Não era bem isto que estava no guião.
Dominado por um forte sentimento anti-Trump, a vasta lista de candidatos às primárias do Partido Democrata inclui várias pistas sobre o estado de espírito daquele partido.
Entre os 15 democratas que ainda estão a jogo, quatro são mulheres — e, não sendo maioria, não é irrelevante que, entre elas, esteja Elizabeth Warren, uma entre os poucos favoritos. Depois, são também consideráveis os casos de candidatos que não são brancos: um total de cinco, numa palete que vai desde afro-americanos a latinos, passando por um asiático. Além disso, este é também um grupo com alguns casos de invulgar juventude — três estão abaixo dos 50 (Andrew Yang, Julian Castro e Cory Booker) e ainda há dois com menos de 40 anos: Tulsi Gabbard e Pete Buttigieg, sendo este último o primeiro candidato abertamente gay numas primárias nos EUA. Há ainda fortes sinais de uma viragem à esquerda. Quanto a isso, basta lembrar dois favoritos: a já mencionada Elizabeth Warren e também Bernie Sanders, homem que não nega nem teme o rótulo de “socialista”. E é verdade que este último, com 78 anos, seria o Presidente dos EUA mais velho de sempre à altura da tomada de posse — mas, paradoxalmente, é nele em quem os mais novo pensam votar.
Ora, se fosse para incluir tudo isto num diagrama de Venn, a pessoa escolhida pelos eleitores democratas para impedir um segundo mandato de Donald Trump deveria, por esta lógica, preencher pelo menos duas das seguintes características: ser mulher, de uma minoria étnica, jovem (ou pelo menos com o apoio deles) e mais à esquerda. No fundo, era esse o guião — isso ou, então, o ex-vice-Presidente Joe Biden, cujo estilo repleto de gaffes e historial pleno em polémicas é, aos olhos de muitos democratas, secundário quando posto ao lado do facto de ter sido o número dois de Barack Obama durante oito anos.
Mas, qual ator de uma peça de teatro que, insatisfeito com aquilo que vê a acontecer no palco, eis que se levanta e salta lá para cima um ex-republicano de 77 anos, proprietário de um império mediático e dono de uma riqueza 54 mil milhões de dólares (47,8 mil milhões de euros) que faz dele o 8.º mais rico do mundo — ou seja, Michael Bloomberg. Chegado ao palco, virou-se para o público e disse: “É com felicidade que anuncio que sou candidato a Presidente para derrotar Donald Trump e para unir e reconstruir a América”.
No mínimo, pode dizer-se que alguns dos atores em palco não gostaram do que viram — e não tiveram pejo em atacar o intruso como até agora não o tinham feito com qualquer outro adversário nas primárias democrata.
“Michael Bloomberg está a fazer uma aposta com a democracia em 2020. Ele não precisa das pessoas, ele só precisa de sacos e sacos de dinheiro”, disse Elizabeth Warren. “O que está em causa em 2020 é qual é a versão para a democracia que vai ganhar. Se for a versão de Michael Bloomberg, então a democracia muda e vai passar a ser isto: que bilionário é que lhe dá menos voltas ao estômago?”
Outra voz crítica foi a de Bernie Sanders: “Não achamos que bilionários têm o direito de comprar eleições (…). Hoje, dizemos a Michael Bloomberg e aos outros bilionários: desculpem lá, mas vocês não vão comprar estas eleições”.
Também Joe Biden reagiu, fazendo questão de dizer que não tinha “qualquer problema com a entrada do Michael” — mas, ainda assim, acusou o toque que muitos lhe deram, apontando que seria precisamente a sua campanha a que mais poderia perder com a entrada de Bloomberg. “Sobre isso de ele estar a concorrer por causa de mim, nas últimas sondagens que vi, estou bem à frente”, disse, sem deixar espaço para outras leituras, quebrando a sua regra não escrita de não falar dos seus adversários.
E, já fora das primárias democratas, também Donald Trump falou sobre o assunto. “Ele não tem a magia necessária para se dar bem”, disse o Presidente do EUA. Depois, fez aquilo que só faz com aqueles que mais o irritam e preocupam: deu-lhe uma alcunha. “O pequeno Michael vai fracassar”, disse, aludindo aos 1,71 metros de Bloomberg. “Ele vai gastar muito dinheiro, tem muitos problemas, tem muitos problemas pessoais e muitos outros problemas”, continuou. “Ele não se vai dar bem e, se se der bem, então eu ficaria feliz. Não há ninguém com quem eu gostaria de competir mais do que com o pequeno Michael.”
