Ao longo das semanas de campanha que levaram o Brasil à segunda volta eleitoral, a figura de Jair Bolsonaro ganhou destaque, muito por força das declarações, decisões ou propostas do candidato da extrema-direita, como a apologia da ditadura militar, as afirmações racistas e sexistas, a par de promessas como a liberalização do uso e porte de armas ou a alteração do número de juízes do Supremo Tribunal de forma a poder escolher uma nova maioria de magistrados. Além do seu estilo controverso e não poucas vezes irónico, a maioria das críticas são dirigidas à sua ideologia.
O mesmo, porém, não pode ser dito sobre as críticas dirigidas ao seu adversário, Fernando Haddad. O programa eleitoral — por vezes a tocar a extrema-esquerda, mas, sobretudo, fixado no centro-esquerda — não é o que mais atrapalha o ex-prefeito de São Paulo, que tem fama de conciliador e dialogante com outros espectros políticos. Por mais contestáveis que as suas ideias possam ser, a maior fragilidade de Haddad reside no selo que leva no nome: Partido dos Trabalhadores (PT). E, com ele, um armário cheio de esqueletos.
Corrupção. O mea culpa que todos pedem e que Haddad recusa fazer
O debate sobre corrupção no Brasil sempre foi um faz de conta, um tema de conveniência e oportunidade, não de princípios. As instituições que deveriam garantir a imparcialidade das apurações são, regra geral, arrastadas para dentro da arena da disputa política e contaminadas pelo espírito de facção. Terminada a batalha, as condições anteriores são repostas e os negócios voltam à normalidade. Business as usual.
Nenhum tema prejudicou tanto o PT como o da corrupção. Como uma espada, atravessou os quase 14 anos de poder ininterrupto do partido fundado por Lula, começando com o caso do Mensalão — em que dinheiros públicos foram desviados para comprar o voto de diferentes bancadas parlamentares a favor de moções do PT — e terminando na operação Lava Jato.
Para lá da infindável lista das várias personalidades do PT que estiveram sob investigação — aos quais se juntam igualmente infindáveis listas de outros partidos, entre um total de 14 partidos que foram visados só na Lava Jato —, há uma lista bastante concreta de quatro dirigentes de topo do PT condenados a pena de prisão por corrupção.
O primeiro nome sonante é o de José Dirceu, chefe da Casa Civil no primeiro mandato de Lula, que foi condenado a pena de prisão pelo Mensalão (sete anos e 11 meses) e mais tarde pela Lava Jato (32 anos e um mês). Depois, foi a vez de José Genoino, ex-presidente do PT, condenado a quatro anos e oito meses no Mensalão — tendo depois recebido um indulto presidencial de Dilma Rousseff. De seguida, foi a vez de Antonio Palloci, que chegou a ser ministro das Finanças de Lula e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff — foi condenado a 12 anos e três meses de prisão na Lava Jato. E, para finalizar, o próprio Lula da Silva. Em julho de 2017, foi condenado em primeira instância por corrupção e lavagem de dinheiro — e, em janeiro de 2018, viu a pena ser-lhe aumentada para 12 anos e 1 mês de prisão em segunda instância.
Não têm faltado oportunidades a Haddad para se demarcar dos escândalos de corrupção que inevitavelmente fazem parte da História recente do PT. Porém, raramente as aproveita, negando a existência de um problema particular dentro do próprio partido, insistindo antes num retrato panorâmico.
Foi isso que fez numa longa entrevista à revista Piauí, publicada em 2017, e que serviu como balanço da sua vida política. Disse que o debate sobre corrupção “sempre foi um faz de conta, um tema de conveniência e oportunidade”, que arrasta as instituições para “dentro da arena da disputa política”, voltando tudo ao “business as usual“, quando termina a batalha.
Já durante esta campanha, o candidato tem sido chamado a fazer uma auto-crítica em diferentes momentos. Nos momentos em que o fez, fê-lo apenas de forma tímida.
