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Feng Li/Getty Images

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O ping-pong "é lazer". No ténis de mesa há campeões

Há dois meses o ténis de mesa deu um Europeu ao país onde "é quase impossível" ser profissional de raquete na mão. E quem a segurou lamenta que só haja atenção quando surgem "grandes resultados"

Quase não tinha voz. A rouquidão não o largava. Nos “dois dias seguintes mal conseguiu falar”. As cordas vocais, admite, “ficaram bastante afetadas”, maltratadas por todos “os gritos” que João Pedro Monteiro as obrigou a disparar. Não se controlou. Era “impossível”. Antes até estava sozinho, afastado dos restantes. Sentado e com uns auscultadores a darem-lhe música e taparem os ouvidos. O diabo ainda podia tecê-las e, prudente, ia aquecendo, ou pelo menos tentando, no caso de ainda ter de jogar. Não seria preciso. E quando viu a bola, a última, a tocar na raquete de Timo Boll e a cair no chão, a cadeira onde estava transformou-se em trampolim. Saltou, deixou “o iPod cair”, correu, pulou sobre os placards publicitários e só parou “junto dos colegas”. Foi aí que berrou até não poder mais.

Se a memória é o serviço, João Pedro não falha na resposta. A pancada, mesmo que bem-disposta, é calculista e não tem pressa, como a raquete que se mascara de faca e corta uma bola, para lhe dar uma rotação que a abrande. A voz até é algo fria, talvez contagiada pelo frio que, aos 31 anos, o rodeia em Viena ou em Verkhnaya Pyshma. É na capital austríaca que vive e treina “sempre nos limites, para melhorar e lutar de igual para igual” com qualquer adversário. Mas é até ao meio da Rússia que viaja quando a mesa o chama no campeonato do país, ou “quando há encontros europeus em casa” por jogar, com o UMMC. Hoje João Pedro passa a vida fora de Portugal. Tão ou mais longe quanto a distância que, com “mais ou menos oito anos”, percorreu para chegar ao prédio dos primos na Suíça, onde foi “passar férias” e pegou pela primeira vez numa raquete.

João Pedro Monteiro tem 31 anos, treina em Viena, na Áustria, e joga por um clube russo

Álvaro Isidoro / Global Imagens

A pancada do português nada consegue. A história devolve-lhe a bola e a mesa está no MEO Arena. Foi lá que, a 28 de setembro, João Pedro explodiu. Como todos. O depósito da ansiedade já estava cheio. Faltava um ponto. Apenas um. Estava perto, bem perto, e toda a gente o sabia. Ouvia-se a euforia, os aplausos e a corneta, insistente, que dava ritmo ao entusiasmo no pavilhão. Uma bola amparada pela rede ou uma pancada mal medida. Um erro, só mais um de Timo Boll, o alemão frio e carrancudo que estava do outro lado da mesa. Bastava isso. “Quando apareceu o matchpoint olhei para a bancada e pensei na alegria que aquelas pessoas iam ter”, lembra Tiago Apolónia, quando na altura avistou “familiares e amigos”, a torcerem por ele e pelos outros quatro mesa-tenistas. Ficou revestido a “pele de galinha”. E assim continuou, nervoso e sentado, pois, por ali, nada mais podia fazer. E sabia-o.

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Como o soubera “por volta dos 13 ou 14 anos”, quando já podia dizer que estava há meia vida comprometido numa relação com o ténis de mesa. Foi aí que começou “a ter bons resultados a nível internacional” e a “ganhar medalhas em Europeus”. Tiago não parou, mas pensou que “talvez pudesse vir a ser um bom jogador”. A ilusão rondava-lhe a cabeça. “Admirava muito os jogadores de top”, recorda ao Observador, indo buscar os tempos em que um miúdo começou “a perceber que gostava, queria e podia ser como eles”. Conseguiu-o. Aos 28 anos está no Saarbrücken, a jogar na Alemanha, na Liga dos Campeões — na quarta-feira, aliás, perdeu nos oitavos de final com o UMMC, de João Pedro Monteiro –, e sentiu que “Portugal tinha parado” para ver e apoiar o que cinco homens, de raquete na mão, eram capazes de fazer num Europeu. “Foram mesmo imensas as mensagens de parabéns. As pessoas reconheciam-nos na rua e senti que sabiam perfeitamente que tínhamos sido nós a dar aquela alegria ao país”, garante, dando o exemplo de como sorrir com a voz.

