Café, supermercado, loja, espaço para arrendar, restaurante, loja de móveis. Não, calma, aquilo não é um restaurante. Afinal já cá estamos. É a sede da Junta de Freguesia do Parque das Nações, mas a confusão com um restaurante é perdoável. A junta fica no rés-do-chão de um prédio de habitação, tem toldos brancos como se de um estabelecimento comercial se tratasse e, no vidro, está estampado o logótipo da nova freguesia, um barco com velas vermelhas navegando sobre um mar azul enquadrado por uma esfera armilar.
Lá dentro, salta imediatamente à vista que as cadeiras são azuis e vermelhas, tal como o símbolo da mais recente freguesia do concelho de Lisboa, nascida com a reorganização administrativa da cidade em 2012, e cujo primeiro executivo tomou posse a 22 de outubro do ano passado, depois das eleições autárquicas. A liderá-lo está José Moreno, o homem que foi o primeiro morador do Parque das Nações – que abriu faz esta quinta-feira 16 anos – e que, pelo menos desde 2000, lutou pela elevação desta zona da cidade a freguesia, enquanto presidente da associação de moradores e comerciantes.
“Embora não fosse a minha ideia”, diz, lá se tornou presidente da junta. E isso, nos primeiros tempos, exigiu esforços pouco habituais. “Não tínhamos rigorosamente nada. Não tínhamos um funcionário, um computador, um papel, nem personalidade jurídica”, conta Moreno, que a única coisa que encontrou na sua secretária foi uma cópia da Lei n.º 56/2012, que decretou precisamente a criação da freguesia. Na altura, a sua secretária não estava onde atualmente está, no espaço que já foi uma dependência bancária e que a junta ocupou em abril deste ano. Estava num outro local, sem condições, junto à Ponte Vasco da Gama. “Tivemos de fazer tudo: registar a freguesia no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, pedir o número de contribuinte, registar no Ministério da Administração Interna…”
“O auditório da escola [Vasco da Gama] foi cedido gratuitamente” para a tomada de posse do executivo. “Paguei do meu bolso a uma funcionária” escolar para o período em que decorreu a cerimónia, conta José Moreno, que regista ainda na sua lista de despesas uma impressora: “Tive de a comprar com o meu dinheiro”.
Um bairro sempre novo
Quinze dias depois do fim da Expo 98 (a 30 de setembro), um dos maiores eventos que Lisboa já acolheu, abria o Parque das Nações no mesmo local, uma enorme área de 330 hectares que foi alvo de uma intensa reabilitação urbana nos anos que precederam o evento de 1998. Onde antes havia refinarias de petróleo, armazéns, lixeiras a céu aberto e matadouros, passou a estar a mais nova zona de Lisboa, de construção moderna, com uma ligação direta à linha de caminhos-de-ferro do Norte e uma extensão do Metro completamente nova que simplificava muito as deslocações ao centro da capital.
Além disso, ali bem perto, ficavam os espaços culturais e empresariais que tinham servido de base à Expo: o Pavilhão Atlântico (atual Meo Arena), o Oceanário, a Torre Vasco da Gama, o Teatro Camões e os pavilhões da Feira Internacional de Lisboa (FIL), entre outros. A zona oriental da cidade ganhava, assim, um novo destaque e tornava-se uma das mais cobiçadas áreas do país. Ainda hoje, a população do Parque das Nações é maioritariamente da classe média-alta e, segundo os dados disponibilizados pelo município, é também das mais jovens e das que mais estudos têm em toda a cidade.
A atração do Parque das Nações mantém-se hoje como há 16 anos. “A zona da Expo é um ex-líbris dentro de Lisboa”, explica Nuno Ricardo, responsável por um conjunto de agências do grupo imobiliário Remax. “Estamos a ficar sem produto novo, é preocupante, a procura é mesmo muita”, diz. E a zona começou a chamar a atenção também dos estrangeiros, que desde outubro de 2012 têm recorrido aos vistos gold para comprar imóveis no Parque. Só pela Remax já foram vendidas 100 casas a estrangeiros, o que corresponderá a cerca de 90 vistos gold, porque há investidores que, para perfazer o valor de 500 mil euros mínimo para a atribuição deste visto, adquirem mais do que um imóvel.
Ou seja, no mínimo, já foram investidos 45 milhões de euros por estrangeiros em casas no Parque das Nações. A liderar as nacionalidades estão os chineses (são perto de 90% dos pedidos), mas também há cidadãos dos Emirados Árabes Unidos, turcos, paquistaneses, americanos, russos, brasileiros e angolanos interessados. Nuno Ricardo fornece-lhes um serviço completo. Vai “buscá-los ao aeroporto, [tem] gabinetes de advogados já preparados, [leva-os] a restaurantes, a fazer compras, sightseeing… Não os podemos deixar desacompanhados”, refere.
