910kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Os cinco homens por trás do poder talibã no Afeganistão

Um líder político, um religioso e um homem do dinheiro. A cúpula talibã juntou-se a dois estrategas para avançar pelo Afeganistão dentro: um juiz e um político. Quem é quem na ofensiva talibã.

São cinco os homens responsáveis pela invasão talibã no Afeganistão, todos liderados por um “príncipe dos fiéis” — Haibatullah Akhundzada. Todos têm um papel na hierarquia: Akhundzada tem a última palavra em todas as decisões dos talibãs, Mohammad Yaqoob é o homem das armas e Sirajuddin Haqqani o das contas — ambos vices na liderança do movimento islâmico.

Abaixo desta cúpula, juntam-se mais duas personalidades. Abdul Ghani Baradar, o rosto mais visível dos talibãs, autor da estratégia política do grupo, juntou-se ao juiz Abdul Hakim e engendrou o último golpe, que permitiu o avanço pelo Afeganistão: negociar a saída dos Estados Unidos do Afeganistão, assinando o acordo final no ano passado, e comprando tempo nas conversações com o governo de Cabul para depois invadir o país.

Todos estes homens têm pontos em comum: combateram durante a invasão da União Soviética à sua terra natal, nos anos 80, e depois disso juntaram-se ao projeto talibã para impor a lei islâmica no Afeganistão. Dois deles são melhores amigos e podem até ser cunhados, outro prima pela paciência, Yaqoob é filho de uma lenda talibã e Akhundzada é respeitado. Ninguém o adora, mas também ninguém o odeia.

Haibatullah Akhundzada

O “príncipe dos fiéis”

Domínio público

Poucos dias depois da morte de Akhtar Mansour, abatido durante um ataque aéreo perpetrado pelos Estados Unidos em 2016, Hibatullah Akhundzada, até então o número dois dos Talibãs, subiu ao posto mais alto da força islâmica, à qual tinha aderido formalmente duas décadas antes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O papel que exercia até então estava-lhe no sangue. Haibatullah, nome árabe que significa “dádiva de Alá”, é filho de um estudioso islâmico, imã da vila onde a família habitava em meados do século passado, no distrito de Panjwayi, província de Kandahar. Após a invasão soviética ao Afeganistão, a família Mansour fugiu para Quetta, no Paquistão. Foi lá que Haibatullah continuou a estudar o Alcorão, num seminário em Sarnan.

Quando os talibãs invadiram Cabul, tomando controlo da capital afegã e invadindo o palácio presidencial, de onde Ashraf Ghani já havia escapado, Haibatullah Akhundzada, “príncipe dos fiéis”, tornou-se não só num líder religioso, mas também no governante do país onde nasceu em 1959. Foi educado no Paquistão e andava entre este país e o Afeganistão, mais precisamente em Kandahar, até setembro de 2001. Depois disso regressou definitivamente para o este último, na altura dos atentados nos EUA em setembro de 2001, e nunca mais de lá saiu pelo menos até 2016.

De resto, a estada de Haibatullah Akhundzada no Paquistão não foi prolongada. Foi dos primeiros combatentes talibã, tendo-se juntado ao movimento nos primeiros tempos da sua existência nos anos 90; e levava consigo a experiência de, na década anterior, ter enfrentado a campanha militar soviética. Quando o movimento islâmico invadiu a província de Farah, Haibatullah Akhundzada era o responsável por combater o crime naquela região.

Mas o forte de Akhundzada não era o movimento armado: era o religioso. Em 1996, era membro do Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, a instituição responsável por impor as regras islâmicas no Afeganistão — e por proibir todas as influências do mundo norte-americano, incluindo cortes de cabelo. Depois de 2001, passou a chefe de justiça dos Tribunais Sharia, regidos pelo direito islâmico.

E foi nesta posição que ganhou proeminência dentro do movimento talibã. Mohammed Omar, fundador e líder espiritual dos talibãs que morreu de turberculose em 2013, e Akhtar Mansour, que substituiu Omar em 2015, tinham por hábito procurar Akhundzada em busca de conselhos sobre decisões jurídicas enraizadas na lei islâmica. Acredita-se mesmo que Haibatullah Akhundzada é o autor da maioria das fátuas já emitidas sob o Alcorão.

Quando Omar morreu, vítima de tuberculose em 2013 (a morte só foi anunciada dois anos mais tarde), Akhtar Mansour tomou a liderança dos talibãs e Akhundzada passou a seu vice. Menos de um ano depois estava ele à frente da força islâmica, cumprindo o desejo de Mansour expresso num testamento. Não foi, no entanto, uma transição serena: as escolhas mais naturais seriam Sirajuddin Haqqani, que geriu os ataques contra o exército americano e supervisiona um grupo guerrilheiro de ataque à NATO no Afeganistão,  e Mohammad Yaqoob, filho de Mohammed Omar. Em vez disso, Akhundzada subiu ao poder e os outros dois ficaram na segunda linha.

