Entrevista em São Miguel, Açores
O sprint final da corrida às urnas nos Açores é feito de entra e sai do avião. Se na terça-feira nos encontrámos com José Manuel Bolieiro em Ponta Delgada, São Miguel, na quarta-feira já o líder do PSD Açores estava no Corvo e na quinta a ponderar ir às Flores. Valha o tempo que acalmou e que permite voos de última hora. José Manuel Bolieiro deixou a câmara de Ponta Delgada para liderar o PSD Açores neste ciclo eleitoral, mas lamenta a “instabilidade” que o PSD atravessa nos Açores, com lideranças sucessivas atrás de lideranças. Longe vão os tempos das maiorias absolutas do PSD, que foram substituídas, a partir de 1996 até hoje pelo domínio socialista.
Os quadros na parede, na sede do partido social-democrata em Ponta Delgada, são prova disso: são sete desde Mota Amaral. E essa é uma dificuldade para o líder do PSD, diz. Isso e o facto de o eleitorado açoriano ser “conservador” no sentido de que gosta do que é garantido e gosta de manter as lideranças no poder. Esse é o trunfo do PS, que o PSD reconhece nesta entrevista. Depois há a pandemia, que também tem jogado a favor do PS, que, segundo Bolieiro, tem feito um discurso do “medo”, numa campanha quase “intimidatória”. Tabuleiro difícil de virar para um PSD que quer apelar à “mudança” e à “credibilidade” através do perfil discreto — e apologista de consensos — do seu líder. Consensos, contudo, só com o CDS.
Numa entrevista gravada na terça-feira à noite na sede do PSD em Ponta Delgada, depois de um dia de campanha porta a porta, José Manuel Bolieiro rejeita juntar os seus aos mandatos que o Chega eventualmente possa vir a eleger (a sondagem conhecida esta quarta põe o Chega como quarta força mais votada, com 3%), elegendo apenas o CDS como parceiro preferencial para alianças. Uma mega-geringonça anti PS não seria coerente, diz, rejeitando alianças puramente aritméticas e preferindo antes alianças com coerência ideológica.
“A alavanca do poder ajuda à manutenção do poder”
O PS governa os Açores há 24 anos, os últimos 20 em maioria absoluta. Antes disso foi o PSD que liderou o governo regional durante 20 anos. O discurso da alternância é suficiente ou cria anticorpos?
Não creio que crie anticorpos, mas reconheço que [o discurso da alternância] não é suficiente. Na verdade, o histórico democrático dos Açores é de alguma conservação no poder. É um eleitorado conservador. E as alavancas do poder são um instrumento que ajuda à manutenção do poder, ajudas às recandidaturas. Isso, manifestamente, é uma dificuldade para o PSD, para mim próprio enquanto líder e challenger ao poder instituído.
Acha que parte em desvantagem?
Isso faz parte dos manuais e da história. Mas a verdade é que pode haver a virtude de nos apresentarmos como o refrescamento da democracia e do poder. E também há a questão do perfil. Tenho procurado apresentar-me não apenas com o que digo, mas com o meu exemplo. Fui vencedor autárquico, tenho um perfil de governação e de reconhecido diálogo social, e capacidade de afirmar consensos. E não discrimino ninguém. Apresento-me como alguém que está ao serviço do povo e que tem uma missão, não tenho perspetiva de carreira nem ambição pessoal. Saí da minha zona de conforto — era presidente da câmara de Ponta Delgada — para liderar o PSD Açores numa situação difícil para o partido, e para afirmar este projeto alternativo para estas eleições legislativas.
Admite a dificuldade de ganhar as eleições. Tirar a maioria absoluta ao PS já pode ser considerado vitória, ou pelo menos meia vitória?
O meu espírito é este: ninguém ganha eleições de véspera, nem as perde. O objetivo de um partido com a força e a história do PSD é de ganhar eleições. Isto é um objetivo inequívoco.
O próprio Rui Rio manteve-se na liderança do PSD nas últimas legislativas com o argumento de que o PS não teve a maioria absoluta que desejava, até fez um discurso quase de meia vitória…
Eu promovo sobretudo a ideia da estabilidade. O PSD tem mudado de liderança nos Açores vezes sucessivas nos últimos anos, e, portanto, não se estabiliza, não se credibiliza. Reconheço que, além da alavanca do poder das recandidaturas e de um certo conservadorismo com que as pessoas nos Açores encaram os atos eleitorais, também tem de haver um esforço da parte da oposição. A oposição também tem o dever de credibilizar-se. É muito importante uma certa estabilidade na liderança e no projeto político de afirmação.
