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Aos 48 anos, o designer regressa à plataforma do Portugal Fashion para apresentar uma coleção feminina
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Aos 48 anos, o designer regressa à plataforma do Portugal Fashion para apresentar uma coleção feminina

(Rui Oliveira/Observador)

Aos 48 anos, o designer regressa à plataforma do Portugal Fashion para apresentar uma coleção feminina

(Rui Oliveira/Observador)

O regresso de Pedro Pedro ao Portugal Fashion: “Acho que continuo a ter qualquer coisa para dizer”

Três anos depois de ter feito uma pausa na moda, Pedro Pedro regressa aos desfiles esta sexta-feira. Em entrevista, fala da inspiração e do cansaço, da identidade que criou e da vontade em recomeçar.

Nasceu com jeito para o desenho, fazia bandas desenhadas com super-heróis nos livros da escola e só não entrou em Belas Artes porque não gostava de matemática. Iria seguir Direito, e provavelmente tornar-se advogado, não fosse a mãe apresentar-lhe um curso onde 80% do conteúdo era exatamente o que mais gostava de fazer: desenhar. Foi assim que Pedro Pedro descobriu a moda, um universo que só conhecia através das revistas que tinha lá em casa. “Lembro-me que na fase de seleção pediram-me um portfólio extenso, então agarrei nas revistas da minha mãe e fiz ilustrações de moda, um pouco à desgarrada, a partir do que via e sem perceber muito.”

Em frente a uma máquina de costura nas aulas de confeção ou a dar asas à criatividade em projetos coletivos, o rapaz tímido, inseguro e discreto percebeu que tinha encontrado o seu “mundo” e, com ele, uma linguagem com a qual poderia brincar e ser feliz. Em Portugal, e mais concretamente no Porto, o design de moda não era visto como uma profissão e o setor estava ainda longe de ser organizado e estruturado, Pedro Pedro só queria uma oportunidade para entrar no mercado de trabalho e crescer. Depois de uma experiência frustrante numa fábrica, onde “só queriam que copiasse coisas da Zara”, foi a vencer um concurso internacional que as portas do Portugal Fashion se abriram para apresentar a sua primeira coleção composta por seis coordenados femininos.

Criou uma marca homónima em 1998 e uma identidade marcada por um estilo citadino, peças oversized e silhuetas cheias de volumes. De um processo criativo solitário e puramente experimental, onde cada coleção é redesenhada várias vezes e a escolha dos tecidos prevalece na inspiração, saem propostas andrógenas que balançam entre a rigidez e a delicadeza. Em 2004 interrompe o seu trabalho a solo e embarca numa aventura a quatro mãos, criando a marca Pedro Waterland, e quatro anos depois regressa aos desfiles em nome próprio estreando-se na ModaLisboa.

De regresso ao Porto e ao Portugal Fashion, mostrou coleções em Paris e em Milão, mas em 2019 voltou a fazer uma pausa na moda, numa decisão que teve tanto de consciente como de dolorosa. “Foi a primeira vez que deixei de consumir e ver moda, desliguei-me totalmente desse universo, foram seis ou sete meses sem procurar nada, precisava mesmo desse distanciamento.” Depois de trabalhar dois anos na portuguesa Decenio, Pedro Pedro sentiu que a sua liberdade e criatividade precisavam de mais espaço e que ainda tinha qualquer coisa para dizer através da moda. Regressa esta sexta-feira à passerelle do Portugal Fashion, nervoso, mas disposto a recomeçar do zero.

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Criou uma marca homónima há 24 anos e apesar das duas pausas que fez da moda, a moda nunca saiu de Pedro Pedro

(Rui Oliveira/Observador)

Seguir moda era um caminho provável?
Não, foi um acaso. Sempre gostei de desenhar e os meus pais incutiam essa parte mais artística em mim, desde os meus 12 anos que pinto, cheguei a fazer um curso de pintura livre e passava o meu tempo todo livre a desenhar. Ninguém da minha família tinha essa sensibilidade, na verdade a minha mãe descobriu esse gosto mais tarde, já a meio da vida, e hoje pinta cerâmica e quadros a óleo. Fiz o secundário em Letras porque para entrar em Belas Artes precisava de matemática e sempre fui uma nódoa nessa área. Lembro-me de ter os livros e os cadernos todos riscados com desenhos meus.

