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O herbicida está no meio de nós. Corremos perigo?

Onde está? Porque é utilizado? Corremos perigo? As perguntas sobre o glifosato, o herbicida mais usado do mundo, são ainda mais que as respostas. Enquanto persistem dúvidas, há quem não arrisque.

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Glifosato. A palavra lança imediatamente o alerta e apesar de a resposta vir de uma única funcionária, parece que toda a junta de freguesia responde em uníssono: “A Junta de Freguesia do Parque das Nações não usa esse herbicida há vários meses”. Uma nota publicada no site da junta no dia 12 de maio, confirma que o glifosato deixou de ser utilizado porque a Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro (IARC) da Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o herbicida como “provavelmente carcinogénico para humanos”.

Lucas Lopes, vogal do Urbanismo da Junta de Freguesia do Parque das Nações, diz ao Observador que a junta decidiu deixar de usar o glifosato por precaução e porque respeita o meio ambiente. “Por tudo o que ouvimos na comunicação social fomos levados a tomar esta decisão.” Cortar as ervas daninhas é a alternativa ao uso do herbicida, pelo menos no espaço gerido pela junta. No Parque Tejo, que fica no território da junta, mas é da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa, Lucas Lopes não sabe quais as técnicas utilizadas.

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Como é que o glifosato chega aos alimentos?

O glifosato é um herbicida capaz de matar qualquer tipo de planta, porque impede a síntese de compostos essenciais, como a clorofila que lhes dá a cor verde. Como é aplicado nas folhas, é absorvido e circula em toda a planta através dos vasos condutores. Funciona como se fosse um veneno a circular-nos no sangue.

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Para não matar toda a produção, os agricultores aplicam o herbicida antes de as culturas começarem a crescer ou, no caso dos pomares e vinhas, quando as plantas ainda não têm folhas verdes. Como o herbicida não é absorvido pelas raízes, não haveria, à partida, forma de ser incorporado nas partes da planta que nos servem de alimento.

Mas o glifosato também é usado como um agente dessecante, explica Jorge Ferreira, sócio-gerente da Agrosanus, uma consultora técnica em agricultura biológica. Para secar a rama da batateira e do tomateiro industrial, e facilitar a colheita, ou para secar os cereais e permitir a entrada das máquinas nos campos, os agricultores usam o herbicida. Como o glifosato fica em circulação na planta, vai chegar também às partes que nos servem de alimento. Como a colheita é feita pouco tempo depois da aplicação, não dá tempo suficiente para o produto ser eliminado da planta.

No caso do milho e soja transgénicos, nos quais foi introduzido um gene para resistirem ao glifosato, o herbicida pode ser aplicado várias vezes durante o crescimento da planta porque não a mata. Mas isso implica que, nestes casos, a quantidade de glifosato presente nas sementes seja mais alta. A Quercus lembra que a quantidade de resíduos de glifosato permitidos na alimentação aumentou 200 vezes em 1999, depois da introdução das plantas transgénicas – passaram de 0,1 para 20 miligramas de glifosato por quilograma de soja.

This picture taken on May 9, 2014 shows trusses of tomatoes on a supermarket display in Paris, France. AFP PHOTO /JOEL SAGET (Photo credit should read JOEL SAGET/AFP/Getty Images)

Quando se usa glifosato para secar a rama dos tomateiros, o fruto pode ficar contaminado – JOEL SAGET/AFP/Getty Images

Qual a dimensão da contaminação no ambiente?

Numa cultura agrícola, ou mesmo em contexto urbano, o herbicida é nebulizado e não colocado planta a planta, como no combate às invasoras. O risco de inalação e de contacto com a pele levou a que fossem criadas normas, que os utilizadores de glifosato devem respeitar, e formações para certificar os aplicadores. Entre as recomendações está o uso de máscara, luvas e óculos.