“O financiamento empresarial de campanhas criou uma série de brechas que permitiram a pessoas, algumas, tentarem ajudar o partido de forma irregular, e outras enriquecerem pessoalmente. Eu não condeno ninguém por antecipação”, disse numa entrevista ao Jornal Nacional a 14 de setembro. Quase um mês depois, a 13 de outubro, disse que “faltou controle interno nas [empresas] estatais” e acrescentou que os “diretores ficaram soltos para promover a corrupção e enriquecer pessoalmente”. E um dia depois, ao El País Brasil, disse que quem enriqueceu ilegalmente “está pagando”. Mas logo desviou a conversa do seu próprio partido: “Sempre gosto de olhar o todo porque senão as pessoas vão imaginar que hoje, por exemplo, não existe corrupção no Brasil. E não é verdade. Se você conversar em off com um empresário honesto ele vai dizer: tem mais corrupção hoje no Brasil do que dez anos atrás”.
O tom de Haddad nestas entrevistas em pouco difere daquele utilizado no seu programa eleitoral. Para o combate à corrupção, o candidato promete “aperfeiçoar as leis e procedimentos que garantam cada vez maior transparência e prevenção à corrupção, bem como aprimorar os mecanismos de gestão e as boas práticas regulatórias dos órgãos públicos”. Porém, mais à frente, faz a ressalva já esperada: “[O] combate à corrupção não pode servir à criminalização da política: ela não legitima a adoção de julgamentos de exceção, o atropelamento dos direitos e garantias fundamentais ou a imposição que visa privatizar os serviços e o património público”.
O episódio da prisão de Lula é, para Haddad, um tema emotivo. Foi pelo menos isso que o candidato procurou passar num vídeo de 22 de setembro, menos de duas semanas depois de ter sido anunciado como número um do PT. Em lágrimas, recordando um episódio em que Lula, a dias de ser preso, perguntou à filha de Haddad como estavam os estudos, o ex-prefeito de São Paulo comentou o caso da seguinte maneira: “É uma barbaridade. Eu não gosto de falar… Está tudo errado, cara. Muito errado. É muito grave o que está acontecendo. É um erro histórico. Não é só um erro quanto à pessoa. É um erro histórico quanto ao país. Vai sair muito caro, isso que está acontecendo”.
É um facto que, pelo menos para o PT, o problema da corrupção parece estar a “sair muito caro”. Haddad carrega um pesado fardo. Porém, quando perguntado sobre toda aquela montanha que leva aos ombros, parece devolver uma pergunta: “Qual montanha?”.
Mas a montanha está lá: e, parte dela, pertence-lhe. Já no decorrer da campanha, no final de agosto, Haddad foi acusado pelo Ministério Público pelo crime de enriquecimento ilícito enquanto era prefeito de São Paulo. Segundo a acusação, Haddad “tinha pleno domínio” de um pagamento de uma construtora à sua campanha de 2012, no valor de 2,6 milhões de reais — o que, na altura, valia cerca de 380 mil euros.
Imprensa. Depois do “paz e amor”, a regulação — e “quem sabe um dia” a prisão
Quando ocorrer uma concentração [na comunicação social], o Estado vai determinar a alienação de uma concessão para outro grupo.
Entre as várias vidas que Lula teve, há uma particularmente interessante: a fase “Lulinha paz e amor”. Ganhou essa alcunha em 2002, quando despiu a farda de metalúrgico para começar a vestir o fato e gravata dos seus anos presidenciais. Já depois de ser Presidente, até a barba desapareceu. Lula parecia encaminhado para um período de acalmia.
Porém, com o surgimento da Lava Jato, o impeachment de Dilma e a sua própria acusação, Lula desistiu de vez da fama do “Lulinha paz e amor”. “A minha tranquilidade é infernizar a vida deles”, chegou a dizer em janeiro de 2018.
