Em 2011, quando tinha apenas 16 anos, Roman Protasevich foi expulso de uma das mais prestigiadas escolas da Bielorrússia por participar numa manifestação contra o Presidente do país, Alexander Lukashenko. Desde então, a dissidência naquela que é considerada como a “última ditadura da Europa” tem sido uma constante na vida do jornalista que, dez anos depois de ser expulso da escola, acabou detido após Lukashenko mandar desviar para Minsk um avião que partiu de Atenas com destino a Vilnius. Os líderes europeus têm-se referido ao caso como um “sequestro” e “pirataria de Estado”.
Tal como Svetlana Tikhanovskaia, líder da oposição bielorrussa, obrigada a fugir do país após as eleições presidenciais de agosto do ano passado, Roman Protasevich escolheu a Lituânia como refúgio para lutar contra o regime de Lukashenko, o homem que governa a Bielorrússia com mão de ferro há 26 anos.
Antes de se exilar — primeiro na Polónia, em 2019, e depois na Lituânia, no ano seguinte —, no entanto, o jornalista dissidente teve vários embates com o regime bielorrusso, tendo mesmo sido preso em 2012, quando tinha apenas 17 anos. Por causa da sua dissidência, acabaria também por ser expulso, anos mais tarde, da Universidade Estatal de Minsk, onde estudava jornalismo. Não poder acabar o curso, contudo, não foi impedimento para Roman Protasevich se tornar jornalista, profissão que escolheu para denunciar as atrocidades cometidas pelo regime e que levou Lukashenko a uma decisão até então impensável, desviando um avião que voava entre dois países da União Europeia e da NATO.
Antes disso, recuemos novamente até 2012, quando Protasevich foi levado para uma prisão em Minsk, onde foi espancado nos rins e no fígado, conforme o relato do próprio na altura, segundo a AFP. Na origem da sua detenção esteve o facto de gerir dois grupos anti-Lukashenko na rede social Vkontakte (considerada a equivalente russa ao Facebook).
Depois de ser torturado e ameaçado pelas autoridades bielorrussas, Roman Protasevich viria a ser libertado e, três anos depois, seria um dos co-fundadores do Nexta (que em bielorrusso significa “alguém”) e do Nexta Live, dois famosos canais na rede social Telegram, usados sobretudo por uma nova geração de bielorrussos que encontravam nas redes sociais realidades diferentes daquela que viviam diariamente na Bielorrússia.
Através desse canal circulava informação que contrariava a narrativa oficial do regime de Lukashenko, que sentia cada vez maiores dificuldades para travar o crescimento da importância das redes sociais, não só dentro do país, mas também entre a diáspora bielorrussa.
É neste contexto que Roman Protasevich, depois de vários anos a trabalhar como jornalista em alguns media bielorrussos, ciente de que a sua vida corria perigo no seu país, decide fugir para a Polónia, onde também vive o outro co-fundador (e principal rosto do Nexta) Stsiapan Putsila, de apenas 22 anos. No ano seguinte, em 2020, Alexander Lukashenko é desafiado nas urnas por Svetlana Tikhanovskaia, seguindo-se a maior vaga de contestação que regime já enfrentou — na qual o Nexta (e Protasevich) foi determinante.
“O Nexta salvou vidas” na Bielorrússia, apesar da “agressividade”
Apesar da forte mobilização da sociedade civil bielorrussa e das sucessivas acusações de fraude eleitoral, Lukashenko foi declarado o vencedor das eleições presidenciais de agosto de 2020 com 80% dos votos, embora União Europeia, Reino Unido e Estados Unidos não reconheçam a vitória do autocrata.
Decididos a contestar o que consideravam uma fraude eleitoral, centenas de milhares de bielorrussos começaram a sair às ruas, enfrentando a repressão das autoridades, com manifestações diárias organizadas, principalmente, graças à informação que circulava através dos canais do Nexta.
O canal de Telegram, do qual Roman Protasevich foi um dos co-fundadores, assumiu um papel decisivo sobretudo nos primeiros dias de manifestações, quando o regime limitou o acesso à Internet, bloqueando sites ligados à oposição.
