Aquilo que poucos achavam possível tornou-se real: Cristiano Ronaldo assinou pelo Al-Nassr da Arábia Saudita e vai jogar fora da Europa pela primeira vez na carreira. Pouco mais de um mês depois de rescindir mutuamente com o Manchester United, na sequência da eliminação portuguesa no Mundial do Qatar e sem grandes opções para explorar no universo europeu, o jogador decidiu dar aquele que será provavelmente o último passo da carreira.
Para trás, fica a primeira notícia da possível transferência — ainda durante o Campeonato do Mundo –, o distanciamento de Jorge Mendes e o aparente fim de um sonho que seria o regresso ao Sporting, clube que o formou. O homem que um dia chegou a garantir que despedir-se dos relvados “com dignidade” e longe dos Estados Unidos, do Qatar ou do Dubai, é agora o novo jogador do Al-Nassr. Esta é a crónica de uma contratação anunciada.
Os primeiros rumores, a primeira notícia, o primeiro desmentido
Foi a 22 de novembro, já no Qatar e a dois dias da estreia da Seleção Nacional no Campeonato do Mundo contra o Gana, que a bomba caiu. Cristiano Ronaldo tinha acabado de rescindir por acordo mútuo com o Manchester United na sequência da polémica entrevista a Piers Morgan onde criticou o clube, a direção do clube e o treinador do clube.
A partir desse momento e à semelhança do que aconteceu no verão, quando o jogador português tornou claro que não pretendia ficar em Old Trafford e procurou outros destinos, abriu-se espaço para todo o tipo de especulação. Bayern Munique, Chelsea, Newcastle e Sporting voltaram a ser opções mais ou menos prováveis, com o futuro de Ronaldo a permanecer uma incógnita que poucos arriscavam desvendar.
Ainda no Qatar, porém, surgiram os primeiros rumores de que o próximo passo do capitão da Seleção Nacional poderia passar pela Arábia Saudita. O jornal “Marca”, em Espanha, foi o primeiro a adiantar que o Al-Nassr tinha feito uma proposta milionária por Cristiano Ronaldo: duas épocas e meia de contrato, 200 milhões de euros por ano e a concretização do objetivo de prolongar a carreira até aos 40 anos.
Contudo, no Campeonato do Mundo e a meio da tensão com Fernando Santos — depois das palavras na substituição contra a Coreia do Sul, da ausência de titularidade contra a Suíça e da nova exclusão do onze inicial contra Marrocos –, o avançado rejeitou a ideia. “Não, não é verdade”, respondeu na zona mista quando questionado sobre um eventual acordo já existente com os sauditas.
Depois da eliminação portuguesa contra os marroquinos, Ronaldo fez parte do grupo de jogadores autorizados pela Federação Portuguesa de Futebol a permanecer no Qatar com as respetivas famílias ao invés de regressar a Lisboa.
O avançado português pediu ao Real Madrid para trabalhar sozinho em Valdebebas, no centro de treinos dos merengues, e passou o Natal na capital espanhola. Antes, e novamente de acordo com o jornal Marca, deslocou-se ao Dubai para, alegadamente, fechar o vínculo que agora assinou com o Al-Nassr. Todas as movimentações do português eram acompanhadas pela imprensa, mas a oficialização tardava em acontecer.
Para trás, portanto, terão ficado as reservas que o levaram a recusar uma proposta semelhante há seis meses. Durante o verão, antes de ficar assegurada a manutenção no Manchester United, Cristiano Ronaldo rejeitou uns semelhantes 250 milhões de euros por ano ao longo de duas épocas num clube saudita — sendo que, na altura, a transferência implicava ainda 30 milhões de euros encaixados pelos ingleses.
Seis meses depois, o paradigma mudou: a vontade de continuar na Europa, de disputar as competições europeias e de se manter ao mais alto nível foi derrotada pela inevitabilidade de uma ida milionária para a Arábia Saudita. A fraca prestação no Campeonato do Mundo não terá ajudado às aspirações europeias de Ronaldo.
