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Os combatentes talibãs invadiram o palácio presidencial de Cabul e assumiram o poder — mas ainda há dúvidas sobre o regime que pretendem implementar e sobre a credibilidade das suas promessas
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Os combatentes talibãs invadiram o palácio presidencial de Cabul e assumiram o poder — mas ainda há dúvidas sobre o regime que pretendem implementar e sobre a credibilidade das suas promessas

Zabi Karimi/Associated Press

Os combatentes talibãs invadiram o palácio presidencial de Cabul e assumiram o poder — mas ainda há dúvidas sobre o regime que pretendem implementar e sobre a credibilidade das suas promessas

Zabi Karimi/Associated Press

Quem vai ser o Presidente, com que legitimidade e em que regime? O que ainda não se sabe sobre o Afeganistão dos talibãs

Os talibãs capturaram o Afeganistão em menos de dois meses, mas ainda não explicaram como o vão governar. O que se segue agora? Quem irá liderar o país? E podemos acreditar nas suas promessas?

Durante a década de 1980, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão para apoiar militarmente o governo comunista afegão contra as milícias islâmicas que resistiam ao regime socialista (os mujahideen, financiados pelos Estados Unidos), dois jovens convictos da sua fé no Islão firmaram uma sólida amizade. Alguns anos depois, um deles fundou os talibãs. Hoje, o outro pode vir a ser o novo presidente do Afeganistão que o movimento fundamentalista capturou.

Mohammad Omar, na altura com vinte e poucos anos, e Abdul Ghani, ainda mais novo, combateram juntos na mesma unidade de mujahideen e tornaram-se amigos. Mais do que amigos, irmãos. Omar batizou o amigo como “Baradar” — que significa “irmão” — e os dois não viriam a sair da vida um do outro.

Quando, em 1989, as tropas da União Soviética se retiraram do Afeganistão e deixaram o país mergulhado na guerra civil, Mohammad Omar fixou-se no sul do país, na província de Kandahar, onde passou a ensinar a religião islâmica numa madraça, e Abdul Ghani Baradar manteve-se na sua esfera de influência. Foi a partir do sul do Afeganistão que os dois amigos assistiram à destruição do país pelas fações guerrilheiras em conflito permanente — e foi lá que solidificaram a sua convicção de que só uma regresso às origens do Islão e uma aplicação integral da lei islâmica poderia salvar o Afeganistão.

Mohammad Omar (à esquerda, fotografia de 1978), foi o fundador dos talibãs. Abdul Ghani Baradar (à direita, em 2021), era seu amigo e ajudou-o a fundar a organização

De acordo com os relatos que perduram até hoje, Abdul Ghani Baradar estava ao lado do amigo quando Mohammad Omar lançou as bases para o movimento dos talibãs, no início da década de 1990. A primeira ação do grupo, na época composto por cerca de 30 voluntários (maioritariamente estudantes, ou “talib”, da madraça onde Omar ensinava), foi um golpe contra um grupo de guerrilheiros que haviam raptado e violado duas raparigas — e o comandante dos guerrilheiros foi enforcado. Foi o início, dir-se-ia heroico, dos talibãs.

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O movimento fundado por Omar, que viria a receber o título islâmico de mulá, cresceu muito rapidamente. Em poucos anos, os talibãs galvanizaram uma grande parte da população afegã, apontando-lhes o drama vivido durante a guerra civil e propondo o regresso ao fundamentalismo islâmico como solução. Em 1996 capturaram a capital, Cabul, e implementaram um regime brutal, a que deram o nome de Emirado Islâmico do Afeganistão. Mohammad Omar, o primeiro líder dos talibãs, proclamou-se Emir. Durante os cinco anos que o regime duraria (até ser deposto em 2001 pelos EUA), o também mulá Abdul Ghani Baradar manteve-se como número dois de Omar na liderança dos talibãs e ocupou vários cargos relevantes no governo afegão.

Agora, vinte anos depois da invasão norte-americana que derrubou o regime dos talibãs, e oito anos após a morte de Mohammad Omar, Abdul Ghani Baradar, conhecido no movimento como “mulá irmão”, é o líder talibã mais bem posicionado para ocupar o cargo de novo presidente do Afeganistão. Esta terça-feira, dois dias depois da tomada de Cabul que lhes permitiu assumir o controlo do país, Baradar aterrou no aeroporto de Kandahar, o lugar de nascimento dos talibãs, onde foi recebido apoteoticamente pelos apoiantes do movimento.

