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São meus amigos sim: as seis lições de vida que aprendi com "Toy Story"

Estreia-se dia 27 o quarto filme da saga da Pixar. Joana Marques viu todos e com Woody e companhia aprendeu coisas bonitas que agora quer partilhar. Quanto ao seu Buzz Lightyear, não o dá a ninguém.

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O título deste texto é um claro exagero, com o “Toy Story” não aprendi a ler nem a contar. Nesse aspeto, e no que toca a bonecada, a “Rua Sésamo” fez mais por mim. Gosto sempre de títulos enganadores, não por causa do clickbait, mas porque me divertem os comentários precipitados de quem só leu mesmo aquela meia dúzia de palavras.

Chega aos cinemas esta semana o quarto filme da saga e estou ansiosa por vê-lo, já que é um dos raros casos em que as sequelas não têm ficado aquém do original. A estreia de um novo capítulo de “Toy Story” é sempre emocionante. É como aquelas bandas que adorávamos na adolescência e que de repente anunciam o regresso. Com a vantagem de Woody e Buzz Lightyear terem envelhecido muito melhor do que os Backstreet Boys.

Lembro-me de ir ao cinema ver “Toy Story”, o primeiro. Na altura não sabíamos que teríamos de o numerar, porque pensámos que a coisa ficaria por aí. Em 1995, António Guterres era primeiro-ministro, Cristiano Ronaldo jogava no Andorinha e Manuel Luís Goucha estreava-se na Praça da Alegria, na RTP. De Cristina Ferreira ainda não havia sinal, e ainda faltavam quatro anos para Carla Félix dar à luz (e numa primeira fase, ao Olival) o seu primogénito João. Enquanto isso, eu estava sentada confortavelmente, a ver a primeira longa-metragem da Pixar, na sala 2 das Amoreiras (ainda não tinham construído o Colombo nem o Corte Inglés, e o agora conhecido como “antigo cinema Londres” não tinha o antigo, nem tinha os produtos chineses a bom preço que agora lá se vendem).

[o primeiro trailer de “Toy Story 4”:]

Inaugurava-se assim uma nova era dos filmes de animação, com um início auspicioso. Nos anos 90, a malta da Disney esteve especialmente inspirada, já que nos serviu iguarias como “A Bela e o Monstro”, o “Rei Leão” ou o “Aladino”. Fui fã a sério de todos, ao ponto de ter cadernetas, pósteres e T-shirts. Mas, do alto dos meus nove anos, em 1995 sentia que era altura de ver qualquer coisa mais adulta. Menos artesanal e mais tecnológica. Que não fosse imagem real (para isso já me bastara ver o “Santa Cláusula”) mas que fosse um passo mais à frente, mais tridimensional. Três dimensões mas sem exagerar, que há quase dez anos fui ver o “Chovem Almôndegas” com aqueles malditos oculinhos 3D e ainda hoje me dói a cabeça.

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Woody e Buzz são amigos improváveis, coisa que resulta sempre bem no cinema. Um cowboy e um astronauta, ou seja, a brincadeira mais comum das crianças e aquilo que mais querem ser quando forem grandes. Por um lado, o faroeste, por outro, o “far, far away”. Era de lá que vinha o Buzz. De uma galáxia distante.

A eles juntam-se o Mr. Potato Head, o Rex, o Slinky Dog e uma série de outros bonecos que só se tornam realmente animados longe dos olhares dos seres humanos. É um clássico das histórias infantis: brinquedos que ganham vida. Que o diga o Pinóquio. Se há coisa de que a criançada gosta é de uma boa prosopopeia. Disso e de esparguete à bolonhesa, mas não vem ao caso agora, que estamos a falar dessa interessante figura de estilo que consiste em atribuir características humanas a seres irracionais. Está explicado o sucesso da patrulha pata: cães que, além de falar, ainda conseguem dar conta de emergências com mais destreza que o SIRESP. Mas melhor do que ver um gato com botas ou um leão que fala, só imaginar o que fazem os bonecos lá de casa enquanto nós não estamos a ver.

A amizade entre o astronauta e o cowboy acaba por surgir e fica mais forte do que nunca quando ambos se sentem ameaçados, no Natal, com a chegada de um amoroso cão para lhes fazer sombra. Nada como arranjar um inimigo comum para fortalecermos laços. Foi assim que fiz todos os amigos que tenho.

Sempre que vou buscar o meu filho à escola, ele pergunta pelo seu porquinho de estimação (e de peluche): eu digo-lhe que está em casa a fazer a sesta. Entro no jogo mesmo sabendo que é mentira, porque sinto que nos faz falta essa capacidade de fantasiar, que vamos perdendo com o tempo. Toda a gente sabe que o porquinho passa a tarde a fumar charuto na varanda, porque é um inútil, mas é escusado estar a chatear a criança com as minhas queixas.

“Toy Story” deu-nos finalmente a oportunidade de ver o que fazem afinal os brinquedos na nossa ausência. E permitiu-nos aprender bonitas lições com eles. Partilho algumas convosco porque não sou egoísta (aprendi com o Andy, que doa os seus velhos brinquedos a Bonnie quando vai para a faculdade). Aprendi também que temos de nos livrar de tralha quando crescemos. Mas ainda não consigo dar a ninguém o meu Buzz Lightyear.