Warren, Sanders, Biden e Trump não ousarão admiti-lo, mas o simples facto de terem reagido a um anúncio de campanha pode denunciar, pelo menos, uma ponta de nervosismo. A confirmar-se, é natural. Uma coisa é um anúncio de um 16.º candidato (entretanto, o total baixou para 15, com a desistência da senadora Kamala Harris) nas eleições primárias do Partido Democrata. Outra coisa é esse candidato ser Michael Bloomberg.
Uma campanha bilionária, com muitos anúncios e nenhum debate
Mas, afinal, o que é que Michael Bloomberg tem? A primeira resposta, de reflexo, é invariavelmente esta: tem muito dinheiro. Mas isso chega para vencer as primárias democratas e, depois, arrebatar as chaves da Casa Branca a Donald Trump?
“A campanha dele é única pelo simples facto de não ter qualquer limite quanto aos recursos a aplicar, ao contrário do que acontece com todas as outras campanhas. Ele tem um sem-fim de dinheiro”, diz ao Observador Ryan Pougiales, analista político do think-tank Third Way. “Só isso pode levá-lo a ter impacto. Ainda não se sabe que tipo de impacto, mas terá impacto.”
O caminho imaginado por Bloomberg para à chegar Casa Branca é peculiar. Depois de ter passado grande parte do ano a dizer que não ia avançar para estas eleições primárias (“As sondagens dizem que eu sou demasiado moderado para a maior parte dos eleitores das eleições primárias democráticas, por isso não vou ganhar”, chegou a dizer), mudou de ideias e decidiu pôr em marcha a sua máquina eleitoral.
O fator decisivo terá sido o aparente declínio de Joe Biden na campanha — o que abriria o caminho para outro candidato centrista vingar no seu lugar. As hesitações na hora de avançar levaram-no a um anúncio tardio, a 25 de novembro, altura em que os principais candidatos às primárias democráticas se preparavam para o seu sexto debate, ao mesmo tempo que as suas equipas de campanha investem tempo e dinheiro nos primeiros estados a votar: Iowa (3 de fevereiro), New Hampshire (11 de fevereiro), Nevada (22 de fevereiro) e Carolina do Sul (29 de fevereiro).
Todas aquelas têm sido paragens obrigatórias de cada um dos vencedores das eleições primárias de cada partido, já que é naqueles estados que, muitas vezes, os grupos de apoio financeiro a candidatos determinam se vale a pena continuar a gastar dinheiro ou não. E Bloomberg, o que fará? Nem sequer lá vai pôr os pés.
É fazer as contas. Nos quatro estados que vão a votos em fevereiro estão em causa 155 delegados — isto é, apenas 3,9% do total de umas eleições primárias, que só terminarão oficialmente em junho. Logo a 3 de março, porém, as contas passam a ser de outra ordem. É nesse dia que acontece a Super Tuesday (“Super Terça-feira”, em português), dia grande das primárias nos EUA. Ao todo, são 16 os estados que vão a votos — e, neste caso, estão em jogo 1.358 delegados, equivalente a 34,1% do total.
Não é, pois, por acaso que Bloomberg tenha anunciado um investimento de 30 milhões de dólares em anúncios televisivos, dos quais 13,2 milhões vão diretamente para os estados do Super Tuesday — uma maquia gigantesca, que ultrapassa o total investido por todos os restantes candidatos democratas, até agora, nesta campanha. Os horários dos anúncios escolhidos por Bloomberg serão também os que têm mais audiência: de acordo com o The New York Times, entre noticiários locais e os intervalos de programas populares — como o “Dancing With the Stars” e o “The Voice”, aos fins-de-semana; o “The View ou o “Judge Judy”, às tardes; ou em torno dos talk-shows noturnos, como o de Stephen Colbert ou de Jimmy Kimmel. A somar a tudo isto, haverá ainda os 100 milhões de dólares que Bloomberg conta investir em anúncios online.
Não vai, pois, haver falta de tempo de antena para Michael Bloomberg na televisão — mas, quanto a debates, a sua presença está, por agora, fora de questão. Isto porque, para estas eleições primárias, a participação nos debates tem sido concedida apenas aos candidatos que conseguem ultrapassar determinados limites nas sondagens e no número de contribuições monetárias para a sua campanha.