Mullah Ghani Baradar, cofundador e número dois do movimento talibã, regressa ao país

Foi a primeira vez desde 2001 que um líder ativo dos talibãs regressou publicamente ao Afeganistão. Detido em 2010 por ser um dos principais líderes militares dos insurgentes, ficou oito anos em cativeiro no Paquistão, mas foi libertado em 2018 por pressão dos Estados Unidos. Por ser um dos fundadores dos talibãs e considerado uma das suas principais figuras, é ouvido e respeitado por todas as fações do grupo — e foi escolhido como líder do gabinete político do movimento. Estava, até agora, no Qatar, a partir de onde liderava o gabinete político dos talibãs, e foi ele o principal rosto das negociações com os Estados Unidos, iniciadas em 2018, que resultaram na retirada das forças americanas do país.

O capital político que acumulou ao longo das últimas duas décadas torna-o agora no mais provável próximo líder político do Afeganistão. Porém, o futuro regime dos talibãs ainda está submerso em incerteza.

O talibã que gosta de anedotas e de dormir a sesta pode ser o rosto da moderação

Em menos de dois meses, os talibãs tomaram o controlo da quase totalidade do território afegão. A queda da capital, Cabul, no último domingo, a que se somou a fuga do ex-presidente Ashraf Ghani (justificada com o objetivo de evitar um “banho de sangue”), representou o capítulo final. Os líderes militares dos talibãs invadiram o palácio presidencial, ergueram a bandeira branca com a Shahada (a profissão de fé islâmica) e anunciaram que a República Islâmica do Afeganistão mudara de nome para Emirado Islâmico do Afeganistão.

Por inerência, o mawlawi Hibatullah Akhundzada, comandante supremo dos talibãs e “comandante dos fiéis”, tem também o título de Emir do Afeganistão. Akhundzada é o terceiro comandante supremo dos talibãs desde 2016, ano em que sucedeu a Akhtar Mansour, o sucessor do próprio Mohammad Omar — mas é, essencialmente, um líder religioso, pelo que se espera que a sua condição enquanto chefe de Estado do Afeganistão seja temporária ou cerimonial.

A escolha de Baradar para liderar o próximo governo do Afeganistão é uma possibilidade forte e condizente com os esforços retóricos dos talibãs, nos últimos dias, para se apresentarem como moderados.

Nas suas declarações públicas dos últimos dias, os talibãs têm sido escassos nas informações sobre o futuro regime do Afeganistão. Mas a maioria dos observadores internacionais e especialistas acreditam que o movimento está à procura de uma legitimação externa, apresentando-se como mais moderado do que nos anos 1990 — e a chegada apoteótica de Baradar ao aeroporto de Kandahar num momento em que o país está sob controlo talibã poderá indicar que o grupo pretende colocar como chefe de governo um dos seus elementos mais amigáveis.

Caracterizado por outros combatentes como um homem sociável que aprecia contar anedotas, dormir longas sestas de três horas durante o verão e ver combates de wrestling, no projeto talibã Baradar é mais conhecido pelos esforços diplomáticos para chegar a consensos políticos entre fações islâmicas e com as potências estrangeiras do que propriamente pelo gosto em empunhar a espingarda.

Se será elevado ao cargo de Emir ou se assumirá um papel como primeiro-ministro — mantendo-se Akhundzada como Emir e chefe de Estado — ainda é uma incógnita. Todavia, a escolha de Baradar para liderar o próximo governo do Afeganistão é uma possibilidade forte, apontada como praticamente certa por vários meios de comunicação social, e condizente com os esforços retóricos dos talibãs, nos últimos dias, para se apresentarem como moderados.

Os sinais mais claros do que os talibãs pretendem fazer com o Afeganistão, agora que têm o país nas mãos, foram dados esta terça-feira numa conferência de imprensa em Cabul, em que o histórico porta-voz do movimento, Zabihullah Mujahid, respondeu longamente às perguntas de várias dezenas de jornalistas. Ainda assim, poucos detalhes transpareceram. “Dêem-nos tempo”, disse Mujahid perante a insistência dos jornalistas em perceber os próximos passos que o grupo insurgente planeia dar para liderar o país. O porta-voz dos talibãs assegurou que estão em curso “negociações sérias” com vários líderes afegãos, incluindo o ex-presidente Hamid Karzai e o antigo enviado especial do governo para as negociações de paz, Abdullah Abdullah. Recentemente, Karzai já manifestou publicamente simpatia relativamente às intenções dos talibãs.

