Um líder improvável. De acordo com todas as votações registadas no site do Parlamento, o Chega foi o partido que mais mais vezes votou ao lado do PS nas propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2022 apresentadas pela maioria parlamentar socialista, seguido de perto pelo PAN e a uma distância considerável de BE e PCP, antigos aliados de governação.
Na intervenção final do debate do Orçamento do Estado, André Ventura aproveitou o momento para se afirmar como verdadeiro líder da oposição. “Só há um partido nesta câmara que enfrenta o PS”, garantiu o líder do Chega, atacando as “propostas alucinadas que o PS quer levar a cabo”. No entanto, as contas finais contam outra história.
O Observador contabilizou o sentido de voto de cada um dos partidos na especialidade em cada uma das votações em concreto nas propostas que foram aprovadas, o que exclui o Livre, porque não tem assento na Comissão Parlamentar de Orçamento e Finanças (COF) e que, por isso, não esteve nestas votações — só pôde votar as propostas de alteração que foram avocadas a plenário.
Voltando às contas: por 56 vezes o partido liderado por André Ventura esteve ao lado do PS e viabilizou as propostas de alteração da maioria socialista apresentadas na COF. Nesta contabilidade, cabem todas as votações feitas na especialidade, incluindo as desagregações de alíneas de artigos de propostas de alteração do PS.
Os números finais destacam o Chega na frente, no apoio a alterações vindas dos socialistas, mesmo depois de Ventura ter dito, no debate final, que o PS se prepara para “levar o país à bancarrota“. Nessa mesma intervenção, o líder do Chega tinha também notado que “o PS aprovou propostas de todos menos do Chega” (ver mais abaixo neste texto) e sublinhou como essa separação de águas era um “orgulho“.
É preciso sublinhar, no entanto, que o Orçamento do Estado acabou por ser aprovado com os votos a favor da maioria socialista e com abstenção de PAN, Livre e dos três deputados do PSD-Madeira — todos os outros, Chega incluído, votaram contra.
O PAN é o segundo partido que mais vezes esteve ao lado do PS, com 51 votos a favor, sendo este um dos partidos que foi considerado como um dos parceiros preferenciais dos socialistas neste Orçamento, a par do Livre de Rui Tavares (que não aparece nestas contas pelas razões já explicadas).
Há até um exemplo em que PAN e Chega ficaram sozinhos no mesmo barco que o PS: na proposta para reforçar o fundo de descentralização para a educação, os partidos de Inês Sousa Real e de André Ventura foram os únicos a votar a favor. Os restantes abstiveram-se.
O Bloco é o terceiro partido que mais alterações propostas pelos socialistas apoiou (43), seguido da Iniciativa Liberal (38), PCP (37) e, em último lugar, o PSD (34).
IL foi o partido que mais vezes votou contra PS
Os sociais-democratas acabam por ser os que mais vezes se abstiveram em alterações vindas do PS (39 vezes) e, por outro lado, a Iniciativa Liberal foi o partido que mais vezes se opôs (23 votos contra), logo seguido pelo PCP (ver abaixo).
O Chega volta a estar em destaque neste capítulo da oposição ao que veio do PS neste Orçamento. Apenas por 11 vezes votou contra — Bloco de Esquerda (9) e o PAN (7) votaram menos vezes contra do que o partido de Ventura.
Uma das propostas a que se opôs o Chega, por exemplo, foi a que excecionava as obras feitas no âmbito das Jornadas Mundiais da Juventude 2023 de fiscalização prévia do Tribunal de Contas, ao lado da IL. A alteração proposta pelo PS foi aprovada apenas pelo PS e pelo PSD.
O Bloco e o PCP, parceiros do PS nos seis últimos anos, foram (a seguir ao PSD) os partidos que mais se abstiveram nas alterações da maioria. Aconteceu por 36 vezes no caso dos bloquistas e por 34 vezes no caso dos comunistas.
O PCP, por exemplo, ficou sozinho na abstenção das alterações propostas pelo PS para o Imposto sobre os Veículos de ucranianos, de refugiados da guerra, em linha com aquela que tem sido a posição comunista com tudo o que tem a ver com a invasão russa da Ucrânia.
Os comunistas foram os que mais vezes votaram contra propostas vindas do PS e chegaram mesmo a estar sozinhos com o Bloco de Esquerda — os dois ex-parceiros — na rejeição de uma proposta do PS relativa ao incentivo fiscal à recuperação de empresas. Longe vão os tempos em que o PCP era louvado pelo próprio primeiro-ministro em debates parlamentares, pelo apoio que dava ao Governo socialista, nomeadamente em Orçamentos do Estado.