Entre alguns “deles” estão, certamente, os media brasileiros. Em 2017, com o PT e Dilma substituídos no poder pelo governo de Michel Temer, Lula começou a falar com particular insistência na “regulação dos media” — expressão que desde então repetia sem, no entanto, entrar em detalhes quanto às medidas utilizadas para regular a comunicação social.
O tema era, na verdade, utilizado várias vezes em tom de vingança. “A Dilma errou e eu errei quando não fizemos a regulação dos meios de comunicação. Eles têm que saber que eles vão ter que trabalhar muito para não deixar que eu volte a ser candidato. Se eu for candidato, eu vou ganhar e vou fazer a regulação dos meios de comunicação”, disse Lula, em agosto de 2017. E dois meses antes deixou mesmo uma promessa para os jornalistas que “ficaram dois anos dizendo que eu seria preso”: “Se eles não me prenderem, quem sabe um dia eu mando prender eles por mentir“.
Com Lula na prisão, a ideia não deixou de figurar no programa do PT — e de Haddad. Ali, diz-se que “o direito à comunicação tem sido constantemente violado no Brasil” e por isso defende-se um mecanismo de “regulação democrática como forma de apoiar o amplo exercício do direito humano à comunicação”. O combate seria dirigido particularmente aos grandes conglomerados de comunicação — sem mencioná-los diretamente, os grupos Globo, SBT, Abril, Folha, Record ou Bandeirantes dificilmente escapariam a uma regulação estatal — de forma a “impedir monopólios e oligopólios diretos e indiretos”.
Em entrevista à Record, televisão fundada pelo líder da Igreja Universal do Reino de Deus e apoiante de Bolsonaro, Edir Macedo, Haddad defendeu a sua proposta. “Quando ocorrer uma concentração, o Estado vai determinar a alienação de uma concessão para outro grupo”, disse. “Outras vozes precisam falar.”
Apesar de ter sido um dos temas desta campanha, esta é uma medida que alguns setores mais radicais do PT já cogitavam há alguns anos. Em 2014, o jornal Estado de S. Paulo escrevia em editorial que “o que de fato leva o partido a defender o que eufemisticamente chama de ‘democratização da mídia’ é a intenção de controlar os meios de comunicação para viabilizar seu projeto de manutenção no poder a qualquer custo”. E, ainda hoje, a imprensa critica-a. Num editorial publicado a 8 de outubro deste ano, um dia após a primeira volta, a Gazeta do Povo acusou Fernando Haddad de querer instaurar um sistema de controle dos media semelhante ao da Venezuela chavista: “Para calar as vozes que denunciem a implantação de um sistema semelhante ao bolivariano, o programa de governo prevê também a famosa ‘regulação da mídia'”.
Constituição. A difícil relação do PT com o texto fundamental do Brasil
Para assegurar as conquistas democráticas inscritas na Constituição de 1988, as reformas estruturais indicadas neste Plano e a reforma das Instituições, é necessário um novo Processo Constituinte.
A relação do PT com a Constituição é tudo menos simples e linear. Durante esta campanha, Haddad fez questão de enaltecê-la, depois prometeu substitui-la e voltou a recuar para assegurar que, afinal, e após reflexão, iria apenas revê-la nalguns dos seus artigos. Esta postura, porém, nada traz de novo à multiplicidade de posturas que o PT — sempre sob a orientação de Lula — teve em relação ao texto fundamental firmado em 1988.