Na conferência de imprensa, Mujahid reiterou que os talibãs estão a trabalhar ativamente no sentido de formar um governo plural e moderno — e sublinhou, inclusivamente, que as mulheres serão bem-vindas no executivo afegão, que deverá ser apresentado nos próximos dias. Aliás, num dos tópicos mais sensíveis das opções políticas dos talibãs, os direitos das mulheres, Mujahid sublinhou várias vezes que “as mulheres vão ser muito ativas” na sociedade afegã: “Vamos permitir às mulheres que trabalhem e estudem”. Porém, sempre com uma condição: “Dentro dos limites da lei islâmica”.

epa09417420 Taliban fighters patrol in Jalalabad, Afghanistan, 17 August 2021. Taliban co-founder Abdul Ghani Baradar on 16 August  declared victory and an end to the decades-long war in Afghanistan, a day after the insurgents entered Kabul to take control of the country. Baradar, who heads the Taliban political office in Qatar, released a short video message after President Ashraf Ghani fled and conceded that the insurgents had won the 20-year war.  EPA/STRINGER

Os talibãs capturaram praticamente todo o território afegão nos últimos dois meses, mas ainda não apresentaram o seu modelo de governo

STRINGER/EPA

De facto, apesar dos receios iniciais de que os talibã repetissem algumas das políticas dos anos 1990 e voltassem a impor a obrigatoriedade do uso da burca a todas as mulheres, os relatos da imprensa internacional em Cabul dão conta de uma maior discrição no modo como as mulheres têm saído à rua — mas não do regresso da burca: nas ruas de Cabul é possível ver as mulheres com vestes mais largas e lenços mais apertados do que antes da tomada do poder pelos talibãs, mas o cenário é incomparável com o do anterior regime talibã. Mas também há relatos de que, em alguns locais, já não está a ser permitido às mulheres trabalharem, por exemplo, ou andarem de transportes públicos, muitas vezes apenas por precaução, com medo da reação dos talibãs. É que, na prática, também neste ponto e apesar das palavras, ninguém sabe exatamente como vai ser o futuro

Sobre o tipo de regime que caracterizará o futuro do Afeganistão, Mujahid explicou que os talibãs pretendem “um sistema islâmico forte”, mas não deu mais detalhes. Mas o porta-voz do movimento deixou também uma mensagem para o mundo: “Não queremos quaisquer inimigos, internos ou externos.

Abdul Ghani Baradar, entretanto chegado ao território afegão após mais de uma década exilado, regressa como um herói para os talibãs: através da diplomacia, Baradar firmou com os EUA de Donald Trump o acordo final que levou à retirada total das tropas norte-americanas, concluída agora na presidência de Joe Biden, e abriu caminho à rápida insurgência dos talibãs, que aguardavam o momento mais oportuno para retomar o poder. Mais recentemente, esteve na Rússia para assinar um acordo trilateral em que os talibãs se comprometeram a acelerar o processo de paz no Afeganistão.

Conciliador e habituado às negociações com figuras internacionais, Baradar poderá ser o rosto de que os talibãs precisam para legitimar a liderança do Afeganistão e para se imporem como um regime sério.

Para quem conhece os talibãs, o facto de a constituição do novo governo estar a ser demorada é um sinal de que o movimento poderá estar genuinamente interessado na busca de consensos.

“Se os talibãs quisessem um governo com uma única linha política, já teriam declarado um Emirado Islâmico do Afeganistão, ontem no palácio presidencial. Teriam anunciado a composição do governo”, disse o antigo líder talibã Maulvi Qalamuddin, hoje um negociador da paz no Afeganistão, em declarações citadas pelo The New York Times.

Ao mesmo jornal, o académico italiano Antonio Giustozzi, especialista na política afegã e conhecedor do funcionamento interno dos talibãs, concordou que existe dentro do movimento “quem pense por linhas mais pragmáticas”, mas sublinhou que também há “quem não o faça”. Por isso, no entender de Giustozzi, é expectável que haja alguma dificuldade em chegar a um entendimento rápido sobre a melhor linha política.

