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Principais órgãos do Estado e mais de oito mil empresas passam a ter canais de denúncia — e são obrigadas a proteger denunciantes

Canais de denúncia nos principais órgãos do Estado e em mais de 8 mil empresas entram em vigor este sábado. Denunciantes têm de ser protegidos. Entidade que fiscaliza lei ainda não existe.

Os principais órgãos do Estado e as grandes e médias empresas passam a ter a obrigação, a partir deste sábado, de ter canais de denúncias para os seus funcionários, clientes ou até fornecedores comunicarem eventuais irregularidades e até ilícitos criminais que tenham detetado na relação com a respetiva entidade.

Quer as entidades públicas quer as empresas com mais de 50 trabalhadores passam a ter essa obrigação. No caso das sociedades comerciais, o universo abrangido pela lei que deriva da chamada diretiva europeia do whistleblower é de 8.312 empresas que, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, é o universo de médias e grandes empresas, que, conforme a definição, terão mais de 50 trabalhadores.

Todos os denunciantes ficam igualmente com um grau reforçado de proteção jurídica, principalmente se forem funcionários das entidades denunciadas. Ou seja: não podem ser despedidos, sancionados ou prejudicados de alguma forma na sua carreira profissional.

Autoridade que vai fiscalizar prevenção da corrupção ainda não saiu do papel

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A entrada em vigor deste novo regime, contudo, inicia-se com problemas, pois a autoridade que vai fiscalizar a aplicação da lei ainda só existe no papel, como o Observador revelou em primeira mão. Resultado: as entidades públicas e as empresas prevaricadoras não poderão ser multadas, como impõe a lei.

O que é um whistleblower?

O termo inglês whistleblower ganhou uma dimensão global em 2013 quando Edward Snowden deu informação confidencial ao The Guardian e ao The Washington Post sobre as vigilâncias em massa que eram feitas aos cidadãos norte-americanos em nome do combate ao terrorismo pela Agência de Segurança Nacional, um dos serviços secretos dos Estados Unidos para o qual Snowden trabalhava.

Antes, a rede Wikileaks de Julian Assange já tinha sido um intermediária entre outros whistleblower e alguns dos principais meios de comunicação social europeus.

Um whistleblower pode ser traduzido como um “denunciante”.  Mas um denunciante que tem uma característica específica: faz parte da organização que denuncia ou tem acesso por via profissional aos dados que são revelados. Rui Pinto, por exemplo, não encaixa nessa categoria.

Apesar de a lei fazer parte da Estratégia Nacional Contra a Corrupção, estes canais de denúncia pretendem ir além da criminalidade económico-financeira propriamente dita. Podem abranger qualquer outro tipo de irregularidade na área laboral, por exemplo, ou até mesmo matérias éticas e de conflito de interesse.

Apesar de a lei fazer parte da Estratégia Nacional Contra a Corrupção, estes canais de denúncia pretendem ir além da criminalidade económico-financeira propriamente dita. Podem abranger qualquer outro tipo de irregularidade ou infração em áreas tão diferentes como a contratação pública, o setor financeiro, a segurança dos produtos alimentares e não alimentares, a proteção do ambiente, a saúde pública ou a área laboral.

A essência dos canais de denúncia resume-se numa frase: promover a transparência do mercado, combater a opacidade e o abuso, reforçando assim uma concorrência sã e leal entre as empresas.

As características dos canais de denúncia

O ponto de partida para avaliar quem está abrangido pela lei é exatamente o mesmo, quer para o Estado, quer para o setor privado: todas a entidades públicas e empresas que tenham mais de 50 trabalhadores têm a obrigação de abrir canais de denúncia e de proteger os respetivos denunciantes.

A lei especifica mesmo quais são os órgãos do Estado que têm essa obrigação: a Presidência da República, a Assembleia da República, o gabinete do primeiro-ministro e todos os ministérios que compõem o Governo, os principais órgãos judiciais (Tribunal Constitucional, Conselho Superior da Magistratura, Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Tribunal de Contas e Procuradoria-Geral da República).

Em termos da administração regional e local, os representantes da República nas regiões autónomas, todas as secretarias regionais que compõe os respetivos governos da Madeira e dos Açores, assim como as autarquias com mais de 50 trabalhadores e mais de 10 mil habitantes têm as mesmas obrigações.