Ao funcionar com os servidores a partir da Polónia, através de informação encriptada, permitindo a jornalistas e ativistas contornarem a censura das autoridades, o Nexta, uma altura em que os media estatais não transmitiam imagens das manifestações, permitiu que fotografias e vídeos das marchas com dezenas de milhares de pessoas, bem como a repressão policial, circulassem entre os bielorrussos, tendo também desempenhado um papel importante para os jornalistas internacionais, impedidos de entrar na Bielorrússia para fazer cobertura da vaga de protestos.
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“Foi muito importante em agosto, quando não havia informação de confiança. As pessoas conseguiam compreender o que estava a acontecer através dos canais de Telegram”, explica ao Observador, a partir de Varsóvia, o ativista bielorrusso Oleg Dvydchick, destacando a “independência” e a “velocidade da informação”. “Quando algo acontece na Bielorrússia, isso chega rapidamente aos canais do Telegram e é a melhor forma de manter a ligação com tudo o que acontece no país”, acrescenta o ativista, que se exilou na Polónia dias antes das eleições presidenciais bielorrussas de 2020.
https://twitter.com/nexta_tv/status/1293012252598185984
No mesmo sentido, Sveta, uma estudante de 25 anos a viver em Minsk, recorda ao Observador os primeiros dias de manifestações do verão passado, em que participou, destacando o papel do Nexta. “O Nexta era a principal fonte de notícias. As mais importantes apareciam primeiro no canal”, conta Sveta, que não quis indicar o apelido por questões de segurança, acrescentando que ainda hoje recorre diariamente aos canais do Telegram apesar de admitir sentir algum receio de represálias do regime. “O Nexta providencia informação em tempo real e fotos e vídeos dos protestos, bem como de praticamente tudo o que acontece na Bielorrússia”, acrescenta.
Além disso, os canais de Telegram do Nexta, que em conjunto têm cerca de dois milhões de seguidores, a grande maioria alcançada nas primeiras semanas de manifestações no verão passado, permitiram que os manifestantes se organizassem para sair às ruas, usados como meio para transmitir horas e locais para manifestações. Serviram, também, para trocar informações sobre locais onde a polícia estava a usar violência contra manifestantes e, por isso, tiveram um papel chave na proteção de muitas pessoas.
“O Nexta salvou vidas”, afirma ao Observador, também a partir da capital bielorrussa, Lisa Grigorieva, de 26 anos, acrescentando que seguiu com muita atenção os canais do Telegram numa fase inicial das manifestações. À medida que os protestos foram perdendo força, no entanto, admite que deixou de o fazer, sobretudo por não se identificar com o estilo utilizado, lamentando que a informação relevante tenha também dado lugar a uma linguagem agressiva, “quase de propaganda”, contra o regime. “Claro que sou contra Lukashenko, mas não gosto de estar sempre zangada quando falo sobre política. O Nexta é muito agressivo no seu estilo”, sublinha Grigorieva.
Roman Protasevich, “o primeiro jornalista terrorista”
A partilha de informação incessante no canal de Telegram, de resto, é abertamente anti-Lukashenko. Por esse motivo, continua Lisa Grigorieva, na Bielorrússia “é quase proibido dizer a palavra Nexta e apenas os media estrangeiros disseram que o Roman Protasevich pertenceu ao Nexta”.
https://twitter.com/pr0tez/status/1329392059158065154
O canal do Telegram acabou mesmo por ser considerado, em novembro do ano passado, como uma organização extremista pelas autoridades bielorrussas, colocando Roman Protasevich e Stsiapan Putsila na lista de terroristas do país, acusando-os de serem os responsáveis pela organização dos protestos contra Lukashenko e de incitarem ao ódio no país. O mandado de detenção contra Protasevich, que ironicamente se apresenta no Twitter como o “primeiro jornalista terrorista”, vem precisamente daí.
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O jornalista, no entanto, já tinha deixado de trabalhar com o Nexta cerca de dois meses antes, no final de setembro, apesar de os motivos que levaram à sua saída não terem sido totalmente claros. Certo é que Protasevich em momento algum deixou a dissidência contra Lukashenko, e após sair do Nexta juntou-se a outro canal no Telegram, o Belamova, onde se viria a tornar editor em março deste ano.
Настало время объявить проект, над которым я активно работаю последние недели.
