Prometo não começar o relato da cerimónia anual dos Emmy dizendo que 2020 está a ser um ano muito particular. Até porque isso fizeram, naturalmente, os apresentadores. E os convidados. E os vencedores. E fará toda a gente que escrever sobre o assunto. Menos eu. Detesto evidências, citar o óbvio. Ainda que, se estiverem atentos, comecei precisamente por dizer que 2020 está a ser um ano muito particular. As pessoas são cheias de contradições.

Mas vamos a mais coisas óbvias: nos últimos anos, os Emmys — que costumavam ser uma cerimónia sem interesse nenhum — com a tremenda popularidade das séries “de televisão”, começam já a rivalizar com os Óscares — que se estão a tornar cada vez mais numa cerimónia sem interesse nenhum. E, se isto tudo que nos caiu em cima der uma reviravolta para pior e morrermos todos, nada disto, na verdade, terá interesse nenhum. Serão apenas registos de som e imagem num planeta vazio, que um dia serão descobertos por habitantes de outros sistemas solares e depois tema de uma tese de doutoramento de um extraterrestre verde, com duas antenas, óculos de grossas lentes e pouca sorte com as mulheres. E, provavelmente, bêbedo.

Mas, por enquanto, vamos continuar a acreditar que vai correr tudo bem.

A peculiaridade desta edição dos Emmy começa logo com o facto de não haver passadeira vermelha, que é a parte preferida das pessoas: que não viram nenhuma das séries nomeadas; das pessoas que trabalham muito cedo no dia a seguir e têm de se ir deitar; e dos homens homossexuais.

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Ainda assim, naquela meia hora em que é preciso encher chouriços antes de começar a cerimónia propriamente dita, quatro apresentadores — duas mulheres e dois homens, elas de fato comprido e eles de smoking — que habitualmente cobrem a entrada das estrelas, estiveram a fingir estar numa grande excitação, apesar de não terem nada para comentar. Fiquei com uma certa vergonha alheia, onde geralmente sinto inveja de nunca ser convidado para estas coisas. Não havendo para entrevistar ao vivo nenhum dos nomeados pelos 23 mil membros da Academia da Televisão, os ditos apresentadores socorreram-se de videochamadas. Como que a fazer pouco dos apresentadores, os nomeados com quem falaram estavam vestidos com roupa de trazer por casa. Que, por acaso, era onde estavam mesmo.

“Watchmen” e “Succession” saíram a sorrir dos Emmys, mas para a história ficará “Schitt’s Creek”

Ainda que a “televisão” atraia hoje as maiores estrelas de Hollywood, e tenha deixado de ser o parente pobre do cinema, continuamos a ver antigos vestígios do passado em alguns atores e atrizes, armadilhas em que nunca apanhariam as estrelas do grande ecrã: por exemplo, mesmo em tempos de pandemia, aparecerem penteadas por elas mesmas, ou em salas com móveis que em Hollywood não seriam sequer considerados lenha.

Algumas das entrevistas foram em direto, outras tinham sido gravadas. Curioso notar que ninguém conseguiu acertar nos ângulos da câmara do computador. O que é que se passa com a Humanidade? Foi preciso uma pandemia à escala global para percebermos que algumas das pessoas mais bem-sucedidas do mundo não conseguem sequer apontar uma objetiva sem ser à testa. Estamos entregues aos bichos.

Os nomeados, regra geral, confessaram-se tristes por, em vez de estarem a assistir ao vivo à cerimónia, terem de fazê-lo através da “televisão”. O que não faz sentido nenhum, tendo em conta que o tema dos prémios é precisamente a «televisão». Mas cada um sabe de si.

