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AFP/Getty Images

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Sofi Oksanen. A escritora finlandesa que quer por a Estónia no mapa

Costumam confundi-la com os suecos e os seus livros vão parar à secção de policiais. Mas Sofi Oksanen escreve sobre a história esquecida da Estónia, cuja identidade sobreviveu através da língua.

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Sofi Oksanen nasceu em Jyväskylä, uma cidade no centro da Finlândia, no final dos anos 70. O pai era um eletricista finlandês, a mãe uma engenheira estónia que tinha deixado para trás toda a família para emigrar para a Finlândia. Na altura, Estónia fazia parte da União Soviética e Sofi Oksanen cresceu entre cá e lá, entre a Finlândia e a Estónia, que visitava nas férias. Passados tantos anos, a escritora ainda se lembra dessas visitas e dos jantares de família que juntavam diferentes gerações e diferentes visões políticas. O avô tinha lutado na floresta pela independência da Estónia durante a ocupação soviética. O seu irmão, que tinha sido recrutado para o Exército Vermelho, tinha deportado dezenas de pessoas durante a guerra. Era um herói e uma “má pessoa”.

Quando a Estónia recuperou a independência, em 1991, Sofi Oksanen era apenas uma adolescente. Lembra-se da felicidade de todos e da avó costurar uma primeira bandeira estónia (durante a ocupação soviética, as cores da bandeira nacional não podiam ser usadas). Lembra-se também que o momento foi agridoce: apesar do fim oficial da União Soviética, as tropas russas continuam estacionadas em Tallinn e um pouco por todo o país. Foi só três anos depois, em 1994, que os soviéticos abandonaram finalmente o território estónio, deixando para trás um país destruído por um longo período de sucessivas invasões. Entre 1940 e 1991, a Estónia foi ocupada três vezes pelos russos, pelos alemães e novamente pelos russos. Em 1994, pela quarta vez consecutiva, a Estónia teve de aprender a andar de novo.

Enquanto a Estónia recuperava, Sofi Oksanen preparava o seu próprio caminho. Depois de estudar Literatura nas universidades de Jyväskylä e Helsínquia e depois Teatro na Academia Finlandesa de Teatro, publicou o seu primeiro livro, Stalin’s Cow, em 2013, marcando o tom para os romances seguintes. Nomeado para o Prémio Runeberg, um galardão literário finlandês, Stalin’s Cows aborda questões transversais a toda a obra de Oksanen: a imigração na Finlândia, a ocupação soviética dos países bálticos, sobretudo da Estónia, a relação entre mães e filhas e os estereótipos da beleza feminina. A este seguiram-se Baby Jane e o mais famoso de todos, A Purga, o romance que lhe valeu o reconhecimento internacional e os três primeiros prémios da sua carreira. Hoje, Sofi Oksanen é indiscutivelmente uma das escritoras nórdicas mais conhecidas.

Apesar de todos os seus livros terem sido escritos em finlandês (Oksanen sabe falar estónio, mas nunca aprendeu a escrevê-lo), a autora sempre fez questão de se descrever como fino-estónia. É que, sempre que escreve, é a Estónia — o país da mãe — que tem em mente. Ao Observador, Sofi Oksanen, que participou na oitava edição do Festival Literário da Madeira (FLM), admitiu que, para si, o mais importante sempre foi dar a conhecer aos seus leitores um país cuja história foi apagada por anos e anos de ocupação. Quando escreve, não é nos estónios que pensa — é nos outros que não conhecem a sua história. O seu derradeiro objetivo é colocar a Estónia no mapa histórico da Europa.

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Sofi Oksanen participou, na quarta-feira, numa mesa redonda com os escritores José Luís Peixoto e Eleanor Catton. A conversa foi moderada por Ana Daniela Soares

Escrever a história que nunca foi escrita

Os longos anos de ocupação soviética fizeram com que, durante muito tempo, “a história dos países bálticos” fosse “dominada” pela narrativa histórica soviética. Esta procurava justificar a presença das forças de ocupação e nunca incluía a visão dos países ocupados. Foi por essa razão que Sofi Oksanen sentiu que “era importante escrever sobre eles”. “Apesar da União Soviética ter colapsado [em 1991] e de a narrativa europeia ter mudado, os países bálticos eram um espaço em branco no mapa”, explicou ao Observador. “A Finlândia tem, obviamente, uma história interessante, mas os autores finlandeses têm escrito muito sobre essa história. Isso significa que já existem muitas histórias que cobrem esse campo.” Em relação à Estónia, Letónia e Lituânia já não é bem assim. Porquê? Apesar de “a localização dos países bálticos ser estrategicamente importante para a Europa e para a Rússia”, estes são países onde o número de falantes das línguas nativas é muito pequeno. “E se se trata um país onde o número de falantes é limitado, é mais difícil transmitir as suas histórias aos outros. Essa é uma das razões”, afirmou Oksanen.