Это «Беларусь головного мозга» @belamova политзаключённого Игоря Лосика. Так что если вы скучали по качественной и современной журналистике — добро пожаловать.https://t.co/pOgv5eya0X
— Roman Protasevich (@pr0tez) March 2, 2021
O Belamova, que tem mais de 263 mil seguidores, tornou-se conhecido por ser o canal criado por Ihar Losik, um jornalista bielorrusso que está preso em Minsk desde junho de 2020, acusado de incitar à desordem através do seu canal no Telegram. Em dezembro do ano passado, Losik iniciou uma greve de fome, que manteve durante 42 dias, naquele que é considerado o país europeu menos seguro para jornalistas — no ranking dos Repórteres Sem Fronteiras, a Bielorrússia surge em 158.º lugar numa lista de 180 países.
Lukashenko quer demonstrar que “é impossível escapar à punição”
Mesmo sem a contribuição de Ihar Losik, o Belamova nunca parou de funcionar e Roman Protasevich passou a ser um dos rostos do canal. No seu último trabalho antes de ser detido pelas autoridades bielorrussas, o jornalista esteve em Atenas a fazer a cobertura da visita diplomática da líder da oposição bielorrussa, Svetlana Tikhanovskaia, à capital grega, onde esteve entre os dias 12 e 14 de maio. Depois desse trabalho, Protasevich terá ficado uns dias de férias na Grécia, com a sua namorada, Sofia Sapega, que iria defender a sua tese de mestrado em Vilnius, onde o casal vivia — daí o regresso no domingo, segundo a Reuters.
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“Lukashenko mandou desviar o avião para que as pessoas percebam que podem ser apanhadas em qualquer lugar, que é impossível escapar à punição. Infelizmente, funcionou”, lamenta Lisa Grigorieva, que diz ao Observador ter ficado “chocada” com a notícia.
Exactly 1 week ago, @Tsihanouskaya & I took the same flight of @Ryanair from Athens to Vilnius, flying over Belarus. We were lucky,we got to Vilnius safely. After today's incident, Belarusian airspace must be closed for international flights, the perpetrators – brought to justice
— Franak Viačorka (@franakviacorka) May 23, 2021
Franak Viacorka, conselheiro de Svetlana Tikhanovskaia na área da política externa, revelou no Twitter que, uma semana antes da detenção de Roman Protasevich, a líder da oposição bielorrussa fez precisamente a mesma viagem que o jornalista, num avião da Ryanair. Hanna Liubokova, que também integra a equipa de Tikhanovskaia, acrescenta que provavelmente nessa altura não aconteceu o mesmo que a Protasevich simplesmente porque houve uma mudança de última hora no voo previsto de regresso da comitiva a Vilnius.
Yes, @Tsihanouskaya took the same flight one week before. The reason it didn't happen to her might be easily explained: she was at first intended to take a different flight, but the plane got broken and her team had to find a new one. They were perhaps not ready to act so quickly pic.twitter.com/DQRtxQ8SeJ
— Hanna Liubakova (@HannaLiubakova) May 24, 2021
“Lukashenko quer mostrar o seu poder de todas as formas possíveis. Não diria que ele tem medo, especificamente, do Roman [Protasevich]. Vejo o que aconteceu ontem como uma demonstração de força”, considera, por seu turno, Sveta, bielorrussa a viver em Minsk.
Além da preocupação e revolta que o desvio do avião da Ryanair por ordem de Lukashenko criou no Ocidente, particularmente entre os Estados-membros da União Europeia, os bielorrussos no exílio temem que o mesmo lhes possa acontecer, e que o espaço europeu tenha deixado de ser seguro. É o caso de Oleg Dvydchick, exilado na Polónia, que na próxima semana tem de ir a Kiev, na Ucrânia, renovar o visto.
Passageiros da Ryanair descrevem momentos de angústia do jornalista no avião desviado
“Não sou o Roman Protasevich, penso que não vão parar um avião por causa de mim. Mas ele não terá pensado o mesmo?”, desabafa o ativista bielorrusso, admitindo que tem medo do que lhe possa acontecer e que, por isso, não quer ir de avião, uma vez que o voo teria de passar no espaço aéreo da Bielorrússia.
De acordo com o relato dos passageiros que seguiam com Protasevich no voo da Ryanair, quando o jornalista percebeu que o voo estava a ser desviado para Minsk, entrou em pânico e disse que “arriscava a pena de morte”. Apesar de a pena de morte ainda existir na Bielorrússia, não é certo que que Protasevich possa ter essa sentença, sendo expectável que, pelos crimes de incitamento ao ódio e de organizar protestos contra o regime, possa apanhar uma sentença de 12 a 15 anos de prisão.