Nas primeiras jornadas parlamentares do PSD com Fernando Negrão a liderar os deputados e Rui Rio a liderar o partido, Negrão desvaloriza ausência de quase metade da bancada no seu discurso de abertura e admite que fala diariamente — “mais do que uma vez ao dia, e até aos fins de semana” — com Rui Rio. Numa curta entrevista ao Observador feita no final do primeiro dia de trabalhos na Guarda, Fernando Negrão reconhece mudança de discurso do PSD em relação à guerra entre o Governo e os professores e admite não votar a favor da iniciativa legislativa de cidadãos que exige a contagem integral do tempo de serviço congelado.
Um ano depois da tragédia de Pedrógão Grande, o líder parlamentar mantém uma visão pessimista e “preocupada” sobre o aproximar de mais uma época de incêndios. “O governo fez alguma coisa, mas fez pouco”, diz, admitindo no entanto que o PSD não quer declarar guerra ao governo no capítulo dos incêndios. “O que fazemos não são críticas, são alertas”, diz, lembrando que deixou de tocar no tema nos debates quinzenais para não “fazer política com o fogo”. Quanto ao próximo Orçamento do Estado para 2019, o último da legislatura, o líder parlamentar diz que não é garantido que o PSD vote contra, embora tudo aponte nesse sentido. Se geringonça falhar, PSD dá a mão? “Veremos”.
Notámos que só metade dos deputados é que assistiu ao seu discurso de abertura destas jornadas. Tendo em conta que só passaram quatro meses desde que foi eleito líder parlamentar depois de um processo muito conturbado onde só teve 39% dos votos, isto quer dizer que o processo ainda não está pacificado?
Na primeira sessão das jornadas parlamentares nunca aparecem muitos deputados porque há um processo de chegada, tal como acontece em todos os congressos, seja de médicos, engenheiros ou jornalistas, presumo que seja igual…
Esta sessão de abertura era ao meio-dia, nem era muito cedo.
…Isto aconteceu como acontece noutras jornadas parlamentares. Se olharmos para a sala agora já está cheia, e mesmo durante o discurso de abertura, a partir de determinada altura, foi ficando mais cheia.
Sente-se um líder respeitado?
Sim, sinto. Não tenho razão nenhuma para pensar o contrário. Seja da parte de quem for, os trabalhos prosseguem com toda a normalidade.
Veio aqui a estas jornadas refrear o discurso do PSD sobre os professores. O vice-presidente David Justino tem dito que o tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira tem de ser contabilizado na íntegra…
…Eu próprio também disse.
Sim, o dr. Fernando Negrão disse à saída da última reunião da bancada que o Governo tinha de cumprir a promessa que fez aos professores, de uma maneira ou de outra, e agora vem aqui dizer que admite que o Governo não cumpra se houver circunstâncias excecionais. Houve esta mudança de discurso porque o discurso do PSD estava a ser demasiado populista?
O que eu tenho a dizer sobre isso é que a primeira declaração que fiz foi à saída da reunião do grupo parlamentar, em cima do acontecimento, portanto a resposta foi curta, não foi aprofundada. Hoje estamos numas jornadas parlamentares por isso a nossa obrigação é termos mais pensamento sobre o assunto.
Mas tinha saído de uma reunião onde os deputados tinham falado sobre esse assunto.
Tinha acabado de sair da reunião, ainda não tínhamos feito a reflexão necessária de tudo o que tínhamos ouvido na reunião. Eu até me podia estar a guardar para fazer essa reflexão. Hoje nas jornadas parlamentares, o discurso tinha de ser mais aprofundado, assim como foi. A posição do PSD é essa: o governo prometeu e não cumpriu, agora diz que não cumpriu porque não tem dinheiro, e não ter dinheiro depois de fazer uma promessa só pode acontecer por razões excecionais e extraordinárias.
Como aconteceu com o governo PSD/CDS, que prometeu muitas coisas que não cumpriu por razões orçamentais.