O PSD não tem uma imagem credível?
Tem. Mas tem estado instável. A instabilidade não ajuda, é um reforço de credibilização. O PSD é um partido fundador da autonomia, criou as infraestruturas do desenvolvimento harmónico das nove ilhas e assumiu o prestígio nacional do seu líder fundador, Mota Amaral. Não tem um problema de credibilidade associado aos protagonistas liderantes. Mas precisa de estabilidade. E essa não tem havido no PSD neste 24 anos na oposição.
Ouvi-o dizer numa ação de campanha aqui em Ponta Delgada que não ficará “eufórico com uma vitória nem deprimido com uma derrota”. Isto não é ter pouca ambição?
Não, eu penso que isso é ser sobretudo ponderado e de bom senso. O que é que as pessoas esperam de uma liderança? Ter objetivos, definir um rumo, e compatibilizar o seu comportamento, o seu estado emocional, com a racionalidade da atitude. O excesso de emoções normalmente desestabiliza. A minha serenidade, e a minha tranquilidade quando digo que é preciso encarar a vitória como um objetivo e uma responsabilidade, mas também não entrar em depressão e não desistir, é um exercício de ponderação.
Pode então dizer-se que o grande objetivo do PSD é recuperar a região em 2024 quando houver um fim de ciclo? A estabilidade de que fala é uma coisa que se constrói, que precisa de mais tempo…
Como disse, ninguém ganha nem perde de véspera. A partir do momento em que afirmei este projeto, procurei sempre fazer uma campanha de esclarecimento cívico com as condicionantes todas associadas não só ao facto de ser oposição, mas também à pandemia. Não está em causa a afirmação de que trabalhamos para uma vitória. Não dou por garantido resultado algum. Eu sou um democrata: não é a democracia que faz os democratas, são os democratas que fazem a democracia, por isso o meu discurso e a minha atitude são de democrata, que respeita a vontade do povo.
Ninguém parte para uma eleição a dizer que vai perder. Mas admite que será mais fácil ao PSD recuperar o ritmo em 2024 do que agora? Vasco Cordeiro está a recandidatar-se para o último mandato.
Este caminho é de progresso, de estabilidade. É preciso garantir um trabalho e um projeto para ganhar as eleições em 2020, é isso que estou fazendo (ao bom gerúndio açoriano). E consoante o resultado é progredir sempre neste percurso. Se for, como espero, para governar já, naturalmente é para depois ser recandidato em 2024.
Geringonça anti-PS no day after? PSD rejeita. “Tem de haver coerência doutrinária”
A avaliar pelas narrativas de campanha de todos os partidos aqui nos Açores, se o PS perder a maioria todos cantam vitória. É uma espécie de todos contra o PS. Admite uma coligação alargada aos partidos da esquerda para formar Governo?
Eu não tenho histórico nem de falar mal do que está bem, nem de transformar as derrotas em vitórias. É encarar as coisas como elas forem ditadas pela soberania do povo.
Então não admite uma coligação de toda a oposição contra o PS? Não seria respeitar a soberania do povo.
Tem de haver coerência doutrinária. Eu não estou em busca do poder, mas sim de responsabilidade governativa. E a responsabilidade governativa é mudar o paradigma das políticas públicas que têm sido mal sucedidas nos objetivos claros de criar riqueza, eliminar a pobreza, potenciar a qualificação das pessoas, reforçar o tecido empresarial, combater a demografia e a iliteracia grave. Eu não sou populista. Procurarei, conforme o resultado, encontrar uma solução governativa coerente, quer do ponto de vista doutrinário, quer do ponto de vista ideológico, que tenha o objetivo e o rumo de alterar o paradigma atual da governação e de ser verdadeiramente reformista.
Se a direita, junta, for mais forte do que o PS minoritário, aí admite uma geringonça à direita?
Sim.
E qual é essa direita? É com o CDS, mas também com o Chega, se conseguir eleger deputados?
Posso afirmar com clareza cristalina que não me revejo nas lógicas populistas e extremistas das exposições de alguns partidos. Por isso esses ficarão excluídos independentemente da sua posição ser à esquerda ou à direita.
Se o Chega eleger um ou dois deputados, não admite essa coligação.