O herbicida que não entra em contacto com as plantas, e que não é absorvido por estas, acaba por escorrer para o solo. Ao fim de dois meses, metade do glifosato no solo terá sido degradado por microorganismos, mas a decomposição da molécula acaba por originar outro produto tóxico – AMPA (ácido aminometilfosfónico) -, refere Jorge Ferreira. O problema está em saber que quantidade de glifosato chega ao solo e que percentagem pode ser arrastada pelas chuvas para as linhas de água ou águas subterrâneas.

O engenheiro agrónomo alerta que, se o herbicida chegar aos rios e lagos, levará mais tempo a degradar-se, porque existem menos microorganismos para cumprir a tarefa. No caso das águas subterrâneas, pode levar vários anos. Não só tem menos microorganismos que o solo, como a falta de luz e calor não permitem que o processo seja acelerado.

Em Portugal, só no ano de 2014, foram vendidas mais de 1.600 toneladas do produto, mas não existem análises feitas à presença do mesmo no solo, na água ou nos alimentos. Essas análises também não vêm recomendadas nos regulamentos europeus. Este ano, o Plano Nacional de Pesquisa de Resíduos, baseado no programa da Comunidade Europeia para o controlo de resíduos de pesticidas, prevê a análise de glifosato no centeio e no leite, como confirma o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural ao Observador.

A man sprays pesticides in a hevea nursery run by the leading West African agro-industrial group SIFCA in Toupa on November 30, 2015. / AFP / Talar KALAJIAN AND Sia KAMBOU (Photo credit should read TALAR KALAJIAN,SIA KAMBOU/AFP/Getty Images)

TALAR KALAJIAN,SIA KAMBOU/AFP/Getty Images

O regulamento europeu previa a análise de glifosato em trigo, em 2015, mas embora confirme “pesquisa de resíduos de mais de duas centenas de pesticidas”, o ministério declara não ter sido incluído o glifosato. O glifosato também não faz parte da lista de substâncias a analisar nas águas de consumo ou residuais, como confirma a Águas do Porto.

“De acordo com o ponto 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 306/2007 de 27 de Agosto, a Empresa Águas do Porto está dispensada do controlo do parâmetro Pesticidas a nível do Plano de Controlo da Qualidade da Água. No entanto, com uma periodicidade bianual e no âmbito do Controlo Operacional (água da rede de distribuição pública) são realizadas análises aos pesticidas fixados anualmente pela Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural. O Glifosato não está incluído”, responde ao Observador Isabel Hespanhol, coordenadora do Laboratório de Análises da Águas do Porto.

O glifosato foi detetado em 100% das análises efetuadas à urina.
Plataforma Transgénicos Fora

Estaremos todos contaminados com glifosato?

As análises em populações humanas também não existem. “A existir algum estudo sobre o impacto do herbicida glifosato nas populações humanas estará na posse da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), uma vez que é a autoridade nacional para a análise e avaliação das substâncias e produtos fitofarmacêuticos (designadamente, os herbicidas)”, referiu a Direção-Geral de Saúde, em fevereiro deste ano. Mas a DGAV não tem estes dados.

Esta lacuna levou a Plataforma Transgénicos Fora a lançar uma campanha de angariação de fundos que permitiu a análise da urina de 26 voluntários portugueses. “O glifosato foi detetado em 100% das análises efetuadas à urina”, refere o comunicado. Mas como o próprio grupo afirma: “As análises agora realizadas pela Plataforma Transgénicos Fora são em pequeno número e não permitem retirar conclusões definitivas”.

Apesar de ter sido detetado na urina de cidadãos portugueses e de outros países da Europa, não foi possível demonstrar se se trata de uma simples eliminação do glifosato pelo organismo, se o produto fica acumulado no corpo ou se é processado antes de ser eliminado.

Que perigos corremos?

“O glifosato é um inibidor da síntese de aminoácidos aromáticos, essenciais na síntese de clorofila”, diz ao Observador Pedro Brito Correia, professor catedrático da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Os aminoácidos são tijolos essenciais na construção das proteínas, mas os animais não produzem aminoácidos aromáticos, logo, segundo o engenheiro químico, os humanos ficariam livres dos perigos desta molécula.

