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Sara Barros Leitão (na frente, ao centro) é Marta, a cientista com a responsabilidade de lidar com as consequências de uma catástrofe na capital
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Sara Barros Leitão (na frente, ao centro) é Marta, a cientista com a responsabilidade de lidar com as consequências de uma catástrofe na capital

Sara Barros Leitão (na frente, ao centro) é Marta, a cientista com a responsabilidade de lidar com as consequências de uma catástrofe na capital

"O Melhor dos Mundos": Rita Nunes filmou o regresso de um terramoto a Lisboa

Os bastidores científicos de um sismo na capital percorrem o novo filme de Rita Nunes, "O Melhor dos Mundos", que vai estrear-se no Indie Lisboa no dia 30. Falámos com a realizadora.

Estamos em 2027. Quer dizer, na verdade em 2024. Mas para o filme de Rita Nunes, O Melhor dos Mundos, produzido pela Nave (da própria realizadora) com estreia mundial marcada para o próximo dia 30 de maio na competição nacional de longas do festival Indie Lisboa, o futuro está bem próximo. Marta (Sara Barros Leitão), cientista sismóloga do IPMA, é a personagem principal, que, com o maior altruísmo do mundo, fica encarregue de levar aos ombros a missão de lidar com um novo terramoto em Lisboa, ao lado de um grupo de cientistas, responsáveis por monotorizar a instalação de cabos subaquáticos de comunicação, que ajudarão a prever possíveis sismos.

O terramoto de 1755, que devastou a cidade, matou milhares de pessoas e deixou marcas na cultura portuguesa, tem um segundo episódio na segunda longa-metragem de Rita Nunes. Esta premissa, que, com muitos avisos de diferentes especialistas nacionais, pode mesmo vir a acontecer — hoje, no ano de 2024, em 2027 ou daqui a cem anos — foi um antigo desejo da realizadora que, com O Melhor dos Mundos, entra num género com poucas obras em Portugal: um filme simulacro, que de ficção científica tem muito pouco. Ou, aliás, ciência tem. E ficção? Até ver, sim.

Antes de qualquer terramoto, Rita Nunes, apesar de só estar a lançar agora a sua segunda longa-metragem, depois de Linhas Tortas (2019), disponível na HBO Portugal, sabia que, para abraçar o tema, precisava de perceber muito bem do assunto. Com curtas-metragens e publicidade no currículo, quis levar a hipótese de um destrutivo terramoto muito a sério, já que os lisboetas, no geral, não parecem fazê-lo. A frase soa a cliché mas não é. Começou por explorar a hipótese de ficcionar um possível novo terramoto em Lisboa sem qualquer adesão à realidade, mas depois de uma notícia a dar conta da futura instalação de novos e pioneiros cabos submarinos entre os Açores, a Madeira e Portugal Continental, que ajudariam a prever atividade sísmica no país, virou a agulha.

A realizadora Rita Nunes

Puxou João Cândido Zacharias para a escrita do argumento, concorreu às longas de baixo orçamento do Instituto de Cinema e Audiovisual e decidiu entrevistar, tanto quanto possível, o maior número de especialistas, da geofísica à oceanografia. “Os cabos já existem. O que vemos não é um cenário utópico, é bastante palpável. Tornei o meu filme numa espécie de simulacro. Tudo o que vemos é uma projeção do que pode vir a acontecer. Não é ficção científica, não tem essa dimensão. Interessei-me muito por esse lado científico, de trabalhar com os cientistas”, revela em conversa com o Observador.

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Com menos de 400 mil euros realizou O Melhor dos Mundos. Vemos os bastidores, as reuniões, o plano de emergência acionado, desde a atuação da proteção civil à decisão que pode custar as carreiras daquele grupo de cientistas do IPMA. Não há grandes cenas catastróficas. O som, aqui, joga um papel fundamental. Em cinema faz-se o que se pode com o que se tem. “Para mim, só faz sentido continuar a fazer longas com mais orçamento”, argumenta. Não se arrepende do caminho que fez até aqui. Longe vão os tempos em que dava os primeiros passos da carreira, tal como aconteceu com a curta-metragem Menos Nove (1997). Ou quando realizou a série de ficção Madre Paula. Ou séries documentais. Ou telefilmes.