No dia 22 de setembro daquele ano, Luiz Inácio Lula da Silva, explicou as razões que levavam os 16 deputados do então pequeno Partido dos Trabalhadores a serem dos poucos a não aprovar a proposta constitucional que viria a vingar. “Entrámos aqui querendo 40 horas semanais e ficámos com 44 horas. Entrámos aqui querendo férias em dobro e ficámos apenas com um terço a mais nas férias. Entrámos aqui querendo o fim da hora extra ou, depois, a hora extra em dobro, e ficámos apenas com 50%”, disse. Sobre a reforma agrária, uma das bandeiras do PT, Lula disse que a proposta ali votada era um texto “retrógrado” e disse que o “latifundiário brasileiro deve estar festejando”. E lamentou que a proposta constitucional apresentada pelo PT, em março de 1987, que ele próprio dizia servir para “minorar o sofrimento da classe trabalhadora brasileira”, não tivesse sido aprovada.
Por isso, e apesar de enaltecer direitos previstos no texto de 1988, como a greve, Lula disse rotundamente que os 16 votos do PT seriam contra aquela proposta constituinte. “O Partido dos Trabalhadores, por entender que a democracia é algo importante – ela foi conquistada na rua, ela foi conquistada nas lutas travadas pela sociedade brasileira –, vem aqui dizer que vai votar contra esse texto, exatamente porque entende que, mesmo havendo avanços na Constituinte, a essência do poder, a essência da propriedade privada, a essência do poder dos militares continua intacta nesta Constituinte”, explicou.
Apesar da oposição do PT, a Constituição de 1988 foi aprovada. E, apesar de ter estado contra ela, o PT acabou por crescer enquanto força política, e Lula como político, ao longo dos anos em que aquele texto fundamental fixou raízes na vida pública e política do Brasil. Depois de três candidaturas falhadas — 1989, 1994 e 1998 —, Lula foi eleito Presidente em 2002. E, com a chegada ao poder, a sua relação com a Constituição de 1988 foi mudando.
Em 2008, tinha Lula cinco anos no poder e a Constituição cumpria o seu 20.º aniversário, o então Presidente do Brasil mudou de agulha para falar sobre o texto fundamental, dizendo então que ele era “um garante da democracia”. “Esta é a verdade nua e crua”, disse. E levantou o véu sobre as discussões internas no PT sobre a possibilidade, que alguns avançaram no partido, de nem sequer reconhecer a Constituição. “Não tem sentido. A gente participou dois anos aqui, ganhámos salário, ganhámos assistentes para nos ajudar, como é que pode um filho nascer e a gente não registrar? Vamos assinar”, terá dito Lula à altura.
Em 2013, nova efeméride e novo posicionamento do PT em relação à Constituição de 1988. Aos 25 anos do texto fundamental brasileiro, Lula, que já não era Presidente desde 2011, olhou para os anos passados com alguma condescendência e até auto-crítica. Agora, em vez de criticar a Constituição de 1988, criticou a proposta do PT em 1987: “Se o nosso regimento e a nossa Constituição fossem aprovados, certamente o país seria ingovernável, porque nós éramos muito duros na queda, muito exigentes”, afirmou Lula, numa palestra na Ordem dos Advogados do Brasil, em Brasília.
Ora, esta última afirmação foi em 2013. Porém, a partir de 2014, ano em que rebenta a Operação Lava Jato e os brasileiros recomeçam a falar de um impeachment, o discurso do homem forte do PT muda.
Em abril de 2014, um mês depois do início da Operação Lava Jato, Lula deu uma entrevista coletiva a vários bloggers a partir da sede do Instituto Lula, em São Paulo. E defendeu a necessidade de fazer uma “reforma política” que permitisse mudar “o sistema de representação”. O grosso da proposta passava por impedir a pulverização partidária que marca o Congresso brasileiro, onde não é raro o partido no poder controlar apenas 1/10 dos deputados. E, nos anos que se seguiram, Lula tornou a insistir na criação de uma Assembleia Constituinte: em 2015, em 2016, em 2017.
