexto de taxas de juro historicamente baixas provoca a seguradoras com o perfil da GNB Vida.

Ninguém quis chegar-se à frente, conta fonte envolvida nesse processo, o que demonstra que “a compra não foi nenhum negócio da China, como alguns podem pensar” – o ativo é que não era, de todo, muito atrativo. Daí o “preço desolador” que venceu o concurso, aponta uma outra fonte com conhecimento da operação. O Observador apurou que, depois da oferta vencedora dos 190 milhões de euros, todos os outros concorrentes tinham propostas muito mais reduzidas, na casa dos dois dígitos – ou seja, a oferta da Global Bankers tinha sido, de longe, a mais favorável para o Novo Banco.

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António Ramalho e a administração do Novo Banco tinham de vender a GNB Vida antes do fim de 2019. FOTO: André Dias Nobre/OBSERVADOR

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

À falta de grande interesse pelo ativo, acabou por ser possível encontrar uma solução: a Global Bankers cedeu os seus direitos (conquistados por ter vencido o concurso) a uma outra empresa, a GBIG Portugal – uma empresa com sede na Rua Castilho, em Lisboa, e que tinha sido constituída muito recentemente, em novembro de 2018. Essa empresa, como disse o Novo Banco na altura, é “totalmente detida por fundos geridos pela Apax Partners“, um dos maiores fundos private equity da Europa e que aceitou associar-se a Matteo Castelvetri neste investimento. Ora Castelvetri liderou os investimentos europeus de Greg Lindberg durante dois anos, a partir de Londres.

Ainda assim, apesar da anterior proximidade entre Castelvetri e Lindberg, a ASF aprovou o negócio e a idoneidade dos gestores, como o regulador informou ao início da tarde desta segunda-feira. O próprio Matteo Castelvetri veio a Lisboa falar com os reguladores e garantiu que tinha havido uma quebra total com Greg Lindberg, visado pela justiça norte-americana – os executivos tinham feito o chamado management buyout e tinham encontrado um investidor com bolsos profundos, a Apax, para continuar com a operação nos termos que tinham sido acordados com a Global Bankers, resolvendo uma “dor de cabeça” para o Novo Banco.

GNB Vida fora do balanço. Menos uma “dor de cabeça”

A compra da GNB Vida acabou, porém, por fazer-se a um valor inferior, 123 milhões de euros à cabeça – e tudo por causa de cláusulas que existiam no contrato feito com o vencedor do concurso e que estabeleciam algumas métricas para a definição final do valor a pagar. Como o negócio se atrasou, a GNB Vida acabou por acumular mais alguns meses de prejuízos e perdeu dinheiro com alguns investimentos, pelo que a administração liderada por António Ramalho, nos termos do contrato, teve que vender por uma quantia menor, menos quase 70 milhões de euros do que o preço original.

Por outro lado, o Novo Banco tinha um compromisso de vender aquele ativo até ao final do ano de 2019, o que impossibilitou outras opções. A GNB Vida acabou, assim, vendida a um valor quase 70% abaixo do valor contabilístico registado pelo banco nas contas semestrais de junho de 2019 – como lembrou o jornal Público esta segunda-feira. Há que sublinhar, porém, que além dos 123 milhões recebidos à cabeça o Novo Banco fica com a possibilidade de receber até mais 125 milhões de euros numa componente variável do negócio, sujeita à obtenção de determinados objetivos.

Novo Banco vendeu seguradora a empresa que teve ligações a magnata condenado? Envolvidos desmentem

Mesmo assim, com a possibilidade de receber mais dinheiro, no limite “outro tanto” em comparação com o que foi pago à cabeça, acabou por ser esse desconto de quase 70% que serviu de base ao cálculo do capital que o Novo Banco pediu ao Fundo de Resolução relativamente ao exercício de 2019. A GNB Vida estava dentro do perímetro dos ativos “legado” que foram herdados do Banco Espírito Santo e cuja venda (e perdas associadas) podia dar lugar a uma compensação por parte do Fundo de Resolução, que beneficia de empréstimos de longo prazo por parte dos contribuintes.