Tenho aqui de explicar porque estou a usar aspas de cada vez que escrevo “televisão”. É que, ainda que os prémios sejam atribuídos pela Academia de Televisão, e premeiem aquilo a que vulgarmente se chama programas e séries de “televisão”, a verdade é esta: já ninguém vê televisão. Ninguém nascido depois dos anos 80, pelo menos. Não me dou com pessoas nascidas antes dos anos 80, mas concedo que essas sim, fiquem sentadas num sofá a olhar para uma televisão. Das outras, as nascidas nos anos 80 e 90 sabem o que é uma televisão, mas veem as séries num computador, em barda, enfiadas na cama. As pessoas nascidas depois de 2000 não sabem o que é uma televisão, têm uma ideia do que é um computador, mas veem as séries no telefone. Durante os cinco minutos que permite a sua capacidade de concentração numa mesma coisa.

Eu estava a falar de quê? Ah! Os Emmys.

O apresentador desta 72ª (lê-se septuagésima segunda) edição é o cómico Jimmy Kimmel, que não esteve particularmente cómico, é preciso dizer. Quer dizer, preciso, preciso não era. É até pouco simpático dizê-lo. Mas alguém tem de dizê-lo. E, na presente circunstância, parece que vou ter de ser eu. Não esteve mal, pelo contrário. Mas, dos momentos divertidos, e não houve particularmente muitos, nenhum foi da sua responsabilidade. Porém, estava de smoking, o que, neste mundo de fatos-de-treino em que presentemente vivemos, já é mais do que lhe era pedido.

A cerimónia começa e… CHOQUE! A plateia afinal está cheia! Está lá toda a gente! Hollywood em peso! E vestidos de gala! E sem máscaras! E todos sentados ao lado uns dos outros! Sem respeitar o distanciamento! Horror! Kimmel vai dizendo graças e eles vão rindo, vão aplaudindo. Isto vai ser o maior desastre de contágio depois da Festa do Avante, pensei! Até que, no meio da plateia, vemos… Jimmy Kimmel! Como é possível ele estar no palco e na plateia ao mesmo tempo?

Ah! Já percebi! As imagens da plateia eram de arquivo! Ai pá! Apanharam-me bem! Caí que nem um patinho! Não percebi logo!

Estou naturalmente a ser irónico, mas a ideia foi gira. Lá mostram a plateia vazia, com imagens em cartão de cada um dos nomeados nas respetivas cadeiras. Imagens em cartão que, depois da cerimónia, acabarão na parede da sala dos pequenos apartamentos dos funcionários do teatro, que se esgatanharão para ver quem fica com a Meryl Streep. Adiante.

Kimmel explica então a importância de levar para a frente a realização da cerimónia — a que chamou PandEmmys — numa altura como a que vivemos. No meio de tanta desgraça e notícia triste, precisamos de coisas que disponham bem, que nos puxem para cima, disse. Não foi particularmente o caso, mas percebo a intenção. Mas é mais do que isso. É uma forma de homenagear o único amigo que esteve sempre lá durante esta quarentena, que nunca nos abandonou, que nos fez companhia, que nos ajudou a passar as horas intermináveis, a suportar a falta de contacto humano, a aturar as crianças ou a superar o final de uma relação. Juro que pensei: “mas por que raio é que vão homenagear uma garrafa de vinho nos Emmy?”. Mas não. Kimmel referia-se à televisão. Esta apanhou-me mesmo de surpresa.

[o monólogo de abertura de Jimmy Kimmel:]

Ligamos depois, através de uma video wall (não sei como isto se diz em português, talvez “pilha de televisões todas em cima umas das outras até formarem uma parede”, que temos uma língua que não prima pelo poder de síntese), a casa de todos os nomeados. Que são mais que as mães. “O que é que pode correr bem?”, ironiza Kimmel.

Tal como é habitual nestas cerimónias, Kimmel não apresentou sozinho todas as categorias. Vários atores e atrizes foram passando também pelo palco para anunciar os vencedores. Sempre sozinhos, e sempre com graças sobre as medidas de segurança.

