É rara a paixão que pega de empurrão, como um carro teimoso que prefere estar parado quando o querem ver a arrancar. A de Tiago Pires foi uma dessas raridades. Pegou com inércia, forçada num miúdo habituado ao bodyboard, a estar deitado e a flutuar no mar, que foi contrariado experimentar como seria estar de pé. Mandaram-no agarrar numa prancha de surf e, quer quisesse, quer não, levá-la para dentro de água e esperar pelo embalo das ondas. Tinha 11 anos. Era criança, obedeceu, o gosto pegou à primeira e Tiago descobriu que tinha o depósito do talento atestado.
Tão cheio que o miúdo cresceu, fez-se à aventura, às viagens com uma “catrefada” de pranchas atrás, aos campeonatos espalhados pelo planeta e à caça de um sonho que, durante oito anos, conseguiu viver — estar entre os melhores surfistas do mundo. Tiago Pires foi o primeiro português a competir no World Championship Tour (WCT), na elite do surf, garante, onde é difícil entrar e bem mais difícil ficar. E ‘Saca’, alcunha “pessoal e familiar” da qual “nunca falou muito”, lá permaneceu de 2008 a 2014, depois de oito anos a “ficar à porta” no circuito de qualificação.
Tiago ainda se lembra do momento em que soube que a porta se abriu. Disso e de muita coisa: das viagens que fazia sozinho, em miúdo, de Lisboa à Ericeira, de quando conheceu o mentor, dos nervos na estreia no WCT, do “peso que carregava às costas” em Peniche, na etapa portuguesa do circuito, e da vitória, em 2008, contra Kelly Slater, o homem que por 11 vezes já foi o melhor dos melhores. Falámos de tudo um pouco num dia manhoso, ventoso como poucos, que espicaçou o mar da Ericeira e obrigou a que a conversa se refugiasse na loja da Quiksilver, o principal patrocinador de Tiago Pires.
Por fora, a entrada é ladeada por uma imagem do surfista, de pés na prancha e de prancha na onda, e as paredes, por dentro, cobrem-se à vez com a cara de quem, aos 35 anos, já é há muito a imagem do surf português. Tiago Pires lá está à espera, à hora, num sofá, a segurar numa mão a lata de RedBull que beberica e não larga durante toda a entrevista com o Observador. Está bem-disposto e descontraído, postura que não muda nem quando admite que este poderá ser o último ano que passa a competir. Se assim o for, pelo menos andará à boleia das ondas do país — Tiago Pires vai participar na Liga Moche, o circuito nacional de surf que arrancou esta sexta-feira, na Ericeira. Quase no seu quintal.
Como é que um rapaz do centro de Lisboa acabar por começar a surfar na Ericeira, quando há praias e ondas bem mais perto?
Sempre passei férias na Ericeira desde que nasci e a praia de São Lourenço sempre foi o meu destino de férias. Tudo aconteceu com uma brincadeira de verão. Antes de começar a fazer surf fiz bodyboard durante uns anos, e antes do bodyboard andei a fazer carreirinhas e a brincar nas poças durante o dia.
Em 1993, com 13 anos, Tiago começa a competir. No ano seguinte é campeão nacional sub-14 e, depois, da categoria sub-16. Com 17 anos sagra-se o melhor surfista europeu, em Hossegor, França, e em 1998 vai à Austrália para acabar em 2.º no Mundial da International Surfing Association (ISA). Um ano depois torna-se Campeão Europeu Pro Junior. Mas é em 2000 que explode pela primeira vez: é Vice-Campeão do Mundo Júnior e sai da Triple Crown, prova no Havai, com o título de Rookie of the Year.
Ainda te lembras da primeira vez que te puseste em pé em cima de uma prancha e o bicho pegou?
Perfeitamente. Estava, como todos os verões, a curtir as minhas ondinhas de prancha de bodyboard, até que o meu irmão, o Ricardo, que é mais velho, e os amigos da praia, que quase todos faziam surf, tiveram um dia a feliz ou infeliz ideia de me obrigarem a experimentar surf. E fui mesmo obrigado, porque eu não queria.
Foste contrariado?
