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ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

O homem que quer revolucionar a Saúde no mundo pós-Uber

"A revolução do Big Data no setor da saúde" foi o título da TEDTalk dada por Joel Selanikio, médico, inovador, empreendedor, papa-quilómetros, surfista e "geek" dos dados. Entrevistámo-lo em Lisboa.

Não é todos os dias que se entrevista alguém com o percurso de Joel Selanikio. Simplesmente porque não há muitas pessoas com uma história que se assemelhe à deste médico norte-americano, inventor e empreendedor, que começou a carreira a trabalhar na alta finança em Wall Street mas que voltaria à universidade para tirar Medicina. Hoje, com consultório em Washington D.C., nos EUA, especializado em pediatria, Selanikio, que visitou recentemente Lisboa para uma conferência e deu uma entrevista exclusiva ao Observador, passa muito tempo fora em centros de resposta médica de emergência como o esforço humanitário após o tsunami do Sudeste Asiático (de 2004) e, mais recentemente, os centros de tratamento do ébola em países como a Serra Leoa.

Foi numa dessas imensas campanhas em que participou, sobretudo em países mais pobres, que Joel Selanikio teve uma ideia que está a revolucionar a forma como se fazem essas campanhas de emergência nos países menos desenvolvidos. Mas a tecnologia que criou quer, também, virar de pantanas a saúde nos países ricos, porque paradoxalmente “a saúde é o único setor que conheço onde a introdução das tecnologias de informação tornou os processos mais lentos“, diz o médico. Joel Selanikio, fundador da empresa Magpi, foi protagonista de uma TED Talk que teve grande notoriedade e que se intitulava “A revolução do Big Data no setor da Saúde“. Nesta entrevista em vídeo, ao Observador, ficamos a saber mais sobre os problemas, as oportunidades e as soluções que Selanikio identifica no setor da Saúde, num mundo pós-Uber.

A criação da empresa Magpi, que produz uma ferramenta de criação de formulários eletrónicos, surgiu quando o médico constatou que o método de recolha de dados sobre a população em causa era muito rudimentar, e parecia-se, normalmente, com isto:

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selanikio

Papel. Quilos de papéis empilhados numa carrinha. Papéis que são formulários preenchidos à mão, a partir de questionários feitos, porta a porta, em locais recônditos onde ninguém sabe exatamente quantas pessoas vivem.

Selanikio contou-nos como muitas campanhas de vacinação em que participou, por exemplo, não atingiram as taxas de cobertura desejadas mas só se percebeu isso demasiado tarde, vários meses depois, quando os recursos já não estavam no terreno. Ao contrário do problema que o Big Data normalmente tenta solucionar, ali não existia um excesso de dados que era preciso processar mas, sim, uma grande carência de informação atualizada.

Era assim no início do século, o que não era tão surpreendente assim, apesar de já existir alguma tecnologia. Mas também é assim agora, apesar de todos os progressos dos últimos anos. Basta pensar em como são feitos os estudos de campo em casos como o vírus Zika, que ainda usam métodos primitivos, diz-nos o médico. Joel Selanikio tem uma ideia melhor:

Mas como é que se incentiva as pessoas, num país pobre, a participar? “Isso é uma pergunta que é muitas vezes feita, porque já tivemos campanhas e depois diziam-nos que as pessoas não estavam a responder”. Joel Selanikio diz que “é uma questão de incentivos — como é que incentiva as pessoas a fazer o que quer que seja? Há uma ideia de na saúde global de que devemos incentivar as pessoas dos países pobres a participar nestas coisas mas não se lhes pode dar dinheiro, porque isso poderia distorcer os objetivos. Eu acho que pagar-lhes seria uma ótima ideia. Qual é o problema de pagar?”

Uma coisa é certa: “temos de produzir conteúdos que interessem às pessoas”, acrescenta o médico. “Na saúde global, temos de fazer com que as pessoas percebam que aquilo tem um valor para elas e para a saúde delas e dos seus filhos. Se não perceberem, é preciso educá-las e, se compreenderem perfeitamente o que está em causa e continuarem a não querer saber, se calhar temos de pensar se a nossa missão é ou não é meritória”, termina.

Nos EUA há esforços a serem feitos para aplicar coisas como a Inteligência Artificial para olhar para todos os dados que temos, mas nos países mais pobres não temos, simplesmente, os dados. Portanto a missão, aí, é obter mais dados.
Joel Selanikio

A “revolução” em que Joel Selanikio quer participar não se limita, contudo, à saúde global e aos países em desenvolvimento. O Big Data, os sistemas de georeferenciação que todos usamos, tudo isso abre caminho a mudanças enormes na Saúde.

