Não há qualquer dúvida que, quando viajamos à descoberta de um novo sítio, as recomendações que nos fazem vibrar e ir sem hesitar são as que nos são dadas por quem lá vive ou ali passou anos da sua vida. São as sugestões das pessoas locais que mais nos atraem e seguimos sem questionar, porque nos chegam oriundas de um espaço sem tempo — o coração. É exatamente por isso que vamos atrás das histórias e tradições que nos contam, que perseguimos os sabores e cheiros de que nos falam e queremos, também nós, viver as experiências e tradições que nos relatam. E foi, também por isso, que decidimos falar com quem tem com o Centro de Portugal uma relação orgânica e intensa. Para que, através das suas memórias, sentimentos e relatos, possamos descobrir melhor esta região de Portugal que não deixa de nos surpreender.
Região de Coimbra – Paisagens, gastronomia e até a maresia
Nascido e criado até aos 5 anos de idade na Figueira da Foz, distrito de Coimbra, o escritor Afonso Cruz mantém com esta cidade uma forte ligação, justificada pelo facto de ter sido aqui que os avós viveram toda a vida. Era na quinta destes que passava, como nos diz, “os melhores momentos do ano”, quando lá ia de férias, porque ali havia todo um mundo que o encantava: “O sótão cheio de quinquilharia, fardas, brinquedos antigos, carros de lata, aviões de madeira, máquinas de escrever, telefones velhos, louças, ampliadores de fotografia – o meu avô era fotógrafo –, câmaras, livros, revistas, as coleções Cavaleiro Andante; lá fora, o pomar, as galinhas e os cães.”
Das histórias que gostava de ouvir contar em pequeno, lembra-se que também preferia, de longe, as que se relacionavam com os avós ou outros familiares, sobretudo porque eram ilustradas com objetos bem reais e ao alcance das mãos, como estátuas, presas de animais, armas, pinturas ou até – pasme-se — partes de avião. É que o avô de Afonso Cruz “foi um pioneiro da aviação portuguesa, tendo feito a primeira viagem entre Portugal e Timor num pequeno avião preparado por ele”, explica-nos, razão por que o bengaleiro da entrada da casa dos avós, por exemplo, era “metade de uma hélice”. Mas outras histórias que ouviu em criança não lhe caíram no esquecimento e fazem até parte dos seus livros, como algumas memórias descritas em Jalan Jalan ou em O Pintor Debaixo do Lava-Loiças, que conta a história, escutada também na infância, de um pintor judeu chamado Sors, refugiado do nazismo, que os avós esconderam em sua casa durante a Segunda Guerra Mundial e que dormia escondido na cozinha com receio da Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado.
Quanto às tradições, o também ilustrador e músico confessa que as que mais recorda se prendem com o estômago e algumas mantêm-se até hoje: “As referências tradicionais que tenho mais presentes são gastronómicas, têm que ver com a comida da região, como a raia com molho de pitau, os samos e as línguas de bacalhau, a caldeirada de enguias em Lavos. Sempre que vou à Figueira, levo para casa bolos das Alhadas e rosquilhas de azeite.”
Entre os vários locais a que gosta de voltar, sempre que visita a região, destaca o centro da Figueira da Foz – porque era lá que o avô tinha o estúdio fotográfico -, a quinta em Buarcos, onde ainda vive o pai, e a serra da Boa Viagem, pela “magnífica paisagem que mistura o verde da vegetação à imensidão do mar”, sendo que a maresia é o cheiro que, definitivamente, associa à Figueira da Foz, “claro”.
Região de Leiria – Da calma inspiradora ao cheiro do pão quente
As memórias que a multi-instrumentista Surma – ou Débora Umbelino, que é o seu verdadeiro nome – nos desfia sobre a terra onde nasceu quase nos soam a poesia, como muitas das suas músicas. Foi na aldeia de Vale do Horto, no distrito de Leiria, que nasceu e viveu até aos 16 anos, mas ainda é aqui que ruma todos os fins de semana, não só para estar com os pais, mas também para “desanuviar”, pois é aqui que diz sentir-se “mais calma” e onde consegue “trabalhar na maior descontração possível”.