"Se os talibãs quisessem um governo com uma única linha política, já teriam declarado um Emirado Islâmico do Afeganistão, ontem no palácio presidencial. Teriam anunciado a composição do governo."
Maulvi Qalamuddin, antigo líder talibã

Para que os talibãs cumpram o seu objetivo de se imporem no plano global como um regime sério e moderado, a escolha do líder político será global. O atual Emir, Hibatullah Akhundzada, dificilmente cumprirá esse papel: um defensor dos ataques com bombistas suicidas, Akhundzada mandou o seu próprio filho numa missão suicida e abençoou vários outros antes das suas missões.

Enquanto as negociações para a formação de um novo governo decorrem, com palco no Qatar e em Cabul, a comunidade internacional tem observado atentamente cada passo dado pelos talibãs — com algum ceticismo relativamente às promessas de moderação do movimento, sobretudo no que respeita aos direitos das mulheres. “Penso que não deveríamos, de todo, acreditar nos porta-vozes ou na operação de relações públicas que eles estão atualmente a montar”, disse recentemente à BBC a ministra da Administração Interna do Reino Unido, Priti Patel.

Quem reconhecerá os talibãs como governantes legítimos? E haverá eleições?

Sobre o futuro próximo do Afeganistão há mais perguntas do que respostas. Pensando de um modo estritamente pragmático, os talibãs já mandam no Afeganistão: tomaram o controlo da totalidade do território, incluindo a capital e as fronteiras, o que significa que são os líderes de facto do país. Mas, do ponto de vista legal, o Emirado Islâmico do Afeganistão não existe, os talibãs não são os governantes e a Constituição Afegã continua em vigor.

Aliás, foi isso mesmo que o vice-presidente do Afeganistão, Amrullah Saleh, veio lembrar através das redes sociais esta terça-feira, na sequência da fuga do Presidente, Ashraf Ghani, para os Emirados Árabes Unidos. “De acordo com a Constituição do Afeganistão, em caso de ausência, fuga, renúncia ou morte do Presidente, o primeiro vice-presidente torna-se Presidente interino. Eu estou neste momento dentro do meu país e sou o Presidente interino legítimo. Estou a contactar todos os líderes para assegurar o apoio deles e um consenso”, escreveu Saleh no Twitter.

Embora a lei esteja do lado de Amrullah Saleh, é pouco provável que o vice-presidente do Afeganistão seja verdadeiramente capaz de fazer frente aos talibãs, que já controlam efetivamente o país. Ainda não é claro que tipo de apoio é que Saleh poderá conseguir obter, mas o facto de as forças armadas afegãs estarem a colapsar — com batalhões inteiros a já terem desertado para países vizinhos ou a terem-se rendido aos talibãs, que prometeram uma amnistia total a quem colaborou com o regime anterior — indicia que será improvável que o vice-presidente consiga impor-se. Na imprensa internacional, há também relatos de agentes da polícia afegã a abandonar os seus postos. Na prática, a autoridade do Estado afegão desapareceu.

Por outro lado, os facto de os talibãs estarem a negociar com potências internacionais, antigos líderes afegãos e várias fações islâmicas no sentido de formarem um governo que colha um apoio unânime no país poderá indiciar que o movimento está a tentar formalizar o golpe de Estado e receber reconhecimento no plano internacional.

Habituado a negociar em nome dos talibãs no plano das relações internacionais, Baradar poderá ser o homem escolhido para liderar o novo regime afegão

Anadolu Agency via Getty Images

Durante os cinco anos de regime talibã no Afeganistão, entre 1996 e 2001, o Emirado Islâmico foi reconhecido por menos de meia dúzia de países — o Paquistão, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Turcomenistão — e as Nações Unidas nunca reconheceram a legitimidade do governo talibã. Desta vez, porém, o movimento poderá estar em busca de uma legitimidade global maior. Pelo menos duas grandes potências globais, a China e a Rússia, já demonstraram abertura para reconhecer os talibãs como governantes legítimos do Afeganistão.