Quer dizer, eu não queria porque estava muita bem. Eles disseram: “Amanhã vais experimentar surf, quer queiras ou não, por isso mentaliza-te.” E eu pensei que eles se iam esquecer. No dia seguinte lá estavam eles: “Vá, agarra numa prancha!” Lá peguei numa prancha, já não me lembro de quem, fui experimentar e a coisa correu muita bem. Tinha 11 anos.
Como era dizer aos amigos da escola que ias surfar numa altura em que talvez todos os miúdos só pensavam em jogar à bola?
Nunca fui muito de jogar à bola. Jogava na rua, sim, mas na escola jogava muito basquete. Cheguei a fazer competição de voleibol. Adorava competir e fazer desportos. A coisa foi evoluindo progressivamente. Acho que o momento em que me fez um grande clique foi quando soube que havia um circuito de esperanças de surf, campeonatos para miúdos da minha idade. Aí a coisa mudou totalmente, porque sempre fui muito competitivo, sempre para ganhar. A partir daí comecei a dedicar-me mais a sério ao surf e esqueci um pouco os outros desportos. Sempre que tinha tempo e boleia ia para a Ericeira aos fins de semana. Na altura usava mais a Ericeira como destino de verão. A minha mãe só ia de vez em quando. Até que chegou a um ponto em que chegava à sexta-feira, apanhava o autocarro sozinho e ia lá passar o fim de semana.
As pessoas ainda achavam estranho ouvirem-te dizer que ias surfar?
Era bastante invulgar. As pessoas não sabiam bem o que era surf e ninguém tinha muita noção do que era o desporto. Era visto como uma coisa um bocado hardcore e alternativa, e era mesmo, porque não era bem organizado ou implementado. Até que tivemos um programa na televisão, o Portugal Radical, um pouco graças à sorte, porque um dos filhos do [Pinto Balsemão], o Henrique, era surfista e foi ele a fazer com tudo isso acontecesse num desporto que praticamente não existia. Quando tinha resultados nos campeonatos de esperanças sabia que, no sábado seguinte, ia aparecer na televisão.
Isso dava-te pica?
Motivava bastante os miúdos, porque nos desportos de escola era impossível aparecer na televisão. O surf sempre teve um aspeto um bocado outsider, mas ao mesmo tempo teve sorte em ter pessoas que proporcionaram que fosse evoluindo rápido.
O teu início nos surf foi solitário ou arranjaste amigos que também surfavam?
Não tinha amigos da minha idade. Na altura éramos muito poucos miúdos a fazer surf, por incrível que pareça. Hoje em dia até é estranho dizer isto. Lembro-me que na altura os campeonatos começavam nas meias-finais, éramos oito no máximo, às vezes nem isso. Isto nos sub-14. Hoje em dia, na categoria de sub-10, se calhar há 20 ou 30 miúdos. Isto mostra a diferença com o que se passa hoje em dia. Os meus amigos do surf eram sempre pessoas mais velhas, como os amigos do meu irmão. Eu ia sozinho ou com eles.
E como apareceu a alcunha ‘Saca’?
É uma coisa mais pessoal e familiar, nunca falei muito sobre isso.
(Como Tiago Pires se sentiu quando, em fevereiro, e passados oito anos, viu a primeira etapa do circuito mundial de surf, realizada na Austrália, pela televisão.)
Qual foi a reação das pessoas quando começaste a dizer que o objetivo era chegares ao circuito mundial?
Naquelas idades tudo acontece mais lentamente. Já havia histórias de alguns portugueses, os top nacionais, que tinham tentado fazer o circuito de qualificação, mas não se deram muito bem e acabaram por nem correr na íntegra o campeonato, talvez por falta de apoios ou resultados. Foi mais ou menos em 1996, quando tinha 16 anos, que me comecei a dar mais com o José Seabra, que ainda hoje é um bocado o meu mentor. Disse que tinha uma visão para a minha carreira e perguntou-me se não queria começar a trabalhar numa base de treinador-atleta. Assustou um pouco. Era tudo muito recente, o Zé disse que tinha uma visão para a minha carreira e até queria que fosse acabar a escola para a Califórnia. A minha mãe ficou um bocadinho assustada.
Qual foi a tua reação?