“Tenho um amor muito grande por tudo o que o Vale Do Horto me proporcionou e me continua a proporcionar”, confessa-nos, e não hesita em admitir que as memórias relacionadas com este lugar “ainda hoje influenciam” muitíssimo a pessoa que é e o que faz. “Tive uma infância muito bonita, sempre rodeada pela minha família — que é enorme, andava sempre com os meus primos —, amigos incríveis, espaços mágicos e toda a atmosfera que a aldeia e a vida de campo emanam”, diz-nos, admitindo que o que ali sente “é qualquer coisa de especial”. Por isto mesmo, revela que sempre que tem de trabalhar num novo projeto vai para Vale do Horto: “Quando começo a compor lá, parece que entro num mundo completamente à parte, inspira-me a todos os níveis.”
“Memórias muito bonitas” relacionadas com a infância é coisa que não lhe falta, mas a primeira que lhe surge é a de chegar a casa depois da escola e ir a correr ter com o avô, que vivia logo ali, “para fazer os trabalhos de matemática ao som do rádio que levava sempre com ele”. “Era um homem extremamente sensível que me ensinou muitas coisas”, recorda, da mesma forma que se lembra de ouvir a avós e os pais contarem histórias, coisa que adorava: “Lembro-me da cultura do bacelo e dos trabalhos no campo, em que várias pessoas se juntavam sentadas numa cadeira a falar da sua vida e a cantar canções tradicionais acappela com vozes fenomenais.”
Entre as tradições e rituais que eram mantidos pela família, ocorre-lhe os ensaios do folclore e o pão cozido aos domingos de manhã, a que se seguia um piquenique, em família, na Fonte das Lágrimas. Quanto aos sabores e odores que fazem parte do seu imaginário, destaca o cheiro do pão quente pela manhã, do orvalho, da sopa de feijão e da laranja com açúcar amarelo para sobremesa e o cheiro das uvas a serem pisadas para a produção de vinho, que o avô fazia em casa.
Lugares a que gosta de voltar em Vale do Horto é coisa que não falta, mas há um que Surma considera mesmo “muito especial” e para o qual até tem um projeto: “É uma casa abandonada que fica no meio do pinhal com um rio, tem uma atmosfera idílica que nos remete para sítios nunca antes vistos. Desde muito pequena que ia para lá ler, estudar, ouvir música, andar de bicicleta. Traz-me memórias muito bonitas.”
Ria de Aveiro – Praia, pão de ló e Carnaval
Foi em Ovar que a modelo e apresentadora de televisão Iva Lamarão viveu até aos 19 anos. E ainda que tenha nascido no Porto, gosta de sublinhar que tal “foi só uma escapadela ao hospital”. Entre as memórias mais felizes que guarda desses primeiros anos de vida, realça “os verões na praia do Furadouro”, lugar onde gosta de voltar sempre, pois ali sente “a paz dos dias felizes mesmo nos dias mais cinzentos”, tendo em conta que ali encontra “as memórias de sempre, dos dias em família”.
Como a maioria das crianças, também Iva Lamarão gostava de ouvir histórias para adormecer. Enquanto a mãe lhe contava narrativas imaginárias dos animais que viviam na casa do avô materno, já o pai, nascido em Ovar, partilhava a história real da avó de Iva, que “era a líder da casa, a mulher de negócios e do trabalho e que geria com sucesso uma família de homens”. “A minha avó tinha um negócio ligado ao mar e à pesca e trazia no sangue a génese, a tradição e a força da genuína mulher vareira”, afirma com orgulho.
A forte ligação de Ovar ao Carnaval foi – e ainda é – vivida pela modelo: “Como vareira genuína, a minha família paterna fez parte da história do Carnaval de Ovar. Alguns tios chegaram a ser membros de grupos carnavalescos e eu fiz parte de um grupo infantil e, mais tarde, das Palhacinhas [também um grupo de Carnaval] e mantenho no sangue a tradição carnavalesca a cada ano, mesmo que apenas a vibrar na bancada.”
E porque as memórias do sítio onde crescemos não ficam completas sem a referência ao paladar e olfato, Iva Lamarão destaca o inevitável pão-de-ló de Ovar, o peixe fresco e o “cheiro a cabarneiras e camarinhas, que adorava comer de mão cheia”.