O que desenhava?
Banda desenhada com super-heróis, criava pequenas histórias, desenhava pessoas, caricaturas, tudo por brincadeira. No final do 12.º ano iria para Direito, achava que era o caminho mais lógico, mas um dia a minha mãe falou-me de um curso que era 80% desenho e disse para eu experimentar. Era o curso de moda no Citex, fiquei curioso, não percebia nada de moda gostava apenas de ver as revistas da minha mãe, mas não me imaginava a desenvolver qualquer tipo de trabalho nessa área. Lembro-me que na fase de seleção pediram-me um portfólio extenso, então agarrei nas revistas da minha mãe e fiz ilustrações de moda, um pouco à desgarrada, a partir do que via, sem perceber muito.

No decorrer do curso teve logo a certeza de que era mesmo isto que queria fazer?
Sim, percebi logo que estava no meu mundo, mas não imediatamente. Nos primeiros três ou quatro meses, o curso era duro, muito virado para a prática e começámos logo com a confeção. Parecíamos uma autêntica fábrica, sentávamo-nos às 9h em frente à máquina da costura passávamos ali o dia todo, era tudo difícil e muito novo para mim, mas passada essa parte comecei a gostar. Quando chegou a altura de começar a criar e a fazer projetos percebi que podia brincar com coisas e comecei a ficar entusiasmado. Até ali tinha tido um grupo de amigos muito restrito, sentia que não falava a mesma linguagem que eles, e na escola de repente senti que encaixei mesmo onde devia estar.

Lembra-se da primeira peça que fez?
Não, mas lembro-me que tive muita sorte porque estava numa turma muito criativa e puxávamos todos uns pelos outros. Embora fossemos todos muito diferentes, havia sempre muita iniciativa, organizamos concursos, fazíamos desfiles e apresentações em bares. A moda naquela época não era tão estruturada, não havia uma semana de moda, desfilávamos todos uns para os outros, fazíamos um pouco de tudo.

Como era o mundo e o Porto nessa altura? Existam oportunidades e portas para bater depois de um curso feito?
Não, nem por isso, havia muita descrença do design de moda como profissão. Quando fui para Academia de Moda do Porto, como já levava alguma bagagem do Citex, comecei logo a fazer trabalhos como freelancer para alguns dos meus professores, depois, quando terminei o curso, tive um ano e tal a trabalhar numa empresa pequena, mas rapidamente percebi que não era esse o meu caminho.

Porquê?
Sentia muita frustração, eles só queriam que copiasse coisas da Zara e ficava muito desconfortável com isso.

"Quando começou a resultar já tinham passado mais de 10 anos a tentar que resultasse, estava mesmo cansado com tudo e resolvi parar. Foi a primeira vez que deixei de consumir e ver moda, desliguei-me totalmente desse universo, foram seis ou sete meses sem procurar nada, precisava mesmo desse distanciamento."

Criar uma marca própria fazia parte dos seus planos?
Quando acabei o curso não pensava nisso, queria era entrar no mercado de trabalho e crescer, mas quando saí dessa empresa decidi parar porque me surgiu uma oportunidade para trabalhar fora da moda. Estive dois ou três anos a trabalhar na área do turismo, mas continuava a seguir esse mundo, a ver desfiles, a comprar revistas e a receber propostas da escola de oportunidades de emprego ou concursos. Em 1996 concorri a concurso internacional de escolas de moda na Bélgica, “New Expo-Wear Designers”, e achei que poderia ser uma boa oportunidade para voltar à moda, mas tudo sem grande expectativa. Acabei por ganhar o concurso e a pessoa responsável pelo Portugal Fashion estava lá e convidou-me para apresentar uma coleção.

Nessa altura não tinha propriamente uma estrutura montada, pois não?
Não, de todo. Acho que hoje em dia as coisas já são diferentes e os miúdos saem dos cursos de design de moda com esse pensamento, mas na altura era tudo muito experimental.