A ministra Francisca Van Dunem incluiu a legislação dos canais de denúncia na Estratégia Nacional Contra a Corrupção

Estes canais de denúncia internos têm de ter as seguintes características:

  • Têm de ter um responsável claramente identificado e um staff;
  • Têm de assegurar a confidencialidade ou o anonimato dos denunciantes, sendo certo que podem ser apresentadas por escrito ou até verbalmente junto do staff do canal de denúncia;
  • Os denunciantes têm direito a ser informados sobre o andamento da respetiva queixa;
  • Os responsáveis e os funcionários que tenham funções nesses canais de denúncia têm de estar a salvo de qualquer espécie de conflito de interesse.

Alguns órgãos do Estado, como o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal, assim como reguladores (como o Banco de Portugal), autoridades administrativas independentes, institutos públicos, inspeções-gerais e autarquias têm de ter igualmente canais de denúncia externos. A Procuradoria-Geral da República, por exemplo, já tem um canal de denúncia desde há vários anos, com ligação direta ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal.

A proteção dos denunciantes

A lei deixa clara a “proibição de retaliação” das entidades denunciadas contra os seus funcionários que assumirem um papel de denunciantes, como também especifica com grande grau de pormenor o que pode ser visto como uma “retaliação”.

Por exemplo, as “ameaças” formais ou informais e atos ou omissões que provoquem “danos patrimoniais ou não patrimoniais” são vistos pela lei como uma “retaliação”.

Durante dois anos após a denúncia da alegada infração, os denunciantes ficam igualmente protegidos de qualquer espécie de alteração das condições de trabalho (funções, horário, local de trabalho, etc.), de despedimentos, sanções disciplinares, avaliações negativas ou suspensão do contrato de trabalho, entre outras proteções, prevendo-se ainda proibições de retaliações no caso dos fornecedores (resolução de contrato de fornecimento ou de prestação de serviços).

“As organizações têm de saber as ilegalidades cometidas ‘dentro de portas’ e não podem prejudicar quem as denunciar. A lei pretende proteger os denunciantes desde a primeira comunicação: o denunciante deve ser informado sobre os direitos que tem externamente e sobretudo não pode sofrer retaliação”, afirma Ana Rita Duarte Campos, sócia contratada da Abreu Advogados que no entanto teme que possam existir retaliações encobertas e que fiquem nas raias da lei, como as chamadas prateleiras douradas.

“Uma das alterações que a nossa lei introduziu face à diretiva europeia é muito importante: a lei aplica-se à criminalidade económico-financeira — e aí entra a corrupção”, alerta.

Os denunciantes ficam protegidos durante dois anos de qualquer espécie de retaliação da entidade patronal. Não podem ser alvo de qualquer espécie de alteração das condições de trabalho, despedimento ou sanção disciplinares, por exemplo. Mas tais proteções jurídicas, contudo, cessam se o denunciante "der conhecimento de uma infração a órgão de comunicação social ou a jornalista".

As entidades que prevaricarem, têm duas vias de sanções à sua frente. Por exemplo, as pessoas individuais e coletivas que praticarem atos de retaliação podem ter de indemnizar o denunciante pelos danos causados por via de uma ação cível. Mas as entidades coletivas (públicas ou privadas) poderão ser igualmente alvo de processos de contraordenação que poderão culminar no pagamento de pesadas multas.

No caso de contraordenações muito graves, os valores variam entre um mínimo de 25 mil euros e um máximo de 250 mil euros para as pessoas coletivas e um mínimo de 1.000 euros a 10 mil euros para os singulares. Já nas contraordenações graves, o limite máximo é de 125 mil euros para as entidades e 12.500 euros para as pessoas singulares.

As multas, para já, não serão aplicadas

Apesar de os canais de denúncia entrarem em vigor este sábado, os prevaricadores estão a salvo de qualquer processo de contraordenação. Porquê? Porque o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), a autoridade que vai fiscalizar a implementação de tais canais de denúncia, ainda só existe no papel, como o Observador noticiou em exclusivo.