Eram circunstâncias completamente diferentes. O governo PSD tinha a troika em Portugal, este governo não tem nenhuma troika em Portugal. O governo anterior assumia que governava em austeridade, este governo recusa que governe em austeridade quando todos nós sabemos que governa com métodos austeritários. Portanto, houve essa promessa aos professores, essa promessa não foi cumprida, o governo veio dizer que não tem dinheiro e não ter dinheiro é uma circunstância extraordinária. O governo tem de explicar essa circunstância extraordinária e, confirmando-se essa circunstância extraordinária, deve pedir desculpa aos professores e sentar-se à mesa para reiniciar as negociações.
Estamos a falar de uma implicação orçamental de entre 400 a 600 milhões de euros. Acha que há dinheiro para esta reivindicação sindical?
O PSD tem essa preocupação orçamental, sempre teve.
Então o que é que considera serem circunstâncias excecionais?
É não ter dinheiro. Estamos a falar de 600 milhões. Acontece na vida de todos nós não termos dinheiro. Para mim, 6 mil euros pode corresponder a 600 milhões para um governo: pode acontecer na vida de cada um de nós essa excecionalidade, de não termos dinheiro. Nós admitimos que isso possa acontecer, mas o governo tem de explicar porque é que isso acontece.
O que é que seria uma explicação convincente?
Uma explicação convincente é mostrar as contas. É ser claro com as contas e explicar porque é que falta dinheiro agora, quando o governo prometeu atender a essa exigência há uns meses.
No entender do PSD o governo prometeu mesmo contabilizar todo o tempo de serviço dos professores?
Sim, no nosso entender está prometido no Orçamento do Estado e no projeto de resolução [dos Verdes]. Sei que o primeiro-ministro faz uma interpretação diferente do que está escrito, mas no nosso entender essa promessa ficou inscrita no Orçamento.
Então seria de esperar que o PSD votasse a favor desta contagem integral do tempo de serviço das carreiras dos professores, já que há uma iniciativa legislativa de cidadãos que pode forçar esta votação no Parlamento. Mas o que está a dizer é que admite votar contra.
Não vou dar essa resposta porque aguardamos explicações do governo. Aguardamos a explicação que o governo vai dar aos professores, e que essas contas sejam apresentadas e explicadas.
Natalidade. “Não há dinheiro para fazer de uma vez, tem de ser estudado”
As políticas para a natalidade são outro tema que o PSD tem agarrado nas últimas semanas. O Conselho Estratégico Nacional apresentou um documento extenso de políticas para a infância, com muitas medidas, e agora Fernando Negrão acaba de anunciar que o PSD vai levar o assunto a debate na Assembleia. Isto quer dizer que vai fazer propostas concretas?
Não vai haver nenhuma iniciativa legislativa sobre o tema, o que vai haver é um debate para ver qual é é a abertura dos outros partidos políticos relativamente a um problema central na sociedade portuguesa, que é o problema da natalidade. Não nos podemos esquecer que Portugal é o país com a mais baixa taxa de natalidade da Europa, isto diz tudo sobre o problema demográfico que temos.
O documento apresentado pelo PSD era muito ambicioso, propunha creches gratuitas e uma espécie de subsidio por filho até aos 18 anos que ascendia a um total de 10 mil euros por filho…
Temos de ser ambiciosos. O problema é tão grave que as medidas têm de ser ambiciosas em termos financeiros. Não lhe vou dizer que tudo isto ficará resolvido no primeiro ano de governo, ou no segundo. Tem de ser calendarizado e poderá obedecer a mais anos até que estas medidas sejam implementadas.
Acha que há dinheiro para implementar essas medidas ambiciosas?
Não há dinheiro para fazer de uma vez, mas há dinheiro para ir fazendo.
Em quanto tempo?
Isso tem de ser estudado. Este é um documento aberto, aberto a todos os partidos políticos, e tudo isto tem de ser estudado. Mas primeiro precisamos de saber se há vontade política da parte dos partidos políticos para levar isto em diante. Sem um consenso político alargado não vale a pena. Estamos a falar de um projeto ambicioso e de muito dinheiro: ou há um consenso alargado ou não vale a pena estar a investir para depois vir outro governo e destruir o que foi feito pelo anterior.
