A edição que assinalou os 20 anos do Rock in Rio em Lisboa chegou ao fim já na madrugada desta segunda-feira, 24 de junho, após três dos quatro dias esgotados. O Parque Tejo — que já está confirmado como palco do evento em 2026 — recebeu novamente 80 mil pessoas num dia em que a faixa etária dominante começava nos 15 anos para não terminar muito longe dos 25.
Os concertos do Palco Mundo, inaugurado pelos acordes de Los Ángeles, de Aitana — nome que se tornou conhecido na Operação Triunfo em Espanha e que fez aquilo que se esperava dela, interpretando Mon Amour, Vas a Quedarte, Akureyri e Aqyne logo às 16 horas —, foram muito pouco espontâneos, com os sons brasileiros de Luísa Sonza e Pedro Sampaio a revelarem ser demasiado importantes para o público português para ficarem confinados ao Palco Galp.
Ne-Yo, o único homem a atuar no Palco Mundo neste último dia, começou a cantar às 18 horas em ponto com uma das preferidas do público, Closer: ao segundo verso, já o público estava aos gritos juntamente com o norte-americano. Bastaram dois temas, os que deram início ao alinhamento, para juntar milhares. Todo de preto, chapéu incluído, sob um calor abrasador, Ne-Yo conduziu uma hora em modo non-stop.
“Como estão todos? O meu nome é Ne-Yo. Prazer em conhecer-vos a todos”, disse o artista de R&B, antes de explicar que se ia “cantar um pouco, bater palmas um pouco, dançar um pouco”. O público, obediente por ser fã ou por se deixar levar pela onda, saltou, gritou, bateu palmas e dançou sempre que o músico pediu. O próprio, jurado do programa Feras da Dança, da Netflix, fez o que dele se esperava. Explicou que os seus concertos são compostos por dois tipos de músicas: os “clássicos clássicos” e “os futuros clássicos” (os temas mais recentes que ainda vão crescer, se bem entendemos). E dos primeiros houve muitos: Because of You, Sexy Love, So Sick, Miss Independent ou You Should Let Me Love You seguiram-se num corrupio de conhecidos ritmos dos anos 2000, deixando espaço para os singles mais recentes como She Knows.
Além de ter três Grammy no currículo e de ser compositor dos próprios temas, é autor de canções de canções ficaram conhecidas nas vozes de outros artistas. Seguiu-se uma espécie de medley com Take a Bow (que fez para Rihanna) e Irreplaceable (Beyoncé). Quem não estava ali por Ne-Yo, sempre acabava por marcar pontos. Give me Everything encerrou a atuação com confetis e colorirem o palco de vermelho e branco às 19h01. O público deu-lhe tudo, pelo menos o que ele pediu, num concerto pré-formatado — sem improvisos nem interações além das ensaiadas — testado e eficaz.
As atenções dividiram-se depois por dois palcos. No Galp, Anselmo Ralph começou a cantar às 19 horas. Porém, ou o público estava bastante próximo do palco, ou pouco ouvia, tendo em conta o DJ que fazia por rebentar as colunas na zona do Palco Mundo. O Palco Tejo recebeu à mesma hora MC Cabelinho e o espaço parecia pequeno para a quantidade de pessoas que queriam cantar Carta Aberta e Vamo Marolar com o artista brasileiro
O Palco Mundo transformou-se numa espécie de parque infantil para receber a estreia de Camila Cabello a solo em Portugal. I Luv It deu o mote para uma dança de lobos encapuzados (ou lobas), com a cantora escondida debaixo de uma das máscaras. Revelou-se no final da canção perante o júbilo do público. Ao terceiro tema, Sangria Wine, as bailarinas que continuavam a dançar em torno dela ajudaram-na a despir o resto do macacão para revelar botas pretas acima dos joelhos, boxers pretos, biquíni e top metalizados. Também teve direito ao famoso wardrobe malfunction com três tentativas para vestir uma casaco preto de penas.
“Como estão, Lisboa? Como é que se sentem por serem dos primeiros públicos a ouvir alguns dos temas de C, XOXO [álbum que deverá ser editado a 28 de junho]?” O alinhamento estava repleto de novidades, como B.O.A.T., Chanel No.5 ou Koshi XOXO, o que não deixou espaço para que a multidão se mostrasse efusiva como esperava — quando não se conhecem as canções, não fica tão fácil.
Camilla Cabelo deslizou pela pista de skate, andou à pendura numa bicicleta, foi empurrada num baloiço e partilhou o carrossel com as amigas, mestres do twerk. A cantora desdobrou-se em danças, muitas vezes em cima da plataforma de skate que ficava na lateral esquerda do palco, o que significa que quem ficou instalado desse lado do recinto (o direito, de frente para o palco) passou grande parte da atuação a vê-la apenas através de ecrãs.
Cabello esteve sempre empenhada no namoro com a câmara. Foi sobretudo para ela que cantou, já que perto do público só chegou realmente uma vez, quando desfilou pelo corredor central para ler cartazes e revelar que no dia anterior lhe ensinaram a dizer “Parabéns, Portugal” [pela vitória frente à Turquia no Euro 2024] e “Cristiano Ronaldo”. Também perguntou se alguém tinha pastéis de nata, estava com “vontade de comer um snack”. Alguém atento nos bastidores tratou do assunto e, minutos depois, Cabello e as bailarinas davam dentadas em bolos e exibiam latas de um refrigerante para a câmara (quem mais?). Foi nesta altura que começou Bam Bam, perante uma confusão em que a estrela pop ora cantou, ora pediu ao público para cantar, ora disse que ia ligar ao “amigo Ed [Sheeran, com quem partilha o tema]”, ora pediu água para empurrar o doce português.