A primeira foi Jennifer Aniston, muito gira. Fizeram um pequeno número de revista à portuguesa, a uma data de metros de distância um do outro, a gritar e a brincar a uma espécie de telefone estragado. Ainda queimaram uns envelopes num cesto do lixo que depois apagaram com um extintor. Foi tão engraçado quanto esta descrição.

Vamos então ao que interessa, os prémios. Começamos pela comédia e depois lá virá o drama, tal como na vida e nas relações amorosas. A grande vencedora das categorias de comédia foi a série canadiana “Schitt’s Creek”, sobre uma família rica que fica pobrezinha e se vê obrigada a ir viver para a pequena cidade epónima (para quem lê menos ou tem uma cultura geral menos abrangente, “epónima” significa “que dá nome a”. No caso à série. Ou seja, a pequena cidade chama-se “Schitt’s Creek”). A série ganhou todas sete categorias. Foi uma categoria. Ou melhor, foram sete.

Melhor atriz numa série de comédia

Catherine O’Hara, em “Schitt’s Creek”

A atriz estava a jantar com todo o elenco da série, com as devidas máscaras, que só tiravam quando iam e agradecer o prémio a um microfone. O discurso foi uma chatice, mas outros nomeados, que estavam em casa, bateram palmas.

Melhor Ator numa Série de Comédia

Eugene Levy, em “Schitt’s Creek”

É preciso dizer que ele tem imensa graça, até a agradecer. O que não deixa de fazer todo o sentido e de ficar lindamente, até porque ganhou o prémio de melhor ator numa série de comédia. Isto, de facto, está tudo ligado.

Melhor Argumento para uma Série de Comédia

Daniel Levy, por “Schitt’s Creek”

Também muito engraçado, não fosse filho de quem é, nomeadamente do vencedor da categoria anterior. Filho de peixe sabe nadar. Isto, claro, confiando na seriedade da mãe e acreditando que ele é mesmo filho do marido. Brinco. Porém, como estamos a falar de comédia, permiti-me esta brincadeirinha. Espero não ter ofendido ninguém. Mas aproveito para dizer que li uma vez um estudo a propósito desse tabu que é a infidelidade feminina que calculava que uma em cada quatro pessoas não é filha do pai que acredita ser o seu. Se o caro leitor é um de quatro irmãos, tente não pensar nisto durante o resto do dia. Se conseguir.

Realização de uma Série de Comédia

Andrew Cividino e Daniel Levy, por “Schitt’s Creek”

Sim, o Daniel para além de escrever também realiza. E também é produtor. Já agora, ficam a saber. Mas, como brincou Jimmy Kimmel, o Canadá tem só umas duzentas pessoas, é normalmente que tenham de fazer muitas coisas ao mesmo tempo.

Melhor Ator Secundário numa Série de Comédia

Daniel Levy, em “Schitt’s Creek”

Sim, o Daniel também é ator. Assim ficou tudo em casa. Resta dizer que foi receber o prémio de saia. Que é mais do que podem dizer algumas das vencedoras, que só vimos da cintura para baixo e o mais certo era estarem de cuecas.

Melhor Atriz Secundaria numa Série de Comédia

Annie Murphy, em “Schitt’s Creek”

Distraí-me a olhar para uma mosca enquanto anunciavam o prémio e ouvi Eddie Murphy. Mas afinal não. É Annie. É uma mulher. E é branca. Parabéns. Pelo prémio, naturalmente, não por ser mulher e por ser branca, que isso acho que já nasceu assim. Mas, hoje em dia, nunca se sabe.

Melhor Série de Comédia

“Schitt’s Creek”

Também seria melhor, com o melhor ator, principal e secundário, com a melhor atriz, principal e secundária, com o melhor argumento e com a melhor realização, não receber o prémio de melhor série. Isso sim, seria um feito digno de nota.