Gostei muito da visão dele. Decidi acabar o 12.º em Portugal, porque era mais seguro para a minha cabeça e deixava a minha mãe mais descansada. Durante esses dois anos, dos 16 e aos 18, trabalhámos muito e comecei a ganhar campeonatos com alguma frequência cá em Portugal, o que me possibilitou arranjar apoios e patrocínios para, em 1999, me lançar ao circuito de qualificação.
Tiago Pires passou sete anos no World Qualifying Series (WQS), de 2000 a 2007, e foi somando resultados importantes: vence uma etapa no Japão, em 2002, e ganha a prova em Ribeira D’Ilhas, na Ericeira, em 2005 e 2006. A meio de 2007, quando liderava o circuito de qualificação, a ASP (Association of Surfing Professionals), entidade que organiza os circuitos, informa-o que já tinha somado os pontos suficientes para, no ano seguinte, entrar no WCT.
Foi duro para um jovem de 18 anos ir lá para fora sozinho?
Não, porque um miúdo de 18 anos que adora surf e ambiciona ser surfista profissional, um dos melhores, só quer é sair de Portugal e descobrir o mundo. Nunca tive grandes problemas em sair e viajar, nem que fosse sozinho. Claro que quando viajamos com uma catrefada de pranchas atrás, que são quilos e quilos às costas, as coisas são difíceis e pesam um pouco. Mas quando o objetivo é chegar a uma praia com altas ondas, a um campeonato, e fazer surf, que é aquilo que mais gostamos, acho que tudo fica mais fácil.
O que sentiste no momento em que soubeste que estavas confirmado no WCT?
Olha, foi um grande alívio e uma grande felicidade. Foram alguns anos a tentar entrar. Comecei a competir na íntegra em 2000 e acabei por me qualificar em 2007, para entrar no WCT em 2008. Foram sete anos a bater à porta, literalmente, porque fiquei muito perto em algumas ocasiões. Esses anos foram muito difíceis de aceitar. Foi muito duro, porque estás constantemente a competir contra nações onde o surf está muito desenvolvido, como a Austrália, os EUA, a própria África do Sul e até a França, onde o surf começou bem antes de Portugal. E isso ajuda muito a que apareçam talentos. Fui abrindo portas.
E onde estavas?
Foi em agosto, o circuito ainda nem tinha chegado a metade. Tive um ano de sonho e liderava o ranking. Estava num campeonato em França, em Lacanau, que era uma das provas mais importantes do ano, a primeira da perna francesa. A ASP comunicou-me que os meus pontos já eram garantia de acesso ao WCT do ano seguinte. Acabei o ano em quinto lugar, mais do que dentro, pois qualificavam-se os primeiros 16.
https://www.youtube.com/watch?v=VCmBQsIgbLI
Aliviaste o ritmo?
Confesso que sim. Perdi um bocadinho a estabilidade emocional. Mas foi bastante bom manter-me dentro do top-5.
A estreia no circuito mundial acontece na Austrália. De repente estavas entre os 44 melhores surfistas do mundo. Muitos nervos?
Sim, estava muito nervoso na primeira prova, perdi logo de primeira, no segundo round, num heat em que nem tinha um adversário muito difícil. Era um brasileiro chamado Leo Neves e perdi basicamente por estar nervoso e ter aquela ansiedade toda de querer provar e me mostrar ao mundo. Mas estava preparado para que o primeiro ano fosse muito duro. Há sempre muitos nervos e o próprio júri não te pontua tão bem como os mais experientes. Mas tive um grande resultado em Bali, onde ganhei ao Kelly Slater e acabei nas meias-finais. O WCT é um circuito de consistência. Surfamos em dez campeonatos, contam oito provas para o nosso ranking e na altura era tudo menos consistente. Acabei por me garantir através do WQS (hoje chamado Qualifying Series), que foi uma ajuda preciosa. A vida dos rookies, dos novatos, nunca é muito fácil.
(A vitória contra Kelly Slater na terceira ronda em Bali, na Indonésia, em 2008, no primeiro ano de Tiago Pires no WCT.)
O que é mais difícil para um surfista: chegar ao WCT ou manter-se lá?
