Dentro de um ano o país estará em pré-campanha para as eleições europeias e este é o momento de medir e testar nomes para uma candidatura em que o PS coloca especial relevância. E muito porque sobre os ombros paira um fantasma que não consegue afugentar desde os “meses horribilis” – expressão de um dirigente socialista –, a dissolução da Assembleia da República. Para esse combate, nas fileiras socialistas estão a ser alinhados sobretudo nomes que estão ou passaram pelo Governo, sem máculas de dimensão significativa.

No topo do partido não se vê “nenhuma boa razão” para definir já essa linha de ataque que é empurrada mais para a frente no calendário, garantindo-se que “ainda não foi discutida”, mas a avaliação política já está em curso.

Há quatro anos, na preparação das Europeias de 2019, António Costa já tinha o plano na cabeça pelo menos seis meses antes de o divulgar (o que aconteceu apenas a três meses das eleições), até porque isso exigiu várias mexidas no Governo. Na altura da aprovação do Orçamento do Estado para 2019, em outubro, o então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, já sabia que aquele tinha sido o último cuja negociação tinha coordenado, já que seguiria dali para o Ministério das Infraestruturas para render Pedro Marques que seria o cabeça de lista às Europeias. A número dois da mesma lista, Maria Manuel Leitão Marques, também saiu do Governo, deixando o cargo de ministra da Presidência para Mariana Vieira da Silva.

Pedro Marques foi o cabeça de lista em 2019, mas a tradição dita que não se repita.

Passados quatro anos, o líder do PS tem hoje mais opções com peso executivo (e, com isso, reconhecimento público facilitado) sem precisar de mexer no Governo em funções. “O PS está cheio de candidatos bons às Europeias”, diz convencido um socialista apontando exclusivamente exemplos de nomes que estão ou já estiveram no Governo. “Não faltam candidatos”, diz na mesma linha um alto dirigente.

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Quando as eleições chegarem, o PS já levará oito anos no poder, com o natural cansaço que isso provoca nos eleitores, podendo aproveitar para ir ao bolso buscar algumas das cartas do passado recente, sem tocar em memórias desconfortáveis para o partido. É nesta linha que surge o nome de Tiago Brandão Rodrigues, o ex-ministro da Educação a quem o líder socialista reconhece capacidade política. Mas não é o único a ser colocado nesses carris.

Brandão Rodrigues tem levado com discrição o mandato de deputado, ao mesmo tempo que o seu nome apareceu associado, por exemplo, ao “inquérito independente” da UEFA sobre os incidentes da final da Liga dos Campeões há um ano. A posição de independente tem sido valorizada e até é ela que é sempre sublinhada pelo próprio quando em conversa alguém o posiciona para desafios partidários, como liderar uma candidatura.

Junto dos pares, Tiago Brandão Rodrigues não se mostra muito inclinado para outros voos políticos — “até é bom nome para eurodeputado, não como cabeça de lista”, aponta um deputado — , embora seja valorizado pelo líder socialista que sempre que pode recorda ter sido ele o ministro da Educação que mais tempo permaneceu no cargo desde o 25 de abril. No partido reconhece-se ainda a “capacidade de rua” (essencial em campanha) do ex-ministro que saiu mesmo antes de começar a fase mais grave da contestação dos professores, estando mais associado à complexa gestão escolar durante o confinamento.

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Há outros ex-governantes com esta mesma marca que os socialistas tendem a apontar para a frente eleitoral. Marta Temido é outra ex-governante a quem o partido reconhece currículo e “notoriedade” suficiente para fazer a diferença em terreno eleitoral, tanto que vai ganhando fòlego a ideia de a poderem vir a ter como candidata à Câmara de Lisboa — e nas autárquicas de 2021 a sua gestão da pandemia foi usada em vários momentos eleitorais, incluindo por Fernando Medina.

O seu antigo secretário de Estado Adjunto da Saúde, António Sales, não excluiu a possibilidade de um caminho europeu para Temido e, em entrevista ao Observador, lembrou que “frequentemente, na rua, há pessoas que vêm agradecer à equipa e a Marta Temido e isso deu-lhe espaço e capital político para futuro que o PS deve aproveitar.” O deputado do PS diria, porém, que Tiago Brandão Rodrigues “também” seria um bom candidato, rematando de forma mais evasiva: “Como vê, o partido está cheio de bons nomes para muitas funções e mais importante do que os cargos serão sempre as funções. O PS tem excelentes quadros.”

Na frente de Lisboa, Temido sabe que, caso Duarte Cordeiro esteja interessado na candidatura de 2025, dificilmente poderá competir com o agora ministro do Ambiente que é o preferido das estruturas locais. E nesse cálculo de futuro, há quem lhe aponte as Europeias como caminho alternativo possível.

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Mas nem só no passado os socialistas veem vantagens. Em conversa com o Observador sobre potenciais candidatos eleitorais do partido no futuro mais ou menos próximo, um dirigente do partido não descarta Brandão Rodrigues, Temido, nem mesmo o atual ministro da Saúde Manuel Pizarro e, a dada altura, junta outro à lista: José Luís Carneiro. O desempenho do ministro da Administração Interna é muitas vezes alvo de elogio por parte do partido numa área traumática para os socialistas depois dos últimos tempos do ex-ministro Eduardo Cabrita na mesma área.

Tanto Carneiro como Pizarro seriam, no entanto, baixas de peso no elenco governativo (e sem o acumulado de anos em funções de outros) e António Costa poderá não querer prescindir deles já em 2024 — mas sendo apostas eleitorais possíveis para as autárquicas, como o Observado já escreveu.