O perfil e o percurso que os partidos populistas e extremistas têm tido nestes últimos tempos não são compatíveis com o meu quadro doutrinário e ideológico social-democrata. O meu quadro é mais compatível obviamente com o CDS-PP.
O PSD e o CDS já iniciaram conversações nesse sentido?
Como ninguém ganha nem perde de véspera eu não tenho de iniciar de véspera esse discurso, sem antes ver a vontade do povo transformada em mandatos.
Mas têm de se preparar os cenários das coligações pós-eleitorais.
Preparam-se no dia seguinte porque há tempo para acertar. Com o CDS temos um histórico de entendimentos, por isso não será difícil.
O CDS, nomeadamente o CDS na Madeira e também nos Açores, também tem histórico de se entender com o PS. O líder do CDS Açores, de resto, já se mostrou disponível para se entender com o PS ou com o PSD, o que ganhar com maioria relativa. Em que posição é que fica o PSD se o CDS se aliar ao PS para viabilizar o governo?
Eu respondo em nome do PSD e não em nome dos outros partidos. O que disse agora vale para a minha disponibilidade, não para a disponibilidade dos outros.
Mas como é que fica o PSD se o CDS viabilizar um governo minoritário do PS?
O PSD assumirá as suas responsabilidades. Eu não incluo é parceiros só por contagens aritméticas. Incluo por coerência doutrinária, ideológica e reformista. Quem quer verdadeiramente mudança de paradigma, reformas na governação e nas políticas públicas dos Açores não deve estar do lado da continuidade mas sim da mudança.
É uma crítica que faz ao CDS. Pegando nessa “coerência” que refere, seria mais coerente o PS juntar-se ao Bloco de Esquerda ou ao PCP, como acontece no plano nacional, do que ao CDS?
A pergunta é pertinente mas eles é que têm de responder. Não me parece que seja a melhor coerência, mas o povo julgará se isso acontecer. Além de que isso são cenários, e eu sou um político no ativo e não um comentador.
Rio na campanha, Costa fora. “Não vi o líder nacional do PS aqui”
Vasco Cordeiro está a ser melhor presidente do que Carlos César?
Não me parece, antes pelo contrário. Mas um e outro foram presidentes com o voto democrático do povo. Não me viu até hoje, nem me verá a partir de hoje, a fazer referências de caráter ou de avaliação de personalidade. Os resultados da governação de 24 anos é que são negativos. Ainda recentemente os dados que a Pordata divulgou sobre os Açores não são nada favoráveis a um juízo positivo da governação dos últimos 24 anos com o PS (20 com maioria absoluta e 4 com maioria relativa).
Vou insistir na questão do fim de ciclo, já que o seu adversário se recandidata para um último mandato. Fala-se na possibilidade de Francisco César, filho de Carlos César, poder suceder a Vasco Cordeiro. Vê esse caminho a ser preparado pelos socialistas?
Quer-me colocar como comentador da vida interna dos outros partidos. Nesta fase em que sou candidato a presidente do Governo, estou numa disputa eleitoral com Vasco Cordeiro, com o PS, o meu foco é a afirmação do projeto alternativo que o PSD representa.
Rui Rio esteve cá nos dias 7 e 8 de outubro, antes do arranque oficial da campanha. Não é pouco?
Nós combinamos assim e estamos em sintonia. O calendário que tinha disponível era aquele, e cumpriu. Mas a autonomia do PSD Açores não está apenas no papel. É mesmo confirmada nas ações concretas. A nossa responsabilidade, enquanto PSD Açores, é afirmar a alternativa, neste período em que somos oposição, pelos nossos próprios meios. Mas há solidariedade entre o PSD Açores e o PSD nacional. Sobretudo no objetivo de os Açores contribuírem para o desenvolvimento do país e não de ficarem para trás nas metas a atingir. Ao contrário do PS — não vi o líder nacional aqui — eu conto com a solidariedade do PSD nacional. Mas isso não põe o PSD Açores nem submisso nem dependente do PSD nacional. A minha missão é o desenvolvimento dos Açores: nós temos os piores índices de pobreza na média nacional, temos os piores índices de literacia nacionais, nós somos, em 25 regiões do país, a 21ª mais pobre, em termos de coesão. É preciso é inverter essas tendências.
É tudo uma questão de autonomia, não de o líder do PSD ser um ativo tóxico ou não querer colar-se demasiado a um resultado eleitoral nos Açores?