Ficar lá é muito mais difícil. Parece que não, parece que se chega lá e tudo é bonito e muito cor-de-rosa. Mas os sete anos que lá estive foram muito suados. Apesar de estarmos a competir em praias espetaculares e ondas inacreditáveis, o nível é muito alto e a exigência do júri é muito maior do que nos campeonatos de qualificação. Se formos um dos atletas com menos pontos no circuito estamos constantemente a apanhar os top seedings [surfistas com mais pontos] nas primeiras rondas, um pouco à semelhança do ténis. Ou seja, vais ter sempre de eliminar um top-5 ou um top-10 para conseguires ir longe num campeonato. Mas com o passar dos anos as pessoas começam a conhecer-te, a olharem para ti de outra maneira e a perceberem que tens bagagem para estares ali.
Os melhores resultados de Tiago Pires no WCT são um 3.º lugar em Bali (Indonésia, 2008), um 3.º lugar em Hossegor (França, 2009), um 5.º lugar em Teahupoo (Tahiti, 2010), um 3.º lugar na Gold Coast (Austrália, 2011), 5.º lugar no Rio de Janeiro (Brasil, 2012). Mas ‘Saca’ participa cinco vezes na etapa do WCT em Peniche, na Praia de Supertubos (falha a edição de 2013, devido a uma lesão) e nunca consegue passar da segunda ronda.
Quando te começaram a chamar Portuguese Tiger?
Essa brincadeira começou no ano em que me qualifiquei, num campeonato em Margaret River, na Austrália, com ondas muito pesadas e um mar muito grande. Na altura, o speaker para a praia tinha um estilo de comentador de combates de boxe. Brincava muito com o meu nome e os australianos confundiam Tiago com ‘Taigo’ [dito ‘Táigou’], e ele às tantas disse Tiger. Como nesse campeonato fui até à final ele falou no meu nome muitas vezes. Na final já me chamava Portuguese Tiger e depois houve o plus de estar a surfar ondas grandes e de me estar a mandar às manobras.
No teu primeiro ano a ASP confirma que, na temporada seguinte, o circuito ia parar em Portugal, na praia de Supertubos. Os surfistas já conheciam a onda ou foi tudo ter contigo cheio de perguntas?
Eles perguntavam bastante, muitos deles não conheciam Supertubos porque, antes, quando o circuito passou por Portugal, tinha sido na Figueira da Foz [em 2002]. Dizia-lhes que era uma onda muito boa, num mar potente e com força, dos melhores beachbreaks [praias com fundo de areia] do mundo, com muitos tubos, mas também um bocado inconsistente, que era provável não funcionar todos os dias. No primeiro ano houve logo um mar gigante que até destruiu a estrutura do campeonato. Ficaram a perceber que Portugal não é só ondas pequenas e ganharam respeito ao país.
(Os resultados que nunca apareceram em Peniche, na etapa de Supertubos do circuito.)
O surfista é muitas vezes o pior inimigo dele próprio?
Sim, o surf é um jogo muito mental e o outro atleta acaba por não influenciar nada a nossa prova. Fazemos o nosso jogo e hoje em dia temos direito a prioridade, podemos escolher as ondas que queremos. É preciso ter muita paciência, discernimento e calma mental para fazer boas escolhas dentro de água. Quando estamos muito nervosos a coisa complica-se.
Ainda vais mantendo contacto com os surfistas que estão no circuito?
Sim, sim, vou continuando a falar com alguns deles, é uma amizade que perdura. Ainda vou estar com bastantes este ano, nas provas Prime [as que dão mais pontos no circuito de qualificação]. Dou-me muito bem com o Mick Fanning [o Observador chegou a entrevistá-lo em outubro, em Peniche] e sei que durante a prova cá em Portugal ele vai querer fazer alguma coisa comigo, para matar saudades. Sei que é possível combinar alguma coisa nas viagens de freesurf e fazer algum projeto em conjunto.
A primeira etapa da Liga Moche realiza-se entre 27 e 29 de março na Ericeira. O circuito passará depois pela Costa da Caparica, em Almada (10 a 12 de abril), pelo Porto (22 a 24 de maio), pela Praia Grande, em Sintra (10 a 12 de julho) e termina em Cascais (8 a 10 de outubro).
Há quanto tempo não tinhas tanto tempo livre para participar no circuito nacional de surf?
