Só entre 2012 e 2024, as empresas Wonderlevel Partners (WLP) e First Five Consulting (F5C) faturaram juntas cerca de 8,2 milhões de euros em contratos públicos. A F5C de João Tocha ficou com a maior parte, mas a WLP de Luís Bernardo e da sua mulher conseguiu angariar cerca de 3,6 milhões de euros em contratos públicos.
Bernardo e Tocha são suspeitos de terem concertado preços numa parte dos contratos acima referidos para criar “falsamente um cenário de aparente concorrência e legalidade”, lê-se no comunicado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) sobre a Operação Concerto.
A PJ bateu à porta das casas de Luís Bernardo e de João Tocha logo pela manhã desta quinta-feira para proceder a buscas de documentação relevante para os autos. Os escritórios da WLP e da F5C, um na rua Alexandre Herculano e outro na Av. da Liberdade, em Lisboa, foram igualmente alvo de buscas para apreensão de todos os documentos relevantes para os autos, assim como diversas entidades públicas, da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna a autarquias como a de Oeiras, Mafra, Seixal, entre outras.
Ao que o Observador apurou, Luís Bernardo e João Tocha são os principais suspeitos na Operação Concerto, mas não terão sido constituídos arguidos no final das diligências. Para já. Ao Observador, Bernardo assegura que foi alvo de uma “diligência de recolha de informação, normal no âmbito de uma investigação judicial que abrange diversas entidades públicas e privadas”, sendo que “muitas delas nem sequer estão relacionadas com a minha atividade profissional ou da empresa que lidero.” O ex-jornalista diz ainda que terminou “o dia na mesma situação em que o comecei e continuo totalmente disponível para colaborar com as autoridades.”
O Observador tentou contactar por diversas vezes João Tocha mas tal não foi possível até ao momento da publicação deste artigo.
Empresas de Bernardo e Tocha participaram em concursos com mais de um milhão em jogo
O inquérito liderado pelo DCIAP, o departamento do Ministério Público que lida com a criminalidade mais complexa, investiga suspeitas da prática de crimes de corrupção ativa e passiva, prevaricação, abuso de poder, participação económica em negócio e alegados ilícitos de abuso de poder, seja na perspetiva de titulares de cargos políticos, seja do regime geral dos funcionários, informou a PJ em comunicado. Apesar dos crimes de corrupção serem os mais relevantes sob investigação, o Observador ainda não conseguiu confirmar se o crime de corrupção ativa é imputado aos empresários Luís Bernardo e a João Tocha e os crimes de corrupção passiva aos titulares de cargos políticos em causa.
Certo é que existe um universo significativo de contratos públicos estabelecidos entre 2020 e 2024 entre diversas entidades públicas e a F5C e a WLP que estão sob suspeita de alegada concertação — e que totalizarão mais de um milhão de euros.
Segundo uma investigação da revista Sábado, a F5C de João Tocha e a WLP de Luís Bernardo participaram como concorrentes em diversos procedimentos concursais, nomeadamente em procedimentos de consulta prévia — nos quais são convidadas a participar três empresas. Além das empresas de Tocha e de Bernardo, o terceiro participante foi a sociedade Sentinelcriterion, Lda, que pertencerá a um sobrinho de Bernardo.
A Sábado identificava dois contratos com esses concorrentes, um com a Estrutura de Missão Portugal Digital e outro com a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. Os dois contratos foram assinados durante os governos de António Costa. E em ambos saiu vencedor a WLP de Luís Bernardo.
O Observador constatou, numa consulta ao portal Base.gov, que a F5C e a WLP disputaram ainda os mesmos contratos na autarquia da Moita, em 2022, (já com o PS no poder) e na Universidade Nova, em novembro de 2022. No primeiro caso, o procedimento concursal foi ganho pela WLP de Bernardo, com uma proposta de 63 mil euros, enquanto que no segundo acabou vencedor a F5C de Tocha, com uma proposta de 70,8 mil euros.
WLP conseguiu 3,6 milhões de euros em 12 anos. Maioria das autarquias são do PS
Em 12 anos, a WLP, empresa detida por Luís Bernardo e pela mulher, angariou 100 contratos com entidades públicas no valor de 3,6 milhões de euros, segundo a consulta realizada pelo Observador na base de dados do portal Base.gov.
Foi a partir de 2018 que o número de contratos se intensificou, atingindo os dez por ano. O ano de 2022 foi até agora o mais prolífero em contratos com entidades públicas, com 20 procedimentos. Em 2023 foram 14 e este ano, os dados já publicados apontam para 11 contratos. Autarquias, freguesias e universidades estão na lista dos maiores clientes da empresa, mas também há entidades municipais como a AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve.
A WLP conseguiu igualmente contratos com organismos da administração central, como o Instituto Português do Desporto, direções-gerais da Saúde e da Energia ou secretarias-gerais de diversos ministérios. Há também prestações de serviços com as ordens dos Médicos, Notários e Arquitetos e dois contratos com o Tribunal Constitucional.
