As equipas ainda estão no terreno a resgatar vítimas, as famílias dos desaparecidos desesperadas junto ao hospital de Belo Horizonte, há 34 mortos confirmados e o número de desaparecidos ainda é assustador: cerca de 300. É assim difícil prever qual vai ser a verdadeira dimensão da rutura da barragem de Brumadinho, no estado de Minas Gerais, no Brasil. Há, no entanto, várias dúvidas que surgem no imediato: por que não foram avisadas as pessoas? De quem é a culpa? Era possível prever? Onde irá parar o rio de lama? Já se sabe que o alarme não disparou, que a barragem estava sinalizada como perigosa e que, à partida, o desastre não será tão grave do ponto de vista ambiental como o de Mariana.
O sistema de alarme falhou?
Várias fontes confirmam que o alarme, que deveria ter tocado no momento em que a barragem da Mina do Feijão cedeu, não foi acionado. Segundo Maria Júlia Andrade, que representa o Movimento pela Sabedoria Popular na Mineração, citada pela BBC, os moradores que vivem perto da barragem revelaram que o alarme não tocou no momento da rutura. A empresa Vale, tal como é obrigada por lei, promoveu formações junto dos moradores que residem nas zonas próximas da barragem, para que soubessem o que fazer e para onde fugir caso ouvissem o alarme. Problema: o alarme não tocou. Ora, como lembra Júlia Andrade, “é a sirene que desencadeia todos os protocolos de segurança”. Ou seja: “Se ela não toca, não há protocolo“.
Há várias testemunhas que afirmam que a sirene não terá tocado, como destaca a Globo. O porta-voz do Corpo de Bombeiros, Pedro Aihara, disse logo na sexta-feira ao BHAZ, um jornal local de Belo Horizonte, que “moradores da região e funcionários da empresa que conseguiram sair do local não relataram ter ouvido qualquer aviso na hora do rompimento“.
Já o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, não deu certezas sobre se o alarme foi ou não acionado, dizendo que pode não ter valido de muito: “Nem nós sabemos [se o alarme funcionou]. É provável que tenha funcionado, mas a velocidade a que tudo aconteceu foi muito rápida. O rompimento provocou uma ação muito rápida.”
Há o risco de acontecer o mesmo nas barragens vizinhas?
Muitas vezes, devido à pressão de uma rutura numa barragem pode haver um efeito dominó em barragens na mesma zona. Neste caso, havia esse risco. Num primeiro momento, os bombeiros disseram à imprensa que as outras duas barragens do complexo de Brumadinho podiam estar igualmente danificadas e em risco de rutura. Horas depois, o presidente da Vale garantiu que apenas uma barragem teve uma rutura e uma outra transbordou. Fabio Schvartsman referiu, no entanto, que a estrutura da barragem continua com a estrutura intacta.
Katia Visentainer, do Comité Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, disse à BBC que caso outras barragens tivessem sido danificadas, o mar de lama poderia ser ainda maior. Desconhece-se qual o volume armazenado pelas duas outras barragens do complexo.
Brumadinho antes e depois da rutura da barragem. Veja as imagens e novos vídeos da tragédia
A barragem da Mina do Feijão estava em risco de rutura?
No final de 2018, foi revelado um relatório da Agência Nacional das Águas (ANA) a indicar que no espaço de um ano o número de barragens em risco de rutura no Brasil tinha aumentado de 25 para 45. No Brasil existem mais de 23 mil barragens que têm como finalidades a acumulação de água ou de resíduos minerais (era o caso desta) e a produção de energia.
De acordo com esse mesmo relatório, explicado pela Globo, havia cinco barragens na zona de Minas Gerais em risco de rutura e uma delas era precisamente a da Mina do Feijão. No entanto, segundo o Relatório de Segurança de Barragens, embora integrasse a lista de “perigo”, a barragem que rompeu esta sexta-feira não estava classificada como estando em alto risco de rutura.
A Agência Nacional das Águas parece já ter atirado as culpas para uma outra agência estatal, sugerindo que quem prestou as informações para o relatório foi a Agência Nacional de Mineração. “A ANA perguntou que barragens estariam em situação crítica e a barragem rompida nesta sexta-feira não foi apontada como crítica pela Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pelas informações das barragens de rejeito de minério”, referiu a Agência Nacional de Águas.
Já da empresa Vale há garantias de que a “segurança física e hidráulica da barragem” estava atestada em declarações de Condições de Estabilidade, emitidas pela empresa TUV SUD no verão de 2018. Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconómicos, alerta porém para o facto de a barragem estar inativa (não recebia resíduos há três anos) e de essa circunstância poder ter levado a um maior desleixo da empresa no controlo dos níveis de segurança do complexo: “É importante saber se a empresa adota o mesmo rigor de segurança em barragens que estão inativas, em processo de sedimentação”.
[Novo rio de lama deixa rasto de tragédia no Brasil. Veja o vídeo:]
É a primeira vez que acontece uma tragédia deste género?
Não. O maior desastre ambiental do Brasil foi precisamente a rutura de uma barragem no Estado de Minas Gerais. A 5 de novembro de 2015, a barragem de Mariana, gerida pela empresa Samarco (que também pertence à empresa Vale, proprietária da barragem de Brumadinho), teve uma rutura dando origem a um rio de lama que provocou 9 mortes e destruiu povoações no distrito de Bento Rodrigues. Essa mesma barragem tinha armazenados 56,6 milhões de m³ de lama de resíduos minerais. Uma grande parte desse volume de resíduos (43,7 milhões de m³) saiu da barragem e atingiu rio Doce e os seus afluentes, deixando milhares de residentes sem água e sem trabalho.
