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Chris Jackson/Getty Images

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Seis horas depois, a duquesa sorriu e acenou às multidões

Depois de horas de pernas dormentes e encontrões diversos, Harry e Meghan apareceram diante as multidões. Histeria e correrias marcaram o dia em que a corte de Isabel II recebeu uma afro-americana.

Um silêncio quase sepulcral instala-se entre a multidão momentos antes da carruagem Ascout Landau atravessar a rua, em direção à Long Walk. Em frente e em redor da capela S. Jorge estão milhares de pessoas à espera deste momento, de pé e ao sol, atrás do perímetro de segurança criado pelos agentes da autoridade. A maior parte está em Windsor desde as primeiras horas da manhã para assistir em primeira mão ao casamento do ano. Foi longa a espera, mas terá certamente valido a pena: assim que os primeiros cavaleiros do cortejo percorrem a estrada de alcatrão, os gritos de apoio à monarquia tomam conta da atmosfera. Abrem-se garrafas de Prosecco, entoa-se “God Save The Queen” e viram-se os smartphones numa só direção. Ali estão eles, Harry e Meghan Markle, no topo de uma carruagem, sorridentes e ligeiramente intimidados com a atenção de milhares.

Foram precisas sensivelmente seis horas (mais para alguns, menos para outros) para ver passar, durante segundos, a nova duquesa de Sussex. Seis horas de pernas dormentes, bexigas apertadas, encontrões diversos, alguns mal-entendidos com cotovelos vizinhos e expetativa. Tanta expetativa.

Getty ImagesBen STANSALL - WPA Pool/Getty Images

O dia começa cedo, pelas 06h30, com as carruagens do comboio, ainda parado na estação londrina de Waterloo, a encherem-se num ápice. Se dois dias antes o mesmo comboio ia particularmente vazio, na manhã de sábado não há um lugar vago à vista. Entre os passageiros, mais e menos aprumados para a ocasião, estão duas norte-americanas. Beth e Jane, amigas de longa data, vieram de longe para assistir ao casamento. Estão entusiasmadas com a ideia de ver o casal real passar, mas também pelo facto de esta ser a primeira viagem transatlântica que fazem juntas, mesmo conhecendo-se há uma vida. Andam há meses a planear a incursão ao outro lado do oceano e garantem que não é só por Meghan que estão aqui. Beth já antes viu de perto o casamento de William e Kate, em 2011.

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“Três libras uma bandeira, duas por cinco libras”, vai gritando um homem que segura dezenas de bandeiras do Reino Unido com uma fotografia do casal do momento no centro. Naquela carruagem, em particular, são poucas as pessoas que não compram uma.

Windsor recebe-nos ainda fria. A luz da manhã já deixa a cidade à mostra, mas está longe de aquecer os muitos visitantes vindos de diferentes países. Há ruas cortadas. Polícias em cada esquina. A bem da cerimónia, as pessoas são forçadas a escolher um caminho alternativo para chegar ao castelo — a via mais direta está restrita aos VIP (“very important people”). Por esta altura, os melhores lugares já estão ocupados. Os visitantes de sábado acomodam-se como podem e, em nome da família real, perdem a noção de espaço pessoal. Uns mais desenrascados do que outros munem-se de bancos improvisados.

Mas ninguém está melhor preparado do que Michelle, a australiana com quem o Observador falou na passada quinta-feira, quando a cidade estava a ainda em fase de ensaios. Depois de 30 horas de voo e 600 euros de bilhete, a fã da realeza britânica conseguiu assegurar o melhor lugar da cerimónia: mesmo em frente aos portões, onde o cortejo começa. Para isso teve de passar três noites na rua, ao frio. Julie, Debbie e Liz, três norte-americanas, também se esforçaram para garantir um lugar diante da capela. Passaram a noite de sexta para sábado na rua. Queixam-se do frio e do barulho em redor. Estão visivelmente cansadas, ainda assim vestidas a rigor e disponíveis para entrevistas.

O dia cresce em expetativa. À medida que os convidados reais vão chegando, a polícia que vigia a zona junto à capela instiga a multidão a divertir-se, promovendo a formação de “ondas” que viajam de um lado ao outro, e trocando dois dedos de conversa com os menos tímidos. Volta e meia aparece um voluntário a distribuir bandeiras da Union Jack. Um alemão, com a filha às costas, suplica por uma. A multidão toma o pedido em consideração e, de mão em mão, a bandeira chega ao cuidado da menina, que vai passar o resto da tarde a agitá-la.

Os falsos alarmes são muitos, mas não desanimam ninguém. Os agentes não sabem responder por que lado entram Harry e Meghan. Os jornalistas também não. Todos supõem, mas ninguém sabe nada ao certo. Depois de sucessivos “wow” e de uns quantos “there are coming”, o carro que traz a noiva faz um trajeto indesejado. O de Harry também.

As correrias entre o aglomerado de pessoas e os pubs são frequentes. Junto à capela não há grandes televisões a emitir a cerimónia — esse privilégio destina-se apenas aos muitos milhares que escolheram ficar ao sol na Long Walk. A solução passa, então, pela cerveja pedida ao balcão, para, entre golos, ir-se saboreando a cerimónia que é transmitida em direto. Num desses pubs está um grupo norte-americano que, curiosamente, vibra mais com o casamento do que os britânicos presentes. E quando chega a hora de ouvir o sermão protagonizado pelo padre vindo dos “states”, os risos acumulam-se, bem como os gritos. Há entusiasmo, alguma histeria também. Há sobretudo olhares vidrados no pequeno ecrã e uma acentuada empatia pelo casal real de cada vez que este troca sorrisos entre si. Chega a hora de “Stand by me”. A canção cola-se ao ouvido e faz comichão na garganta de todos os presentes: o refrão é entoado em conjunto e o momento fica para a posteridade.

Dan Mullan/Getty Images

Na sala ao lado, ainda no mesmo estabelecimento, a transmissão televisiva está uns segundos atrasada. Por momentos, ouvimos e vemos a cerimónia em duplicado. “Ela diz que sim!”, atira alguém para o outro lado da sala. “Proclamo-vos marido e mulher.” Não são só as duas salas do pub que vibram. Lá de fora ouve-se o entusiasmo, os gritos e as palmas. E adivinham-se as milhares de bandeiras a serem agitadas, num frenesim que se pinta a azul, vermelho e branco.

Os sinos ainda tocam quando a carruagem passa diante das pessoas, junto à capela. São breves instantes que dificilmente se voltam a repetir. Harry e Meghan aparecem e desaparecem, num ápice. A multidão dispersa-se e são muitos os que começam a correr desenfreadamente. Querem acompanhar o cortejo, de uma forma ou de outra, e voltar a tentar a sua sorte para conseguir mais um vídeo e mais uma fotografia.

A cidade vibra e o chão quase estremece. A polícia dá ordens, berra direções e proibições. À medida que a carruagem completa o percurso do cortejo pré-definido, centenas de pessoas correm em direção ao Long Walk, onde tudo termina. Há atropelos sucessivos, correrias descontroladas. Uma vez lá chegados, uma barreira humana impede-os de entrar. Os fãs da realeza ajeitam-se como podem junto aos portões de metal — estão proibidos de entrar porque as margens verdejantes do Long Walk há muito que estão lotadas. Em resposta, os visitantes destemidos sobem muros e agarram-se às grades, outros espreitam às janelas. Todos atropelam-se por mais uma fotografia. O casal vai voltar a passar daqui a nada. Está quase, mesmo quase. E os segundos irrepetíveis repetem-se pela última vez.

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