Está habituada a lidar com baixos orçamentos e a fazer das tripas coração. Não fecha portas a voltar a qualquer uma dessas áreas, menos a publicidade — assunto encerrado mas que a ensinou a ser eficaz na sétima arte. Este seu novo filme, que estrear-se-á, a nível nacional, a 31 de outubro, vésperas da celebração de mais um aniversário do terramoto de 1755, pode muito bem não mudar mentalidades. Nem nos apoios para mais cinema deste género, nem na sociedade civil. No entanto, saudamos a tentativa. “Queremos criar um debate com a proteção civil, com os cientistas e as pessoas. Pode ser giro. Mas é muito pontual. Porque a seguir já vem outro tema. Passamos à frente. Não temos muita educação cívica para este assunto. É como nos fogos. Não é como se passássemos a ter mais cuidado.”

[trailer oficial de “O Melhor dos Mundos”, de Rita Nunes, com estreia oficial no Indie Lisboa de 2024:]

De onde surge esta vontade de explorar um novo evento tão trágico como o terramoto de 1755?
A possibilidade de trabalhar sobre um terramoto em Lisboa já tem muito tempo, porque sou daqui e porque sempre foi um tema interessante para mim. Claro que já não vivemos aterrorizados com o que aconteceu em 1755, mas esse evento mudou completamente a configuração da cidade. Começando numa série de questões ligadas à tradição do Iluminismo que criou um novo pensamento, tudo o que está à volta de Voltaire e do impacto do terramoto no filósofo e escritor. Uma série de filósofos que depois começaram a falar sobre isso.

Até aos ditados populares.
Sim, “rés vés Campo de Ourique”.  Faz parte da nossa cultura, da história da cidade. O Porto, por exemplo, não tem relação nenhuma com este terramoto. Portanto, voltei a pegar nisto em 2020 e pedi ao João Cândido Zacharias para escrever comigo porque nunca o faço sozinha. Começámos a desenhar a personagem da Sara Barros Leitão que lida com a probabilidade de acontecer um novo terramoto. Pouco tempo depois, surge uma notícia nos jornais que dá conta da substituição dos cabos submarinos a que o filme se refere e de existir um grupo de cientistas que estariam a trabalhar nessa substituição. Seria um projeto pioneiro em Portugal e no mundo. Uma nova tecnologia de monitorização do que se passa no fundo do mar em tempo real.

Nem parece algo que aconteceria por aqui.
Exatamente. E vai acontecer, atenção. Achámos que seria um bom ponto de partida. Antes, tinha partido de um pressuposto completamente ficcional. Até absurdo. Mas decidi trabalhar com os cientistas e ver como corria. Fui encontrando-os através desse artigo. Descobri que trabalham a partir de um consórcio internacional e que vinham de lados diferentes, desde a Faculdade de Ciências até ao Instituto Superior Técnico.

Todos portugueses?
Sim. Fui entrevistando-os, perceber como é que se desenvolveria o projeto. Fui juntando dados e dados para partir de uma base real e não ficcional.

O projeto já está em andamento?
Será montado em 2025. Agora penso que estará um pouco atrasado. Na volta só daqui a dois anos.

E o filme também fala desse futuro próximo. Dessa emergência sísmica à espreita.
Sim. Os cabos já existem, o sismo é detetado. Não é utópico, é bastante palpável. Tornei O Melhor dos Mundos numa espécie de simulacro.

Um filme-simulacro.
Um pouco, sim. Partimos de uma ideia de uma personagem central que é sismóloga. Tudo o que vemos é uma projeção do que pode vir a acontecer. Não é ficção científica, não tem essa dimensão. Interessei-me muito por esse lado científico, de trabalhar com os cientistas. Aliás, um deles acompanhou toda a escrita, o  Luís Matias, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Para nós era complicado desenvolver alguns diálogos porque havia muito suporte científico. Claro que temos todo o drama da Marta, a personagem principal.