O presidente da junta José Moreno também nota o aumento de estrangeiros. “Veem-se cada vez mais caras orientais”, comenta. Isto apesar de grande parte dos novos rostos comprar casa para a arrendar logo a seguir. No Parque das Nações, o valor de arrendamento de um T2 pode variar entre os 900 e os 1.100 euros, enquanto um T3 pode chegar aos 1.600 euros mensais. Nuno Ricardo, que faz frequentes deslocações a países asiáticos para apresentar os vistos gold, está agora empenhado em fazer avançar projetos que já existem e que a crise veio travar. “Temos o Ferrari montado para vender”, só falta mesmo a banca financiar as novas construções.
Um “estado de degradação enorme”
Hoje, a junta parece estar bem instalada, ainda que a acumulação de funcionários pelas salas dê uma certa ideia de sobrelotação do espaço. No gabinete de José Moreno, com uma secretária e uma mesa redonda para reuniões, figuram quatro postes para bandeiras, um dos quais desocupado à espera da bandeira oficial da freguesia, cujo brasão está a ser aprovado. Atrás de si, duas fotografias de quando o Parque das Nações não era Parque das Nações, de quando nem sequer a Expo 98 passava de uma miragem longínqua. São fotografias dos tempos, que agora parecem impossíveis, em que aqueles terrenos eram ocupados pelas refinarias de petróleo, matadouros e lixeiras.
A Torre Vasco da Gama em construção e já depois de aberta ao público. Mova o cursor para os lados para comparar o antes e depois. (imagens cedidas pela Parque Expo)
A Gare do Oriente em construção e já depois de aberta ao público. Mova o cursor para os lados para comparar o antes e depois. (imagens cedidas pela Parque Expo)
Dezasseis anos passaram desde a Exposição Mundial e da criação do Parque das Nações, e o cenário que ali existia antigamente é impensável nos dias de hoje. Ainda assim, avisa José Moreno, “isto entrou em colapso”. “Eles [a câmara] abandonaram claramente o espaço, deixaram caducar os contratos de manutenção” e, agora, grande parte das zonas verdes estão degradadas, acusa. “Há aqui espécies [arbóreas] muito sensíveis, que precisam de um acompanhamento técnico muito apertado. Já houve alguma intervenção positiva, mas mais do São Pedro”.
Enquanto percorre os trilhos enlameados do Parque do Tejo, a segunda maior mancha verde da cidade de Lisboa, José Moreno vai apontando alguns dos problemas da zona. Em alguns locais, mercê da ação da chuva, a relva está tão alta que lhe chega aos joelhos. Noutros, o terreno está completamente seco. O sistema de rega, que é “sofisticado, complexo e caro”, tem falhas, que originam a disparidade entre as zonas do parque e que custarão pelo menos 30 mil euros a resolver, afirma o autarca.
“Recebemos tudo num estado de degradação enorme”, acusa Moreno, a junta só é responsável pela manutenção de 25% dos espaços verdes do Parque das Nações. Os outros 75% são responsabilidade da câmara. Mas “manutenção é uma coisa, obra estrutural é outra” e “as pessoas não têm presente o que é de quem”, pelo que colocam mais pressão na junta de freguesia.
Nem só de problemas com relva e árvores vive o Parque das Nações, mas também da degradação de equipamentos públicos. No Parque do Tejo, os bebedouros não funcionam e os caixotes para dejetos caninos estão vandalizados. O skate park, além de muito grafitado, tem fendas que põem em risco os utilizadores. Na Alameda dos Oceanos, as tábuas que compõem o pavimento da artéria central estão partidas. “Sabia-se que meter ripas de madeira sobre raízes de árvores… elas vão crescer”, comenta José Moreno, que considera que “aquilo tem de ser repensado, reformulado. Enquanto é pensado e não é pensado, as tábuas vão-se partindo e ficamos com os cabelos em pé”. A câmara, diz, “começou a fazer qualquer coisa aqui” a partir de junho, mas ainda não chega. “Espero que na primavera possamos ter isto com melhor aspeto”, diz, apontando para um canteiro onde são raras as plantas.
O fandango da Expo
Problemas, problemas, problemas. Um ano de mandato do executivo da mais recente freguesia de Lisboa faz-se disto, mas também de confiança no futuro. “A história do Parque das Nações lê-se, não se vê”, como acontece nos bairros históricos da cidade, com os quais, defende José Moreno, “tem de haver um casamento perfeito”. E fala entusiasticamente na defesa da “identidade própria” da zona.
“A ideia que temos é que estamos noutro país”, diz, para definir essa identidade, cuja defesa passa por “aprofundar a relação única com o rio e manter o padrão de qualidade” do Parque das Nações. Isso ao mesmo tempo que se tenta “serzir com a realidade do resto da cidade”.
Para o futuro, o autarca quer uma maior dinâmica cultural do Parque, nomeadamente com a criação de um espaço museológico sobre a Expo 98, onde se reúna todo o espólio sobre o evento, atualmente disperso. Mas o Parque das Nações não quer só viver desse passado. Um núcleo do museu dos caminhos-de-ferro ou, como alguém sugeriu recentemente, um museu do fandango são dois dos projetos que, a concretizar-se poderão ajudar a definir melhor a identidade da nova freguesia. “Há tanta coisa que se pode ainda fazer aqui. Um mundo fantástico”, conclui José Moreno, com um ar sonhador.