A rutura com Jorge Mendes e o amigo de há décadas que liderou as negociações
As negociações com o Al-Nassr, pelo menos tudo aquilo que foi veiculado na comunicação social e que envolveu a presença de representantes de Cristiano Ronaldo em Riade nas últimas semanas, tiveram um ponto surpreendente: o facto de não ter sido Jorge Mendes, o eterno agente do jogador, a acertar o acordo com o clube saudita.
Na capital da Arábia Saudita, em todas as imagens captadas essencialmente pelo jornal “Marca”, era Ricardo Regufe o principal representante do avançado. Conhecido por ser um dos amigos mais próximos de Ronaldo, a par de Miguel Paixão, Regufe nasceu no Porto e os dois cruzaram-se pela primeira vez quando o jogador estava ainda em Alcochete e a dar os primeiros passos no Sporting.
Na altura, o agora empresário era representante da Nike, marca desportiva que deixou em 2018 para se tornar agente pessoal de Cristiano Ronaldo. De lá para cá, é presença habitual junto das concentrações da Seleção Nacional e está quase sempre inserido nas férias da família do avançado.
Mais do que uma aproximação clara de Ricardo Regufe e uma alteração na representação do jogador, as negociações com o Al-Nassr consolidaram a ideia de que existiu mesmo corte profundo na relação com Jorge Mendes.
O empresário português, que ao longo de praticamente duas décadas foi sinónimo da carreira e das decisões de Cristiano Ronaldo, está aparentemente afastado do presente e do futuro do capitão da Seleção Nacional. E ninguém sabe o porquê.
Ainda assim, a notícia não é uma novidade. Desde o verão que ficou claro que a influência de Jorge Mendes nas decisões de Ronaldo era crescentemente menor e menos impactante, com a tensão a ser notícia já em dezembro e na sequência da rescisão com o Manchester United.
No entender do jogador, o empresário foi o principal responsável por não ter existido uma solução que não a manutenção em Old Trafford no final da temporada passada — algo que o levou a optar pela confiança em Ricardo Regufe na hora de negociar com o Al-Nassr.
Independentemente dos motivos, o afastamento de Jorge Mendes é mais um dos fatores que ajudam e alimentam a teoria de que Cristiano Ronaldo está cada vez mais isolado. O jogador português afastou-se do empresário de sempre, afastou-se do clube onde se tornou um dos melhores e afastou-se até de Fernando Santos, com quem mantinha uma relação próxima e de cumplicidade desde que o treinador chegou à Seleção Nacional.
A saída da Europa e o adeus à Liga dos Campeões
Com a ida para a Arábia Saudita, Cristiano Ronaldo vai deixar a Europa pela primeira vez e abdicar da Liga dos Campeões, da Liga Europa ou até da Liga Conferência. Algo que, há sete anos, achava totalmente impensável.
“Quero reformar-me com dignidade. Não nos Estados Unidos, no Qatar ou no Dubai. Não quero com isso dizer que existam maus jogos nessas ligas. Mas não me vejo lá”, disse o português em novembro de 2015 no Jonathan Ross Show, um programa de televisão norte-americano.
A saída do continente europeu significa que o avançado vai abdicar da Liga dos Campeões — onde já não jogou esta temporada, já que o Manchester United não garantiu a qualificação na Premier League da época passada.
Uma decisão que implica desde logo que Ronaldo não vai alcançar a sexta Champions com que sonhava, vai ficar muito longe de conquistar novamente a Bola de Ouro e vai perder vantagem na liderança da classificação dos melhores marcadores da competição.
Mais do que isso, e a menos que algo de radical mude, Cristiano Ronaldo despede-se de forma definitiva de uma prova que tratou com sua, por mérito e por direito, durante mais de uma década. Nos tempos do Real Madrid, essencialmente, o jogador português foi a maior figura da Liga dos Campeões e era muito claro que os próprios merengues já geriam a sua utilização na liga espanhola a pensar nos compromissos europeus.
Quando saiu para a Juventus, em 2018, a ideia era contribuir para uma glória europeia que nunca chegou. Quando voltou ao Manchester United, o sonho de voltar a ser campeão europeu vestido de vermelho ainda permanecia. Agora, na Arábia Saudita, as finais europeias acabaram.