"Quando temos  a avaria num dos censores submarinos que ajudam a prever sismos e acontece a conversa, no meu filme, entre o secretário de Estado e o grupo de cientistas, na verdade, os cientistas estão a explicar o projecto aos espectadores. Tem uma função narrativa. Não quer dizer que vá existir, de facto, uma avaria. Mas, sim, tudo o que vemos pode mesmo acontecer"
Rita Nunes, realizadora do filme "O Melhor dos Mundos"

Neste filme temos muita linguagem técnica aplicada nos diálogos. Sabia que estava assumir um risco?
Tenho memória de muitos filmes assim. Basta ver as séries que se passam nos serviços de urgência, em que há muito jargão de medicina. Ou filmes sobre o espaço. Se o que é dito for dito com convicção e com uma base real, o interesse pode surgir. Se a primeira camada da história for percecionada por quem não tem nenhum conhecimento científico, isso é que importa. Não fazia sentido passar por cima desta linguagem mais técnica. Tudo o resto é ficção.

Há filmes históricos ou biográficos muito criticados por alterarem os factos. E a ciência, hoje em dia, é posta em causa mais do que nunca.
Senti que se era para fazer, que se fizesse bem. Com esse acompanhamento. Tudo o que está ali, do início ao fim, foi validado por esta equipa. As palavras certas.

Neste filme vemos reuniões do grupo Investigação Submarina em Rede, filmagens que decorreram no IPMA, reuniões entre cientistas e um secretário de Estado. Há um jogo de bastidores dentro de um protocolo para estas situações. Seria mesmo assim na realidade?
É tudo o que supostamente vai acontecer. Por exemplo, quando temos  a avaria num dos censores e acontece a conversa com o secretário de Estado, na verdade, os cientistas estão a explicar o projeto aos espectadores. Tem uma função narrativa. Não quer dizer que vá existir, de facto, uma avaria. Mas, sim, tudo o que vemos pode mesmo acontecer.

O que sai de uma relação tão próxima com um grupo de cientistas? Foi difícil perceberem que estavam ajudar a criar um filme?
Não. Estavam curiosos. Depois, o Luís Matias reviu o projeto todo. Uma vez mandou 14 páginas de correções, cheias de informação. Estivemos sempre em diálogo com sucessivas revisões. Depois, dentro do IPMA, com décors verdadeiros, foi recriado o centro operacional que existe na realidade. Nós não podemos filmar o verdadeiro porque estava a ser usado durante 24 horas por dia. Assisti a uma das discussões que vemos no filme, segundo me contaram. Um dos cientistas chegou a assistir aos ensaios e também nos disse que tinha estado numa reunião de emergência semelhante à que se vê no O Melhor dos Mundos. Terá ocorrido quando se deu a crise sísmica da Ilha de São Jorge, nos Açores. São todos “cromos da ciência”, pensou-se, nessa altura, num cenário de evacuação de parte da ilha, com uma população pequena tal como acontece no filme, mas em Lisboa.

Porque não optar por um documentário?
Podia ser um aborrecimento não é verdade? Os cientistas estariam a olhar para computadores. Não invalida que possa vir a existir um. Há uma frase no último filme do Kléber Mendonça, o Retratos Fantasma, que é: “os filmes de ficção são os melhores documentários”. Ou seja, estás a retratar a vida. Estás a falar de pessoas com emoções, com conflitos. Estás a fazer um documentário da vida dela como ela é. Essa frase faz muito sentido.

"O terramoto já me acompanhava há muitos anos. Fico contente de já estar feito. Fechado. Daqui a uns anos, quem sabe, volto ao tema"

Em filmes catástrofe, filmes de ficção científica ou mesmo dramas puros, a tensão acumulada vai explodindo em cada uma das personagens. Neste filme, sente-se essa tensão mas queria mais. Não seria possível fazer um filme mais longo para absorver ainda mais o caos mental que atravessou os cientistas naquela situação?
Poderíamos ter mais tempo, claro. É um filme de baixo orçamento, fui a minha própria produtora. Podíamos suster esse tipo de situações, como as reuniões de emergência, com o mesmo décor, mais tempo mas podia tornar-se cansativo. Ou até repetitivo. Está no limite, creio. Seria preciso sair mais do núcleo duro de personagens, por exemplo. Acho que escrevi, produzi e realizei para o que era preciso com as condições que tinha. Fiz um filme justo. Esta é a minha segunda longa-metragem com estreia comercial, portanto, entrei na categoria de primeiras obras para o Instituto de Cinema e Audiovisual. Ganhei para as longas de baixo orçamento. Como já é tão pouco provável aprovarem filmes de mulheres, porque ainda existe essa disparidade.