Porque valia a GNB Vida 391 milhões? “Avaliações estapafúrdias de Ricardo Salgado”

Só esta operação representou perdas de 268 milhões de euros, ou seja, cerca de um quarto daquilo que o Novo Banco acabou por pedir ao Fundo de Resolução relativamente ao exercício de 2019 (mais de mil milhões, com empréstimo público de 850 milhões, o máximo anual previsto no acordo). Foi essa perda que motivou a queixa apresentada junto do regulador europeu ESMA (European Securities and Markets Authority), segundo o Público, que suspeita de um “conluio” entre a administração no Novo Banco, o presidente-executivo da GNB Vida para lesar os contribuintes portugueses. A queixa foi apresentada, aponta o jornal, “por quem tem envolvimento e interesse direto no Novo Banco“.

Esta é uma acusação que o Novo Banco, liderado por António Ramalho, rejeita por completo – admitindo, até, levar o jornal a tribunal por causa da “campanha continuada” de notícias acerca das operações do banco. “O preço final da transação foi o melhor e resultou de um processo organizado de venda, competitivo e transparente, com o acordo do Fundo de Resolução, em que o comprador obteve idoneidade por parte da ASF”, atirou o Novo Banco logo ao início da manhã.

O que o comunicado não esclarece é porque é que a seguradora, sendo um ativo tão pouco atrativo como se comprovou ser, valia 391 milhões de euros nas contas semestrais de junho de 2019 – poucos meses antes de o Novo Banco se ver satisfeito por “despachar” a seguradora antes do fim do prazo, por um valor de 123 milhões com possibilidade de receber mais 125 milhões no próximo anos.

Ora, segundo uma fonte do setor segurador nacional, que conhece bem esta operação, esta é uma avaliação (os 391 milhões) que “deve ser vista à luz das avaliações estapafúrdias que eram feitas, no tempo de Ricardo Salgado, de ativos não-cotados como era o caso da seguradora GNB Vida – avaliações que, depois, eram usadas para usar como colaterais, etc“. Neste caso, a GNB Vida foi baixando gradualmente, à medida que o ambiente de taxas de juro baixas se foi agravando, mas o Novo Banco continuou a guiar-se por esse “valor histórico”.

Porque valia GNB Vida tanto? "Avaliações estapafúrdias do tempo de Ricardo Salgado", diz fonte do setor segurador português.

TIAGO PETINGA/LUSA

Foi isso que foi feito até à venda, que viria numa altura (2019) em que já se perspetivava um ambiente de taxas de juro muito baixas na zona euro. Com a pandemia, essas perspetivas estão ainda mais reforçadas: as taxas de juro vão continuar em mínimos históricos por vários anos – o que torna o valor da GNB Vida, mesmo aquele pelo qual acabou por ser vendida, uma “miragem“, diz fonte do setor segurador: “Está longe de ter sido uma pechincha, um negócio da China – ainda mais com o que se sabe agora” sobre como as taxas de juro vão continuar a penalizar as seguradoras.

Ou seja, na opinião deste especialista, este dificilmente acabará por se revelar um bom negócio para o fundo que comprou a GNB Vida – e poderia ser mais ruinoso para o comprador se tivesse sido feito nos termos em que foi acordado, por 190 milhões, com a Global Bankers do polémico Greg Lindberg.

Quem é, afinal, Greg Lindberg, que foi vetado pela ASF?

Greg Evan Lindberg é um empresário californiano formado em Yale que ainda antes de terminar os estudos, em 1993, formou a empresa que se viria a transformar na Eli Global, uma das principais empresas que compõem o seu conglomerado nos setores dos seguros e das finanças. Seria uma subsidiária de outra entidade por si controlada, a Global Bankers, que se disponibilizou para comprar a GNB Vida ao Novo Banco por um valor que seria, no mínimo, o dobro das outras ofertas.

Apesar de ter acumulado uma riqueza milionária – em 2017 a sua riqueza foi estimada em 1,7 mil milhões de dólares (quase 1,5 mil milhões de euros) – só ganhou maior notoriedade pública quando começou a fazer elevados donativos políticos no estado da Carolina do Norte (sobretudo a republicanos mas, também a democratas – não tem filiação partidária reconhecida).