Beira Baixa – Paisagens naturais e o cheiro das broas de mel
Há 24 anos a residir em Castelo Branco, a artista plástica e ceramista Rosário Bello sente-se meia beirã, apesar de ser alentejana de berço. É que aos 6 anos de idade foi viver para Vila Velha de Ródão e daqui guarda inúmeras memórias de infância, a começar pelos seus “tempos de escola”, sem esquecer a “magnífica paisagem natural das Portas de Ródão e do Rio Tejo”, que ainda hoje considera “de uma beleza incomparável”.
Entre as muitas histórias que ouvia contar quando era pequena, lembra-se especialmente da lenda da Senhora da Alagada, padroeira de Vila Velha de Ródão: “Diziam que tinha surgido ao pé do local onde está situada a sua capela, após cheias do rio Tejo, e essa história ficou na minha memória ainda criança, talvez pelo percurso da imagem e de ter surgido ali e também devido ao seu nome, Senhora da Alagada.”
Quanto aos sabores que imediatamente associa ao lugar que a acolheu, Rosário Bello recorda sobretudo as tigeladas, o cheiro das broas de mel feitas no forno a lenha pela vizinha Inês, as filhoses de Natal e os borrachões, estes últimos uns bolos secos típicos da Páscoa e que devem o nome ao facto de a massa ser embebida em vinho branco e aguardente.
De todos os lugares da região, aquele a que gosta mais de voltar “de coração” é, sem dúvida, a casa onde os pais ainda hoje moram, em Vila Velha de Ródão. Além desse, reforça o quanto gosta de passear junto às Portas de Ródão (consideradas um dos mais importantes geomonumentos nacionais), sobretudo porque este “era o local de predileção da família para passear aos fins de semana”.
A desenvolver a sua atividade artística na Fábrica da Criatividade, centro de criação e de produção cultural em Castelo Branco, Rosário Bello diz sentir-se “em casa” nesta cidade, pelo que lhe faz “todo o sentido” poder criar e divulgar a sua paixão pela arte a partir deste sítio.
Região de Viseu Dão Lafões – Histórias infinitas num mundo especial
Está à frente do único restaurante do Centro de Portugal com uma estrela Michelin – o Mesa de Lemos, em Viseu –, mas continua a manter os rituais que o fazem feliz, como regressar à Urgeiriça, a casa dos pais, sempre que pode. Foi precisamente aqui, na Urgeiriça, que o chef Diogo Rocha viveu até aos 17 anos, altura em que foi estudar para a Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra. Mas voltar esteve sempre nos planos, pois “apesar das esperadas dificuldades”, tinha a certeza de que tal “seria motivador também por ser uma região onde a gastronomia é rainha e tinha na sua matriz a cozinha tradicional portuguesa”.
Quando lhe perguntamos pelas memórias que guarda da infância, a resposta não se faz esperar e é infinita, porque, como diz, “ser da Urgeiriça é especial”. Desde logo, afirma que as pessoas da terra formavam como que “uma família gigante onde todos se cuidavam e ajudavam”. Entre as incontáveis recordações que mantém, destaca os “cavalinhos”, que era o nome que davam ao parque infantil, e as longas horas a brincar e a fazer asneiras com os amigos. Lembra também a Casa do Pessoal, que ainda hoje é local de convívio, onde comprava pastilhas Gorila, jogava matraquilhos, pingue pongue, damas e ainda via televisão, cinema ou teatro numa sala reservada para o efeito. Era também “um dos poucos sítios com telefone”, logo, a cabine era usada por todos “para falar para o mundo”, explica.
Entre as várias tradições seguidas, a da ceia de Natal era muito forte na família materna, o que dava azo a “uma noite incrível, com bacalhau, couves, nabos, batatas e ovos”. Ainda cantavam as natárias e iam até à enorme fogueira que se fazia — e faz — na Urgeiriça, e claro abriam as prendas. Diogo Rocha lembra também o encontro de domingo para o chamado “café das velhas”, em casa da avó, onde toda a família se ia reunindo.
Outra data igualmente celebrada era o 4 de dezembro, dia de Santa Bárbara, a padroeira dos mineiros. “Era como se fosse o feriado da terra”, refere, já que, até 1999, a Urgeiriça manteve ativas as suas minas de Urânio.
