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Quando Neemias Queta fez o caminho para a NBA, ainda ninguém tinha deixado um rasto que o atual jogador dos Boston Celtics pudesse seguir. Agora, quem estiver interessado em voar à mesma altura já tem um mapa que indica como lá chegar. O percurso do jogador natural do Barreiro teve uma influência nesta margem do Atlântico que vai além do orgulho nacional de um país que viu pela primeira vez um basquetebolista chegar ao patamar mais alto da modalidade. O exemplo de Neemias conseguiu que um número recorde de atletas se propusessem a fazer pontaria ao mesmo alvo.
Segundo dados partilhados com o Observador, no final da temporada 2022/23 estavam inscritos na Federação Portuguesa de Basquetebol (FPB) 30.833 praticantes, marca nunca antes alcançada e que representa um crescimento 3.326 jogadores face aos 27.507 que se verificavam no final da época 2021/22, a primeira realizada com Neemias, um dos motores deste crescimento, na NBA. Na temporada 2018/2019, o último antes da pandemia, o número de federados ficava-se pelos 24.220. O diretor técnico da FPB, Nuno Manaia, refere que “é um número histórico. “Mas queremos subir mais, sendo um trabalho diário notável dos clubes na captação de mais praticantes, mas também das condições para os fidelizar à modalidade”, acrescenta.
Um exemplo como nunca existiu para as novas gerações
“Isto tudo tem muito de Neemias”, garante Miguel Queiroz capitão da Seleção Nacional de basquetebol. “Ele traz muito visibilidade ao que é o basquetebol português. Estamos muito agradecidos”. Rafael Lisboa, outro internacional português, pode dizer que foi MVP da competição que lançou Neemias para a NBA. Em 2019, ambos faziam parte da equipa que venceu o Europeu Sub-20 (Divisão B), em 2019. “Estando fora [o base jogou nos belgas do Spirou Charleroi e atualmente encontra-se nos espanhóis do GA Cantabria], havia pessoas que me abordavam e que falavam do Neemias. Não é só um jogador conhecido cá. Muita gente na Bélgica falava e sabia que era o primeiro português na NBA. Isso mostra também a internacionalização do nosso basquetebol. Ele foi um grande fator para este crescimento. A realidade do basquetebol português está a mudar e cada vez aparecem mais jogadores com experiências diferentes. Obviamente, o Neemias está acima e é o que traz mais visibilidade, mas, aos poucos, todos estamos a ajudar para o crescimento do nosso basquetebol”, comentou um dos filhos de Carlos Lisboa.
Pedro Oliveira é atualmente treinador do Galitos do Barreiro, mas orientou Neemias Queta quando o poste dava os primeiros passos no Barreirense. O técnico considera que “o facto de termos um jogador a jogar na NBA mostra que os jogadores e os treinadores portugueses não são tão maus como se pensa”. Apesar de reconhecer que o basquetebol em Portugal ainda não é suficientemente profissional e que nem todos os clubes têm condições para fixar jogadores, Neemias Queta é o exemplo do sucesso escondido atrás das dificuldades. “A NBA é a melhor competição do mundo, onde estão concentrados os melhores jogadores. Isso faz com que exista ambição. Se o Neemias conseguiu lá chegar, qualquer jovem tem aqui uma prova de que também consegue lá chegar se trabalhar muito e se tiver as condições para isso. Não basta querer, há que juntar outro tipo de fatores. Qualquer jovem atleta que está a jogar na formação percebe que é possível. Podemos ter mais jogadores a sonhar atingir este nível”.
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O número recorde de atletas inscritos na FPB em 2022/23
27507
O número de atletas inscritos na FPB em 2021/22
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O número de atletas inscritos na FPB em 2018/19 (antes da pandemia)
O destaque do crescimento de atletas federados vai para os Sub-14 masculinos e femininos, com uma subida de 892 praticantes entre 2021/22 e 2022/23 (de 4.713 para 5.605). Numa perspetiva de salvaguarda do futuro, este escalão é particularmente relevante, porque “muitos deles podem já estar fidelizados, e isso poderá refletir-se a curto/médio prazo numa continuidade do aumento do número de praticantes”, explica Nuno Manaia.
“Os escalões etários mais jovens olham para o Neemias como uma referência daquilo que eles podem querer atingir. Sabemos que muitos jovens são jogadores direcionados para um desporto, porque têm uma referência, porque têm um sonho. A presença do Neemias na NBA fez com que isso também se desenvolvesse”, concretiza Pedro Oliveira que fez parte da equipa técnica da Seleção Nacional Sub-18 que este ano discutiu o Europeu (Divisão B), em Matosinhos, e, por isso também tem uma palavra a dizer na forma como a subida do número de jogadores tem impacto no recrutamento das equipas jovens de Portugal. “A partir do momento em que existem mais praticantes, se o trabalho de formação for bem feito, também se traduzirá em maior qualidade nos jogadores que depois representam a Seleção e que estarão presentes nos estágios”.