“O que está aqui em causa é a questão da coercibilidade do novo regime. Se uma lei impõe determinados deveres, ela só é efetiva se o Estado tiver uma forma de fiscalizar o cumprimento da lei e sancionar os infratores. No caso em apreço, se as empresas não respeitarem esses deveres, incorrem numa infração. A questão é saber se se essa infração será efetivamente sancionada”, explica o advogado Paulo Sá e Cunha, do escritório Cuatrecasas.

A ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, intervém durante a conferência de imprensa no final da reunião Conselho de Ministros, na sede do Conselho de Ministros, em Lisboa, 26 de maio de 2022. O Governo aprovou hoje uma proposta de lei que regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas, salientando que a nova legislação apresenta “um novo paradigma” e não cria uma base de dados separada. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Cabe à nova ministra Catarina Sarmento e Castro encontrar soluções para implementar o Mecanismo Nacional Anticorrupção

Isto é, o MENAC, a autoridade que vai fiscalizar a constituição de tais canais de comunicação de denúncias, não existe, logo será impossível verificar se as empresas estão ou não a aplicar esse novo instrumento.

O MENAC vai igualmente fiscalizar a aplicação do Regime Geral de Prevenção da Corrupção — que alarga às empresas com mais de 50 trabalhadores as obrigações que já tinham sido impostas ao setor público — mas as sanções neste caso só “entrarão em vigor no dia 7 de junho de 2023 — um ano depois da entrada em vigor do decreto-lei que instituiu o MENAC”, explica Sá e Cunha.

Certo é que o Ministério da Justiça, agora liderado por Catarina Sarmento e Castro, ainda não indicou publicamente quando é que o MENAC será efetivamente implementado, com a nomeação de uma equipa de gestão e o respetivo staff. O Observador questionou a Justiça no dia 7 de junho mas ainda não obteve qualquer resposta.

EDP diz que está preparada. Cotadas já tinham de ter canal de denúncia

Do lado das grandes empresas, a palavra de ordem é “tranquilidade”.

A EDP, por exemplo, diz ao Observador que “está em plenas condições para implementar a nova lei no prazo previsto.” A principal elétrica nacional assegura que tem um “processo sólido” nesta área. Já tem diversos canais de reporte de alegadas infrações — como é o caso do Canal de Ética, de Matérias Financeiras, de Branqueamento de Capitais, entre outros — que estão acessíveis aos seus trabalhadores mas também aos fornecedores, clientes e parceiros. Contudo, estes canais têm registado, através de reportes, níveis de utilização abaixo dos indicadores de referência internacionais.

Dado o trabalho já desenvolvido e consolidado pela EDP nesta área, a nova lei implicará apenas ligeiros ajustes ao processo – a própria solução tecnológica a implementar já beneficia do sistema existente na empresa. Esta adaptação não envolve, por isso, custos significativos nem novas contratações, dado que a nova função será desempenhada por quem já tem responsabilidades em matéria de Ética e Compliance na empresa.

DCIAP investiga negócio de 1,4 milhões de ex-diretor-geral da Energia com a EDP

Recorde-se que os ex-líderes da EDP António Mexia e João Manso Neto são visados num dos principais processos de criminalidade económico-financeira em investigação no Ministério Público. Um dos crimes de corrupção imputados a Mexia e a Manso Neto prende-se com um negócio de 1,4 milhões de euros entre a EDP e um diretor-geral da Energia chamado Miguel Barreto pela venda de 40% de uma empresa de certificação energética.

Apesar de o negócio ter sido feito três anos após Miguel Barreto ter concedido uma licença ilimitada para a exploração da central térmica de Sines, nenhum dos diversos consultores jurídicos ou outros quadros da EDP viram qualquer conflito ético em realizar negócios com um ex-titular de alto cargo público que tomou decisões sobre a elétrica.

As empresas cotadas já tinham, antes da entrada em vigor desta lei, que ter canais de denúncia. E por isso é uma questão, agora, de adaptá-los. A Galp, por exemplo, garante no seu relatório e contas de 2021 que recebeu um total de 25 denúncias:

  • Vinte queixas por assédio moral no local de trabalho;
  • Uma queixa por potencial conflito de interesses;
  • Uma queixa relacionada com discriminação numa estação de serviço;
  • Uma denúncia sobre alegadas práticas anti-trust;
  • Uma queixa relacionada com apropriação indevida de bens.