Está a contar com esse apoio da parte do Governo e do PS?
Estamos a contar com o apoio do PS, PCP, BE, CDS, obviamente, porque é um problema tão grave que todos temos de ser sensíveis a ele.
Mas não é uma questão de sensibilidade, neste caso, é de haver ou não dinheiro e de essas serem as medidas mais ou menos adequadas.
É uma questão de canalização do dinheiro para um lado ou para o outro, e esta deve ser uma prioridade orçamental.
O PSD articulou-se com a bancada parlamentar antes de o Conselho Estratégico apresentar estas propostas? Houve deputados que ficaram surpreendidos e que não gostaram.
O grupo parlamentar tem dois deputados em cada uma das áreas temáticas do Conselho Estratégico Nacional (CEN), portanto a direção da bancada vai sendo informada daquilo que se passa no Conselho Estratégico Nacional. Sabíamos que o documento estava a ser elaborado, íamos acompanhando a evolução do documento, e no fim tomámos conhecimento dele. O nosso contributo foi dado através desses deputados que fazem parte do CEN.
Esta lógica ambiciosa de medidas para a natalidade, aliada ao discurso inicial do PSD de que os professores deviam receber o equivalente aos nove anos em que a carreira docente esteve congelada, significa que a austeridade acabou no PSD?
Não, não acabou. O que aconteceu foi que o partido se reorganizou internamente. E a bancada parlamentar acompanhou essa reorganização através do Conselho Estratégico Nacional. Reorganizado que está o partido, tendo agora um órgão de grandes potencialidades para produzir políticas nas mais variadas áreas, é altura de elas começarem a aparecer e a ser apresentadas.
Orçamento do Estado. Se “geringonça” não se entender, o PSD dá a mão? “Veremos”
É garantido que o PSD vai votar contra o próximo Orçamento do Estado?
Eu diria que nada é garantido, mas o mais certo é votar contra. Porque temos acompanhado as contas do governo e não concordamos com elas. Mas ainda não conhecemos o documento. O documento pode surpreender-nos, há sempre essa possibilidade na vida, nunca sabemos. Obviamente que a resposta definitiva só pode ser dada com o documento à nossa frente.
Acha que a “geringonça” vai entender-se na elaboração deste orçamento como se entendeu nos outros, ou este ano, como é o último OE da legislatura, em vésperas de ano eleitoral, vai ser mais complicado?
O nível de complicação só tem a ver com as relações do PS, com o BE e o PCP, não tem a ver connosco. Não temos nada que opinar. Mas acreditamos que venha a ser viabilizado por quem tem viabilizado nos anos anteriores, sim.
E se não for, não é o PSD que vai dar a mão ao governo?
Veremos, pelo documento. Estamos cheios de curiosidade de conhecer o documento.
Não rejeita à partida essa opção.
Não podemos rejeitar nada que não conhecemos. E não conhecemos o documento que o Governo vai apresentar relativamente ao Orçamento.
A alteração às leis laborais é uma questão onde o PSD está a dar a mão ao Governo numa matéria onde PCP e BE se recusam a dar. Houve um acordo de concertação social, entre o Governo e as confederações patronais, que vai ser votado no Parlamento a 6 de julho: o Governo pode contar com o PSD para o viabilizar?
Na semana passada assisti às declarações do líder parlamentar socialista à saída de uma reunião do grupo parlamentar onde pedia ao Bloco de Esquerda e ao PCP que apresentassem propostas de alteração, portanto nós estamos a aguardar com curiosidade para saber o que vai sair dali. O acordo de concertação social ainda pode vir a ser alterado por iniciativas legislativas dos partidos da “geringonça”, portanto estamos expectantes.
Se não for alterado e for votado tal como está, o PSD apoia este acordo?
Neste momento o PSD está expectante relativamente a tudo.
Concorda com o que disse hoje [segunda-feira] o Presidente da República, de que este acordo de concertação social era “possível, sensato e adequado”?
Este acordo de concertação social não está fechado, a partir do momento em que o PS pede alterações aos parceiros da esquerda, não está fechado.