Por exemplo, no debate agendado para 19 de dezembro, só poderão participar aqueles que tiverem 4% ou mais em quatro sondagens nacionais ou 6% ou mais em duas sondagens estatais; além de mais de 200 mil contribuições individuais para a sua campanha, incluindo, pelo menos, 800 contribuidores em pelo menos 20 estados ou territórios. Ora, apesar de Bloomberg já aparecer com mais de 4% em algumas sondagens, os contribuidores para a sua campanha são tão poucos que nem podem ser referidos no plural. Há apenas um: ele próprio.
“O dinheiro não chegará para Bloomberg, simplesmente, comprar as eleições, mas certamente ajudá-lo-á a concretizar algumas coisas essenciais”, explica, ao telefone com o Observador, Barry Burden, professor na University of Wisconsin–Madison e especialista em campanhas eleitorais. “Com todo o dinheiro que Bloomberg tem, ele vai poder contratar uma equipa altamente qualificada, organizar-se bem para os estados do Super Tuesday e comprar anúncios que vão servir para dá-lo a conhecer-se ao público que ainda não sabe quem ele é.”
A haver alguém que possa cometer a suposta loucura de querer vencer umas primárias nos EUA e simplesmente não aparecer no Iowa ou em New Hampshire — uma manobra, até agora, testada apenas pelo democrata Wesley Clark, em 2004, e pelo republicano Rudolph Giuliani, em 2008, ambos casos redundando em fracasso –, esse alguém é Bloomberg.
A razão é simples: ao contrário dos outros candidatos, que precisam de dar, naqueles estados, provas de força e sucesso aos seus maiores contribuidores financeiros, Bloomberg, literalmente, não deve nada a ninguém. Cada cêntimo gasto na campanha sairá do seu próprio bolso — e, por isso, tem o seu próprio ritmo e dinâmica.
Michael Bloomberg fez fortuna ao criar, em 1982, um terminal que, na era pré-Internet e até quando os computadores se contavam pelos dedos de uma mão na maior parte das empresas, levava informação sobre a bolsa de valores, em tempo real, à secretária de quem quer que subscrevesse aquele serviço. Ali, com todas as informações necessárias, um empresário ou investidor podia decidir os seus próximos passos com maior segurança. E é precisamente por essa via que Bloomberg fez e quer continuar a fazer política: como se os EUA coubessem dentro dos gráficos que mostram o seu terminal. Ou seja: a “suposta loucura” de Bloomberg pode muito bem ser apenas o cálculo frio do que é preciso fazer para vencer.
Governar Nova Iorque como um gráfico do terminal Bloomberg
Foi só depois de ter em mãos uma enorme fortuna que Bloomberg decidiu entrar na política. Não é de 2020 que falamos, mas antes de 2001. À altura, já com uma riqueza para lá de considerável — estimada em 4 mil milhões de dólares, ou seja, menos de um décimo da sua atual fortuna –, o bilionário decidiu que queria ser presidente da câmara de Nova Iorque.
A decisão começou a ser ponderada um ano antes, em 2000, ainda antes dos atentados do 11 de setembro. Nessa altura, Bloomberg estava registado no Partido Democrata — e, portanto, faria sentido que, a concorrer, o fizesse sob a bandeira dos “azuis”. Problema: já havia vários candidatos democratas em jogo e o que as sondagens privadas lhe sugeriam era que, contra eles, não iria a lado nenhum. Solução: mudar de registo para o Partido Republicano e concorrer numa corrida sem participantes.
“O que se deve fazer é, primeiro, juntar mil milhões de dólares. E, depois, concorrer a eleições”, chegou a dizer em privado, com uma ponta de humor. Mas foi isso que, em grande parte, lançou a sua campanha em Nova Iorque: abriu o saco do dinheiro e distribuiu-o por cada uma das representações do Partido Republicano nos cinco bairros de Nova Iorque, contratou uma equipa de assessores experientes e, aos poucos, começou a construir uma ideia favorável junto dos eleitores de Nova Iorque. No início do seu périplo, evitou ser associado ao então presidente da câmara de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, cuja imagem estava desgastada entre os nova-iorquinos. Porém, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, passou a cortejar publicamente aquele mesmo homem, uma vez que, pela sua atuação no dia dos atentados e nos que se seguiram, passou de besta a bestial e ficou conhecido como “o mayor da América”.