Daí o trabalho de associações como a Mutim.
Certo. Basta estar atento e ver os números. Inscrevi-me na associação há pouco tempo. Existe uma menor probabilidade das mulheres, em Portugal, serem apoiadas pelo ICA. É capaz de andar na casa dos 12%, mais ou menos. Foi preciso ir à RTP para a montagem financeira. Ainda se juntou a SPA e a Câmara Municipal de Lisboa. Essas quatro entidades deram um orçamento inferior a 400 mil euros. Esse dinheiro para um filme desses é…

peanuts, como dizia o treinador de futebol Jorge Jesus?
Experimentei, mas ia atrasar todo o processo. Não queria atrasar o filme por mais dois anos. É irónico que exista uma categoria de filmes de baixo orçamento, mas o ICA permita que existam. Os filmes vão-se fazer, o que é positivo. O meu primeiro filme, o Linhas Tortas, foi produzido pelo Paulo Branco, que não fez um grande investimento para lá do que veio do ICA. Portanto, para mim, só faz sentido continuar a fazer longas com mais orçamento. Com mais condições. espero vir a ter um orçamento normal. Não é bom esta perpetuação, de sistematicamente trabalhar com poucos meios.

O Paulo Carneiro, que estreou o A Savana e a Montanha no Festival de Cannes, não conseguiu o apoio do ICA.
É surreal. Tem de se olhar também para como os projetos são avaliados. O peso das produtoras é muito grande, principalmente das maiores.

E o critério da relevância cultural? Quem decide o que é relevante?
Hoje em dia, é muito fácil dizer-se que se vai abordar as minorias étnicas ou os refugiados, porque se alega que é muito relevante. Por vezes nem é por boa fé, é só porque cai bem.

A parte positiva é que essas mesmas minorias estão a reclamar um espaço dentro do cinema. Estão a ter as suas vozes ouvidas através dos filmes.
Claro. Não quer dizer que quem defenda esse tipo de temas, os defenda bem. Parece, de facto, que há um certo oportunismo. Porque se tem de ser culturalmente relevante, tem de se falar dos mais frágeis. Eu não penso assim.

Para quem não percebe nada do trabalho de um realizador, o que é que quer dizer “trabalhar com baixos orçamentos no cinema”? Até onde é preciso ir para alguém dizer: já chega?
É estar em esforço o tempo todo para fazer um filme decente. É pedir favores para tudo e mais alguma coisa. O dinheiro traz uma equipa um pouco maior. Alivia a pressão em cima de poucas pessoas. Não estar tão limitado nas escolhas que se fazem. Posso ter melhores câmaras, objetivas. O orçamento que se pede a uma casa que aluga material pode não ser suficiente. Ou seja, podem pedir mais. Não conseguimos cobrir esse valor. Não podemos ter uma qualidade técnica tão boa quanto queríamos.

"O cinema português também tem de fazer um esforço. Os autores fazem pouco.  Temos a elite intelectual e a escola do "Corral das Moinas". É um gesto um pouco egoísta não querer comunicar com o público. Tem de haver esse compromisso"
Rita Nunes, realizadora do filme "O Melhor dos Mundos"

O novo filme do Miguel Gomes,  o Grand Tour, que chegou aos 4 milhões, teve de cortar, a certa altura, os dias de rodagem.
É só mais um zero à direita. Faz toda a diferença. Filmar seis dias por semana é uma carga enorme. Na Europa respeita-se, cada vez mais, o tempo de descanso. No meu caso, foi tudo feito em quatro semanas, seis dias por semana. Tudo feito em 2023. Só com uma folga. Traz um enorme desgaste. Também quis muito trabalhar bem o som, logo, trabalhei com um estúdio de pós-produção que abriu há pouco tempo. Paguei mais, mas foi uma boa aposta. Estamos sempre a contar o dinheiro.