Além da presença de Neemias na liga norte-americana, a FPB destaca também as muitas transmissões televisivas em canal aberto, a criação da FPB TV “para que os fãs possam seguir em detalhe o basquetebol português”, a forte promoção nas redes sociais e a evolução da modalidade de 3×3 “a aparecer cada vez mais nas ruas, o que é uma promoção e visibilidade muito forte”.
Obcecado pelos Celtics, à espera de uma camisola e o bilhete que não valeu de nada: a história de outro português em Boston
Rui Mascarenhas vive em Arlington, uma cidade a 15 minutos de carro (sem trânsito) do TD Garden, o pavilhão dos Boston Celtics que agora é também a casa de Neemias. O adepto português já auscultou cada prateleira de loja da equipa de basquetebol que apoia em busca da camisola no novo jogador. “Tornou-se quase o meu substituto do Benfica, tornei-me obsessivo com os Celtics”, explica ao Observador. Apesar da procura por uma camisola de Neemias ter sido tão intensa como a paixão que nutre pelos Celtics, o artigo que tanto desejo não está disponível. “Vou ter que mandar fazer, pedir o nome e o número que quero”.
Ao trocar os Sacramento Kings pelos Boston Celtics, Neemias Queta reforçou o número de emigrantes portugueses no estado do Massachusetts. Segundo um levantamento feito pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, existem cerca de 1,3 milhões de pessoas imigrantes e luso-descendentes nos EUA, 30% dos quais em Massachusetts (258.238). Rui Mascarenhas instalou-se em 2019 na zona onde vive atualmente. A empresa farmacêutica para a qual trabalha tem uma das sedes em Boston, mas já em Portugal era fã dos Celtics.
A frequência com que Rui assiste a jogos da época regular no TD Garden é travada pelos 150 dólares que, quando o faz, tem que pagar para ver a partir de uma zona lateral do terceiro anel aquele vai e vem de dez jogadores. Esta época, pela primeira vez, assistiu a um jogo de pré-época dos Celtics contra os New York Knicks. Se o motivo foi Neemias? Por acaso, não. “É preciso comprar bilhete com muita antecedência para se conseguirem preços aceitáveis, porque é um mercado grande de basquetebol e o TD Garden só tem 20.000 lugares”, explica. “Tinha os bilhetes, estive perto de os vender, porque as minhas filhas e a minha mulher não queriam ir. Quando soube que o Neemias estava cá, acabámos por ir todos”. Só que a razão que levou Rui ao pavilhão naquele dia não entrou em campo, pois o poste não jogou qualquer minuto nesse encontro. Ainda assim, toda a gente viu a bandeira portuguesa nas mãos do adepto quando a mesma apareceu nos ecrãs gigantes.
Bucket list ???? ✅ – my 1st Jumbotron credit with #VesteABandeira ????????Portuguese flag with @SLBenfica cap supporting @nemi1599 at the @tdgarden for @celtics– sadly he did not play … https://t.co/pcWSNDTJit pic.twitter.com/GXsjhuGEBn
— Rui M Mascarenhas (@rui_mascarenhas) October 18, 2023
O entusiasmo em torno dos Celtics não podia ser maior em Boston. O franchise é candidato a vencer o título e é a equipa melhor colocada para dar uma alegria à cidade nos próximos tempos. “Em Boston, há quatro grandes desportos. Os Patriots [futebol americano] e os Red Sox [basebol] estão na miséria. Os Bruins [hóquei no gelo] o ano passado foram uma deceção, porque tiveram uma época espetacular e depois perderam nos playoffs. Os Celtics têm sido a equipa mais constante”, analisa Rui Mascarenhas. “Este ano, os Celtics estão uma loucura, porque parece que estão a fazer all-in“.
Celtics ignoraram a vontade dos adeptos para darem mais espaço a Neemias
Às vezes, ganhar um título da NBA é uma questão de estar no sítio certo à hora certa. Os Boston Celtics são a equipa mais titulada da liga norte-americana com 17 títulos (os mesmo que os Los Angeles Lakers). Além da responsabilidade incumbida pelo historial, existem as soluções encontradas para encarar a temporada de 2023/24 que colocam os Celtics, em teoria, na linha da frente para vencerem o campeonato. Os reforços Jrue Holiday e Kristaps Porzingis entrarão por certo no lote de titulares junto de Jayson Tatum e Jalen Brown com o quinto elemento a poder oscilar entre Al Horford e Derrick White.
A escolha do treinador Joe Mazzulla em relação às características do quinto elemento vai ser importante para o tempo de jogo que Neemias possa vir a ter. Se o técnico optar por jogar com dois postes durante a maior parte dos encontros, os minutos do português podem subir. Tendo como referência a temporada passada, nenhum dos lineups escalados por Joe Mazzulla durante mais de 100 minutos na fase regular foi composto por dois postes. No entanto, o investimento em Porzingis (propenso a lesões) e uma eventual vontade em contar com a fiabilidade de um veterano como Al Horford (que não atua no segundo jogo quando a equipa tem compromissos em duas noites consecutivas) pode levar a uma mudança de filosofia.