Havana e Señorita surgiram para garantir momentos de felicidade coletiva de uma multidão que dançou e cantou — por vezes mais do que Camila Cabello). Depois veio a melancolia, com a nova June Gloom, e outros planos começaram a desenhar-se junto daqueles que estavam em frente ao Palco Mundo e as laterais começaram a esvaziar-se ainda antes da despedida com He Knows, (mais uma faixa do novo álbum).
A cantora disse que não vinha a Portugal há nove anos [foi em 2016, com as Fifth Harmony, pouco antes de abandonar a banda e a estreia que estava prevista em 2020 não se confirmou devido à pandemia] e, tendo em conta o impacto discreto que causou no Rock in Rio, ninguém vai perceber se demorar outros tantos.
As 21h58 ditaram o fim da atuação da cantora com origens cubanas e mexicanas e logo a seguir ficou explicado para onde tinha ido a debandada: Palco Galp, para ver Luísa Sonza. Um fenómeno que nasceu no YouTube, onde aos 16 anos já tinha o próprio canal, juntou um mar de gente para cantar Chico ou Sagrado Profano. O carinho que recebeu foi retribuído com uma bandeira portuguesa (clássico mas sempre de resultados garantidos), uma energia contagiante e uma dúvida que deixa para o futuro: será que não merece um palco maior? É que, a julgar pela quantidade de gente que abandonou depois de a ver, Sonza parece capaz de mover multidões.
Menos de uma hora depois, às 22h44, foi o momento de Doja Cat pisar o Palco Mundo. Aknowledge Me, pediu a rapper de Los Angeles, com uma peruca loira e comprida, óculos e um nariz a sangrar tão bem pintado que inicialmente parecia real. Excêntrica, sem pedir licença, foi aumentando o ritmo e os gritos à medida que o concerto ia avançando. Muitas vezes sozinha em palco, o aparato ficou apenas por conta dela.
Ao terceiro tema, WYM, chegou-se mais à frente para puxar pelo público. “Uau, Lisboa”, disse para gritar logo a seguir a palavra com mais força: “Lisboa”. Compreendido. Dela não houve muito mais: chegou, cantou o que tinha a cantar e foi-se embora. As interações com o público resumiram-se a mais duas ou três ocasiões em que não passou do nome da cidade. Preferiu pedir apoio dos fãs fazendo gestos com as mãos para que subissem a intensidade, a temperatura e tudo o que fosse possível.
A norte-americana, que começou a fazer a própria música e a carregá-la no SoundCloud quando ainda era adolescente, dançou em cima de saltos agulha, deitou-se no chão e fez a espargata enquanto, a toda a velocidade, avançou no alinhamento: Demons, Tia Tamera, Piss, Gun, Loser. Get Into It, Say So, Need to Know e Agora Hills foram dos temas que mais fizeram o público reagir, mas aquele arrepio coletivo de ouvir 80 mil vozes em coro nunca chegou a ser ouvido no Parque Tejo.
Paint the Town Red foi, provavelmente, a canção mais aguardada pelo público, que se juntou a cantar e a dançar com Doja Cat, cuja ginástica em palco quase lhe custou o body cor de pele que simulava fitas adesivas e que já não controlava o corpo que ameaçava transbordar a qualquer instante. Wet Vagina encerrou a atuação depois de uma sequência de temas como Ain’t Shit e Rules, que esgotaram a energia à cantora. Para o público português foi enviado um beijo com as mãos e um aceno de adeus. Fim. Eram 23h59 e, tal qual Cinderela, Doja Cat parecia ter planos inadiáveis antes que o relógio desse a volta.
Para o público esta ainda não era a última paragem. Direção: Palco Galp, onde dez minutos depois, também ele com direito a fogo de artifício — quase uma continuação do espetáculo que acabara a encerrar o Palco Mundo —, Pedro Sampaio deu as boas-vindas a uma multidão ávida. Ele disse “Pedro”, o público gritou “Sampaio, vai”. E foi isto durante mais de uma hora, com toda a gente a saltar, a cantar e a libertar as últimas gotas de energia (sobretudo os muitos que vieram especificamente para ele e por ele). A multidão perdia-se de vista e o sistema de som não acompanhava as necessidades. Resolve-se o problema não parando a dança, com Dançarina e Galopa.
Pedro Sampaio foi DJ, Pedro Sampaio cantou, Pedro Sampaio dançou, Pedro Sampaio recebeu Luísa Sonza, que se juntou a ele para Atenção — ela, que por volta das 22h, também tinha direito a uma plateia cheia neste mesmo palco. “Olé, e salta Pedro, e salta Pedro, olé.” E o artista brasileiro saltou bem alto. “Muito obrigado por, mesmo eu encerrando o festival, terem esperado por mim.” Para muitos foi este “o” concerto que esperaram o dia todo. Pessoas a perder de vista copiaram religiosamente as coreografias (que já conheciam) ou que viam pela primeira vez em palco. Se a atuação tivesse sido no Palco Mundo, provavelmente teriam sido 80 mil a “fazer tremer Lisboa”.