Quatro dessas comunicações deram lugar à adoção de medidas disciplinares, sete levaram à adoção de medidas para adaptar as normas estabelecidas no Código de Ética e Conduta da sociedade, quatro ainda estavam curso e 10 foram arquivadas.

No caso da Navigator, o respetivo relatório e contas de 2021 também refere a existência de canais de denúncia internos já consolidados, mas que nesse ano tiveram um número muito reduzido de comunicações. Apenas foram feitas duas, uma sobre questões laborais e a outra sobre a relação com um fornecedor florestal, tendo ambas sido arquivadas por falta de evidência de irregularidades.

O relatório e contas da Navigator destaca ainda a existência de uma investigação criminal de 2020, ainda em curso, relativa à alegada corrupção na atividade de receção de madeira de um dos centros fabris da empresa, mas não é claro se a denúncia para a abertura do processo crime nasceu dos canais de denúncia internos.

Fonte oficial da Confederação Empresarial de Portugal alerta que “as leis são quase sempre bem intencionadas, mas a sua aplicação concreta é que nos dirá se a ideia foi boa ou se criou apenas mais burocracia”. A mesma fonte garante que “a transparência é fundamental”, não avançando estimativas de impacto nas empresas da aplicação desta lei, nomeadamente sobre os custos de implementação.

Implementar canal pode sair caro

A lei admite a existência de canais de denúncia externos, mas terá de haver um seguimento interno. E é isso que as entidades têm de implementar com custos associados. Ninguém fala em valores, mas há que ter em conta que os canais de denúncia devem prever a receção por via de vários dispositivos (email, telefone, correio), tendo de ser garantida a confidencialidade da identidade do denunciante ou o seu anonimato (caso a denúncia tenha chegado por via anónima).

Além disso, todas as informações inerentes ao processo têm de ser preservadas, de forma segura e que garanta que não há intrusão no conteúdo, por cinco anos ou até que as ações desencadeadas judicialmente ou administrativamente terminem.

É aqui que entra não apenas a necessidade de as entidades terem um responsável por este canal internamente, mas também um canal de receção das denúncias. “Os canais de denúncia podem ser operados externamente, para efeitos de receção de denúncias”. Tem-se, aliás, aberto um novo mercado com este diploma, nomeadamente com a existência de softwares que garantem a aplicação desta lei.

A Informa D&B, por exemplo, comercializa um software específico para estas situações que está alojado em servidores externos localizados na União Europeia e totalmente encriptados. Tal solução contém uma caixa de correio protegida e acessível apenas pelo denunciante e que permite uma comunicação fechada com o responsável pela gestão do canal de denúncia. Só esta solução custa 99 euros por mês. E há vários produtos no mercado. Dados da Coherent Market Insights dão conta de que, a nível global, o mercado do software de denunciantes pode atingir, este ano, mais de 100 mil milhões de dólares.

“Tenho visto e ouvido a grande preocupação das empresas com a parte técnica e de como arranjam o software e de saberem como é que se faz”, salienta Ana Rita Duarte Campos. A sócia contratada da Abreu Advogados lembra ao Observador que “até há pouco tempo não havia softwares no mercado para este outsourcing”, além de que as empresas querem conter custos e poderá, mesmo, haver alguma dificuldade financeira na implementação, que pressupõe não apenas o dito software mas também assessoria técnica e jurídica, até porque o diploma que institui o canal de denúncias chega acompanhado de um outro — o Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) — que determina a existência de um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas dentro de cada entidade e um responsável pela sua aplicação.

Como alerta Paulo de Sá e Cunha, há muita tendência para se improvisar, pelo que admite que o prazo possa vir a ser prorrogado para a sua implementação. “Há muita gente que só agora despertou para isto e criar um canal de denúncias não é simplesmente criar um email. Não é isso que se pretende e há muitas soluções que estão a ser vendidas assim”.

Além disso, o software é uma peça do sistema, “mas não é o sistema em si”. E se lei prevê que os canais de denúncia podem ser operados externamente para efeitos de receção, têm, no entanto, de ser operados “internamente” para dar seguimento. Ana Rita Duarte Campos tem a interpretação que cabe à entidade em causa o tratamento da denúncia. E aqui chega uma outra situação de alerta: os prazos de resposta.