De resto, foi raro o PS ter ficado sozinho a votar a favor de uma proposta de alteração sua, mas aconteceu naquela alteração polémica — pela hora e formato com que entrou. Depois de longas horas de discussão sobre se o alargamento dos limites de endividamento das autarquias devia ou não ser votado, o PS conseguiu fazer vingar a sua posição, mas não teve nenhum dos partidos ao seu lado no voto a favor — depois de ter ouvido críticas sobre o “rolo compressor” da maioria.
E houve algumas propostas socialistas aprovadas por unanimidade, sobretudo relativas à Região Autónoma dos Açores, nomeadamente a proposta para um novo estabelecimento prisional em São Miguel, a remodelação do tribunal nos Açores e a descontaminação da ilha Terceira.
A construção do novo hospital central do Algarve foi a outra proposta socialista que teve voto favorável de todas as bancadas e ainda o reforço na transparência sobre os montantes da participação das autarquias locais nos impostos do Estado.
Chega com zero propostas aprovadas. PAN é líder destacado
Analisando as propostas da oposição que conseguiram luz verde, o PAN foi o partido que viu aprovado o maior número de medidas – foram 41 – e, mais uma vez, contou com uma ajuda improvável: o Chega comportou-se como aliado assíduo, tendo votado favoravelmente mais de metade dessas propostas (22).
Nesses casos, o PSD não pareceu querer nada com o PAN, que ainda há uns meses, na campanha legislativa, se dizia equidistante dos partidos do centrão. Os sociais-democratas são os que votaram mais vezes contra as propostas do PAN (pelo menos, as que passaram).
O PAN será, assim, o partido da oposição com mais propostas aprovadas em número, embora à esquerda se ironize com o conteúdo de algumas delas e com a quantidade de “estudos, grupos de trabalho e projetos-piloto-de-projetos-piloto” que dali resultam (Catarina Martins dixit, sobre o PAN e os restantes “novos parceiros” do Executivo).
Entre as propostas aprovadas, encontram-se de facto vários relatórios (sobre a qualidade do alojamento do ensino superior, a realização de censos sobre espécies cinegéticas, a qualidade nutricional das refeições em cantinas ou a segurança em zonas envolventes de instituições do ensino superior, para dar alguns exemplos) e também propostas para pôr em prática medidas que já vêm de trás e nunca saíram do papel (um regime para alojamentos que recebam animais selvagens ou de pecuária ou a implementação do cheque-livro, por exemplo).
Mas também há propostas com impacto orçamental, como o programa de apoio à plantação de espécies autóctones (cinco milhões de euros, do fundo ambiental) ou o reforço do mecanismo financeiro de apoio à eficiência energética dos edifícios (40 milhões).
Depois vem o Livre, que viu 13 propostas aprovadas, com a IL a mostrar-se quase tão alinhada com o partido de Rui Tavares como a esquerda – o PAN aprovou 12 medidas do Livre, o BE e a IL aprovaram 10. Entre estas, registam-se algumas das maiores vitórias do partido – o programa 3C, para subsidiar mudanças que promovam a eficiência energética dos edifícios, ou o alargamento do subsídio de desemprego às vítimas de violência doméstica.
Muitas dessas vitórias acabaram, na verdade, por ser simbólicas ou bastante alteradas na negociação com o Governo – mas isso não livrou Rui Tavares do rótulo de novo “bff” do Executivo.
Já a Iniciativa Liberal teria conseguido unanimidade em todas as cinco propostas que conseguiu ver aprovadas se não fosse o PCP, que se absteve numa e votou contra outra. Ainda assim, a estratégia de avocar normas para repetir as suas votações em plenário, não as deixando morrer na praia – neste caso, na Comissão de Orçamento e Finanças – deu frutos.
Em vários casos (a antecipação dos resultados da atribuição de bolsas de estudo ou a suspensão de apoios públicos a entidades sancionadas por causa da invasão da Ucrânia), o PS mudou mesmo de voto e deu a mão aos liberais. O plot twist em plenário, no caso das bolsas, chegou mesmo a provocar um abraço na bancada liberal (entre os deputados João Cotrim Figueiredo e Carla Castro).
Das restantes aprovações não reza a história: o Chega não conseguiu nenhuma e, apesar de ter sido um bom “parceiro” para o PS, não foi compensado em nenhum caso; PSD, Bloco de Esquerda e PCP, todos juntos, só viram seis propostas aprovadas.