Por isso, não foi surpresa nenhuma quando, no programa eleitoral de 2018, o PT propôs o início de uma Assembleia Constituinte. “O golpe aprofundou a crise de representação política e agravou o desequilíbrio no sistema de pesos e contrapesos das instituições republicanas”, lê-se naquele programa, que Fernando Haddad apresentou ainda na qualidade de vice-Presidente de Lula. “Para assegurar as conquistas democráticas inscritas na Constituição de 1988, as reformas estruturais indicadas neste Plano e a reforma das Instituições, é necessário um novo Processo Constituinte.”
A proposta não caiu bem. Entre os principais candidatos, Haddad foi o único a defender uma revisão constitucional — o vice de Jair Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, também propôs uma nova Constituição, mas não tardou a ser repreendido pelo seu número um — e isso mereceu-lhe críticas. Num debate antes da primeira volta, depois de Haddad ter defendido uma Assembleia Constituinte, Ciro Gomes lançou-lhe uma alfinetada que era tanto dirigida ao candidato do PT como a Lula: “Você não acredita numa única palavra do que acabou de dizer”. E acrescentou: “Essas palavras foram postas na sua boca porque, infelizmente, há uma vingança que você está encarregado de fazer“.
Com o início da segunda volta, e depois dos resultados que quase deram a vitória a Bolsonaro na primeira, Haddad percebeu que precisaria, a partir daí, de conquistar votos à sua direita para chegar ao Palácio do Planalto. E, como tal, descartou em poucas palavras a sua promessa de mudar a Constituição: “Nós revimos o nosso posicionamento. Nós vamos fazer as reformas devidas por emenda constitucional”. As duas reformas, explicou mais à frente, serão no sistema tributário e no sistema bancário.
Porém, numa análise ao programa de Haddad, a Folha de S. Paulo identificou pelo menos sete propostas, além daquelas que o candidato afirmou após a primeira volta, que obrigariam a uma alteração na Constituição: começando na regulação das empresas de media, passando pelas reformas do sistema eleitoral e terminando na revogação do teto de gastos. Em declarações àquele jornal, o professor de Direito da Universidade de São Paulo André Ramos Tavares critica a tendência para querer mudar a Constituição — algo a que diferentes elementos do programa de Bolsonaro também obrigariam — e alerta “contra experimentalismos constitucionais, por emendismo”.
Seja como for, e mesmo que Haddad chegue a Presidente, a tarefa de levar estas mudanças avante será de difícil concretização para o PT. Embora seja teoricamente possível fazê-lo, Haddad teria, ainda assim, de conseguir o apoio de 3/5 do Congresso — ou seja, 308 votos num total de 513 deputados. No próximo Congresso, o PT terá apenas 56 deputados — consideravelmente mais do que os 16 que disseram “não” em 1988, é certo, mas muito poucos para conseguirem vingar um “sim” em 2018.
Venezuela. Antes de “Lula é Haddad”, Lula já tinha dito “Chávez é Maduro”
Há uma cobiça internacional em relação à Venezuela e ao Brasil, não por causa da democracia, mas por causa do petróleo. Os Estados Unidos querem transformar isso aqui num Oriente Médio. Não podemos cair nessa armadilha.
Na Ciência Política, houve quem lhe chamasse “maré cor-de-rosa”. Foi esse o nome escolhido por alguns cientistas políticos, geralmente de origem anglo-saxónica, para designar as sucessivas subidas ao poder de líderes da esquerda sul-americana no início do século XXI. Entre estes, dificilmente houve quem fosse mais carismático, e reclamasse tanto protagonismo, como o brasileiro Lula da Silva e o venezuelano Hugo Chávez. A eles, seguiram-se outros: Rafael Correa no Equador; Evo Morales na Bolívia; Néstor e Cristina Kirchner na Argentina; José Mujica no Uruguai.
Lula nunca foi tão longe quanto Chávez, que levou à refundação da república venezuelana, sob uma Constituição revolucionária em espírito e estatizante na prática. Porém, não são conhecidos diferendos entre estes dois líderes. Tanto que, já depois da morte de Chávez, Lula fez questão de apoiar publicamente a candidatura de Nicolás Maduro, em 2013.