A ida para a Arábia Saudita é o fim do sonho do Euro 2026?
A possibilidade de Cristiano Ronaldo marcar ou não presença no próximo Campeonato da Europa, onde há pouco tempo garantiu querer estar, vai depender em larga escala do próximo selecionador nacional.
Independentemente das quezílias abertas no Qatar e da tensão crescente numa relação que até aqui tinha sido quase perfeita, era expectável que Fernando Santos continuasse a convocar o avançado. Sem Fernando Santos, essa certeza torna-se uma incógnita.
Ainda assim, o jogador português tem um fator que o beneficia: provavelmente, vai ser utilizado com regularidade no Al-Nassr, vai acumular golos e assistências e lutar por títulos na Arábia Saudita. Ou seja, assim como todos os outros, será julgado e avaliado pelo rendimento e pela competitividade, indicadores que, à partida, estarão a seu favor. Assim sendo, mais uma vez, a hipótese de Ronaldo estar no Euro 2026 é mais ou menos maior consoante o próximo selecionador nacional.
Se o substituto de Fernando Santos for mesmo José Mourinho, por exemplo, o regresso do capitão à Cidade do Futebol é improvável. Se o substituto de Fernando Santos for Rui Jorge, por exemplo, o regresso do capitão à Cidade do Futebol é bem mais provável.
Acima de tudo, com esta opção, Cristiano Ronaldo reserva a possibilidade de somar dezenas de jogos ao longo da temporada e ser um verdadeiro herói em Riade — algo que, em qualquer clube de uma qualquer cidade europeia, não estava garantido.
O maior salário de sempre, duas épocas e meia e até 2025. Mas resta uma dúvida
Tal como tinha sido adiantado desde o início dos rumores, Cristiano Ronaldo assinou por dois anos e meio, até junho de 2025, e vai receber 200 milhões de euros por cada uma das temporadas. O valor já inclui todos os acordos comerciais, é o maior salário da história do futebol e obrigou o Al-Nassr a dispensar três jogadores para cumprir as regras do fairplay financeiro.
Por explicar ou detalhar, porém, está uma das últimas notícias do jornal Marca. Na última semana, os espanhóis garantiram que Ronaldo ia jogar durante dois anos mas ia ficar ligado ao Al-Nassr até 2030 e no papel de embaixador da candidatura da Arábia Saudita em conjunto com o Egito e a Grécia à organização do Mundial desse mesmo ano.
Ora, a ser verdade, o acordo implica desde já uma espécie de incompatibilidade. A candidatura da Arábia Saudita, do Egito e da Grécia à organização do Mundial 2030 é naturalmente adversária da candidatura de Portugal, Espanha e Ucrânia à mesma competição.
Ou seja, tornando-se embaixador da proposta saudita, egípcia e grega, Cristiano Ronaldo tornava-se também um oponente direto das intenções e dos objetivos da Federação Portuguesa de Futebol.
Adicionalmente, os espanhóis indicam que os tais 200 milhões de euros por ano dizem respeito unicamente ao período em que o português vai representar o clube dentro de campo. Ou seja, o mais provável é que a quantia aumente quando e se Cristiano Ronaldo assumir o tal papel de embaixador da candidatura ao Campeonato do Mundo.
Em declarações aos meios oficiais do Al-Nassr, Cristiano Ronaldo mostrou-se “ansioso” pelo novo desafio. “Estou ansioso para experimentar um novo campeonato num país diferente. A visão do Al-Nassr é muito inspiradora e estou animado para me juntar aos meus colegas e ajudar a equipa a alcançar mais sucesso”, atirou. Já Masli Al-Muamr, o presidente do clube, indicou que a contratação é “mais do que um novo capítulo histórico”.
“Este acordo é mais do que apenas escrever um novo capítulo na história. Este jogador é um exemplo para todos os atletas e jovens no mundo, e com a sua presença, seguiremos em frente para conseguirmos mais sucesso para o clube, para o desporto saudita e para gerações futuras”, concluiu o líder saudita. Resta saber se contribuirá para o sucesso desportivo de Cristiano Ronaldo.