No final de contas (dos votos), Bloomberg venceu com 50,3% contra 47,9% do democrata Mark Green. E, no final de contas (do dinheiro), desembolsou um total de 69 milhões de dólares para a sua própria campanha — o que corresponde a um gasto de 92 dólares (cerca de 102 euros, à altura) por cada voto.
Quando chegou à câmara municipal de Nova Iorque, Michael Bloomberg decidiu aplicar ali os mesmos métodos que vingaram na sua própria empresa. Logo nos primeiros dias, pôs fim aos escritórios separados e todas as pessoas passaram a trabalhar no mesmo espaço, cada um com o seu cubículo e sempre à mão de Bloomberg. Essa imagem de proximidade foi cultivada pelo próprio, ao querer demonstrar que todos os dias ia de metro para o edifício da câmara municipal — embora com a conveniente omissão de que, entre a sua casa e estação de metro onde entrava, um total de 22 quarteirões, o percurso era feito no conforto de um grande e poluente SUV, conduzido por um motorista.
Também no início do seu mandato, perante o espanto que foi perceber que ninguém lhe sabia dizer, ao certo, quantas pessoas trabalhavam na câmara municipal de Nova Iorque, pôs uma equipa a fazer essa recolha. Em pouco tempo, tinha o que queria: uma organização à sua maneira e dados — muitos dados.
Bloomberg governou como quem olha para um dos seus terminais e, a partir daí, identifica o que tem de ser feito. Republicano apenas em título, mas também longe de ser, ideologicamente, um democrata, governou medida a medida, projeto a projeto. Sob o seu mandato, a cidade ficou mais segura (pegando numa tendência que vinha de trás, os homicídios diminuíram, tal como o crime em geral) e a população prisional diminuiu. Ao ritmo de uma economia em crescimento, as obras públicas dispararam, com destaque para a construção de novas escolas.
Para irritação do seu eleitorado mais favorável a um papel restrito do Estado na vida pessoal e social dos cidadãos, Michael Bloomberg também restringiu ao máximo as zonas da cidade onde é permitido fumar e aplicou uma regulação (mais tarde revogada em tribunal) que impedia a venda de refrigerantes com mais de 0,5 litros em restaurantes, cinemas, estádios e carrinhos de venda ambulante de comida.
Outra medida controversa, que Bloomberg aplicou como quem olha para um dos seus terminais e para os gráficos e tabelas que neles aparecem, foi o “stop-and-frisk” — em português, “pára e revista”.
Com essa medida, os polícias de Nova Iorque passaram a poder interpelar e revistar qualquer pessoa, desde que com a suspeita de que ela tivesse uma arma ilegal consigo. Os defensores desta medida apontam-na como uma importante peça no complexo puzzle que foi e continua a ser a descida dos valores do crime em Nova Iorque — mas também foi determinado por uma juíza que o “stop-and-frisk” estava a ser aplicado de forma inconstitucional, afetando, de forma desproporcional, latinos e afro-americanos.
Entre 2004 e 2012, foram registadas 4,4 milhões de ocorrências de pessoas mandadas parar pela polícia. Destas, 52% das vezes foi feita uma revista — e só em 1,5% foi encontrada uma ou mais armas. Além disso, de todas as pessoas que foram mandadas parar, 52% eram afro-americanas, 31% eram latinos e 10% eram brancos. Porém, só foram encontradas armas no caso de 1% dos afro-americanos, 1,1% com latinos e 1,4% com brancos.
Tem dinheiro, mas terá votos?
Que Bloomberg é muito rico e, por isso, tem muitos meios, já se escreveu que baste. Mas, já que é de eleições que se trata, convém tentar perceber, afinal, se Bloomberg terá também votos.
Na última sondagem da Morning Consult, uma das primeiras feitas depois do anúncio de Bloomberg, o ex-de Nova Iorque aparecia em quinto lugar, ex-aequo com Kamala Harris (que, entretanto, anunciou o fim da sua campanha), com uma previsão de 5% dos votos. Tinha pela frente Pete Buttigieg (9%), Elizabeth Waren (15%), Bernie Sanders (20%) e Joe Biden (29%).