Há muito tempo. Arrisco dizer que há uns 15 anos que deixei de pensar no circuito nacional. Fui fazendo algumas provas, mas nunca mais do que uma ou duas, quando as coisas coincidiam com o meu calendário. O circuito português evoluiu bastante, o que é bom para a nova geração treinar e ir fazendo heats. Quando fazia o WQS viajava muito, às vezes tinha momentos em que perdia muito, com derrotas sucessivas, e a minha confiança ia abaixo. Aí vinha até casa, ganhava um campeonato e subia um pouquinho a confiança, porque uma vitória é uma vitória, seja onde for. Isso dava-me alguma força psicológica para voltar a sair. Acho bem que a Liga Moche seja forte e coesa para dar oportunidade aos mais novos de terem uma boa base em casa para, depois, se baterem lá fora.
Se o calendário ajudar pretendes estar em todas as etapas?
Não vou dizer que quero ser campeão nacional, não faz parte dos meus objetivos, mas se não tiver nenhuma viagem marcada, faço o circuito nacional com todo o gosto. A Moche é um dos meus principais patrocinadores desde 2007 e tenho vontade em ajudá-los. Gosto também do percurso que a ANS tem feito, pois hoje em dia é gerida por surfistas e malta jovem, bastante ativos e dinâmicos, que querem ajudar o surf português a crescer. Eles contam com o meu apoio.
(Sobre o facto de ir competir no circuito nacional de surf com Vasco Ribeiro, Frederico Morais ou Nicolau Von Rupp, surfistas que cresceram a ter Tiago Pires como referência.)
Estás com 35 anos. Vais tentar regressar ao WCT?
Para ser sincero, não. Vou fazer o circuito este ano porque ainda me sinto bem para parar de competir, mas sem grandes pressões ou expetativas. Mas se as coisas correrem bem e por acaso estiver qualificado no final do ano, vai ser um momento de reflexão interna para ver se tenho forças para fazer mais um ano. Seria um bom problema. Vamos ver.
Pode ser o último ano em que estás a competir?
Talvez seja o último em que faça campeonatos internacionais. Mas não sei. Quando deixar de fazer sentido para mim, vou parar. Se parar agora vou sentir muita falta e arrepender-me mais tarde. Vou parar quando estiver farto, achar que já não passo heats e não conseguir ter resultados. Aí será a altura indicada.
É possível viver do surf sem competir?
É uma coisa que ainda não sei [ri-se]. O surf cresceu bastante como desporto e há muita coisa para fazer. O mercado já envolve alguns números e há muitas portas a abrirem-se, projetos interessantes. Nada me diz que não possa ficar mais uns anos a surfar a fazer coisas que não envolvam campeonatos, com os meus patrocinadores, com os quais tenho contratos por mais alguns anos. Há muita coisa para fazer, entre viagens e freesurf, muito mais do que havia no meu tempo.
(Como é passar um ano a competir no circuito mundial de surf.)
E ser treinador, não?
Até agora nunca me passou pela cabeça. Não sei. Tive uma relação bastante boa com o José Seabra, correu muito bem, respeitámo-nos quase como um pai e um filho, ou dois irmãos. Funcionou bem por causa disso. O surf é um bocado como o ténis. É um desporto individual e claro que ter um treinador ajuda, mas tem de haver respeito, porque basicamente aquilo é um casamento. Se não existir torna-se bastante difícil pela própria profissão, que obriga a passar o ano a viajar e a estar bastante tempo com o atleta. Tinha que surgir um convite e dependia da pessoa que fosse.
No dia em que o cansaço ou a idade já não te deixaram surfar, do que é que vais ter mais saudades?
[Hesita, enche a boca de ar e bufa, rodando os olhos em busca de algo na cabeça, antes de responder] Acho que dá para fazer surf até muito tarde, mas em condições diferentes. Não acho que seja possível com 60 anos estar a surfar na Cave, aqui na Ericeira, que é uma onda super-perigosa. Mas dá sempre para continuar a surfar ondas como Ribeira D’Ilhas. Talvez sinta falta dos tubos grandes, a coisa que mais gosto de fazer e que considero o momento mais especial do surf, o que realmente o distingue de todos os outros desportos. Aquele momento em que estamos dentro de uma onda grande, passamos lá dentro e de repente saímos sem que ela nos toque. É uma experiência ímpar e acho que não há muitas como esta no mundo e na vida. Tanto dentro como fora do desporto.