Daí a decisão de também produzir?
Não sou a única. O Gabriel Abrantes também o faz, ou a Teresa Vilaverde.

As razões são as mesmas?
É uma espécie de descontentamento generalizado com o trabalho de alguns produtores. Não falo de todos. Não trabalhei com todos. Foi uma necessidade de ter mais controlo sobre o projeto. Porque posso vir a ter um produtor com tantos outros projetos, que dá prioridade a outros filmes. Não queria que o filme saísse das minhas mãos. Não foi a primeira vez que produzi. Já fui produtora de curtas-metragens, por exemplo.

E o streaming e o cash rebate? Estão lá grandes produtoras no topo dos apoios. A entrada de novos autores não é fácil?
Um produtor já tem uma estrutura montada. Consegue movimentar-se mais facilmente nos bastidores. O que acontece com o cash rebate ou com outro tipo de apoios é que um produtor quer a maior quantidade dinheiro possível. Assim eleva-se a qualidade. Paga-se melhor, a todos os níveis. Mas no caso do cash rebate é uma forma de projetos financiados terem ainda mais financiamento. Claro que estranhei quando vi essa duplicação de apoios. Obviamente que se essas produtoras têm mais currículo, terão mais facilidade de acesso. Eu sei que toda a gente sabe que há produtores que não investem propriamente nos filmes, mas tudo bem, querem sempre o máximo de orçamento. Também existe outra coisa: filmes desdobrados em séries porque foram procurar apoio no audiovisual. É mais um esquema de financiamento. Se o regulamento permite, vai acontecer.

A Rita tem feito um percurso não só no cinema, mas também na televisão ou na publicidade. O funcionamento é sempre parecido?
Em algumas coisas, sim. O estudo sobre a disparidade entre géneros revela que existe, de facto, uma diferença entre cinema português feito por homens e por mulheres. São os homens que dominam. É normal que, durante muitos anos, não se tenha pensado sobre isto. Só os projetos masculinos é que ganhavam. Se calhar temos de começar a pensar em quotas, tal como é aplicado noutras áreas da sociedade portuguesa. É preciso olhar com maior realismo para estes temas. Os júris têm de ser mais igualitários.

Há júris sem experiência em cinema?
E é estranho.

Nunca ponderou trabalhar no estrangeiro?
Todos os países têm o seu cinema. Já é difícil ter financiamento no meu próprio país. Chegar lá fora e conseguir outras oportunidades também não é muito evidente.

"Tem de se ser eficaz independentemente de se pensar nos espectadores. Tem de se fazer um bom trabalho para quem quer que seja", diz a realizadora

Quando vai entrar outra vez no reino das séries?
Tenho uma proposta a concurso neste momento. Também trabalhei muito em publicidade, como referiu. Não tenho problema algum em saltitar nestas áreas. É bom realizar em diferentes formatos.

Há nomes como o Augusto Fraga, de Rabo de Peixe, ou o João Nuno Pinto, do Mosquito, que vêm dessa realidade e mostram ter uma abordagem mais frenética e fresca. Não necessariamente melhor ou pior. Mas diferente. Será mais moderna? Mais adaptada a novos públicos.
Sim, temos a obrigação de comunicar melhor. De comunicar histórias de forma mais eficaz. Temos um treino diferente. É importante existir um cinema experimental, mais autoral, que não olhe para essa eficácia. Há espaço para isso. Agora o meu cinema, o que estou a tentar fazer, quero que seja eficaz. Tive esse treino com a publicidade.

A eficácia não fica estragada com tão poucos espectadores?
Não. Tem de se ser eficaz independentemente de se pensar nos espectadores. Tem de se fazer um bom trabalho para quem quer que seja. Desculpabilizamo-nos muito na área artística por não haver um critério de eficácia. Temos de ser exigentes e ambiciosos.

Falta ambição, por vezes?
Sim. Não é só no cinema.