E foi assim, porque Haibatullah Akhundzada era o único que não despertava animosidades entre os membros das várias bases talibãs. Ninguém o adorava, ninguém o odiava, mas todos respeitavam e assim evitavam-se conflitos no seio do grupo islâmico. A última palavra em todas as decisões militares dos talibãs é dele, mas as regras são impostas após um consenso entre os membros do Quetta Shura, um conselho com vários membros islâmicos que conferenciam sobre a atuação dos talibãs e implementam as regras a seguir pelo movimento.

Em maio de 2020, no entanto, o poder de decisão sobre a atuação militar dos talibãs foi transferido provisoriamente para as mãos de Mohammad Yaqoob, quando Akhundzada ficou infetado pelo coronavírus e desenvolveu Covid-19. À época, Muhammad Ali Jan Ahmed, um comandante talibã, fez saber da nova (e temporária) hierarquia com um comunicado que dizia: “O nosso herói, filho do nosso grande líder, Mullah Yaqoob, vai liderar toda a operação talibã durante a ausência de Haibatullah”.

A família de Haibatullah Akhundzada também participou no esforço islâmico: o filho, Abdur Rahman, terá sido o autor de um ataque suicida numa base militar afegã em Gereshk, província de Helmand, em 2017, mas as autoridades do país nunca confirmaram a identidade do atacante. Dois anos mais tarde, o irmão Hafiz Ahmadullah e outros familiares de Akhundzada morreram num ataque bombista. Ahmadullah tinha substituído o líder talibã na liderança das mesquitas do seminário Khair Ul Madarais, quartel-general do Quetta Shura.

Mohammad Yaqoob

O comandante, filho do fundador Omar

Mohammad Yaqoob sempre negou que Akhtar Mansour era o responsável pela morte do seu pai, Mohammed Omar, fundador e líder supremo dos Talibã. Dizia-se que Omar tinha perdido a vida após um ataque do seu número dois, mas também seu rival. Em 2015, quando a morte de Omar se tornou pública, Mohammad Yaqoob sempre confirmou a versão oficial: o pai tinha morrido de causas naturais, vítima de tuberculose, não pelas mãos de outro talibã.

Mohammed Omar, pai de Yaqoob.

Certo é que Mohammad Yaqoob, emergindo da sombra do pai, nunca apoiou a liderança de Akhtar Mansour quando este substituiu Omar no posto mais alto do movimento talibã. Mas também foi incapaz de convencer os talibãs a confiarem mais nele do que em Haibatullah Akhundzada após a morte de Mansour. Era demasiado novo, com ainda menos experiência militar que o “príncipe dos fiéis”.

Em vez disso (e apesar dessa falta da experiência), acumulou duas missões: ser a mão direita do líder e o responsável pela ação militar dos talibãs. Terá sido ele o comandante das operações que culminaram na tomada de controlo do movimento islâmico no Afeganistão — onde Yaqoob tem estado. Ainda assim, os especialistas acreditam que a ascensão de Yaqoob ao comando militar é um sinal de que os talibãs estariam empenhados num esforço de paz no Afeganistão: o novo líder era mais moderado que o antecessor, tendia a favorecer o fim da guerra e nunca procurou atacar forças ocidentais no país. Mas as suas raízes não indiciam qualquer mudança política para o grupo.

Até 2015, altura em que Yaqoob assumiu um dos cargos-chave entre os talibãs, o jovem com cerca de 30 anos nem sequer tinha um posto oficial no grupo — era apenas o filho mais velho do líder supremo do movimento. De um dia para o outro, tinha a responsabilidade militar em 15 das 34 províncias afegãs, provavelmente num gesto de gratidão e num esforço de reconciliação. Nunca terá conseguido reunir o mesmo consenso que o pai: é descrito como “astuto”, sim, mas também como “arrogante” e “narcisista”, completamente alheado da realidade afegã.

Em 2020, no entanto, a reputação de Yaqoob como um líder militar em ascensão fortificou-se durante o período em que assumiu as funções de Akhundzada e foi promovido a líder militar de todo o grupo, em todas as províncias com presença talibã. Foi um golpe duro para Ibrahim Sardar, comandante da velha guarda que ficou à retaguarda do jovem Yaqoob.

Sirajuddin Haqqani

O diretor financeiro na fronteira com o Paquistão

O paradeiro de Sirajuddin Haqqani vale cinco milhões de dólares, mais de 4,2 milhões de euros. É este o dinheiro que os Estados Unidos, através do FBI, estão dispostos a pagar a quem fornecer informações que conduzam “diretamente” à detenção do homem por trás de ataques contra as forças norte-americanas na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão. Está algures neste último país, talvez em Miram Shah, no norte da região de Waziristão. Mas o seu poder ecoa além-fronteiras.

É que Sirajuddin Haqqani — o primeiro nome significa “a luz da religião”, o segundo “justo” — passou a juventude no Paquistão. Haqqani nasceu entre 1973 e 1980, é o atual líder de uma rede que herdou o seu apelido e que, não só contém grupos de guerrilheiros prontos a enfrentar a NATO e os militares norte-americanos no Afeganistão e Paquistão, como também controla as finanças do movimento talibã. Sirajuddin é ainda mais extremista que o pai, Jalaluddin Haqqani, combatente afegão contra a invasão soviética dos anos 80 e um dos mestres de Osama bin Laden, quando Haqqani liderava o Exército Mujahideen. A história da rede Haqqani e da Al-Qaeda é indissociável: evoluíram juntas e sempre mantiveram ligações de proximidade.