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Para as Europeias há também o nome de Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, que nos corredores do partido também surge quando se fala no próximo grande desafio eleitoral. “Vai para a Europa ou não?”, aventa um deputado que não tem dúvidas de que a ministra gostaria do desafio. “Se puder sair do Governo, vai. Ela desapareceu. Brilhava mais como secretária-geral adjunta. E já nem digo como líder parlamentar…”, atira notando o apagamento de Ana Catarina Mendes desde que assumiu funções governativas.

“Não são impossibilidades”, comenta um dirigente quando confrontado com este e outros nomes. No partido aguarda-se para conhecer as intenções do líder António Costa de quem já se sabe que tem, pelo menos, uma regra para as Europeias: não repetir cabeças de lista. Foi ele mesmo que o disse, logo na apresentação da candidatura de Pedro Marques, quando lembrou que desde 1987 o PS nunca repetiu o número um nas Europeias. “Para não quebrar a tradição, não vamos repetir o cabeça-de-lista”. Pedro Marques parece ficar, assim, fora de uma recandidatura, bem como Francisco Assis.

O presidente do Conselho Económico e Social foi cabeça de lista do PS na era de António José Seguro, nas Europeias de 2014, mas continua a ser apontado como desejado para esta frente.

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Entre os socialistas há, a esta distância, uma conclusão clara: é preciso baixar a pressão sobre o próximo momento eleitoral. E isso é feito com recurso a duas ideias: primeiro, insistir que Marcelo já “matou” a ameaça de deitar o Governo abaixo quando disse, na entrevista à RTP e ao Público, que para provocar a dissolução da Assembleia da República era preciso que acontecessem “coisas do outro mundo”.

O PS, mesmo que em privado não tenha apreciado o tom da entrevista – António Costa já veio lembrar que não é “comentador político” mas rejeitou que a sua maioria seja “requentada” ou que o Governo esteja cansado – agarra-se a essa frase para tentar esvaziar a ameaça. E também à história política: em 2004, recorda-se no partido, PSD e CDS coligados perderam as eleições europeias para um PS com um resultado “estonteante” (33,2% contra 44,5%), e Durão Barroso saiu para se pôr a caminho de Bruxelas.

“E o Presidente [Jorge Sampaio] nem com um resultado muito mau de PSD e CDS em coligação dissolveu”, lembra um dirigente – só o fez meses depois, já depois de dar posse a Santana Lopes. Ou seja: na visão do PS, um mau resultado nas europeias nunca se traduzirá automaticamente numa utilização justificada da chamada bomba atómica.

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Por outro lado, o PS agarra-se nesta altura às dificuldades do PSD para tentar virar a agulha para o partido do lado. Mesmo garantindo que não está apenas de “braços cruzados” e à espera de que o principal adversário cometa erros, os socialistas guardam a esperança de que a “falta de identidade” que vê no discurso do PSD, alinhada com os perigos da “forte fragmentação” à direita e com a tendência do partido para triturar líderes, acabem por sabotar os sociais democratas.

Por isso, há até quem questione, no PS, se as europeias não acabarão por ser antes um teste à liderança de Luís Montenegro. Até porque a configuração partidária é muito diferente da que era, e desde as últimas eleições a nível europeu, em 2019, o quadro mudou radicalmente: foi nesse ano, meses mais tarde, que tanto Chega como Iniciativa Liberal conseguiram eleger pela primeira vez representação no Parlamento; e entretanto a influência (e o eleitorado) dos dois partidos cresceu exponencialmente, tendo passado a ser, respetivamente, a ser a terceira e quarta força política. Será muito mais provável que consigam agora ‘roubar’ votos ao PSD.

Isto não significa que o PS não esteja consciente das debilidades com que partirá para o próximo momento eleitoral, mas antes que aposta as fichas, neste momento, nas possíveis fraquezas do adversário e na sua capacidade de recuperação. “Nunca vi toda a gente a trabalhar tanto, dos ministros aos gabinetes”, graceja um socialista.

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A ideia é simples: tentar recuperar a iniciativa política – o primeiro exemplo óbvio é o do pacote da Habitação, mesmo que tenha provocado desconforto dentro do próprio PS – e mostrar “vitalidade”. Aliás, contra as acusações do Governo velho e cansado, há quem aponte no PS que o forte debate em torno das propostas da Habitação são prova de que o Executivo não se fechou na bolha política nem “perdeu ligação à realidade” – tentando agora dar mais uma prova disso mesmo com a viabilização das propostas do PSD.

Para já, as europeias ainda parecem uma etapa longínqua num horizonte a que o PS só chegará em boa forma se conseguir ultrapassar vários obstáculos, da incerteza económica à incerteza da guerra (que contribui para a primeira). O partido ainda não começou a preparar, formalmente, qualquer processo relativo a essas eleições nem a discutir o assunto nas estruturas, mas as conversas sobre o assunto já circulam nos corredores do Parlamento. Para já, está focado em preparar o seu 50º aniversário, que se comemora a 19 de abril.

Mas os socialistas estão conscientes de que, no caminho até às eleições, terão vários fogos para apagar: desde logo, o PS assegura que está em “sintonia” com Marcelo quanto à importância de executar “bem” o Plano de Recuperação e Resiliência em 2023. Depois, garante estar atento a bolsas de eleitorado cruciais – pelo que nesta altura não exclui avançar com mais apoios sociais durante o ano e promete que está desperto para as necessidades dos pensionistas, uma faixa eleitoral que conquistou ao PSD depois dos traumas da troika e que sabe que tem de tentar conservar.