Passamos então a uma de duas categorias um bocado desirmanadas:

Melhor Talk Show

“Last Week Tonight”

É o quinto Emmy consecutivo para John Oliver, que desta vez apareceu de pijama. Agradeceu aos técnicos. Agradeceu à mulher por maquilhá-lo e por tomar conta dos filhos, por esta ordem. Deixou também uma mensagem importante sobre a brutalidade policial. O apresentador da cerimónia, Jimmy Kimmel, também estava nomeado e fingiu ficar irritado e começou a dizer que os Emmys não servem para nada. Se calhar, estava mesmo irritado, não sei dizer. Eu teria ficado piurso.

Melhor Atriz numa Minissérie ou Telefilme

Regina King, em “Watchmen”

Regina King é uma rainha. Amorosa, começou por mandar um beijo às outras nomeadas. O cenário onde estava (finalmente deixámos o jantar dos tipos do “Schitt’s Creek”) não era genial: um sofá cor de laranja com um ar barato. Mas ela estava ótima, de fato lesbian-chic cor-de-rosa e uma t-shirt preta, com uns dizeres que não apanhei. Prestou também homenagem (a primeira da noite) à extraordinária Ruth Bader Ginsburg, a juíza do Supremo Tribunal norte-americano, que morreu esta sexta-feira.

Melhor Ator numa Minissérie ou Telefilme

Mark Ruffalo, em “I Know This Much Is True”

Mark trouxe camisa de ganga debaixo de um casaco, com a mulher ao lado, ela de vestido branco com polka dots pretos. Péssima ligação. O som e a imagem, não o vestido, claro, que é uma ligação ótima. Já ele, parecia que estava a falar dentro de um poço. Até mais pela cor das paredes da sala do que pelo som, na verdade.

Quem viu a série, sabe que um dos temas é a saúde mental. Quem não viu, agora já sabe e pode fingir que viu. No discurso mais longo da noite, Ruffalo perguntou como vamos nós tomar conta uns dos outros e dos mais vulneráveis? E respondeu a si mesmo: com amor, com compaixão. E esse papel cabe sobretudo aos mais privilegiados que têm uma obrigação acrescida. Falou também na diversidade que, para si, é o melhor que tem a América. Juntos somos mais fortes, precisamente na diversidade, disse.

Depois, mandou toda a gente ir votar. E votar no amor e na união e não no ódio e na divisão. Toda a gente percebeu o que ele queria dizer, claro. Acho que só as pessoas que passam todas as horas livres do seu tempo a ver séries é que não teriam percebido, por estarem completamente alheadas da realidade. Bom, então se calhar é melhor explicar: o que ele queria dizer era para votarem no Joe Biden e não no Trump. A coisa parece ter caído bem — que já se sabe que a maior parte dos artistas são do reviralho — e os outros nomeados bateram palmas.

Melhor Argumento para uma Minissérie ou Telefilme

Damon Lindelof e Cord Jefferson, com “Watchmen”

Já toda a gente ficou em pelo menos dez apartamentos de AirBNB iguais à sala em que estava reunida a equipa de “Watchmen”. Mas, pelo menos, Cord Jeffreson estava de smoking. Leu os agradecimentos de uma lista que tinha no telefone. Agradeceu de pé, o que acho o mínimo. É que, a bem ou a mal, isto são os Emmys. Se começamos todos a abandalhar, em breve já nem saímos da cama, rodeados de caixas vazias de pizza. E antes a morte que tal sorte. Cord agradeceu aos pais, ao terapeuta, e mais disse que a terapia devia ser de borla. Vou dizer isso à minha terapeuta na próxima sessão, para ver se ela também acha graça.

Houve depois uma ligação muito especial. Ou antes, muito espacial, perdoem-me o trocadilho fácil, à Estação Espacial Internacional. E ficamos a saber que, como se não tivessem milhares de milhões de estrelas, galáxias, planetas, sóis e mais o diabo a quatro, os astronautas também passam a vida a ver televisão. Por isso é que este planeta não vai para a frente, c@r&lh%!

