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O que é a fermentação natural? E porque está na moda? Fomos à nova padaria Do Beco descobrir tudo sobre este pão

A tendência que se anuncia com os termos "massa mãe" e "fermentação natural" está longe de ser nova. De origem ancestral, foi sempre assim que se fez o pão. Até ao advento do fermento em lata.

Dir-se-á que a farinha, água e sal são os três únicos ingredientes de que precisamos para fazer pão. Mas, se o objetivo é chegar a um produto de qualidade, falta acrescentar à lista um outro elemento: o tempo. É a peça imaterial deste puzzle que dita o sabor complexo, a crosta crocante, o interior macio, a durabilidade e a qualidade nutritiva. Sem tempo, a massa mãe, um organismo vivo, não se desenvolve.

A tendência que se anuncia com os termos “fermentação natural” e “massa mãe” está longe de ser nova. Mais não é, aliás, do que um passo atrás, um regresso a uma tradição ancestral que foi regra até ao advento da industrialização, do fermento em lata, da produção em massa, dos consumos rápidos e sempre para ontem.

Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A Do Beco fez uma grande aposta na pastelaria internacional e nos produtos que usam massa folhada

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

Da nova Do Beco, padaria artesanal que em meados de abril abriu o primeiro espaço físico na Rua Passos Manuel, em Arroios (Lisboa), saem diariamente do forno entre 1300 a 1400 unidades de pão. Sem atalhos que acelerem o processo, tudo depende de uma coreografia coordenada ao segundo, não levasse a dança 24 horas a ser concluída.

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A matriz para tudo o que aqui se produz esconde-se no andar de baixo. É na cave que fica o espaço de fabrico. “O nosso foco é o produto de qualidade, artesanal, de fermentação lenta e natural“, explica António José de Mello, chef de cozinha e sócio fundador da Do Beco, que nasceu durante a pandemia como serviço de entrega de pão a casa — pouco depois, juntou-se ao projeto o irmão, Lourenço, segundo sócio da padaria, com formação em gestão hoteleira.

Como nasce e como cuidar da massa mãe, o fermento natural do pão

Descemos à cave e a temperatura aumenta ligeiramente. Há, pelo menos, quatro padeiros a trabalharem de forma concentrada, coordenada, quase mecânica. Vemos carrinhos em que se sucedem prateleiras cobertas com pães, ainda crus e prontos para ir ao forno. Há caixas retangulares empilhadas, balanças e amassadeiras. Em cima da mesa está um balde, cujo conteúdo está pronto para nos ser apresentado. É a massa mãe, um organismo vivo que nasce da junção de água e farinha, que fermenta lenta e naturalmente, e que será o ponto de partida para a produção do famoso pão português. 

“É aqui que começa o processo todo”, aponta António. A massa mãe é “uma cultura de leveduras e baterias, feita artesanalmente”. A que nos é introduzida já tem três anos — e pode durar para sempre, acrescenta Diego Haupenthal, o mais recente sócio da Do Beco, com experiência em pastelaria e padaria há dez anos, com grande enfoque na fermentação natural. Do Brasil, país natal, trouxe para Portugal outra massa mãe, cuja cultura tem vindo a renovar-se há já dez anos.

Nesta etapa da sua existência, a massa mãe que observamos é “alimentada diariamente”, com água e farinha, os mesmos dois ingredientes que a fizeram nascer. “Várias vezes ao dia, damos comida a esta cultura de vida e esta cultura de vida, em troca, faz-nos a fermentação que usamos para fazer os nossos pães.

Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A massa mãe é o ponto de partida para a produção do pão artesanal. Esta foi criada há já três anos.

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

Mas à data do seu nascimento, era diferente. “Quando criamos uma massa mãe do zero precisamos que esperar que as bactérias venham instalar-se. Ao invés de três alimentações por dia, fazemos apenas uma, todos os dias. Ao longo dos sete dias seguintes, começamos a ver a atividade a desenvolver-se: as bolhas de ar aparecem, a massa mãe começa a crescer de volume… Significa que as bactérias, presentes na alimentação e no ar, se estão a instalar. Ao longo destes primeiros sete dias, começa a nascer a cultura.”

Não basta ver nascer, depois é preciso cuidar. “O nosso objetivo é mantermos esta cultura o mais saudável e ativa possível, para que possamos desenvolver o melhor produto”, destaca António.”E isso controla-se com a temperatura, qualidade da farinha [aqui nacional, moída em mó de pedra, do moleiro Paulino Horta] e com os tempos [da alimentação]”, explica. “A temperatura ideal é por volta dos 25 graus, se for um bocadinho mais alta não é grave, mas ela faz com que fermente mais rápido. Se for muito mais baixa, fermenta de forma muito mais lenta.”

É desta conjugação de fatores que depende o desenvolvimento de uma cultura de bactérias saudável, que vai permitir cozer um pão de qualidade. “A massa mãe é um ser vivo que tem de ser tratado, alimentado e cuidado.”