Denúncias sem muito tempo de resposta

Depois de recebida a denúncia existe um prazo de sete dias (corridos) para que haja uma resposta ao denunciante. Nesse prazo, além de comunicarem a receção da denúncia têm de informá-lo “de forma clara e acessível” sobre os requisitos, autoridades competentes e forma e admissibilidade da denúncia externa. Sob pena de o denunciante ficar com via aberta para denunciar na comunicação social.

Mas, atenção, caso a denúncia tenha uma resposta efetiva, o denunciante não poderá falar com jornalistas sobre a alegada infração que denunciou, sob pena de perder a proteção jurídica que a lei lhe confere. Esta regra só conhece uma exceção: se o denunciante tiver “motivos razoáveis para crer que a infração pode constituir um perigo iminente ou manifesto para o interesse público.”

A entidade denunciada tem de responder em sete dias "de forma clara e acessível" sobre os requisitos, autoridades competentes e forma e admissibilidade da denúncia externa. Sob pena de o denunciante ficar com via aberta para denunciar na comunicação social.

Estes sete dias são um alarme da nova lei que não existia, por exemplo, nos canais de denunciantes que as empresas cotadas em bolsa já tinham de ter.

Depois é dar seguimento, verificando as alegações e, se for detetada uma irregularidade, pôr termo à mesma. O denunciante tem, depois disso, de ser informado no máximo em três meses do seguimento que foi dado e sua fundamentação. E ao denunciante cabe o direito de requerer “a qualquer momento” que lhe seja comunicado “o resultado da análise efetuada à denúncia no prazo de 15 dias após a respetiva conclusão”.

Se esta lei visa proteger os denunciantes, dá também ferramentas para se punir quem agir de má-fé. Nesse caso comprovado, a proteção deixa de vigorar.  Fica, ainda assim, claro que a proteção é dada ao denunciante “de boa-fé” e que “tenha fundamento sério para crer que as informações são, no momento da denúncia ou da divulgação pública, verdadeiras.” Ainda assim, Paulo de Sá e Cunha não tem dúvidas de que “grande parte daquilo que é objeto de denúncia é lixo, não interessa para nada”. Mas a resposta tem de ser dada.

Mais um polícia na empresa

O diploma que institui a obrigatoriedade de existência de um canal de denúncias entra em vigor a 18 de junho, seis meses depois da sua implementação, e sem período transitório. Ou seja, assim que esteja em vigor o mecanismo tem de estar operacional, ainda que, como já se viu, a entidade fiscalizadora não tenha visto ainda a luz do dia.

Os advogados falam de um prazo curto de implementação, ainda para mais quando este diploma é contemporâneo do RGPC que para as médias empresas até dá um prazo de implementação de dois anos. Ou seja, neste último diploma houve preocupação de olhar para a dimensão das entidades, mas, conforme acredita Paulo de Sá e Cunha, a sua implementação é também mais complexa do que o estabelecimento de um canal de denúncias.

"Tudo isso é uma tendência irresistível atual, que é tornar-nos a todos polícias uns dos outros. É uma sociedade de delação estimulada, que assenta na ideia pragmática de que o Estado não pode controlar tudo."
Paulo de Sá e Cunha, sócio da Cuatrecasas

Se o canal de denúncias pressupõe a existência de membros independentes a tratar das comunicações, o RGPC implica mesmo a existência de um responsável pela execução do plano de prevenção.

É, no entender dos advogados, mais um polícia dentro da empresa, à semelhança do que resultou do regime geral sobre a proteção de dados que obrigou à criação do Encarregado de Proteção de Dados (DPO – Data Protection Officer). Admite-se, mesmo, no RGPC uma suspensão do processo caso a infração seja sanável.

“O DPO foi o primeiro polícia colocado dentro das empresas, foi a primeira pessoa autónoma com deveres de report às autoridades, mas a lógica é defender o interesse corporativo para evitar que haja ilícitos internos”, realça Ana Rita Duarte Campos.

Paulo Sá e Cunha corrobora. “Tudo isso é uma tendência irresistível atual, que é tornar-nos a todos polícias uns dos outros. É uma sociedade de delação estimulada, que assenta na ideia pragmática de que o Estado não pode controlar tudo”.

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