O maior contrato obtido pela empresa foi com a Câmara do Barreiro, no valor de 315 mil euros, em janeiro de 2023. E foi um dos poucos procedimentos que resultaram de um concurso público — a maioria são ajustes diretos ou consultas prévias — à qual concorreram mais três entidades. Tinha como objeto a aquisição de serviços de consultoria de comunicação, assessoria de imprensa e comunicação digital com um prazo de execução de mais de 3.000 dias. Os três contratos com a autarquia do Barreiro totalizam mais de 420 mil euros.
Mas a entidade que mais contratos fez com a WL Partners foi a Universidade Nova. Foram 10 entre 2018 e 2024 no montante de 268,5 mil euros. Há ainda vários (seis) contratos com as juntas de freguesia de Benfica de quase 187 mil euros, e outros tantos com a Penha de França (255 mil euros).
Oeiras, Almeirim, Moita, Nazaré, Faro e Sintra são outras autarquias que contrataram a empresa de Luís Bernardo por mais do que uma vez. A maioria das autarquias com quem trabalha a sua empresa estão nas mãos do PS. As três freguesias de Lisboa com as quais tem mais contratos — Benfica, Penha de França e Campolide — são socialistas.
A realidade da F5C, por seu lado, parte de uma participação no mercado com mais anos. Desde 2008, ano em que foi lançado o portal Base.gov onde são comunicados os contratos públicos, a empresa de João Tocha já obteve 131 procedimentos no valor de cerca de 5 milhões de euros.
A sua lista de clientes públicos é mais diversificada, mas disputa os mesmos clientes com a WLP.
Não se sabe quais destes contratos estarão sob suspeita ou se há algum deles sob suspeita.
Quando Luís Bernardo entrou no mundo empresarial após sair do Governo Sócrates
Luís Bernardo foi jornalista da TVI na década de 90, onde conheceu Pedro Silva Pereira (então editor da TVI e futuro braço-direito de José Sócrates). Saiu do jornalismo para assessor de Manuel Maria Carrilho, ministro da Cultura de António Guterres, e chegou mesmo a assessor do primeiro-ministro socialista. Após a sua demissão no final de 2021, Bernardo entrou no mundo das empresas.
Começou por criar uma empresa com outros socialistas, dos quais se destaca Rui Pereira (homem forte das campanhas eleitorais do PS e ex-presidente do PS de Sintra), que viria a adquirir vários órgãos de comunicação social locais na Grande Lisboa através da Ideia Prima – Consultoria de Imagem, Comunicação e Eventos. Ao Público, Luís Bernardo garantiu que nunca recebeu um salário desta empresa, nem teve nada a ver com a aquisição de jornais locais.
Mais tarde, e após ter sido assessor de José Sócrates entre 2005 e 2011, Luís Bernardo criou outra sociedade com nomes fortes do socratismo, como Vitor Escária (que foi obrigado a demitir-se de chefe de gabinete de António Costa por terem sido descobertos 75.800 euros em notas no seu escritório em São Bento), o ex-espião e ex-secretário de Estado Almeida Ribeiro e Óscar Gaspar, ex-assessor económico de Sócrates e ex-secretário de Estado da Saúde.
Se José Sócrates colocou a sua rede de contactos internacionais no Brasil, Venezuela e Argélia construída durante os seis anos em São Bento ao serviço da farmacêutica Octapharma, os seus ex-assessores tentaram seguir o mesmo caminho, formando uma sociedade de consultadoria chamada Nau.
Quando foi inquirido como testemunha nos autos da Operação Marquês, o próprio Vítor Escária explicou ao procurador Rosário Teixera a razão da existência da Nau. O próprio Escária, Almeida Ribeiro e Luís Bernardo eram “contactados às vezes por governos estrangeiros, colegas nossos, a perguntar: ‘Há empresas portuguesas interessadas nisto?’”. O “nisto” eram contratos públicos ou negócios que poderiam ser feitos com empresas portuguesas. A Nau, explicou Escária, “tentou fazer a ponte entre Estados ou empresas públicas internacionais e as empresas privadas portuguesas” mas não terá tido muito sucesso porque apenas terá durado um ano.
Ao Observador, e a propósito da publicação de um trabalho de investigação jornalística em que Vítor Escária era um dos protagonistas, Luís Bernardo garantia que a empresa não tinha tido nenhuma atividade relevo.
Antes de José Sócrates chegar a primeiro-ministro, na sequência das eleições antecipadas de 2005, Luís Bernardo fundou uma empresa, a Marca Total – Comunicação e Marketing, sendo o seu gestor único. Em julho de 2012, já depois da tomada de posse do Governo de Passos Coelho, a empresa mudou de nome e passou a chamar-se Now Strategy – Global Consulting.
O nome não foi a única coisa a mudar. Vitor Escária passou a ser igualmente um dos gerentes da sociedade, sendo que a empresa passou a ter como principal acionista a United Pride Holding SGPS que tinha como sócios exatamente os mesmos homens da empresa Nau: Bernardo, Escária, José Almeida Ribeiro e Óscar Gaspar.
Ao Público, que revelou recentemente a existência dessa sociedade, Luís Bernardo deu uma explicação muito semelhante à que tinha dado em 2018 ao Observador sobre a Nau: “A empresa praticamente nunca teve atividade”.