Afirma que “desde sempre quis ser cozinheiro”, pelo que não é de estranhar que a sua atenção tenha estado permanentemente voltada para a comida e para o universo que a circunda. “Tenho uma memória de cozinha bem feita, com poucos recursos, de partilha, de tacho e forno – ainda hoje temos um forno comunitário ativo – e muito sabor”, elenca o chef, que tem bem presente a sopa de castanhas da avó materna — pacientemente feita para si, com todo o carinho — e as suas batatas fritas. Evoca ainda os pinhões da mata — que iam apanhar e depois britavam com uma pedra e “eram deliciosos e únicos” —, bem como o aroma a tília, que, nas suas palavras, significa que os Santos Populares estão a chegar. “Sempre que estou num sítio e sinto esse odor digo sempre o mesmo: cheira a Urgeiriça, faz-me sentir em casa”, resume.
Serra da Estrela – Tosquiar ovelhas e respirar o ar puro da serra
António Brazete nasceu em Gouveia e, até aos 18 anos, viveu em Casais de Folgosinho, ao pé do rio Mondego, em cujas margens teve a sorte de poder brincar livremente nos primeiros anos de vida. Atualmente, vive em Nabais e é ele o pastor responsável por uma iniciativa original, levada a cabo pela Quinta da Madre de Água, em Gouveia, que consiste em permitir que qualquer pessoa com interesse possa ser pastor por um dia, sempre com o seu imprescindível acompanhamento.
Ao ser desafiado para recordar os seus tempos de infância, não só enumera as “pequenas brincadeiras ao pé do rio”, como também de “ir a pé para a escola”, chamada Castanheira, à qual se deslocava diariamente uma professora de propósito para dar aulas ao grupo de alunos em que António Brazete se incluía.
Sempre gostou de “ouvir contar histórias de outras gerações, de como tudo era feito antes de nascer” e, entre as tradições de outros tempos, partilha connosco como gostava de “quando se malhava o centeio, se tosquiavam as ovelhas com tesoura, se matava o porco e era dia de festa, ajudávamo-nos uns aos outros e era um dia de convívio na aldeia”. Mas o tempo passa e “as coisas vão mudando”, observa, sendo que, neste momento, a única tradição que mantém resume-se a tosquiar as ovelhas na Quinta Madre de Água. Ainda assim, são momentos que valem bem a pena: “São dois dias de muito convívio com os meus colegas.”
Outra coisa que também o faz “feliz” é poder partilhar os seus conhecimentos sobre pastorícia com pessoas que “não sabem como é o dia a dia na serra da Estrela”. O cheiro das ovelhas e o ar puro da serra é o que o faz sentir-se em casa, sendo que o lugar de que mais gosta, na sua terra natal, é o castelo de Folgosinho, onde por vezes ia passear a pé com a família, aos domingos. Fala-nos da “tranquilidade e paz” daquele lugar, além de que, dali, “vemos a cidade toda”.
Oeste – As melhores ondas de Portugal
É na região Oeste do país, mais propriamente em Peniche, que o bicampeão nacional de bodyboard, Daniel Fonseca, encontra aquelas que, na sua opinião, “são as melhores ondas de Portugal”. A praia dos Supertubos é mesmo o seu lugar favorito, porque, como nos explica, foi este o sítio que fez com que apanhasse as ondas que o permitiram evoluir e sagrar-se campeão nacional.
Embora tenha nascido em Sintra, Daniel Fonseca deve a Peniche a descoberta do bodyboard, modalidade que começou a praticar por volta dos 10 anos de idade, pouco depois de o pai ter aberto uma fábrica numa localidade próxima. As primeiras ondas não se fizeram esperar, “ainda naquelas pranchas antigas de esferovite, compradas no supermercado” e aquilo que começou por ser um simples passatempo, rapidamente se tornou uma paixão, partilhada pelo irmão, Guilherme Fonseca, este no surf.
Inevitavelmente, as lembranças de quando era miúdo vão todas parar ao mar: “Tenho as memórias do tempo de verão, em que passávamos o dia todo na praia do Baleal, tenho também as da altura em que íamos surfar nos dias de inverno ali ao Boca Chica, no meio da baía, e recordo também quando chegávamos à praia do Molhe Leste, com vento norte, mar grande e altas ondas para nós.” Até os odores que relaciona com Peniche estão todos ligados ao oceano, pois, como nos revela “a maresia tem vários cheiros, dependendo do vento”. “Quando chegava ao Molhe Leste havia sempre aquele cheiro das fábricas de conservas e da ração de peixe, que era incomodativo, mas como eu já estava habituado e como ia surfar sabia que ia apanhar ondas boas”, explica, acrescentando ainda que também “o “cheiro a algas” lhe lembra a cidade onde aprendeu a dominar as vagas.