Mas, pelo menos, levam à letra o distanciamento social, como brincou o Comandante Christopher Cassidy. Comandante que, curiosamente, não conseguia baixar bem os braços, como aqueles bichos de ginásio, que parece andam sempre com uma pochete debaixo dos sovacos. Mas, no caso em apreço, era por causa da gravidade. Fez ainda mais uma gracinha sem gravidade, literalmente, que foi soltar o microfone, que ficou a pairar no ar. É capaz de ter sido a coisa mais divertida da cerimónia inteira.

De volta à terra, ligação a Kerry Washington e Reese Witherspoon que estavam juntas numa festa de passagem de ano. Sim, leram bem. Uma festa de passagem de ano. Isto para que 2020 acabe mais depressa. A falta que fazem os risos do público nestas coisas…

Melhor Realização de uma Minissérie ou Telefilme

Maria Schrader, por “Unorthodox”

Saímos das casas ordinárias e que parecem feitas de papelão dos americanos para um castelo à séria na Alemanha, de onde nos chega a realizadora desta série sobre judeus. Ortodoxos, como o próprio nome indica. O som era péssimo e a imagem estava toda parada, mas a casa enchia o olho, tudo em painéis de carvalho, lustres e assim. Parecia um castelo, mas também podia ser um hotel melhorzinho. Ela estava bem, não desfazendo, de smoking, e um grande colar onde, num homem, estaria a camisa.

Melhor Ator Secundário numa Minissérie ou Telefilme

Yahya Abdul-Mateen II, em “Watchmen”

Estava sozinho, coitado, numa sala toda cinzenta, sofá, cortinados e paredes. Já ele, estava num fato preto com riscas brancas, a que se chama pinstripe. Diria que foi o homem mais bem vestido da noite. Mas eu digo tanta coisa…

Agradeceu aos pais, à equipa da série, uma adaptação da banda desenhada homónima feita a três mãos por Alan Moore, Dave Gibbons e John Higgins que, respetivamente, escrevem, desenham e pintam. E depois vão os três juntos apanhar as canas, com certeza. Yahya Abdul-Mateen II (o II lê-se “The Second” e significa que o pai se chamava também Yahya Abdul-Mateen, no seu caso Júnior, e que o avô tinha igualmente o nome Yahya Abdul-Mateen, no caso Sénior), dedicou o prémio a todas as mulheres negras da sua vida. Depois, fez um brinde com champanhe. Também é o que pede estas coisas.

Numa espécie de intermezzo, algumas pessoas contaram como tinham passado a sua quarentena. Se acham que a vossa foi uma grande chatice, é porque não viram estas. Ainda assim, houve tempo para agradecer a agricultores, a camionistas e a profissionais de saúde, sem os quais a quarentena teria sido uma chatice ainda maior.

Melhor Atriz Secundária numa Minissérie ou Telefilme

Uzo Aduba, em “Mrs. America”

As pessoas menos sensíveis culturalmente poderiam fazer uma graça do género:

— O que é que fazes para ter plantas tão bonitas?
— Uzo Aduba.

Eu não sou esse tipo de pessoas.

Nota importante para dizer que a atriz de “Mrs. America”, uma minissérie sobre a Emenda Constitucional da Igualdade de Direitos, trouxe-nos a primeira e única estante de livros da noite. Na t-shirt, trazia o nome de Breonna Taylor, a jovem afroamericana morta pela polícia de Louisville em Março deste ano. E umas calças douradas, que mostrou no final dos seus agradecimentos para ir dar um beijo à mãe. Não sem antes gritar: “Bora lá mudar o mundo!”. Bora.

Mas o grande momento de ativismo esteve a cargo do comediante Anthony Anderson. Depois de algumas graças — com verdadeira graça mas não menos importantes — gritou bem alto e quatro vezes “Black Lives Matter”. E ainda acrescentou que era para o Mike Pence (o vice-presidente norte-americano) ouvir bem.

