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Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

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O mistério do corpo sem cabeça. ETA. Mário Machado. Rei Ghob. E multibancos. As investigações do novo diretor da PJ

Começou carreira naquela que hoje é denominada de Unidade Nacional Contra Terrorismo. Ali chegou a coordenador, depois a diretor, mas nunca foi um homem de gabinete. "Queria saber sempre tudo".

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Acontecia com frequência. O inspetor estava a interrogar um suspeito de um crime na ainda Direção Central de Combate ao Banditismo, na Avenida José Malhoa, em Lisboa, e Luís Neves aparecia na sala discretamente. Dava uma volta, às vezes sentava-se, e ficava ali, a ouvir o suspeito, sem que ele sequer soubesse que estava perante o diretor. Fazia-o não porque queria controlar o inspetor que interrogava, mas porque queria estar dentro do processo. E isso significava conhecer todos os intervenientes, dos suspeitos às vítimas.

O futuro diretor nacional da Polícia Judiciária não é um homem de gabinete, mesmo que a logística das instalações da agora Unidade Nacional Contra Terrorismo — que entretanto passou para a nova sede da Polícia Judiciária na Rua Gomes Freire, em Lisboa — não lhe permita trabalhar com a porta aberta. Ele próprio sai do casulo, vai ter com as equipas e faz perguntas. “É exigente, às vezes até incomoda com tantas questões sobre os casos”, admite ao Observador um elemento da PJ que já trabalhou com ele e que prefere manter o anonimato. Mas reconhece-lhe sensibilidade: no dia em que se despediu dele para integrar outra Unidade da Judiciária, sentiu que se emocionou.

Pedro Felício, agora ao comando da unidade de combate ao financiamento de terrorismo da Europol, também fala dessa emoção. E dá a cara e o nome pelo homem com quem trabalhou dez anos. Só não se estende na descrição dos momentos em que ele se possa ter emocionado. Lembra-se, sim, de como a sua presença era “reconfortante” no terreno, por exemplo, num caso de tomada de reféns: há dez anos, em agosto de 2008, dois brasileiros entraram na dependência do BES de Campolide para um assalto que acabaria com reféns levando a uma intervenção que envolveu PSP e PJ. “E ele acabou por aparecer lá”, diz Pedro Felício. “Mesmo quando as negociações se prolongavam pela noite e continuavam para o dia seguinte, ele não ia descansar. Ficava lá connosco”, descreve, com orgulho do novo desafio de Luís Neves.

A ETA em Portugal

Licenciado em Direito, quando Luís Neves chegou à DCCB era ainda um estagiário. Corria o ano de 1995. Dez anos depois, segundo a sua nota curricular, já era coordenador. Chegou a ter a seu cargo a secção de terrorismo. E esse conhecimento na matéria levou-o mesmo a representar Portugal junto das autoridades estrangeiras após o ataque terrorista do 11 de março de 2004, em Madrid, e o ataque registado em Londres, em julho de 2005. Aliás, é o perito que representa Portugal e a Polícia Judiciária em vários organismos internacionais, onde se discutem formas de prevenção de crimes violentos e de terrorismo.

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A sua ligação às autoridades espanholas foi fundamental no caso que acabou com o desmantelamento de uma base da ETA em Óbidos. A descoberta aconteceu em fevereiro de 2010, quando a proprietária comunicou à GNR considerar estranho não haver qualquer movimento na casa há algum tempo. As autoridades acabaram por entrar e encontrar meia tonelada de engenhos explosivos lá dentro. Na altura, Hélder Barros, do Centro de Inativação de Explosivos, disse aos jornalistas que aquele material era habitualmente usado em carros-bomba. Entre cinco a dez engenhos estavam prontos, mas não havia perigo de explosão, por se tratarem de engenhos que necessitam de detonador, descreveu. A vivenda era ocupada por Andoni Zengotitabengoa Fernandez e Oier Gomez Mielgo, ambos membros da ETA, detetados pela GNR durante uma operação stop em que desrespeitaram a ordem para parar.