Temos um recorde de cineastas nacionais neste Indie Lisboa. Seis presenças no Festival de Cannes. É um bom momento para o setor ou só um momento de passagem?
Há uma evolução ligeira, diria. Os números em sala são trágicos. A parte tecnológica nos últimos dez anos fez toda a diferença na sétima arte. Porque podemos ver um filme antigo numa plataforma de streaming. Podemos ver o meu filme anterior na HBO Portugal. Os filmes assim não morrem. Não podemos ser puristas. De que o cinema vê-se em sala e a partir daí não interessa. Antigamente, os filmes eram exibidos duas vezes e nunca mais ninguém o via. Eram momentos únicos. Tem de se saber jogar com estas novas formas. Gostava que as pessoas vissem os meus filmes em sala, porque todas as obras ganham mais assim.

Tudo é melhor numa grande tela.
Tudo.

O caminho é ter salas dedicadas ao cinema português, como fez agora a NOS?
É um bom princípio. Uma iniciativa simpática. Parece ser uma missão, é louvável. Se vai ter resultados? Não sei. Podiam até ter algum tipo de financiamento. Pode ser que percam dinheiro. Acho que o cinema português também tem de fazer um esforço. Os autores fazem pouco.  Temos a elite intelectual e a escola do Corral das Moinas. É um gesto um pouco egoísta não querer comunicar com o público. Tem de haver esse compromisso.

Parece-me que as novas gerações estão interessadas em mudar esse paradigma.
Sim. Espero que sim. O cinema português, se é apoiado publicamente, tem de prestar contas. Ter o compromisso, não a obrigação. Não pode ser fechado.

Estudou cinema em Lisboa?
Sim.

Quando se deu o clique que era aqui que queria estar?
Cresci com a cultura anglo-saxónica, ia todas as semanas ver filmes. Tinha prazer em fazê-lo, de ver filmes que me dessem prazer. Vibrar com a história, com as personagens, de sentir quando estamos na sala.

"Podemos ver um filme antigo numa plataforma de streaming. Os filmes assim não morrem. Não podemos ser puristas. De que o cinema vê-se em sala e a partir daí não interessa. Antigamente, os filmes eram exibidos duas vezes e nunca mais ninguém o via. Tem de se saber jogar com estas novas formas."

Nenhuma influência familiar? Podia ter ido por outro caminho?
Agora já não sei se poderia… Atirei o barro àparede quando uma amiga foi comigo visitar a Escola Secundária António Arroio. No décimo ano, tínhamos de escolher uma área. Achei graça ao cinema, sem qualquer influência. O barro colou. A minha primeira curta-metragem foi em 1997 e depois veio a publicidade. Estava a estagiar numa produtora antes de entrar para a Escola de Cinema. Percebi que nesse ramo podia experimentar. As coisas foram acontecendo, não houve grande estratégia.

Terminamos voltando aos terramotos. Naquele filme bastante pateta mas divertido, o Don’t Look Up [2021], há uma ideia de alarme da parte científica que parece não convencer a população.
Esse filme saiu depois do meu estar escrito, foi chato.

Certo. O que queria perguntar era o seguinte: os lisboetas não estão muito preocupados com a possibilidade de um terramoto. Será que um filme terá esse efeito?
Há uma frase que é “isto não é o fim do mundo”. No Japão as pessoas já estão muito habituadas a terramotos. Estão preparadas. Nós não nos sentimos assim. Os terramotos, quando acontecem, podem ser devastadores. Muito fortes. Este filme pode criar um debate à volta do tema. O Carlos Moedas já veio assegurar que estamos preparados. Sim, sim, claro que não, não é? Pode acontecer hoje como daqui a cem anos.

A estreia é dia 31 de outubro, na véspera do aniversário do terramoto de 1755.
Sim, é verdade. Uma curiosidade, só. Queremos criar um debate com a proteção civil, com os cientistas e as pessoas. Pode ser giro. Mas é muito pontual. Porque a seguir já vem outro tema. Passamos à frente. Não temos muita educação cívica para este assunto. É como nos fogos. Não é como se passássemos a ter mais cuidado. De sistematizar esse cuidado.

Mais algum evento histórico português que lhe apeteça trabalhar?
Não. O terramoto já me acompanhava há muitos anos. Fico contente de já estar feito. Fechado. Daqui a uns anos, quem sabe, volto ao tema.

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