Melhor Minissérie

“Watchmen”

Voltamos, portanto, ao AirBNB para ouvir os agradecimentos, desta vez da equipa toda, juntinha, mas de máscara.  O criador, Damon Lindelof, agradeceu a toda a gente que perdeu nove horas de vida para ver a série. Não sei se foi bem por estas palavras, mas foi esta a ideia. Tal como já fazia adivinhar a t-shirt que trazia por baixo daquilo que passaria por um smoking num baile dos bombeiros em Tondela, dedicou o prémio às vítimas do Massacre de Tulsa em 1921 — no qual a série é vagamente baseada —, em que um grupo de brancos atacou e matou um número indeterminado de negros, que varia entre as 35 e as 150 pessoas. Credo.

De volta ao palco, Jimmy Kimmel homenageou a recém desaparecida Ruth Bader Ginsburg. Mas, ou foi da minha televisão, ou houve um problema técnico, a emissão ficou sem som. Esperemos pelas teorias da conspiração.

Seguiu-se o clássico In Memoriam onde, ao som de “Nothing Compares 2 U”, cantado pela artista H.E.R., se homenagearam os nomes das pessoas da indústria do entretenimento televisivo que foram para o galheiro desde a última edição dos Emmy. Foi mesmo bonito. Especial destaque para a homenagem ao ator Chadwick Boseman, que morreu ainda nem há um mês.

Depois do momento mais sério, o elenco da mítica série “Friends” juntou-se para mais um momento que podia ter sido engraçado não fora não ter sido.

E o outro prémio desirmanado:

Melhor Concurso

“RuPaul’s Drag Race”

Antes do anúncio do prémio, Kimmel lembrou que entre os perdedores nesta categoria se inclui um Presidente dos Estados Unidos. Ri.

RuPaul, infelizmente à civil e não em personagem, agradeceu aos espetadores, sobretudo aos mais novos, a quem deixou uma importante mensagem de apoio e incentivo.

Falou depois o presidente da Academia de Televisão. Confesso que fui fazer café, que estas partes são sempre um secador.

Quem nunca é um secador é a rainha da televisão, a própria da Oprah, que surgiu de vestido cor-de-sardinha e óculos redondos de metal. Veio apresentar o Governors Award, este ano atribuído a Tyler Perry, o ator, argumentista, realizador e produtor, responsável, com os estúdios que fundou, por mudar o paradigma racial da indústria, e por abrir a porta a um sem número de, e cito, “brancos, negros, hispânicos, asiáticos, gays, lésbicas, transsexuais”. Fez depois um comovente discurso sobre uma manta de retalhos que herdou da avó. Procurem no Youtube que eu, às tantas, perdi a pachorra. Brinco. Foi mesmo emocionante. Fez uma analogia entre a manta de retalhos e essa outra manta de retalhos que é a América. Importante, bonito e atual. Como ele, de resto.

Melhor Ator numa Série Dramática

Jeremy Strong, em “Succession”

Como pertence aos atores dramáticos, a maior parte dos discursos desta categoria foram trágicos de aborrecidos. Jeremy Strong, uma das estrelas desta brilhante série (mais comédia negra, salvo seja, que drama), em que uma família luta pelo controlo acionista das empresas do patriarca, como nas novelas da Globo nos anos 80. Apareceu vestido de cinzento sobre um fundo cinzento. Bastante emocionado, agradeceu aos do costume.

Melhor Atriz numa Série Dramática

Zendaya, em “Euphoria”

A atriz estava em casa com a família toda reunida e foi o fim do mundo em cuecas. Tudo aos saltos e aos gritos e apitos. Não era para menos, que um Emmy não se ganha todos os dias. É só uma vez por ano. Na melhor das hipóteses. O discurso foi sem história. Agradeceu às outras nomeadas, aquele clássico do sambar na cara das colegas.