No mês seguinte foram retirados da lama 11 toneladas de peixes e, mais de três anos depois, tanto o estado de Minas Gerais como o estado vizinho de Espírito Santo ainda sofrem as consequências deste impacto ambiental. Muitos dos desalojados que ficaram sem casa ainda não as conseguiram reconstruir. Na sequência destes desastres há 22 pessoas e quatro empresas que respondem em tribunal pelo que aconteceu, enfrentando acusações de crime ambiental, mas também de homicídio.
Onde irá parar o rio de lama?
O presidente da Vale, empresa que ainda enfrenta processos judiciais pelo desastre na barragem de Mariana, garante que o impacto desta rutura será inferior ao da tragédia de 2015. Há três anos, o rio de lama percorreu 633 quilómetros de cursos de água, atingiu 39 municípios e dois Estados (Minas Gerias e Espírito Santo).
Até ao momento, segundo a BBC, a lama do desastre desta sexta-feira já chegou ao rio Paraopeba, um afluente do rio São Francisco. O São Francisco é o rio mais importante do Nordeste e é deste curso de água que sai o abastecimento de dezenas de milhões de nordestinos. No entanto, tanto a empresa como as autoridades acreditam que o rio de lama não chegará ao São Francisco, já que a massa de água ainda terá de passar por outras barragens que estão longe da sua capacidade máxima. Ao passar por outras barragens, o rio de lama deverá diluir-se e, previsivelmente, perder força.
A situação meteorológica pode, no entanto, mudar o cenário. Se houver chuvas fortes, o volume de lama pode aumentar em extensão e força e ter um impacto ambiental negativo muito maior.
Qual a dimensão da tragédia humana?
É difícil perceber, neste momento, qual poderá ser a verdadeira dimensão da tragédia. 24 horas depois do incidente, registado a 25 de janeiro, as autoridades tinham confirmados 11 mortos. Este sábado, o balanço subiu para 34 vítimas mortais.
Foi encontrado um autocarro só com vítimas mortais, que eram todos funcionários da empresa que geria a barragem. Na sexta-feira o governador de Minas Gerais, Romeu Zena, chegou a dizer que só seriam resgatados corpos, mas depois voltou atrás e disse ter esperança em encontrar sobreviventes.
Dos 345 desaparecidos foram já resgatadas 46 pessoas com vida. Existiam, quando se partiu para a operação de socorro, 86 famílias em zonas de alta probabilidade de salvamento, das quais duas já terão sido resgatadas com sucesso.
Quem poderão ser os responsáveis?
Neste momento a pressão está sobre a proprietária da barragem, a empresa Vale, e também sobre o estado brasileiro, que tem o dever de fiscalizar e regular a atividade mineira, bem como a forma como são armazenados os resíduos minerais. O relatório de entidades públicas a alertar para os riscos de colapso da barragem dá margem aos sobreviventes e familiares das vítimas para exigirem responsabilidades ao governo brasileiro.
No Parlamento já foram pedidas responsabilidades à empresa Vale e ao seu presidente Fabio Schvartsman. A deputada estadual Janaína Paschoal (redatora do processo de impeachment de Dilma Rousseff ) e Joice Halssemann (a deputada federal mais votada da história da democracia brasileira), ambas do PSL, o partido do presidente Bolsonaro, já exigiram a prisão dos responsáveis da empresa. A justiça, como se vê com o desastre da barragem de Mariana, tem sido lenta a atuar neste tipo de processos.
O presidente da empresa, que estava a chegar à Suíça para participar no Fórum de Davos, manifestou de imediato um “profundo pesar” pelo que aconteceu. Fabio Schvartsman prometeu de imediato regressar ao Brasil: “Acabei de chegar à Suíça neste instante e, assim que o tempo abrir, eu vou apanhar um avião e vou para o local para procurar ajudar no que eu puder. A nossa preocupação, a minha preocupação, da Vale como um todo, são as vítimas. Resgatar as pessoas, atender as pessoas, fazer tudo o que estiver ao alcance para tentar enfrentar essa situação inimaginável“.
Logo após a tragédia, o juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Renan Chaves Carreira Machado, a pedido da Advocacia Geral do Estado (AGE), determinou que fosse congelado um bilião de reais (mais de 232,3 milhões de euros) das contas da empresa Vale. O valor foi disponibilizado na conta judicial e tem por objetivo dar um apoio “imediato e efetivo amparo às vítimas e redução das consequências (…) e na redução do prejuízo ambiental“. A mesma decisão obrigava a empresa a apresentar num prazo de 48 horas “um relatório sobre as ações de amparo às vítimas” e ainda que “adote medidas para evitar a contaminação de nascentes hidrográficas, faça um planeamento de recomposição da área afetada e elabore, de imediato, um plano de controle contra a proliferação de pragas e vetores de doenças diversas“.
Entretanto, os ambientalistas continuam a culpar as empresas mineiras por estes desastres ambientais e aproveitam para demonstrar ao governo que a questão ambiental deve ser central no Brasil. O antigo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, diz esperar que “a tragédia de Brumadinho abra os olhos para o Governo” e adverte que “meio ambiente não é zoeira [gritaria] de esquerda: é respeito pela vida das pessoas.”
Que a tragédia de Brumadinho abra os olhos do governo. Meio ambiente não é zoeira de esquerda: é respeito à vida das pessoas e do planeta. O Governo deve regular e fiscalizar com mais energia sem demonizar quem disso se ocupa. Solidariedade às vítimas, mais ação para o futuro.
— Fernando Henrique Cardoso (@FHC) January 26, 2019