Os números de Neemias Queta na pré-época
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Contra os New York Knicks (fora): 14 minutos, 7 pontos, 60% de eficácia de lançamento, 4 ressaltos (4 ofensivos, 0 defensivos), 1 desarme, +9
Contra os Philadelphia 76ers (fora): 8 minutos, 10 pontos, 100% de eficácia de lançamento, 3 ressaltos (1 ofensivo, 2 defensivos), 2 assistências, +14
Contra os Charlotte Hornets (fora): 13 minutos, 12 pontos, 100% de eficácia de lançamento, 7 ressaltos (5 ofensivos, 2 defensivos), 1 roubo de bola, +18
Só o decorrer da época regular vai esclarecer como Joe Mazzulla vai efetuar a rotação do plantel. Caso Derrick White seja titular, Payton Pritchard, jogador exterior com quem a equipa do Massachusetts renovou recentemente, vai assumir um papel de relevo a partir do banco. No que toca ao jogo interior, o principal concorrente de Neemias pelos minutos de descanso de Porzingis e Al Horford é Luke Kornet. Antes do início da fase regular, existiu ainda a questão Wenyen Gabriel que assinou um contrato que lhe garantia meramente a participação na pré-época, mas que, caso lhe fosse oferecido um vínculo definitivo, poderia acrescentar a experiência de 68 jogos ao serviço do Los Angeles Lakers na época anterior. Acontece que os Celtics dispensaram o jogador que representou o Sudão do Sul no último Mundial e Neemias sobe assim um lugar na hierarquia.
???? Neemias Queta put in work tonight!
12 PTS | 7 REB | 6-6 FG #BleedGreen pic.twitter.com/X6xtj1kTYt— Maine Celtics (@MaineCeltics) October 20, 2023
A dispensa de Wenyen Gabriel pode ser vista como um voto de confiança em Neemias devido ao que o português fez na pré-época, mas não deixa de ser uma decisão tomada em divergência com a vontade da generalidade dos adeptos dos Celtics. “O Wenyen Gabriel é de Massachusetts, os adeptos têm carinho por ele e queriam que ele ficasse. O Kornet é muito bom rapaz e as pessoas gostam dele”, aponta Rui Mascarenhas que relembra a ideia de que, no passado, devido às lesões de Robert Williams III, a equipa habituou-se a jogar com um cinco aberto em que toda a gente pode lançar de três pontos, estratégia na qual Neemias não se enquadra.
À semelhança do que aconteceu em Sacramento, Neemias Queta continua a ter um contrato two-way que lhe permite oscilar entre os Boston Celtics e a equipa satélite, os Maine Celtics. Este tipo de acordo limita a participação do jogador a 50 jogos na NBA e não lhe permite jogar nos playoffs, mas nada impede que possa ser promovido e vir a ter um contrato padrão. “O Neemias foi para a um sítio em que os responsáveis sabem selecionar as peças que querem e sabem exatamente aquilo que querem de cada uma delas”, indica Pedro Oliveira, também comentador televisivo, que não desvaloriza o trabalho que o poste possa vir a fazer nos Maine Celtics. “Com a equipa dos Boston Celtics, parece-me que terá uma utilização mais pontual. Parece-me difícil ele entrar na rotação da equipa, mas, quem sabe, no futuro, se ele trabalhar e evoluir como tem feito”.
Neemias somou apenas 20 jogos ao longo das duas temporadas em que esteva ao serviço dos Sacramento Kings, sendo que na temporada passada esteve presente em apenas cinco encontros da NBA. Os elogios que tem recebido de Joe Mazzulla deixam adivinhar que, em maior ou menor quantidade, oportunidades não vão faltar ao poste. “Ele fez tudo o que pedimos que ele fizesse, chegou todos os dias e trabalhou”, disse o treinador dos Celtics durante a pré-época. “Gosto muito de como tem evoluído cada vez que entra em campo mais. Estamos entusiasmados por termos a oportunidade de desenvolvê-lo”. Isto significa que, se a equipa se sagrar campeã no final da época, o português também pode vir a ter direito a um anel.
Os Celtics não estão sozinhos na luta pelo título. Alguns dos principais candidatos concentram-se na conferência Este. Os Bucks adquiriram Damian Lillard, e juntaram, numa troca entre três equipas, o experiente base a Giannis Antetokounmpo (que também renovou contrato por três anos), tornando o conjunto de Milwaukee ainda mais capaz. Em segundo plano, aparecem também os Philadelphia 76ers (numa relação cada vez mais degradada com James Harden), os Cleveland Cavaliers e os Miami Heat. A conferência Oeste, apesar de o nível geral da Conferência poder não ser tão alto, conta com os campeões em título Denver Nuggets, a super-equipa dos Phoenix Suns, os crónicos favoritos Golden State Warriors (que se reforçaram com Chris Paul) e os Los Angeles Lakers de LeBron James, Anthony Davis e companhia.