Aos 28 anos, Tiago Apolónia está há nove no estrangeiro. Hoje segura a raquete e bate bolas pelos alemães do TTF Liebherr Ochsenhausen

Álvaro Isidoro / Global Imagens

Uma alegria pode ser como um puzzle e vir de vários momentos colados. E nesta, a última peça veio de Marcos Freitas. Lá estava ele, de um lado da mesa. Concentrado, ciente da “oportunidade que não podia desperdiçar”. Era agora ou nunca, pensou, convicto de que “teria que dar tudo” para fazer da próxima bola o último ponto. Foi nisso em que se concentrou quando Timo Boll o tentou tramar com o efeito que deu ao serviço. Nada feito. Marcos devolve a bola, com calma. Boll ataca. O canhoto português, mais calmo ainda, responde. Timo, depois, dispara uma pancada, com mais força e com a missão de empurrar Marcos para um canto — que, agora, decide contra-atacar e solta uma pancada de esquerda. Sai com força. E bem, porque resulta. O alemão ainda se estica, toca na bola, mas apenas para confirmar que ela segue para o chão. Ponto para Marcos Freitas, Campeonato Europeu para Portugal.

Ao esquerdino de olho azul ainda “nem caiu a ficha” da conquista. Palavra do próprio, dita entre os risos e a consciência de que, com “quase duas décadas” atrelado ao ténis de mesa, já tem “alguma experiência”. Ou muita mesmo, já que, aos 26 anos, está no clube que venceu a última edição da Liga dos Campeões, o AS Pontoise Cergy, de França, para onde foi logo na terça-feira, dois dias após bater a última bola na final do Europeu. E foi essa experiência que lhe permitiu, no tal 28 de setembro, ir “perdendo os nervos” e adormecendo “as emoções” que chegavam “à cabeça e ao coração”. De lá para cá só tem feito duas coisas: treinar e jogar. “Não tive praticamente tempo para festejar”, admite, sem lamentar, o homem que, na atualização de novembro do ranking da Federação Internacional de Ténis de Mesa, saltou para a nona posição.

O salto de Marcos Freitas, com os olhos presos nos companheiros de seleção, assim que Timo Boll não conseguiu devolver a última bola batida pelo português

TIAGO PETINGA/LUSA

O tempo não fechou os olhos para o deixar celebrar. Marcos, contudo, não se distraiu. “Houve um aumento muito grande de atenção”, realça, quando se debruça sobre “as duas semanas sem parar” em que todos receberam “muitas mensagens e telefonemas”. Agora, “como tudo”, a onda de euforia “já assentou”. E a aventura continuou. A do ténis de mesa, que acompanha Marcos Freitas desde os sete anos, quando ainda estava em Câmara de Lobos, na Madeira. Tudo por causa do pai, que praticava a nível amador e o levou a experimentar. “Entrei ao mesmo tempo do meu irmão gémeo”, lembra. Ao início, o judo e o futebol, teimosos, ainda se intrometiam no tempo livre do jovem madeirense. Mas esta corrida era para o ténis de mesa ganhar, por ser a modalidade “mais divertida” e que “a maior parte dos amigos jogava”. Em boa hora aconteceu.