Um mês antes, tinham sido detidos em Portugal Garikoitz García Arrieta e Iratxe Yáñez Ortiz de Barron, que integravam uma lista de suspeitos de serem membros da ETA. Foi o Ministério do Interior Espanhol que explicou como tudo aconteceu. Garcia Arrieta seguia ao volante de uma carrinha com matrícula francesa, que estava carregada com explosivos, e que levantou as suspeitas das autoridades espanholas na zona de Zamora. Enquanto os militares da Guardia Civil revista na carrinha, o suspeito enfiou-se num carro patrulha e fugiu em direção a Portugal. Viria a ser detido pela GNR. Na carrinha interceptada foram encontrados cerca de 10 quilos de explosivos, bidões e material para fabrico de engenhos explosivos, três armas de vários calibres, documentação variada e matrículas francesas.

A condenação de Mário Machado

Quem trabalhou com Luís Neves sabe como investigou dias a fio as organizações de extrema-direita em Portugal, lideradas por Mário Machado, e os seus inimigos, os Hells Angels, como recordou ao Observador o seu antecessor, Teófilo Santiago, já reformado. Foi Luís Neves quem esteve atrás da operação que culminou com a detenção de Mário Machado na casa da sua mãe, onde vivia, em Loures, numa tarde de março de 2009. O líder dos Hammerskins acabaria condenado a sete anos de cadeia sete anos depois por crimes de sequestro, roubo e coação. Com ele foram condenados quatro outros arguidos no processo, enquanto três do grupo acabaram absolvidos.

Luís Neves não só acompanha de perto os processos como gosta de os conhecer ao ponto de poder testemunhar em tribunal. “É o melhor comunicador que já conheci”, elogia Pedro Felício, que muito aprendeu com ele na investigação dos crimes violentos. E terão sido as declarações dele em tribunal, que se prolongaram por mais de uma sessão, que terão levado à condenação de Mário Machado. Também esta organização criminosa detinha uma casa, em Loures, onde organizava as suas operações. Foi aqui que a PJ encontrou “armas, explosivos, soqueiras, bastões e um conjunto de munições em grande número”, descreveu Luís Neves em tribunal, explicando que a organização que Mário Machado dirigia tinha uma “estrutura próxima do paramilitar”. E que nas escutas que fizeram ao caso detetaram que o grupo preparava alguns ataques violentos, semelhantes aos registados contra a comunidade cigana em Coruche. A Hammerskin, especificou, seria controlada pela Frente Nacional — uma estrutura que aparentava ser menos radical, mas que acabava por angariar e escolher elementos para a outra.

O líder da Hammerskin Portugal, Mário Machado

MIGUEL A. LOPES/LUSA

O mistério do corpo sem cabeça

Já na coordenação da então DCCB, chegou às mãos de Luís Neves o caso do corpo encontrado sem cabeça na Ribeira dos Ossos, no Cacém, concelho de Sintra. A macabra descoberta foi feita a 12 de julho de 2004 e, nesse mesmo dia, os investigadores conseguiram chegar a dois suspeitos: Jaime Santos e Armando Pinho. Também perceberam logo quais as motivações do crime: um negócio de droga que não correu bem. Ainda assim, o caso obrigou a uma complexa investigação que a acusação do Ministério Público tentou reconstruir.

Na verdade tudo começou um ano antes, quando o suspeito do homicídio foi libertado da cadeia, após esgotado o prazo da prisão preventiva. Tinha sido detido em flagrante, em 2001, juntamente com um cidadão turco quando negociam um quilo de heroína e deixara dívidas de droga para pagar. Já em liberdade, decidiu cobrá-las. Um dos dois alvos terá sido Hary Neto, o nome do homem cuja cabeça nunca foi encontrada e que estava referenciado pelas “banhadas” de droga que dava, ou seja, roubava para vender. Depois de o atrair para um encontro na Curraleira, acabou por convencê-lo a entrar no carro, com um terceiro elemento, e juntos seguiram rumo a Santarém. Assim que o carro parou, Hary levou um tiro na cabeça. O corpo dele foi depois foi levado para um armazém em Massamá e foi ali que a cabeça foi cortada. O restante foi mergulhado num bidão de ácido e ali permaneceu durante alguns dias. A ideia era que ficasse irreconhecível.