Ali, insistiu na ideia de que Maduro era a continuação de Chávez: “Maduro Presidente é a Venezuela que Chávez sonhou”. Uma mão cheia de anos depois, foi também essa a ideia que marcou a campanha de Haddad na primeira volta, com o slogan: “Lula é Haddad, Haddad é Lula”.
Sobre Nicolás Maduro, Lula disse: “Sempre foi visível a sua profunda afinidade com o nosso querido amigo e saudoso Hugo Chávez. Os dois partilham as mesmas ideias sobre o destino do nosso continente e os grandes problemas mundiais. Mais do que isso: Chávez e Maduro tinham as mesmas conceções em relação aos desafio que a Venezuela tinha pela frente, em defesa dos mais pobres”.
https://www.youtube.com/watch?v=zpzxOHFjoQs
A verdade é que a “Venezuela que Chávez sonhou” tornou-se num pesadelo de fome, doença, corrupção e violência, que tem obrigado centenas de milhares de venezuelanos a procurar asilo nos países em redor — Brasil incluído.
Ainda assim, Haddad parece não estar disposto a criticar de forma clara a Venezuela de Nicolás Maduro. Apesar de dizer que não tem “compromisso com nenhum regime autoritário” e apontando para o facto de em 1989 ter escrito um livro onde criticava os regimes autoritários de esquerda — à altura, refletia sobre o caso específico da União Soviética —, Haddad diz ainda que se recusa a “declarar guerra a um vizinho”.
“Não vou permitir a instalação de base militar americana aqui. Os EUA estão pouco se lixando para a democracia no mundo. O foco deles é petróleo”, disse ao El País Brasil. Ao UOL, insistia no fantasma norte-americano: “Há uma cobiça internacional em relação à Venezuela e ao Brasil, não por causa da democracia, mas por causa do petróleo. Os Estados Unidos querem transformar isso aqui num Oriente Médio. Não podemos cair nessa armadilha“.
Indulto a Lula. Afinal, o que é que Haddad pretende fazer?
[Lula] não pede [um indulto]. É engraçado vocês me pedirem para me posicionar sobre algo que o presidente não está pedindo. Ele está pedindo um julgamento justo”.
A possibilidade de um indulto presidencial por parte de Haddad a Lula tem marcado a campanha do PT — até porque, dentro do partido, não parece haver um entendimento claro quanto a essa possibilidade.
O tema veio à tona quando o governador do estado de Minas Gerais, o petista Fernando Pimentel, disse: “Vamos eleger Haddad Presidente da República, e eu tenho a certeza de que, eleito, o Haddad irá assinar no seu primeiro dia de governo um indulto para o Presidente Lula, irá tirá-lo desta prisão injusta e arbitrária”. Dias depois, Haddad procurou ele próprio negar essa hipótese, resguardando-se nas supostas palavras do ex-Presidente: “Lula é o primeiro a dizer que não quer favor, quer reconhecimento do erro do judiciário”. E, aí, foi claro: “Não. Não ao indulto”.
Mas o tema não acabou por aí. Uma semana depois, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, já falava do indulto com normalidade. Apesar de repetir que essa não era a vontade do ex-Presidente, Gleisi Hoffmann disse ainda assim que “o indulto é uma previsão constitucional” e que “não veria problema nenhum” na sua utilização.
Já na segunda volta, Haddad passou do “Não. Não ao indulto” para a ambiguidade. Quando o El País Brasil lhe perguntou se ele descartava um indulto a Lula, o candidato do PT respondeu: “Ele não pede. É engraçado vocês me pedirem para me posicionar sobre algo que o presidente não está pedindo. Ele está pedindo um julgamento justo”. Mas e se Lula mudar de ideias e, de repente, pedir um indulto? A pergunta não foi feita — mas também não é certo que Haddad encontrasse uma resposta por entre os esqueletos que tem no armário.