https://www.youtube.com/watch?v=2U0CB3_p_Ys

O mesmo terão pensado Diogo Chen e João Geraldo. Eles, os mais novatos, deixaram as raquetes em repouso forçado no último dia do Europeu. Ali, no pavilhão do MEO Arena, em Lisboa, já tinham batido bolas suficientes. Agora só lhes restava ver, cruzar os dedos, fazer figas e torcer pelo melhor. Ou “descalçar os ténis”, como ambos o fizeram “em quase todos os jogos”, por acreditarem que seria um íman para a sorte. A final não foi exceção. E “correu bem”, porque acabaram o Campeonato Europeu de ténis de mesa com o caneco que nas últimas seis edições tinha ido parar à Alemanha. E dizer que os germânicos eram os principais candidatos à vitória era pouco. “Jogámos a final a um domingo. Se tivéssemos voltado a jogar na segunda-feira, eles continuariam a ser favoritos”, resume João Geraldo. Talvez. Naquele dia, porém, não foram melhores.

João Geraldo saiu de Mirandela a um mês de chegar aos 18 anos e foi jogar para a Alemanha

EPA/HANS PUNZ

“A reação foi de correr para o Marcos, agarrá-lo e festejar. Quando já estávamos todos em cima dele, às tantas, eu já nem conseguia respirar. Depois o Marcos começou a gritar para sairmos, porque já estava com dores no braço”, contou João Geraldo.

Por isso, nessa noite, na ressaca da vitória, houve jantar. Era preciso festejar. “Saímos um bocadinho, não muito”, assegura João Pedro Monteiro, pelo telefone, quando falou do “copo” que se bebeu “para celebrar” a conquista. E outra coisa, pois esperou-se até que o relógio cruzasse a meia-noite para que o outro João, o Geraldo, ouvisse os parabéns a serem-lhe cantados pela 19.ª vez. “Foi um presente diferente. Mesmo passadas duas horas ainda não conseguíamos acreditar no que tinha acontecido”, admite quem ainda conseguiu ficar “uns três ou quatro dias” em Portugal, com os olhos postos nas redes sociais. “Mandavam mensagens no Facebook, pedidos de amizade, mais seguidores no Instagram. No fundo, mais pessoas a quererem comunicar e a interessarem-se pelos jogadores e pela modalidade”, desvendou quem, aos 19 anos, decidiu fazer a digestão da conquista em Mirandela.

Foi por lá que João começou a jogar ténis de mesa “por influência dos amigos”. Tinha “uns seis ou sete anos” e o clube da terra deu-lhe essa hipótese. “Nas ruas não notei logo o impacto”, garante, ciente de que, a cerca de 450 quilómetros da capital, onde se realizou o Europeu, “só mais tarde as pessoas souberam as notícias e se aperceberam” da vitória. Quando o fizeram João “já estava na Alemanha”, de novo em Ochsenhausen, para onde se mudou há quase dois anos. Mais um que o ténis de mesa tornou emigrante.

Era inevitável. Ainda o é. E este tique-taque ainda só não deu corda ao relógio de Diogo Chen, único entre os campeões europeus que ainda bate bolas em Portugal, no Sporting. Ou seja, foi ele que mais a jeito ficou para ver a reação dos portugueses à conquista. “A cada cinco metros que andava na rua ouvia logo as pessoas a dizerem: ‘Olha ali o Diogo Chen, o que foi campeão europeu’”, revelou o também mais novo do grupo, que até nem chegou a pegar na raquete para jogar e, como tal, terá sido o cara menos captada pelas câmaras de televisão. “Os dias a seguir foram impressionantes. Viu-se que as pessoas ligaram mais e estavam atentas ao ténis de mesa”, garante, embora admita que, agora, a atenção já “acalmou”.