Hary tinha, no entanto, uma companheira que deu pela sua falta e que comunicou as suspeitas do seu desaparecimento à PJ — permitindo a rápida identificação do corpo.  O cadáver de Hary Neto foi enterrado em 2004, mas sem cabeça. As autoridades suspeitam que esta possa ter sido entregue, , como ajuste de contas,  aos turcos ligados a uma rede de tráfico que operava a partir de Espanha.

O caso do Rei Ghob e as mortes sem corpo

À frente da investigação da criminalidade mais violenta em Portugal, Luís Neves teve também o caso daquele que ficou conhecido como o Rei Ghob, condenado em 2012 à pena máxima de cadeia de 25 anos pelos homicídios de Tânia Ramo, Ivo Delgado e Joana Correia. O caso teve um grande obstáculo logo à partida: nunca foram encontrados os corpos das vítimas para ajudar a investigação e conseguir prova para condenar o suspeito em tribunal. Ainda assim, o suspeito acabou condenado.

Os investigadores passaram dias no terreno e a recolher todas as provas possíveis da casa de Francisco Leitão, construída à semelhança de um castelo e onde recebia várias crianças. Este processo acabou por ressuscitar um outro, cuja queixa já tinha sido feita na GNR, por abusos sexuais. E Francisco Leitão foi julgado, já em 2017, no Tribunal de Loures. O Ministério Público descreve o sucateiro como alguém que convivia com vários jovens, na altura com idades entre os 14 e os 17 anos. Lidava com eles como um amigo, levando-os a passear e pagando-lhes as saídas. O rei Ghob dizia ter poderes sobrenaturais e as suas vítimas acreditavam nisso. Por isso seguiam-no até à sua casa em Carqueja, na Lourinhã, onde se submetiam às suas “injeções de energia”.  Francisco Leitão respondeu por 542 crimes de violação, seis de pornografia de menores e ainda um crime de ameaça agravada, ofensa à integridade física qualificada e devassa da vida privada. Acabou condenado a 17 anos de cadeia.

Rei Ghob no Tribunal de Loures

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O gangue dos Multibancos

O futuro diretor nacional da Polícia Judiciária correu muitos riscos na sua profissão. Já se envolveu em perseguições e em trocas de tiros, e Pedro Felício diz mesmo que é um homem com uma grande “coragem física”. Mas, mais do que isso, são as suas convicções e a forma como, se for preciso, dá um “murro na mesa” para conseguir o que quer — uma característica que lhe poderá ser útil enquanto diretor da PJ e junto do Governo. Foi ele que, no seio da Judiciária, depois de uma série de assaltos com explosivos a caixas multibanco investigados separadamente em cada comarca do País, conseguiu que a investigação começasse a ser centralizada e se começasse a investigar a possibilidade de haver um grupo organizado por trás de crimes com as mesmas características.

“Ele sempre se bateu por olharmos para o fenómeno em perspetiva, procurou centralizar a investigação. Tem uma forte componente de intelligence e de análise estratégica para tentar resolver o problema de fenómeno. Se não houvesse esta visão centralizadora, também só possível com a mesma visão do DCIAP; não se tinham resolvido tantos crimes deste género como se têm resolvido”, revela.

Um deles foi anunciado pelo próprio Luís Neves, em dezembro de 2017, ano em que se regitaram 150 assaltos a caixas multibanco. O responsável informava ter chegado à cúpula de um grupo organizado que se dedicava a assaltar caixas multibanco com recurso a engenhos explosivos. Os três detidos, dois portugueses e um estrangeiro entre os 27 e os 30 anos, foram detidos às portas de Lisboa. “Gente perigosa” com antecedentes criminais e acesso a armas de guerra, disse.

A história esquecida de Rei Ghob, o violador da Carqueja

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