“Para o herbicida glifosato existe evidência limitada de que seja carcinogénico em humanos para o linfoma non-Hodgkin. A evidência em humanos é baseada em estudos de exposição, sobretudo agrícola, nos Estados Unidos, Canadá e Suécia, publicados desde 2001”, refere a IARC nas explicações sobre a classificação do glifosato como “provavelmente cancerígeno para humanos”. As conclusões são baseadas em observações e não permitem concluir que o glifosato é o responsável pelos cancros detetados, nem de que forma o poderia fazer.

O parecer da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), emitido em novembro de 2015, chega a conclusões diferentes: “A EFSA concluiu que é pouco provável que o glifosato represente um perigo de cancro para humanos e as observações não suportam a classificação do potencial carcinogénico”. Mas, ao que parece, IARC e EFSA não avaliaram exatamente a mesma coisa.

“Para o herbicida glifosato existe evidência limitada de que seja carcinogénico em humanos para o linfoma non-Hodgkin."
Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro da Organização Mundial de Saúde

“A avaliação considerou uma grande quantidade de provas, incluindo um números de estudos não considerados pela IARC, que é uma das razões para chegar a conclusões diferentes”, justificou a EFSA. A agência esclarece que se está apenas a referir ao glifosato e não às substâncias glifosato com aditivos e que a IARC juntou tudo na mesma classificação.

Mas o perigo do herbicida poderá estar realmente nos aditivos, como a taloamina polietoxilada, refere Pedro Brito Correia. A taloamina funciona como um disruptor endócrino, uma molécula que provoca alterações no funcionamento das hormonas. O Ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, pretende tirar esta substância do mercado e todos os fitofármacos que a contenham. O também empresário Brito Correia espera ver esta proibição confirmada na Europa pois já tem um aditivo alternativo patenteado nos Estados Unidos.

Ainda assim, um grupo de quase 100 investigadores independentes enviaram uma carta aberta ao comissário da Saúde e Segurança Alimentar, Vytenis Andriukaitis, para expressarem uma “profunda preocupação” em relação às conclusões da EFSA. Os investigadores consideram que “a decisão da IARC é de longe mais credível”.

Para alimentar uma discussão que parece estar longe do fim, um comité composto pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e pela OMS apresentou, esta segunda-feira, um relatório em que conclui que é pouco provável que a ingestão de glifosato nos alimentos tenha um efeito tóxico sobre o material genético (efeito genotóxico) em mamíferos – e nos humanos, em particular.

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O que é a campanha “Autarquias sem glifosato”?

Em março de 2014, um ano antes da IARC ter classificado o glifosato como “provavelmente carcinogénico para humanos”, a associação ambientalista Quercus lançou uma campanha que “pretende desenvolver ações para a redução do uso de pesticidas, onde se incluem os herbicidas”, nomeadamente o glifosato – o herbicida mais utilizado em todo o mundo.

A 17 de maio, seis municípios e 16 juntas de freguesias no continente e ilhas já tinham aderido a esta iniciativa, que promove “a utilização de métodos alternativos, assim como a opção zero, ou seja, a possibilidade de, em áreas marginais, a natureza poder manifestar a sua rica biodiversidade”.

Nuno Oliveira, diretor técnico para o Património Natural da Parques de Sintra, também se preocupa com a utilização de glifosato, não por este composto em específico, mas por ser um herbicida que pode ser aplicado em meio natural. E é nesse contexto – dos herbicidas em geral – que considera que se deveria centrar a discussão, não numa “caça às bruxas”. “A questão não é saber quem usa, porque se usam é porque estão autorizados a fazê-lo. Estes produtos não entram no mercado de ânimo leve”, disse ao Observador.

O glifosato pode ser usado em conservação da natureza?

A empresa Parques de Sintra também usa glifosato em situações específicas, conta Nuno Oliveira. Nunca nos parques e jardins, que são zonas abertas aos visitantes, mas em algumas áreas florestais onde é preciso controlar a presença de plantas invasoras, como as acácias.