O pai de Diogo Chen era mesa-tenista profissional e, em 1988, foi contratado pelo Sporting. Hoje, com 18 anos, Diogo é o único dos campeões europeus a jogar ainda em Portugal

Álvaro Isidoro / Global Imagens

O apelido de Diogo não engana: há ali herança asiática. Bem valiosa, neste caso. Os pais são chineses e se hoje há um miúdo a dar nas vistas é porque o próprio ténis de mesa assim o quis. “O meu pai era profissional. Jogava na seleção da China e em 1988 o Sporting contratou-o”, desenhou Diogo, ao pegar na caneta da história e deixá-la fazer o seu trabalho. “Eu já nasci cá. Lembro-me de ir ver os treinos do meu pai e da minha mãe, com quem comecei a jogar, por volta dos seis anos”, explicou, embrulhando o resumo dos primeiros contactos com a modalidade ao concluir que vem de “uma família de desporto”. Ou melhor, corrigimos nós, do ténis de mesa. E a vitória no Europeu, assegura, “foi muito importante” pois, nessa altura, “as pessoas viram” a modalidade “com uma frequência que não costumavam ver”.

E viram história. Muita — o tal último ponto conquistado por Marcos Freitas foi o mais importante de sempre no ténis de mesa nacional. Além de inédito e arrancado das mãos de um gigante, Marcos, João Pedro, Tiago, João e Diogo fizeram com que o desporto que praticam desde crianças “se tornasse na única modalidade olímpica” portuguesa por equipas a vencer um título europeu, como recordou Pedro Rufino, selecionador nacional. Antes, o hóquei em patins era a única com um Europeu conquistado para Portugal. Tudo num país que ouve o som da bola a bater na mesa e teima em usar o ping-pong para se referir ao ténis de mesa. No mesmo onde é “praticamente impossível” ser-se profissional da modalidade, lamenta João Pedro Monteiro. Mas que, ainda assim, deu talento suficiente para conquistar um Europeu de raquete na mão e a trocar bolas que, “às vezes, chegam a atingir os 200 quilómetros por hora”. Não foi o caso da derradeira que Marcos Freitas bateu. A que ficou para a história.

O barulho foi imenso. Os aplausos multiplicaram-se. Os parabéns e elogios foram atrás. No tal domingo, ao final da tarde, estavam cerca de 2500 pessoas sentadas numa das bancadas do MEO Arena. Passos Coelho, o primeiro-ministro, incluído. Tudo para ver Portugal a ganhar onde nunca o tinha feito. Eram muitas pessoas. As suficientes para tornar o apoio traiçoeiro e transformá-lo em pressão acrescida para os jogadores? Nem pensar, garante Pedro Rufino. E o hábito parece dar-lhe razão. “Vou tentar ser o mais pragmático possível: se a um domingo, na Alemanha, chegam a estar 5.000 pessoas a assistir à final de uma Taça do Mundo, as 2.500 do Pavilhão Atlântico não são assim tantas. Mas foi ótimo, claro. Nunca uma competição de ténis de mesa em Portugal teve tanta assistência”, explicou o selecionador, antes de esclarecer que, em França ou na Alemanha, “este público é perfeitamente normal”. Moral do esclarecimento — “Os nossos atletas estão mais do que habituados a jogar com este público, então se for o seu, melhor ainda.”

E mais uns quantos milhares estariam a assistir pela televisão. Talvez como no verão de 2012, que João Pedro Monteiro não esquece por várias razões. Uma delas foi ter estado à beira de pular até às meias-finais dos Jogos Olímpicos de Londres (a seleção portuguesa perderia contra a Coreia do Sul, nos quartos-de-final). A outra foi o facto de, num “grande dia de sol em Portugal, muita gente não ter ido à praia para ficar em casa” a ver o ténis de mesa pela televisão — foram cerca de 360 mil, segundo as audiências da RTP2, canal que transmitiu o encontro dos ‘quartos’. Desta vez a ocasião apareceu no arranque do outono, a um domingo, e as pessoas apareceram. “Estou habituado a jogar com ainda mais pessoas a verem, até com mais gente a puxar para o meu lado, mas o que sentimos ali foi diferente. Todos queriam que ganhássemos. Foi maior, muito maior do que qualquer outro jogo que já disputei”, confessou Marcos Freitas. Só podia — afinal, desta vez, a taça arranjou poiso em mãos portuguesas.