Passo a passo: da massa mãe à massa do pão, da amassadeira ao forno

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  • Quando os padeiros chegam pelas seis da manhã, já a massa mãe foi alimentada na noite anterior, por volta da meia-noite. Analisam a cultura e, caso esteja pronta, retiram uma porçãm e lançam na amassadeira.
  • Com a massa mãe na amassadeira, vai-se juntando mais água e farinha — depois o sal — até que se forme a massa do pão. Sai a 25 graus para garantir uma fermentação posterior adequada.
  • A massa do pão, antes de dividida em porções, segue para caixas de forma quadrada, onde vai fermentar ao longo de mais entre três horas a três horas e meia.
  • Passadas as três horas, e com mais alguns minutos de descanso, é altura de dividir o pão.
  • A massa é colocada num cesto que dá a forma final ao pão e que permite manter no seu interior os gases que nasceram da primeira fermentação.
  • Segue para um frigorífico, que, devido ao frio, diminui a atividade das bactérias, e depura-se o seu sabor.
  • Está pronto para ir ao forno.

Mais saúde, mais sabor, maior durabilidade. As vantagens da fermentação natural

“Este é um pão normal, o pão sempre foi assim”, destaca António. “Os outros pães é que são maus”. Isto porque utilizam farinhas com um glúten, proteína de origem vegetal presente no trigo, de difícil decomposição e cuja fama se tem vindo a associar cada vez mais a digestões mais dolorosas. Acresce ainda o facto de se usar um fermento no qual vive apenas um tipo de bactéria, cuja finalidade passa apenas por dar ar, volume, ao pão — ou seja, não contribui para o processo de decomposição da mal afamada proteína.

No processo artesanal, as duas vicissitudes são contornadas. “Trabalhamos com farinha de moleiro, que faz com que o glúten seja digerido mais facilmente”, explica. Depois, dá-se o benéfico efeito da massa mãe: as milhares de bactérias que compõem a cultura ajudam na decomposição do glúten, o que resulta num produto que dá menos trabalho ao estômago: é mais mais digerível, contribuindo ainda para uma absorção de nutrientes mais eficiente.

Reúnem-se às vantagens de saúde, as de um produto mais duradouro e com mais sabor. “A fermentação industrial é uma fermentação muito rápida. Faz com que o pão não ganhe tanto sabor e também faz com que tenha uma durabilidade muito menor”, explica. É, em comparação com o artesanal, um um pão que seca e ganha bolor mais rápido. “Como não há tanta descomposição dos açucares, atrai mais os fungos e bactérias.”

Padaria e pastelaria O Beco, em Lisboa, onde todos os produtos são confessionados com o processo de fermentação lenta, utilizando a massa mãe como base. 18 de Maio de 2023 Padaria O Beco, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Antes de seguirem para o forno, os pães vão, num cesto, para um frigorífico.

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

O pão artesanal tem o efeito contrário: cria uma espécie de “conservante natural”, que permite uma preservação mais eficaz. “Daí não precisar dos outros conservantes na farinha, melhorantes de farinha para ela agir de certa forma”.

Para o efeito da conservação contribui também a acidez característica deste tipo de pão. Acidez essa que pode ser de maior ou menor intensidade. “É verdade que o pão artesanal é mais ácido, mas há formas de criar pão de fermentação natural com menor acidez”, afirma António. Novamente, são os cuidados com a massa mãe que determinam a intensidade do sabor: “Há forma de criar um pão de fermentação natural menos ácido. Temos o cuidado de gerir muito bem a nossa massa mãe, de fazer várias alimentações, que permitem criar uma cultura natural com mais levedura – não adicionamos, mas a cultura por si é mais levedante, então tem menos acidez. Permite-nos fazer um pão com uma acidez mais equilibrada.”

Trazer a Portugal a pastelaria e padaria internacional

O cenário de bastidores não é visível aos olhos de quem entra na padaria e observa o pão, os croissants franceses, o pain au chocolate, os rolos de canela, o panetone ou as focaccias, que descansam na vitrine e ao balcão.

Estes elementos são aqueles que dão conta da “dimensão internacional” em que aqui se aposta, fruto da vontade de “trazer a Portugal e a Lisboa produtos que normalmente não existem no mercado” — fazendo também proveito do conhecimento de Diego, que há uma década se move no mundo da padaria e pastelaria artesanal.

Lourenço José de Mello, António José de Mello e Diego Haupenthal, os três sócios da Do Beco.

A Do Beco é uma padaria artesanal que abriu em meados de abril. É dos irmãos António e Lourenço José de Mello e de Diego Haupenthal. Nasceu como Pão do Beco, serviço de entrega a casa durante a pandemia. Apostou depois no fornecimento a restaurantes e, focado agora na relação direta com o cliente, ganha o primeiro espaço físico em no número 106A da Rua Passos Manuel em Lisboa.

Ao serviço de padaria e pastelaria, acresce-se o de restaurante, materializado num balcão no fundo da sala, com opções desenhadas por António, que faz questão de aproveitar aquilo sai do forno da padaria. Conte com menu de brunch, de almoço, um capítulo dedicado aos ovos, uma secção de tostas e a diferentes cestos do pão, com respetivos acompanhamentos.

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