A mesma sondagem demonstra que, entre todos os candidatos contemplados nesta sondagem, Michael Bloomberg está longe de ser o mais consensual. Ao contrário de Bernie Sanders, Joe Biden e Elizabeth Warren, que têm uma taxa de aprovação de 73%, 71% e 62%, respetivamente, Bloomberg só recebe luz verde de 38% de democratas. Outros 24% dizem que não têm opinião sobre ele e ainda 9% nunca ouviram falar dele — algo que o próprio Bloomberg procurará moldar com os seus anúncios. Porém, há ainda outro número mais negativo para o ex-republicano que agora quer ser Presidente democrata: 29% dos democratas dizem ter uma opinião negativa dele. Mais do que com qualquer outro candidato.
Muito provavelmente, Michael Bloomberg tem noção disso. Desde que entrou para a política que este bilionário gasta todo o dinheiro que for necessário para fazer estudos de opinião privados, de maneira a perceber, afinal, quem gosta dele e quem nunca colocaria uma cruzinha ao lado do seu nome. E, entre estes últimos, são os afro-americanos que mais hesitam em votar nele. A razão está em três palavras: “stop-and-frisk”.
“Bloomberg não só legalizou o assédio policial contra negros, como há muitas pessoas que foram presas por causa dele. Ao permitir isto, ele tirou riqueza, oportunidade e familiares às comunidades negras”, diz ao Observador Andre M. Perry, investigador sobre temas raciais e política norte-americana no think-tank Brookings Institution.
Mesmo depois de o “stop-and-frisk” ter sido banido por decisão judicial, Bloomberg defendeu, durante vários anos, essa medida, mesmo depois de ter deixado a presidência da câmara de Nova Iorque, em dezembro de 2013 no final do seu terceiro mandato. Porém, uma semana antes de ter anunciado que era candidato, foi a uma igreja negra em Brooklyn e, no púlpito em frente a todos os fiéis, falou do elefante na sala — e pediu desculpa.
“Ao longo dos tempos, tenho vindo a entender algo que me custou admitir a mim mesmo: enganei-me numa coisa importante. Enganei-me mesmo numa coisa importante. Não entendi, à altura, qual era o impacto que aquelas revistas estavam a ter nas comunidades negras e latinas. Estava totalmente concentrado em salvar vidas, mas, como sabemos, as boas intenções nem sempre são boas o suficiente”, disse. “Não posso mudar a história. Porém, hoje, quero que saibam que sei que estive errado e que sinto muito.”
Por agora, este pedido de desculpas pode não ser suficiente. “Os pedidos de desculpa não deviam contar mais do que o historial de cada um de nós. Ir a uma igreja e pedir desculpas é muito fácil”, diz Andre M. Perry. “O que gostava de vê-lo a fazer era usar toda a sua riqueza para aliviar alguns dos problemas da nossa sociedade, muitos dos quais ele próprio ajudou a exacerbar.”
Essa foi, porém, a primeira parte do discurso de Bloomberg naquela igreja: o facto de ser dos seus próprios bolsos que sai grande parte do dinheiro investido em causas e candidatos que apoiam essas causas. Com destaque para duas: a luta contra as alterações climáticas e a defesa de um maior controlo ao comércio e porte de armas nos EUA. Mas se essas duas causas podem ser o suficiente para convencer algum eleitorado democrata, sobretudo numa fase em que haja menos candidatos a jogo, dificilmente chegará para chegar a todos.
“Se Bloomberg não conseguir gerar qualquer tipo de entusiasmo no eleitorado negro, que é quase metade do eleitorado nas primárias democratas, vai ser muito difícil chegar a algum lado”, prevê Barry Burden. A estes, Ryan Pougiales junta ainda o eleitorado progressista, mais à esquerda, que está em alta no Partido Democrata. “Há muitas pessoas no Partido Democrata que estariam dispostas a votar em qualquer pessoa, se isso significa acabar com Trump, mas nem todos pensam assim”, diz.
“A mensagem de Bloomberg, porém, é precisamente essa: a de que ele é capaz de fazer o que for necessário para derrubar Trump, custe o que custar”, acrescenta o analista do think-tank Third Way. Promover esta mensagem, e convencer os eleitores democratas dela, deverá ser a prioridade máxima de Bloomberg. Tudo pode ser uma questão de tempo — e, felizmente para ele, tempo é dinheiro.