A preocupação socialista nesta altura é tão grande como a dificuldade em responder ao problema político criado pela saída de um secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro menos de dois meses depois de ter tomado posse. O tiro foi direto ao porta aviões, à coordenação do Governo, e precisamente à solução que António Costa tinha encontrado para ajudar a sair do enredado de casos e de desorientação política na sua equipa. No PS o sentimento é de desorientação e aguarda-se uma resposta forte e “à prova de bala” do líder socialista — arriscam-se mesmo nomes e soluções. Internamente, a preocupação é no espaço que se está a deixar aos “casos” e “comentadores”, por ausência de “respostas políticas”.
O aviso vem de dentro do núcleo duro, onde o líder socialista tem sido aconselhado a “governar bem, pensando mais nos eleitores do que nos comentadores“. “No fim, fazemos as contas”, comenta um alto dirigente com o Observador. Outro acrescenta que “o problema não são os casos, mas sim as respostas políticas aos problemas” que o país está a enfrentar. Os dois mostram preocupação com a incapacidade de manter esses mesmos casos políticos afastados do centro do debate.
“Casos sempre existiram e existirão. Só não são o centro do debate político quando somos capazes de marcar a agenda política”, atira um governante. Em plena discussão do Orçamento do Estado para 2023, cujo processo encerra no Parlamento na próxima semana, existe desconforto no Governo com a inaptidão em conseguir que nem mesmo isso entre no debate público. “Alguém fala do OE?”, pergunta de forma retórica.
Um Governo que vive num constante apagar de fogos, sem conseguir impor a sua própria agenda, começa a levantar dúvidas no próprio partido quanto à sua capacidade de resistência quando ainda falta todo um mandato pela frente (afinal a maioria absoluta tem apenas nove meses de existência). E sobretudo quando os assuntos polémicos se aproximam do primeiro-ministro — por exemplo, este fim de semana foram noticiados contratos entre o ex-secretário de Estado Miguel Alves e a CML no tempo em que Costa era presidente.
“Ou há um golpe de asa ou isto acabou”, vaticina um dirigente do PS em conversa com o Observador, apontando precisamente o “espaço” cada vez menor que existe “para a governação”. “Se Costa não conseguir estancar notícias sobre a CML isto vai acabar com ele próprio”, considera um socialista. Facto é que, em declarações à CNN quando o caso foi noticiado, o líder socialista traçou logo uma barreira: “Miguel Alves foi meu assessor na CML entre 2007 e 2009. Não disponho de informação sobre relações contratuais que terá tido posteriormente com o município de Lisboa”.
Há outro caso que surgiu também a tocar diretamente o primeiro-ministro, relativo a uma acusação do antigo governador do Banco de Portugal. António Costa respondeu com dureza e um processo a Carlos Costa.
“À prova de bala”
O ambiente é agreste e faz com que o PS reclame por uma resposta robusta e segura em relação ao problema mais recente, para começar. António Costa fez saber, logo na noite em que saiu Miguel Alves, que “oportunamente proporá ao Senhor Presidente da República a sua substituição”. Um socialista com que o Observador falou nota isto mesmo para afirmar que continua a ser intenção de Costa manter a figura de um Adjunto do primeiro-ministro, de que tinha prescindido quando formou o Governo em março, voltando atrás logo em setembro. Mas quando tudo arde, quem se pode adequar ao cargo?
É preciso “alguém muito transparente e com capacidade política”, comenta outra fonte do PS que ironiza com a eventual necessidade de um perfil pouco exuberante nesta fase, perante o atual contexto: “Alguém que fosse o mais sensaborão possível”.
“À prova de bala não há ninguém”, diz um socialista. “À prova da lupa ninguém é”, acrescenta outra fonte do partido quando assume que “era boa ideia que para aquele lugar se procurasse alguém à prova de bala”. E há quem ironize, criticando a multiplicação de casos e a dificuldade em encontrar alguém sem qualquer passado: “Se calhar o melhor é ir à maternidade”.
Com mais ou menos ironias, há um ponto em que os socialistas contactados pelo Observador parecem concordar: o nome que se segue tem de estar escrutinado à partida. “Não se percebe como convidou Miguel Alves naquelas condições”, afirma mesmo um dirigente do partido apontando os dois casos em que o ex-autarca já era arguido quando Costa o convidou para o Governo. A convicção é que esse erro não pode ser cometido duas vezes.
O perfil que se quer na coordenação
Quanto ao resto, o PS vacila entre a exigência de alguém com autoridade política clara e uma figura que não suscite demasiadas paixões. Entre o “high profile” e o “low profile”, como resume outro dirigente do partido que aponta mesmo dois nomes para cada uma das categorias: ou Carlos César como vice-primeiro-ministro, ou o antigo chefe de gabinete de Costa, Francisco André, como Adjunto do primeiro-ministro.
Não é o único socialista a atirar o nome do atual secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Francisco André, a quem os socialistas reconhecem “savoir faire“: “É um diplomata, é muito respeitado e próximo de Costa”. Mas há outro nome apontado ao Observador, também na lógica de conferir peso político à função: “Duarte Cordeiro como vice-primeiro-ministro”. Cordeiro é atualmente ministro do Ambiente, foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares na anterior legislatura e diretor da campanha eleitoral que levou Costa à maioria absoluta
Carlos César é o que surge com mais convicção: “É um político robusto e acabava-se a confusão”. “Se ele tivesse disponibilidade os nossos problemas acabavam”, confia um socialista que reconhece a César a capacidade de “à sua maneira” dizer que “não a António Costa”.
Há um ano, quando já era falado para o mesmo cargo — sobretudo após as autárquicas que deram um forte abanão no PS — Carlos César já tinha uma cábula para responder a quem o abordava com a questão. Dizia que a sua participação na vida política não incluía a disponibilidade para o exercício de cargos de Governo e remetia a sua ajuda e participação para o cargo que exercia — e ainda exerce — de presidente do partido.
A disponibilidade, ao que sabe o Observador, mantém-se nos mesmos termos. A eleição do filho, Francisco César, como deputado da Assembleia da República é um dos argumentos que tem pesado para o presidente do partido se manter à distância dos holofotes.
A teoria socialista também se divide sobre a necessidade de aproveitar o momento para uma remodelação maior. “Apesar de haver alguns erros de casting, não são relevantes nesta altura”, argumenta um socialista. Outro dirigente defende uma “remodelação completa e uma profunda delegação de competências, com o primeiro-ministro a gerir por cima sem estar em tudo e a ter de responder a minudências”.
No Governo, o mesmo dirigente aponta problemas à visão antiquada de Costa. “Continua a estar agarrado aos mesmos métodos de governação de 2007 e da Câmara de Lisboa” e hoje “há redes sociais e a informação circula a uma velocidade muito maior”. O que mais vai incomodando o PS nesta altura é que do lado de lá está um novo e fresco líder do PSD. “Luís Montenegro tem feito tudo bem e tem sabido desviar atenções”, comenta-se no partido receando que esse crescimento social-democrata possa trazer nervosismo adicional sobre o Governo e o PS.