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Em 2013/14, a Federação Portuguesa de Ténis de Mesa tinha 3049 praticantes inscritos © Andreia Costa

E, agora, Portugal é a terceira melhor seleção do mundo de ténis de mesa. Um sinal de recompensa “por todos os sacrifícios”, como chega a dizer Tiago Apolónia. O outrora miúdo que, em casa dos avós, usava pacotes de leite e a mesa da cozinha para inventar uma mesa e que, com “18 ou 19 anos”, deixou o país quando abriu a porta da faculdade e pode congelar a matrícula. Aí deixou de dividir o tempo entre os livros e as raquetes para, todos os dias, passar a treinar durante “seis ou sete horas”. Em criança, lembra, passava os tempos livres da escola “a treinar ou a jogar”, sem “os jogos de Playstation” ou “os passeios e viagens” que, aos fins de semana, os outros miúdos, os “normais”, tinham. Hoje é o 13.º no ranking mundial e desde junho de 2010 que é um dos 50 melhores mesa-tenistas do mundo. É ele a quem uma pergunta saca uma resposta rápida, bem rápida: “Era impossível e impensável chegar a este nível se tivesse ficado em Portugal.”

Não gosta de o reconhecer. Nada. Tão pouco Marcos Freitas, atual campeão europeu de clubes e, agora, de seleções, que admite que “no estrangeiro há muito melhores” condições. “Por isso saímos”, conclui. Como o fez João Geraldo, o mais jovem emigrante, que “a um mês de fazer 18 anos”, em 2013, foi ter com Tiago Apolónia à Alemanha, e aterrou no TTF Liebherr Ochsenhausen. Só falta Diogo Chen e já não demorará muito. É uma questão de tempo, acredita Marcos Freitas. “Se ele quiser continuar a evoluir e lutar por patamares superiores, claro que tem de sair”, defende, ao falar do jovem que, no Sporting, recebe ordens do pai, Chen Shi Chao, treinador principal da equipa. Talvez por isso ainda não fale em prazos ou datas para sair, dizendo apenas que espera mudar-se “para outro país, para entender o nível de jogadores e treinar com mesa-tenistas superiores” aos que está “habituado”.

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Emigrar para melhorar e tentar singrar. Há anos que assim o é. E quem cresce com o ténis de mesa sabe-o. Lá fora são mais pessoas nas bancadas dos pavilhões, melhores parceiros de treino, mais euros nos salários e qualidade nas condições de treino. Em Portugal, é o oposto. No país campeão europeu da modalidade só existiam 3049 praticantes inscritos na Federação Portuguesa de Ténis de Mesa, em 2013/14. No mesmo país onde “é impossível conciliar a educação com o desporto”, critica Pedro Rufino, o selecionador, ou onde “é pouca” a divulgação para “as crianças saberem em que clubes” podem jogar ténis de mesa a sério, sugere Tiago Apolónia. E, também, no país que teima em alcunhar uma modalidade de ping-pong.

Um mal que tinha logo de afetar o “desporto para os pobres”. É assim, garante Marcos Freitas, que é “costume dizer”. E não tarda a justificá-lo. “Qualquer pessoa pode chegar a um clube e começar a treinar com um treinador de seleção nacional. Logo. Sem pagar nada. E isto não acontece em praticamente nenhum desporto”, explica. É preciso ter talento, pois claro. De resto, Marcos diz que é certo: o ténis de mesa “é uma modalidade barata, para todos” e, agora, com um título para chamar a atenção. Algo que funciona como os dois lados de uma raquete: é bom, claro, mas, em Portugal, a “gente” só “dá atenção ao ténis de mesa” quando surgem os “grandes resultados”, lamenta Marcos Freitas. A divulgação, queixa-se, também “não tem sido a melhor”. Assim, com a única variação de serviço a residir nas conquistas, a “modalidade não consegue evoluir”.