Muita da inovação que surgiu nos últimos anos está relacionada com o aproveitamento de capacidade existente. Isto é, é comum ouvir que a AirBnB se tornou a maior empresa do mundo sem ser dona de uma única casa ou apartamento e que a Uber se tornou a maior empresa de transportes sem ser dona de um único carro. Trata-se de aproveitar recursos já existentes e aproveitá-los de forma eficiente.

Selanikio diz que “na saúde as coisas não são geridas de forma muito eficiente, há milhões de formas simples de fazer as coisas mais bem feitas e mais rapidamente”. “É curioso pensar nisto porque se tivéssemos dito, há uns 10 anos, que estávamos a tentar encontrar formas de melhorar a vida das pessoas, portanto talvez devêssemos tentar melhorar a eficiência dos sistemas de táxi. Se calhar, a resposta teria sido: “oh, deixa isso, os táxis servem perfeitamente“. Mas a verdade é que, com a Uber, podemos levar o sistema dos táxis a um nível de eficiência completamente diferente”, diz o médico.

A falta de eficiência “parece ser uma preocupação de vários médicos com quem falo por todo o mundo. Há uma série de ineficiências que nós acabamos por tolerar. E acredito que estas ineficiências estão prestes a tornar-se o alvo de muitas empresas que querem eliminá-las”, afirma Selanikio.

Fale-nos, então, um pouco sobre a sua empresa, a Magpi, e a forma como ela quer contribuir para essas mudanças de que fala.

A Magpi começou por ser uma empresa virada para a Saúde, mas hoje tem aplicações muito mais vastas.

“Um tipo viu a minha TEDtalk e ele é dono de uma empresa australiana do setor da energia. E ele disse-nos: nós estamos sempre a enviar pessoas para estas plataformas de extração de gás natural com formulários em papel num bloco de notas, para fazer verificações de segurança. E anotam uma série de informações. Porque é que não podemos usar esta ferramenta para substituir os formulários em papel?”, conta Joel Selanikio.

A ferramenta “tem sido, também, usada para todo o tipo de trabalhos, até sondagens eleitorais. “Pense em todas as vezes que viu alguém a usar um bloco de formulários ou um bloco de notas, alguém a receber pedidos num restaurante, alguém a fazer uma sondagem”, explica o médico.

Mas porquê, então, o atraso que vê na adoção das tecnologias de informação na Saúde, não será porque a saúde é um setor especial, que lida com informação sigilosa e sensível? Não será por isso que a adoção das novas tecnologias tem sido, segundo diz, mais lenta do que nos outros setores?

“Não creio. Olhe para o setor bancário. Há anos que eu não vou a um banco. Não é uma questão de segurança ou de privacidade. Primeiro criaram as caixas multibanco e, agora, estamos a caminhar cada vez mais no sentido do pagamento sem dinheiro”, responde o médico. Mas não devemos preocupar-nos com a segurança e com a privacidade?

Mas Selanikio diz que as novas tecnologias aplicadas na Saúde podem fazer muito mais. E, como médico, preocupa-se com a questão dos registos médicos e do cruzamento de informações. Na visão deste médico, não devia haver limite para a forma como se poderia aproveitar o facto de o nosso smartphone ou o nosso smartwatch saberem, por exemplo, a quantidade de exercício físico que fazemos. Para um médico, isso é informação preciosa.

A explicação, para Joel Selanikio, é outra: na finança, os bancos olham para as startups de Silicon Valley como parceiros e não como rivais. Porque elas não são empresas interessadas em tornar-se bancos, em receber depósitos e fazer empréstimos. Na Saúde é diferente: “se o que temos na Saúde é um conjunto de empresas cuja única função é manter os registos e se veem que estão a surgir ferramentas através das quais qualquer pessoa pode manter os seus registos, então olham para essas ferramentas como concorrência“.

Contudo, como conclui Joel Selanikio, o fator crucial para uma revolução tecnológica na Saúde será a maior abertura dos registos médicos. Só dessa forma será possível fazer chegar também à Saúde a revolução que se operou em vários outros setores, que é a de ter as melhores cabeças a trabalhar para o consumidor. E nem sempre foi assim, como explica o médico norte-americano.

Saiba mais sobre a Magpi em http://www.magpi.com/

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