Incêndios. “Tenho uma visão preocupada relativamente aos incêndios deste ano”
Passou um ano da tragédia de Pedrógão Grande e o PSD traz a estas jornadas o tema da valorização do interior. Acha que é possível uma tragédia como as do ano passado voltar a repetir-se?
Há algumas questões que não se vão repetir: primeiro, as condições climatéricas não vão ser iguais às do ano passado, o que é bom. Depois, as pessoas têm hoje uma atitude relativamente à prevenção que não tinham na altura, o que é bom. E em terceiro lugar é óbvio que alguma coisa foi feita, designadamente na área da Proteção Civil e na área da intervenção dos bombeiros.
Mas o que é que foi feito concretamente? Ainda há pouco [no discurso de abertura das jornadas] dizia que a nova lei orgânica da Proteção Civil era para ter sido implementada e não foi.
Tenho a certeza que o SIRESP não funcionará tão mal como funcionou há um ano, por exemplo. Ou que os bombeiros estarão mais bem organizados do que estavam há um ano. Mas continuam com as mesmas queixas que tinham há 5 anos, há 10 anos ou há um ano. Isto quer dizer que os problemas-base não estão resolvidos. A nossa questão é porque é que esses problemas demoram tanto a ser resolvidos. E porque é que por vezes estas rivalidades entre as forças que combatem os incêndios se mantêm e aparentemente se agudizam na altura de combater os fogos. Estas são as coisas más. Não tenho uma visão dramática, mas tenho uma visão preocupada relativamente aos incêndios deste ano. O governo fez algumas coisas mas fez pouco. Falta fazer, por exemplo, o apetrechamento dos bombeiros e dos GIPS, ainda hoje lhes falta muito material. O governo também pouco ou nada fez em relação aos bombeiros voluntários, nomeadamente sobre a possibilidade de aumentar o número de efetivos…
De um lado temos Fernando Negrão a dizer que o Governo falhou e continua a falhar, e que os problemas que levaram à tragédia podem repetir-se, e do outro ouvimos esta segunda-feira [na abertura das jornadas], Álvaro Amaro dizer que o país está melhor preparado este ano para a época de incêndios. É uma contradição?
Houve coisas que melhoraram, e o dr. Álvaro Amaro salientou esse lado. Eu salientei o lado do equilíbrio entre o que melhorou e o que falta melhorar. Considero que o Governo, o que fez, fez pouco. Mas temos de ter uma atitude positiva relativamente a iniciativas do Governo. Se reparar bem, eu deixei de falar de incêndios nos últimos debates quinzenais…
Não vai fazer política com o fogo?
Precisamente. Deixamos de tocar nesse assunto porque nos estávamos a aproximar da época mais difícil, e sensível, portanto achámos que não devíamos fazer política com isso. À medida que o governo ia tomando iniciativas, nós íamos absorvendo essas iniciativas que o governo ia tomando. Nós hoje estamos no pico dos incêndios, e verificamos que o governo fez alguma coisa mas não fez tudo. O que fazemos não são críticas, são alertas ao governo. É isso que devemos fazer.
Se não for nesse tema, em que tema é que o PSD deve ser crítico do governo?
Deve ser crítico do governo em todas as áreas da governação de que discorda. Por exemplo, a saúde. Somos muito críticos do governo na área da saúde, achamos que o governo, com a política de austeridade que está a levar a cabo, nomeadamente através das cativações, está a pôr em causa a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Nunca vimos tantas greves da parte dos profissionais de saúde como agora, nunca vimos tantas consultas e cirurgias serem adiadas como agora, nunca vimos tantas dívidas aos fornecedores como agora. Nunca vimos o Tribunal de Contas dizer que o SNS está numa situação periclitante. Tudo isto tem a ver com o problema das cativações.
Estas são as suas primeiras jornadas enquanto líder parlamentar, e são também as primeiras desde que Rui Rio é líder do PSD. Como é a sua relação com Rui Rio? Falam com que regularidade?
É uma relação pessoal. Naturalmente que falamos diariamente, inclusive aos fins de semana, sábados e domingos. Mais do que uma vez ao dia. Temos uma boa relação pessoal e profissional.