Lição nº1: Rivalidade

A rivalidade, tantas vezes mal vista, é uma poderosa força motriz! Woody que, até então, era o brinquedo favorito de Andy, vê chegar o moderno Buzz e fica com ciúmes da atenção que a criança lhe dá. Tal e qual como a velha guarda lá do escritório olha, de lado, para o estagiário que chegou cheio de ideias para revolucionar o “workflow”. Os primeiros tempos são difíceis, com desconfiança mútua, mas a amizade entre o astronauta e o cowboy acaba por surgir e fica mais forte do que nunca quando ambos se sentem ameaçados, no Natal, com a chegada de um amoroso cão para lhes fazer sombra. Nada como arranjar um inimigo comum para fortalecermos laços. Foi assim que fiz todos os amigos que tenho.

Woody e Buzz Lightyear

Lição nº2: Ambição

“Para o infinito e mais além!”, exclamava Buzz (o meu já não exclama porque tem o botão avariado). Esta nova formulação do velho “o céu é o limite” acarreta alguns perigos, já que a desilusão é maior quando subimos muito e caímos com estrondo, mas por outro lado dá-nos liberdade para sonhar e planear coisas que, provavelmente, nunca acontecerão. Nós, tal como o Buzz, temos muitas vezes uma imagem distorcida daquilo que somos. Ele pensava que era um astronauta a sério, nós também pensamos que somos bonitos, talentosos, que vamos ser promovidos, que vamos casar com a mulher dos nossos sonhos, que vamos ser chamados como concorrentes no meio daquela imensa plateia do Preço Certo… O mais certo é nada disso acontecer e chegarmos à conclusão, tal como Buzz, de que somos só uns bonecos… Mas não faz mal, enquanto imaginámos foi bonito.

Lição nº3: Aparências

Já sabemos que as aparências iludem mas, para o caso de estarmos esquecidos, a malta da Pixar recorda-nos, através de Lotso, um adorável ursinho cor-de-rosa, que nem tudo é o que parece, e que a primeira impressão pode ser enganadora. Eu cá desconfio sempre de pessoas que são demasiado simpáticas. Ser 50% simpático é boa educação, ser 99% amável é ser um psicopata com um plano secreto para nos matar. Também o Urso Lotso acaba por revelar-se dissimulado e maquiavélico, apesar daquele pelinho tão fofo.

O urso Lotso

Lição nº 4: Fidelidade

Cada vez mais importante, num tempo em que trair é muito mais fácil do que era quando se estreou “Toy Story”, a lição que nos deixou o Mr. Potato Head, no segundo filme. Perante um jacuzzi cheio de Barbies com belas curvas de plástico, repete o mantra “eu sou uma batata casada, eu sou uma batata casada”, de forma a não cair em tentação. Se têm uma aliança no dedo, da próxima vez que estiveram a fazer swipe no Tinder, lembrem-se deste sábio conselho, vindo de um dos tubérculos mais famosos do mundo (a seguir àquela figura da elite do Porto que dá pelo nome de Batata Cerqueira Gomes, claro).

Lição nº5: Mudança

Apesar de, aparentemente, não cansar os espectadores, a fórmula de “Toy Story” é sempre a mesma: por algum motivo, os brinquedos correm risco de ser abandonados por Andy. Seja por acidente (ou são atirados para o lixo, ou caem da janela…) ou por opção (Andy entra na faculdade e resolve doá-los a uma creche), o contexto está sempre a mudar e eles tentam adaptar-se. Tal como nos acontece na vida. Claro que o mais certo é, tal como eles, não conseguirmos lidar bem com as novas circunstâncias e ansiarmos por regressar ao nosso quartinho. Portanto, “Toy Story” acaba por ser sobre depressão também.

[o segundo trailer de “Toy Story 4”:]

Lição nº 6: Amizade

A amizade é, sem dúvida, o tema transversal de “Toy Story”. Desde logo porque todos os brinquedos tentam ser os melhores amigos de Andy, mas também porque percebem que, entre eles, a união faz a força. Ou seja, pode até ser uma amizade por conveniência mas é bonito na mesma. Podemos falar da lealdade do sargento dos soldadinhos de plástico, que não deixa nenhum “homem” para trás, ou da música “You’ve Got a Friend in Me”, um verdadeiro hino nacional da nação Toy Story, um país ao qual gostamos sempre de regressar.

Vou lá carimbar o meu passaporte, novamente, nove anos depois. Estou desejosa de conhecer a nova personagem, Forky, que tem uma crise de identidade: não sabe bem se é um garfinho ou um brinquedo. Há quem veja nisto mais uma importante lição, sobre questões de género, eu vejo uma chamada de atenção para um flagelo dos nossos dias. O drama dos pais que gastam dinheiro em sofisticados brinquedos, para que os filhos acabem a brincar com tupperwares, tampas de panela ou bases para copos.

Joana Marques é humorista, faz rádio muito cedo e deita-se demasiado tarde.

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