Nem pensar numa coisa dessas. Eu sou muito respeitador das lideranças do partido, e tenho uma relação pessoal com Rui Rio…
Foi vice-presiente de Rui Rio.
Não significa que concorde com tudo. Fiz a minha contestação, por exemplo, à ausência de um candidato do PSD Açores nas listas para o Parlamento Europeu, e sou exigente na relação do PSD nacional na Assembleia da República e no futuro governo da República para com o desenvolvimento dos Açores e dos açorianos.
Na Madeira, o PSD, que está no governo regional, costuma dizer que é prejudicado porque é o PS que está no governo nacional. Admite que nos Açores o governo regional é favorecido por o governo da República ser PS?
Infelizmente agora não tem sido assim. Acho que andam de costas voltadas e isso tem penalizado, aliás, os interesses dos Açores. A propósito do Plano de Recuperação e Resiliência, que tem dinheiros a fundo perdido, e onde o país teve um envelope financeiro significativo, eu entendia que nestas negociações os Açores deviam ter direito a mil milhões de euros para executar em quatro anos, mas parece que a capacidade negocial ou reivindicativa do governo regional do PS foi nula. Tanto que agora, ao contrário do que o PS anunciou, afinal são 580 milhões os que estão publicados no Plano.
Isso prejudica os Açores.
Naturalmente, e nem corresponde à posição que as regiões ultraperiféricas têm nas exigências da União Europeia sobre a coesão territorial, no princípio da continuidade territorial e no princípio de recuperação de uma economia mais frágil, que por meios próprios não tem massa crítica suficiente. Nós não podemos ter o apoio mínimo, temos de ter o apoio máximo para esta recuperação.
“O PS faz campanha com discurso do medo, quase intimidatória”
Esta é a primeira campanha eleitoral desde o início da pandemia da Covid-19. A seguir haverá presidenciais e depois autárquicas. Hoje acompanhei umas ações de campanha do PSD aqui em Ponta Delgada e as dificuldades são notórias. Pouca gente na comitiva, pouco mediatismo, mas sobretudo pouca gente na rua. Como é que se faz campanha assim?
Com muitas dificuldades. Eu já fiz campanhas de grande mobilização, nomeadamente a última campanha autárquica onde fui candidato e vencedor, tinha uma mobilização e um envolvimento emocional e até de paixão que agora é impossível.
Mas porque não há essa militância ou por causa das regras sanitárias apenas?
Nós temos procurado informar os militantes que se devem inscrever para participar nas ações uma vez que limitamos as presenças. O resultado disto é que, nas ruas, não criamos comitivas de tal forma mobilizadas que depois também despertem as pessoas nas suas casas.
É uma campanha porta a porta, mas sem pessoas à porta.
Mas de forma muito discreta, porque não há ajuntamentos. Sem comitivas enormes não há tanto barulho, não há tanta participação. Mesmo o facto de não suscitarmos grande mobilização já é revelador de que queremos dar o exemplo. Sobretudo agora, numa altura em que começa uma segunda vaga de contágios. Temos de ser e de parecer.
Houve alguma espécie de concertação entre todos os partidos no sentido de não haver grandes eventos de campanha, não haver comícios?
Não tenho conhecimento se houve contacto com outros partidos.
A verdade é que não se vê comícios à moda antiga da parte de nenhuma das candidaturas.
Aí felicito o sentido de responsabilidade e de auto-regulação de todas as candidaturas. É um exercício prudente. Eu, aliás, tenho afirmado que mais vale ser excessivo na prudência do que negligente na ação. E os açorianos têm tido um comportamento cívico exemplar relativamente à pandemia.
Isso dá vantagem ao PS, ao partido que está no poder a liderar a resposta à crise?
É inelutável para quem está na oposição. Quem tem a alavanca do poder, está no exercício da autoridade, e ainda por cima faz muitas vezes o discurso do medo, isso penaliza obviamente o discurso de confiança que o PSD quer colocar.
O PS está a fazer uso desse medo da pandemia?
A parte discursiva da campanha do PS é quase intimidatória. Lá vão dizendo que não é altura de correr riscos, que é tudo muito preocupante e que é melhor manter tudo como está. Eu tenho o discurso ao contrário: não é possível manter tudo como está, porque o que está não está bem. É preciso mudar para fazer bem o que está mal.