Teve consciência de que tinha desenvolvido uma identidade? Que existia nos outros uma validação do que fazia?
Nem por isso, sou um rapaz tímido que gosta do que faz e que faz sempre o seu melhor, mas sou muito duro comigo próprio. Coloco-me sempre em causa e isso é sempre um motor que me faz continuar.

Como era essa primeira coleção?
Era feminina, tinha uns seis coordenados e penso que as pessoas gostaram porque surgiu logo um convite para voltar a apresentar na estação seguinte e as coisas foram-se consolidando. Depois em 2004 parei a assinatura própria para me dedicar à marca Pedro Waterland, que tive com um dos meus colegas do Citex.

Como surgiu essa oportunidade?
Ele estava a estudar em Londres e já fazia consultadoria numa marca italiana, quando regressou a Portugal numa conversa informal decidimos criar este projeto e na altura pareceu-me tudo benéfico. Fazer moda é um processo caro, solitário e exigente, só teria vantagens em sermos duas pessoas a dividir tarefas e toda responsabilidade criativa, foi muito divertido. Era uma marca mais maluca do que eu era, sempre fui mais poético e romântico, apesar de fazer coleções duras, mas sinto que tenho um lado sensível presente. Em 2008 regresso às passerelles e estreio-me na Moda Lisboa.

Lãs, cetins e falsas peles dominam os materiais da coleção que irá apresentar esta sexta-feira na Alfândega do Porto

(Rui Oliveira/Observador)

Não tem um percurso contínuo, sente que saiu da moda algumas vezes, mas a moda nunca saiu de si?
As minhas mudanças e paragens foram sempre uma coisa consciente, muito pensada, sou uma pessoa instintiva e impulsiva, quando as coisas surgem pondero e escolho o que é melhor para mim, mas sinto que estou sempre à procura de uma coisa nova que me ajude a pensar e a ganhar mais fôlego. Procuro sempre o novo, acho que um defeito de quem é criativo.

Como é o seu processo na criação de algo novo?
É um período um pouco solitário e exigente, sou muito esponja a nível de inspiração, apanho coisas de todo o lado, sigo o que está a acontecer no setor e vou buscar muita coisa vou buscar ao cinema e ao movimento que vejo. A coleção que vou apresentar esta semana, por exemplo, posso dizer que a redesenhei umas seis vezes. Começo sempre com uma ideia no papel, depois vou à procura dos tecidos e eles muitas vezes não correspondem a essa ideia inicial.

O que fica: a ideia ou os tecidos?
Os tecidos, quando encontro um material de que gosto surge-me outra coisa qualquer, mas depois as coisas não batem certo, redesenho. Há detalhes que caem, tecidos que não funcionam, que não chegam ou que não existem, e os desenhos vão sendo repostos. Desenho tudo muitas vezes e vou depurando pormenores, excluindo falhas e tentando equilibrar tudo numa história que reflita a minha identidade.

Fica sempre satisfeito com o resultado final dessa maturação e experimentação?
Não, depois olho para trás e sinto que mudaria tudo.

Que identidade é essa que pensa ter nas roupas que faz?
O meu imaginário é muito quotidiano e citadino, mas tem sempre qualquer coisa de diferenciador, seja pela forma, pelo tecido, pelos volumes ou pela altura. Nas minhas últimas estações fui um pouco andrógeno e acho que essa era uma das minhas maiores características. De facto, trabalho para uma mulher, mas existiam muitos homens a comprar casacos, bombers, camisolas, calças, sobretudos e parkas. No desfile de sexta-feira terei pela primeira vez mais rapazes do que raparigas a desfilar porque me interessa explorar esta dualidade. Saí do setor numa altura em que esta característica da androginia era importante e também ela estava na moda.

"As coisas mudaram muito, vivemos hoje num mundo em que as pessoas são menos ovelhas e mais individualistas, no bom sentido da palavra, têm perceções próprias e isso traduz-se nas escolhas que fazem."

Em 2019 volta a parar de trabalhar como designer, porquê?
Foi uma opção completamente consciente, mas dolorosa. Estava muito cansado, não que o resultado do que eu fazia não fosse bom, até porque tinha estado duas estações a apresentar o meu trabalho em Milão e tinha conseguido estar presente em quatro ou cinco lojas, estava tudo a começar a resultar.