Em fevereiro do ano passado, um artigo de opinião redigido por Sirajuddin Haqqani foi publicado pelo The New York Times, intitulado “O Que Nós, os Talibãs, Queremos” — uma decisão editorial polémica que mereceu críticas severas na altura. Referindo-se à retirada das tropas americanas d o Afeganistão, Haqqani escreveu: “Estou confiante de que, libertados da dominação e interferência estrangeira, juntos encontraremos uma maneira de construir um sistema islâmico em que todos os afegãos tenham direitos iguais, onde os direitos das mulheres são garantidos pelo Islão — do direito à educação ao direito para trabalhar — estão protegidos, e onde o mérito é a base para oportunidades iguais”. Não é essa a realidade que se tem observado nos últimos dias, porém.

Abdul Ghani Baradar

O líder político

Anadolu Agency via Getty Images

Rosto da ação política dos talibãs, foi Abdul Ghani Baradar quem assinou o acordo para a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão — e embora Hibatullah Akhundzada detenha neste momento a liderança do país, ela pode passar para as mãos de Baradar, membro da equipa de negociações com os talibãs em Doha, no Qatar, onde decorre grande parte da ação política. Antes de ter sido detido, em fevereiro de 2010, no Paquistão, Baradar batalhava contra a Aliança do Norte, apoiada pelos Estados Unidos. Oito anos depois, foram os próprios norte-americanos que pediram a sua libertação para acelerar as conversações em torno de um acordo de paz.

Abdul Ghani Baradar ajudou Mohammed Omar, pai de Yaqoob, a formar os talibãs, mas a relação entre os dois estende-se também para a vida pessoal: ambos podem ser cunhados por terem casado com duas irmãs, lutaram juntos contra os soviéticos e repetem-se as histórias em que um salvou a vida ao outro. Abdul Ghani Baradar é mais vezes herói do que Omar: numa das vezes, em novembro de 2001, durante um confronto com a Aliança, Baradar recolheu de mota o antigo número um dos Talibãs e levou-o para uma localização segura nas montanhas afegãs.

Os relatos que chegam do terreno descrevem Baradar como “capaz, carismático, conhecedor da terra e da gente em muito maior medida do que se podia desejar”. Os talibãs dizem até que é um “inimigo formidável” por ter “todos os ingredientes para ser um comandante brilhante”: “É paciente e ouve o outro até ao fim. Ele não se zanga nem perde as estribeiras”.

Em julho de 2009, em vésperas da sua detenção, Baradar não tardou a emitir ordens aos comandantes talibãs quando 4.000 militares norte-americanos invadiram o vale do rio Hilmande. Numa reunião relâmpago no sudoeste do Paquistão, Baradar ordenou que as perdas talibãs fossem reduzidas ao mínimo e as baixas americanas fossem aumentadas ao máximo, com base em táticas de guerrilha. “Mantenham as armas nas vossas costas e fiquem em cima das montas”, proferiu: “A América tem mais força militar, mas nós temos mais fé e mais compromisso”.

Após o acordo que firmou para a paz no Afeganistão, Baradar ficou responsável pelas conversações com o presidente Ashraf Ghani, mas os últimos meses não trouxeram quaisquer avanços na divisão de poder com o governo de Cabul. Afinal, tudo não passaria de mais um exemplo da paciência, capacidade semântica e técnica de Baradar: esperar que os americanos saíssem e reconquistar terreno.

Abdul Hakim

O juiz negociador

Ao lado de Baradar durante as negociações para a saída das tropas americanas do Afeganistão no ano passado estava Abdul Hakim, que nos últimos cinco anos foi juiz supremo dos talibãs em Kandahar, professor de pessoas com deficiências e seminarista islâmico em Queta, uma importante cidade paquistanesa junto à fronteira com o Afeganistão. Numa desses seminários, uma explosão matou três participantes: os dois filhos de Abdul Hakim e um dos seus sobrinhos.

Abdul Hakim é o único membro sénior dos talibãs que se pode comparar a Haibatullah Akhundzada na importância religiosa que tem para o grupo — e também o único capaz de proferir fátuas tão sustentadas como o líder dos talibãs. Esse é, aliás, um dos seus fortes: a enorme capacidade de encontrar justificações na lei islâmica para os ataques perpetrados pelo grupo ao longo dos anos.

O outro é o berço: Abdul Hakim nasceu em 1967 no distrito de Panjwai, província afegã de Kandahar, capital da crença espiritual talibã, onde ainda hoje vive e exerce direito. É considerado um fervoroso defensor do Alcorão, daí ter sido chamado para substituir Mohammad Abbas Stanekzai, ministro talibã que passou a número 2 na equipa.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.