Entre as tradições que tem mais presentes, destaca a festa em honra da Nossa Senhora da Boa Viagem, a padroeira dos pescadores, que se realiza todos os anos no início de agosto, incluindo sempre o primeiro domingo do mês. Daniel Fonseca recorda-se de “ver a procissão e os barcos a partirem com a santa em direção ao mar”, referindo-se àquela que é a única procissão marítima noturna de Portugal, em que barcos grandes e pequenos, de pesca e recreio – sempre engalanados e iluminados – saem do porto de pesca de Peniche, percorrendo a baía sul da península.
De resto, é em Peniche que Daniel Fonseca tenta passar a maior parte do tempo livre, mesmo que atualmente não resida lá: “Sempre que estão boas condições arranco para lá e é onde passo frequentemente os fins de semana e as férias.”
Médio Tejo – Uma aldeia que constrói o futuro com todos
Contribuir para dinamizar a aldeia onde sempre viveu é a missão de vida assumida por Miguel Atalaia, diretor artístico do Festival Bons Sons, evento de música portuguesa que se realiza no mês de agosto por iniciativa dos habitantes do local em que acontece, a aldeia de Cem Soldos, em Tomar. “Os resultados daquilo que, coletivamente, Cem Soldos tem construído, são evidentes para todos e faz-me crer que a minha existência se associa diretamente a esta minha terra e às pessoas que por aqui passam”, diz, sublinhando que “a dinâmica que a aldeia irradia é contagiante”. E o mais interessante é que esta energia é sentida por todos os que ali vivem: “Em Cem Soldos responsabilizamo-nos pelo coletivo e construímos um futuro juntos, todos os dias.”
Convidado a escavar as memórias que guarda da aldeia e da dinâmica comunitária, Miguel Atalaia recua até ao grupo Coral Amador de Cem Soldos, aos seus ensaios e concertos por todo o país: “Uma memória musicada que me acompanha desde sempre e que foram determinantes para a minha visão de coletivo.” Mas também as histórias da aldeia e das suas pessoas fazem parte do seu imaginário: “Em Cem Soldos há uma casa verde bem no centro, no Largo do Rossio, que foi morada de uma senhora chamada Lurdes. Em “tempos da outra senhora”, em que os direitos das mulheres não existiam, a D. Lurdes era rica, conduzia um carro, entrava nos cafés, fumava, andava com um macaco ao ombro, levava a rapaziada à piscina e organizava festas de caridade para os mais desfavorecidos. Acabou, infelizmente, por gastar toda a riqueza em escavações à procura de ouro, em terrenos muito próximos da aldeia, sem nunca o ter encontrado. Quem sabe um dia…”.
Questionado sobre as tradições de Cem Soldos, Miguel Atalaia aponta não só algumas das mais antigas, como o Cortejo da Aleluia ou a fogueira de Natal, “que ainda hoje se mantêm e são vividas por toda a população”, mas também “outros rituais e dinâmicas, muito alicerçados nas ações do Sport Club Operário de Cem Soldos [SCOCS]”, que, nas suas palavras, “cimentam a tradição de construir coletivamente a comunidade”. E a verdade é que os habitantes criam cerca de 40 eventos anualmente, além de outras atividades que concorrem para a construção do “futuro coletivo”. “Juntos, no processo, geração a geração, criamos esta tradição”, afirma o também presidente do SCOCS.
Se Cem Soldos tivesse um cheiro seria a “bolos dos santos em forno a lenha” e, quanto a sabores, a água-pé e o vinho novo estariam em primeiro lugar, sem esquecer a famosa sangria da tasca. Aliás, a tasca do Joel, o café da Tonita e o bar do SCOCS são os lugares da aldeia mais especiais para Miguel Atalaia, pois “é onde as pessoas se juntam, convivem, partilham histórias e preocupações e cimentam relações que dão um sentido coletivo a cada dia, criando sentimento de pertença e sentido de comunidade”.
Saiba mais sobre este projeto em
https://observador.pt/seccao/centro-de-portugal/