Mas não estava feliz?
Quando começou a resultar já tinham passado mais de 10 anos a tentar que resultasse, estava mesmo cansado com tudo e resolvi parar. Foi a primeira vez que deixei de consumir e ver moda, desliguei-me totalmente desse universo, foram seis ou sete meses sem procurar nada, precisava mesmo desse distanciamento. Até que em janeiro de 2020 recebi uma proposta da Decenio bastante aliciante e acabei por aceitar.

Foi a primeira vez que trabalhou para uma marca mais comercial?
Sim e era exatamente isso que eles procuravam, uma pessoa sem vícios, com outra visão e que acrescentasse qualquer coisa de diferente. Adorei a experiência, aprendi bastante, a equipa de criação era maravilhosa, trabalhei com o Júlio Torcato, que fazia a parte de homem e eu fazia mulher. É muito diferente desenvolver marca própria e cumprir determinadas normas e regras de uma marca nacional que já está solida no mercado. Foi uma adaptação, ali cada centavo conta, cada pormenor e cada tempo de confeção conta, é tudo muito exigente, mas ainda estive lá dois anos.

De que forma é que este regresso aos desfiles acontece?
Percebi ao longo do último ano que o meu caminho não era bem aquele, o meu lado livre e criativo estava a ser muito castrado e reprimido, e, no fundo, acho que continuo a ter qualquer coisa para dizer. Quero brincar com os códigos do que é masculino e feminino dentro do universo do que é usável, depois gosto de contar uma história no desfile, quero que as pessoas se sintam envolvidas e não existam barreiras. Espero sempre que os outros entendam, pensem, sonhem e se identifiquem com o que faço, que gostem das minhas peças e as achem, de alguma forma, apetecíveis.

Tem sempre esse chip do que é usável e vendável durante a criação ou só interessa a mensagem que quer passar?
Confesso que sou um bocado fechado em mim próprio, exploro muito oversized, mas é um nicho e eu sei que trabalho para ele. É um nicho de rua, de guetos e de grupos, há em mim a tendência a explorar essas questões de género e de diferentes identidades em peças versáteis e intemporais.

Nesta coleção que materiais é que vamos poder ver?
Uso muitas lãs, cetins e falsas peles em coordenados com muito preto, castanho e cru que vai crescendo para outras cores.

O designer portuense já apresentou coleções em Paris e em Milão, agora está a preparar a abertura de uma loja online

Foto Ugo Camera

Vai enfrentar novamente a crítica, o público e as vendas. Sente que a moda e o público mudaram?
As coisas mudaram muito, vivemos hoje num mundo em que as pessoas são menos ovelhas e mais individualistas, no bom sentido da palavra, têm perceções próprias e isso traduz-se nas escolhas que fazem. Uma das coisas mais giras na moda é o facto de independentemente do que eu apresente, tu vais gostar de uma coisa e aquilo vai enaltecer-te, mas outra pessoa vai usar e ver a peça de uma maneira completamente diferente. Hoje tudo é permissível, estamos a entrar numa fase muito positiva, aberta e disponível em termos criativos e isso é, para mim, muito estimulante.

Que expectativas tem agora em relação ao futuro?
Ter uma visibilidade internacional seduz-me muito, as pessoas que me seguem e gostam das minhas coisas vão ter uma surpresa com a introdução do homem no desfile, mas vão continuar a encontrar as características que fazem parte do meu ADN, e a nível de estrutura é recomeçar quase do zero novamente. Já estamos a preparar o site, vamos ter vendas online, vamos tentar também estar em lojas físicas, cá no Porto, mas também lá fora.

Recomeçar para alguns pode ser assustador, não é o seu caso?
Não, é um desafio estimulante, não me assusta nem amedronta. Quero começar devagarinho, passo a passo, com tudo pensado e objetivo final. Espero que essa minha maturidade se note no desfile.

Ainda fica nervoso?
Sempre, não consigo comer nada o dia todo e dizem-me que me torno catatónico, sem reação. Passo os últimos três dias a resolver coisas por impulso e no dia do desfile fico apático, mas depois passa.

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