Se Yahya Abdul-Mateen II foi o homem mais bem vestido da noite, Zenday foi, sem dúvida, a mulher mais bem vestida. Coisa que, nesta edição, bastava sacudir as migalhas do colo.

Melhor Argumento de uma Série Dramática

Jesse Armstrong, por “Succession”

Jesse, que é inglês, estava em Londres, numa sala com um sofá sinistro, como só os sofás ingleses conseguem ser. Também têm uns maravilhosos, é verdade, mas não era o caso. Consigo, também sentados, mas a dez metros de distância uns dos outros — que o sofá, para além de feio era grande — estava o resto da equipa. O discurso foi divertido, que os ingleses são sempre divertidos, mas não disse nada de jeito, só uma lista de nomes. Basicamente.

Melhor Realizador de uma Série Dramática

Andrij Parekh, “Succession”

Muito original, falou com uma cama atrás de si, e mal feita. Um toque sexy de que ainda ninguém se tinha lembrado. Estava de fato sem gravata, mas de lenço no bolso. O discurso acabou por ser amoroso, pois dedicou o prémio a todos os miúdos com o nome difícil de pronunciar, como o seu. Perceberam?

Melhor Ator Secundário numa Série Dramática

Billy Crudup, em “The Morning Show”

Estava arranjadíssimo, de fato e gravata, numa sala muito arranjada que devia ser um cenário falso, mas o que conta é a intenção. Gaguejando um pouco, agradeceu a imensa gente e dedicou o prémio aos sobrinhos e aos afilhados. Enfim, uma verdadeira caixa de Xanax com pernas.

Falou então uma cidadã anónima. Quer dizer, ela nome tinha, mas quem é que quer saber? E ao que vinha ela? Contar a sua experiência na primeira pessoa — ela — de alguém que já esteve doente com Covid-19. E ficamos a saber que afinal é péssimo, não apetece nada ter. Brinco, claro que já todos sabíamos, mas foi impressionante ouvir. Deu também uns conselhos sobre prevenção, como lavar as mãos, usar máscara e não espirrar para cima das pessoas. Enfim, punham-lhe uma pregadeira e era a Graça Freitas, mal comparada.

Melhor Atriz Secundária numa Série Dramática

Julia Garner, em “Ozark”

Julia, que ganha o prémio pela sua participação neste drama sobre lavagem de dinheiro, trazia um vestido de seda branco à moda dos anos 20, completo com várias fiadas de pérolas, e com o marido ao lado, de roupão também de seda. Agradeceu às outras nomeadas e à equipa toda da série. No mínimo, original.

Coube a Sterling K. Brown apresentar o último prémio da noite. E fê-lo com uma t-shirt do movimento Black Lives Matter, que nunca são demais.

Melhor Série Dramática

“Succession”

Voltamos ao sofá sinistro inglês, mas desta vez com um discurso nada aborrecido. Em vez de agradecimentos, o produtor da série desagradeceu. Desagradeceu a Donald Trump. Desagradeceu também a Boris Johnson. Desagradeceu aos nacionalistas. E desagradeceu àquela imprensa que os mantém a todos no poder. Tomem lá que já almoçaram. Ou jantaram, no caso, que aquilo passa de noite.

E foi nesta nota que terminou uma das mais desinteressantes cerimónias de entregas de prémios que tenho visto, e não vi muitas. E não vi poucas. Não é? Bastantes.

Não era fácil ser interessante sem público, com os nomeados em casa, e os vencedores que já se adivinhavam. Vamos acreditar que a estopada se deva a estes tempos tão particulares. Se para o ano for igual, é porque era mesmo assim.

Fiquem bem e divirtam-se, passando horas e horas a ver séries, enquanto o mundo à vossa volta vai ruindo aos bocados.

Estou a brincar!

Ou não.