Espécies invasoras

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Uma espécie é considerada invasora quando se multiplica tanto que provoca prejuízos ambientais e económicos.
Uma planta invasora produz um grande número de sementes, não têm inimigos naturais e compete mais eficazmente por recursos, como água, nutrientes e luz.
As acácias, originárias da África e da Oceânia, são plantas exóticas invasoras que ocupam rapidamente os espaços abertos por um incêndio ou desmatação, impedindo o crescimento de plantas nativas.

Mas esta utilização não é feita de forma indiscriminada. A aplicação é sempre realizada por uma empresa certificada e tem em consideração as condições climáticas. A ideia é minimizar o impacto no ambiente, por isso a aplicação é feita manualmente, localizada sobre a planta-alvo e tem um corante para que seja fácil identificar a presença do herbicida. “Nunca se nebuliza como na agricultura”, afirma o engenheiro florestal. E acrescenta: “Para nós, a aplicação de glifosato é algo que queremos reduzir”.

Elizabete Marchante, coordenadora do projeto Invasoras confirma: “A utilização de herbicidas (glifosato ou outros princípios activos), no controlo de plantas invasoras, deve ser visto como último recurso, quando não é possível a utilização de outras metodologias. No entanto, em algumas situações é necessário utilizar de forma a aumentar a eficácia e sucesso do controlo”.

Ainda assim, Nuno Oliveira refere que têm dois projetos à espera de financiamento que preveem a utilização de glifosato. Mas lembra que, como os Parques de Sintra estão inseridos numa área classificada – o Parque Natural de Sintra-Cascais (PNSC) -, estes projetos (e os anteriores) têm de ser autorizados pela Agência Portuguesa do Ambiente, pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional e pelo PNSC. A estas entidades cabe a avaliação das propostas e elaboração de recomendações.

Para precaver uma potencial contaminação ambiental, a Parques de Sintra pediu ao Instituto Superior de Agronomia e ao ISPA-Instituto Universitário que realizassem análises ao solo e à água nas zonas onde foi aplicado o herbicida. Embora os resultados não sejam extrapoláveis para outros locais, Nuno Oliveira salienta que se demonstrou que os impactos são mínimos. As boas práticas na aplicação do produto também terão contribuído para estes resultados.

“Se o glifosato for proibido amanhã é uma desgraça.”
Nuno Oliveira, diretor técnico para o Património Natural da Parques de Sintra

E se o glifosato for proibido?

A utilização de glifosato nos projetos apresentados pela Parques de Sintra está agora dependente da proibição ou não na Europa ou em Portugal. “Se o glifosato for proibido amanhã [figurativo] é uma desgraça”, diz Nuno Oliveira. “Há produtos muito mais agressivos no mercado.”

Para o engenheiro florestal, quem precisar de usar um herbicida, e já não puder usar o glifosato, vai usar outro cuja venda esteja autorizada. “Basear a discussão no glifosato não ajuda nada. É uma discussão estéril.” Para Nuno Oliveira a discussão deve ser feita sobre os herbicidas em geral.

A União Europeia vai discutir, esta quarta e quinta-feira, o prolongamento da licença de venda do glifosato, que expira a 30 de junho, por mais sete anos. Portugal deverá manter uma posição de abstenção, como confirmou, esta terça-feira, o ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, à margem de um conselho de ministros da Agricultura, a decorrer em Bruxelas. Mas uma petição com pelo menos 15 mil assinantes no país defende que o herbicida seja totalmente proibido.

A Quercus tem lutado contra o uso de glifosato, porque este “está a ser usado de uma forma esmagadora”, diz ao Observador Alexandra Azevedo, responsável da Campanha contra Herbicidas em Espaços Públicos. Admite que “outros herbicidas serão tão ou mais nefastos”, mas que “alguma coisa têm de fazer”. A ambientalista da Quercus defende, tanto em contexto urbano como em contexto agrícola, que se use exclusivamente alternativas não químicas, como a monda manual, mecânica ou térmica.

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