No caso da China, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Pequim admitiu estar pronto a desenvolver relações “amigáveis e de cooperação” com o Afeganistão, com quem partilha uma curta fronteira de menos de 100 quilómetros. Pequim disse ainda que “respeita os desejos e as escolhas do povo afegão”. Por outro lado, a Rússia assumiu que não pretende apressar-se a reconhecer o Afeganistão talibã como país legítimo, mas deixou a porta aberta para o fazer, dizendo que essa decisão será baseada exclusivamente nas ações futuras do movimento talibã. De acordo com a AFP, o embaixador russo terá tido um encontro com representantes dos talibãs na terça-feira.

Se a Rússia e a China reconhecerem o Emirado Islâmico do Afeganistão, isso significa que o regime dos talibãs terá o reconhecimento formal de pelo menos dois membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas — o que mudará decisivamente o contexto internacional em que os talibãs passarão a mover-se.

Por enquanto, os países ocidentais estão num impasse. O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva, já veio dizer que Portugal está à espera de ver que “novas autoridades vão ser constituídas e que novo governo vai ser constituído” no Afeganistão. Santos Silva disse ainda que as autoridades portuguesas esperam que os talibãs cumpram o que prometeram na conferência de imprensa: “Esperamos ver um governo com representantes das diferentes sensibilidades políticas.” Uma das linhas vermelhas para Portugal é a de que os talibãs assegurem que não vão acolher terroristas — como fizeram em 2001 com Osama bin Laden —, uma promessa que o movimento já garantiu que vai cumprir.

Pelo menos duas grandes potências globais, a China e a Rússia, já demonstraram abertura para reconhecer os talibãs como governantes legítimos do Afeganistão.

Embora haja dúvidas sobre se os talibãs vão ou não cumprir as promessas, os países ocidentais têm convergido na necessidade de assegurar que os talibãs são responsabilizados pelas promessas que fizeram. No Reino Unido, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab, disse que o país tem algumas vantagens negociais sobre o Afeganistão que poderão ser usadas para incentivar os talibãs a cumprir as suas promessas — designadamente no campo do apoio financeiro e humanitário.

Fundamentalistas ou mais moderados? Os talibãs de 2021 continuam com o Alcorão na mão. Resta saber como o vão interpretar

Também nos Estados Unidos, que têm sido duramente criticados e responsabilizados por terem, com a retirada militar, aberto caminho para a tomada de poder pelos talibãs, impera a cautela enquanto se observam atentamente os passos do novo regime. “Neste momento, há uma situação caótica em Cabul, onde nem sequer vemos o estabelecimento de uma autoridade governativa. Em última análise, vai caber aos talibãs o papel de mostrar ao resto do mundo quem são e como pretendem proceder. O historial deles não tem sido bom, mas é prematuro abordar essa pergunta neste momento”, respondeu recentemente o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, à pergunta sobre se o país reconheceria a legitimidade dos talibãs.

Há, para já, poucos detalhes sobre o regime que os talibãs pretendem implementar no país. Sabe-se apenas que o movimento está a trabalhar no sentido de apresentar, nos próximos dias, a composição de um governo que diz ser moderado, moderno e plural. Mas a mera promessa já aponta pistas para o que poderá vir a ser o Afeganistão nos próximos tempos — e dificilmente será uma democracia, uma vez que o movimento ainda não fez qualquer referência à convocação de novas eleições legislativas.

"Em última análise, vai caber aos talibãs o papel de mostrar ao resto do mundo quem são e como pretendem proceder. O historial deles não tem sido bom, mas é prematuro abordar essa pergunta neste momento."
Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional dos EUA, sobre reconhecimento do governo talibã

Se o movimento avançar definitivamente para a nomeação direta de novos membros do governo e mantiver como chefe de Estado um Emir que não foi eleito, isso poderá ser um obstáculo a que os países do Ocidente reconheçam a legitimidade do governo talibã — embora, por outro lado, o facto de os países ocidentais estarem a negociar, direta ou indiretamente, com os talibãs para retirar os seus cidadãos do país indique que o mundo ocidental já reconhece os talibãs como os líderes de facto do Afeganistão. E bastará que a Rússia e a China anunciem o reconhecimento formal do regime para que muitos outros países, sob a sua influência, sigam o exemplo, legitimando no plano das relações internacionais um regime que, a julgar pelo seu passado, poderá usar interpretações literais da lei islâmica para cometer uma série de atropelos aos direitos humanos.

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