A mesma a que os portugueses teimam em alcunhar de ping-pong, a onomatopeia que foi buscar o som da bola a bater na mesa. Aqui as opiniões dividem-se: há quem goste, não goste, ou seja indiferente. A Pedro Rufino “não choca nada”. Nem a Tiago Apolónia, para quem o importante é as pessoas “sentirem-se orgulhosas” e saberem “que é uma modalidade difícil” e “requer muito esforço”

"É uma modalidade complicada, nem sei dizer o que é fácil. Não se consegue ser bom jogador só a praticar e insistir. Nós treinamos sete ou oito horas por dia e, às vezes, falhamos bolas que parecem fáceis. Mas não há facilidades. Todas as bolas são diferentes: jogamos com raquetes distintas, há muitos efeitos possíveis e formas diferentes de pegar na raquete. E não estamos a jogar sozinhos, do outro lado está uma pessoa que produz efeitos e velocidade. Daí ser uma modalidade muito complexa e minuciosa."
Tiago Apolónia

Para quem joga ténis de mesa a sério, o termo “ping-pong” é algo associado ao lazer, a um hobbie e, claro, ao barulho que a bola faz quando toca na mesa.

Marcos Freitas já ligou mais. Como nos tempos em que dizia que isso “era o que os outros jogavam na escola”. João Pedro Monteiro também fala nisso. Para ele, “isso é lazer”. “A minha profissão não é o ping-pong, é o ténis de mesa”, insiste. A Diogo Chen, ao mais novo, é que “faz confusão”, por ser um nome de “antigamente”, da altura que, defende, a modalidade “era um hobbie que as pessoas arranjaram para passar o tempo”. E João Geraldo argumenta que o ténis de mesa “não se joga quando se quer, está na praia ou de férias”. O que falta, atira, é “os portugueses praticarem e entenderem o que é o ténis de mesa”. Os efeitos, a velocidade que a bola atinge, os diferentes tipos de rotação e os porquês de, às vezes, parecer fácil como uma bola vai à rede ou não toca na mesa. “Há vários estudos, até da NASA [Agência Espacial Norte-Americana], que dizem que o ténis de mesa é a atividade mais complexa e difícil de ser praticada”.

O ténis de mesa é difícil. Praticantes, ignorantes ou adeptos, todos os reconhecerão. Isso não ajuda. E muito menos a patologia que Pedro Rufino vê num país “que sempre teve a panca pela futebolite” e onde, defendeu, não serve como desculpa o cliché de “qualquer miúdo poder jogar futebol” na rua. Pedro, afinal, ainda se recorda dos tempos em que “qualquer miúdo tinha um amigo com uma mesa em casa”. É isso, explica, que encurta a viagem entre a raquete e a mão de um eventual praticante.”Fica mais fácil se houver se já houver um colega que já jogue”, explica, antes de defender que “a própria federação pode melhorar” na “prospeção de talentos e na divulgação da modalidade”. E agora é o momento, diz, pois a conquista do Europeu “pode ser um bom tónico” para pregar a boa nova do ténis de mesa.

Todos terão que remar para o mesmo lado. E estes cinco mesa-tenistas apontaram o dedo e a voz para o mesmo — os portugueses ainda não entendem a modalidade. Talvez. Mas são eles, os campeões, que não segunda-feira estarão no Palácio de Belém, em Lisboa, para serem condecorados com o Grau Oficial da Ordem de Mérito por Cavaco Silva, Presidente da República. Isso é certo. E outra coisa coisa também é: os mesa-tenistas, os da raquete, dos olhos colados a uma bola que pode chegar a viajar até aos 200 km/h e ter “mil e uma” rotações distintas, não vão parar por aqui. É uma promessa. Não deles, mas de quem os treina: “Não vamos ficar à sombra de um título. Portugal tem que, e vai, lutar por muito mais.”

Os cinco campeões europeus de ténis de mesa, Marcos Freitas, João Pedro Monteiro, Diogo Chen, João Geraldo e Tiago Apolónia, e o selecionador nacional, Pedro Rufino.

TIAGO PETINGA/LUSA

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