Até essa altura, Lindberg era geralmente bem considerado pelos colaboradores, visto como uma espécie de Steve Jobs – descontraído mas altamente focado e capaz: “era capaz de pegar numa síntese financeira de uma empresa e dizer imediatamente se a empresa ia ter sucesso ou ia colapsar”, disse um ex-colaborador citado pelo News Observer. Outros ex-colaboradores acusam-no de ser impiedoso a deslocalizar operações dos EUA para países como a Índia. Isto além de ter um estilo de liderança “intimidatório”.

O envolvimento na política acabou, porém, por virar os holofotes na sua direção, o que lhe tirou tempo para o envolvimento diário nas atividades das empresas, designadamente da Eli Global, que se dedica a comprar empresas em maiores ou menores dificuldades e rentabilizá-las. “Uma coisa é certa: Lindberg não é, de todo, um gestor tipo fundo-abutre, raramente vende as empresas onde investe“, recorda fonte do setor segurador português, que conhece pessoalmente o magnata e acompanhou o seu percurso.

Foto: GREG LINDBERG/ROBERT BROWN PUBLIC RELATIONS/ASSOCIATED PRESS

Numa fase em que o envolvimento na política se acentuou – e nem sempre sendo coerente com os apoios ora a iniciativas dos republicanos ora dos democratas do North Carolina – Greg Lindberg foi apanhado num escândalo de alegado suborno ao regulador estatal que supervisionava a atividade das suas seguradoras, o “comissário” Mike Causey.

Com base em gravações secretas nas quais Lindberg prometia milhões para campanhas políticas (a troco da nomeação de uma pessoa especifica para supervisionar as suas empresas), o magnata foi constituído arguido no início de abril de 2019, coincidindo com o processo de venda da GNB Vida, e acabou por ser considerado culpado cerca de um ano depois – em março desde ano. Agora, já em agosto, ficou a saber-se que o Tribunal Federal recusou o pedido da defesa para um novo julgamento.

A defesa de Lindberg passa por alegar que “fizeram a cama” ao magnata, concretamente um político que armadilhou o empresário, manipulando-o e dando-lhe a entender que a oferta de um suborno na forma de donativos seria algo que garantiria a nomeação que Lindberg preferia. Na impossibilidade de ter um novo julgamento, Lindberg aguarda que lhe seja lida a sentença, que pode atingir 20 anos na cadeia.

Para trás ficam os tempos em que Lindberg, filho de um piloto de aviões, comprou uma mansão em Raleigh, Carolina do Norte, por 5,5 milhões de dólares – na altura o negócio imobiliário mais caro da história do estado norte-americano – e gastava milhões em iates e jatos privados.

Após o início das investigações, a mansão foi posta novamente à venda. E foi nessa altura, também, que começaram a chegar à imprensa notícias comprometedoras sobre a conduta de Lindberg na sua vida pessoal. Depois de em 2017 se divorciar da ex-mulher, Tisha, com quem tem três filhos, Lindberg iniciou relacionamentos amorosos com várias mulheres. Em outubro de 2019, o The Wall Street Journal revelou que o magnata contratava detetives privados para perseguir essas mulheres, tirando fotos, colocando localizadores GPS nos carros e fazendo relatórios sobre encontros que estas mantinham com outros homens.

Havia, entre essas pessoas, antigas “misses” e capas de revistas como a Sports Illustrated. Algumas dessas mulheres tinham assumidamente uma relação com Lindberg, outras (ainda) não – uma delas, inclusivamente, era alguém que o magnata estava a preparar para ser doadora de óvulos para futuros filhos que o californiano planeava ter. Pelo menos algumas das mulheres saberiam que estavam a ser seguidas – e o próprio Greg Lindberg confirmou que essa era uma prática que tinha concretizado, mas apenas para proteger as mulheres em causa de, potencialmente, caírem em estilos de vida perigosos como o consumo de drogas.

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