O primeiro livro da escritora finlandesa a abordar a questão da Estónia foi A Purga. A obra, que começou por ser uma peça de teatro (com estreia em 2007 no Teatro Nacional Finlandês, em Helsínquia), foi publicada originalmente em 2008. A Portugal só chegou em 2011, numa edição da Alfaguara, que tem vindo a editar as obras da autora em português. Passada em 1992, esta conta a história de duas mulheres, Zara e Aliide. Pertencentes a duas gerações diferentes, estas têm de, cada uma à sua maneira, “confrontar o passado nebuloso, carregado de paixões, traições e vinganças” e a “verdade da sua história” numa Estónia recentemente independente e ainda marcada pela ocupação soviética. Ao Observador, Sofi Oksanen explicou que, quando escreveu A Purga, “queria escrever sobre as mulheres e crianças que lutaram na resistência, ainda que não com armas”. “A resistência armada e os ‘Irmãos da Floresta’ [nome dado ao grupo de resistentes que lutavam contra os soviéticos a partir da floresta] não teriam sobrevivido sem ajuda dada pelas herdades geridas por mulheres. Eram elas que faziam o trabalho todo enquanto os homens estavam na guerra. Sem elas, eles não teriam tipo hipótese de sobreviver.”

“Quando comecei, não imaginava que ia ser traduzida, porque os autores finlandeses raramente são traduzidos. Não esperava isso. Estava a escrever para uma audiência finlandesa.”
Sofi Oksanen

Além disso, sempre que “pensava em todas as lendas, em todos os livros que tinham sido publicados sobre a resistência na Estónia”, a escritora apercebia-se que “essas histórias eram focadas na linha da frente e não no que estava a acontecer nos bastidores, no apoio que os combatentes recebiam”. “Esta foi a razão pela qual eu quis escrever sobre aqueles que tornaram a resistência possível”, admitiu Oksanen que, quando escreve, nunca tem os leitores estónios, letões ou lituanos em mente. O seu público-alvo é outro. “Como escrevo em finlandês, isso já cria uma certa distância”, disse. “E, claro, quando comecei, não imaginava que ia ser traduzida, porque os autores finlandeses raramente são traduzidos. Não esperava isso. Estava a escrever para uma audiência finlandesa.”

O país onde “há sempre alguém a ir e a vir”

Apesar de o domínio soviético ter sido o que deixou marcas mais profundas na Estónia, a sua história está marcada por sucessivas ocupações. Durante a Idade Viking, o território que hoje pertence à Estónia chegou a ser dominado por dinamarqueses. Mais tarde, vieram os suecos e, no início do século XVIII, os russos. Em 1710, o país foi conquistado pela Rússia, depois de uma guerra de dez anos que devastou a população estónia. Como resultado, os direitos dos estónios atingiram o ponto mais baixo da sua até então conturbada história, com a implementação do sistema de servidão russo, que perdurou até meados do século XIX. Foi só, porém, no século seguinte, que o país conseguiu recuperar a independência, depois da queda do czar e da chegada ao poder dos bolcheviques. Foi, contudo, um breve momento de liberdade — com o início da Segunda Guerra Mundial, o país voltou a ser invadido, desta vez pelos alemães.

A ocupação alemã durou apenas três anos mas teve o seu impacto (ainda que muito menor quando comparado com o da presença soviética). “Por ter sido tão curta, o número de baixas foi muito menor, mas os nazis levaram muitos presos para a Estónia para trabalhar em campos de concentração. Porque eles começaram a construir campos de concentração também na Estónia por causa do petróleo”, afirmou Sofi Oksanen. Como explicou a autora ao Observador, um dos poucos recursos naturais que existe na Estónia é o xisto betuminoso, uma espécie de rocha a partir da qual se pode produzir petróleo de xisto, um substituto do petróleo convencional. O processo de transformação do xisto em petróleo é complexo e dispendioso mas, numa altura em que os alemães começavam a ter dificuldade no acesso a combustível, a rocha transformou-se numa alternativa mais segura e viável.

“Naquela altura, os alemães tinham perdido o controlo do Mar Cáspio e estavam a ficar sem petróleo. Precisavam de transformar o xisto em petróleo e, para isso, precisavam de ter um sistema de campos de trabalhos forçados. A Estónia tornou-se numa prioridade e era por isso que não queriam perder o país. Queriam mantê-lo.” Mas não foi isso que aconteceu: depois de um curto período de ocupação nazi, a Estónia foi anexada pela União Soviética no dia 6 de agosto de 1940, na sequência da assinatura do pacto de não-agressão entre alemães os russos um ano antes. Só deixaria de fazer parte do território soviético em 1991, quando a União Soviética deixou de existir. “Muita coisa aconteceu nos anos 40, ao contrário daqueles países onde houve apenas um único período de ocupação”, salientou Sofi Oksanen.

Este período da história estónia surge retratado no quarto romance da autora, Quando as Pombas Desaparecem (2012), que também fala da ocupação nazi. O título é uma referência às pombas que os soldados alemães caçavam e comiam em Tallinn, a capital da Estónia, durante a Segunda Guerra Mundial. Já o enredo segue de perto a história de dois primos, Roland e Edgar, envolvidos em lados opostos do combate. Roland, homem de fortes princípios, junta-se aos “Irmãos da Floresta” — nome dado aos guerrilheiros que na Estónia, Letónia e Lituânia faziam frente à ocupação russa, escondendo-se na floresta, porto de abrigo para os bálticos — para lutar pela independência do seu país. Edgar, um entusiasta da ideologia nazi, junta-se às forças de ocupação. A história, “tipicamente estónia”, é muito semelhante à da própria família de Sofi Oksanen.

“O meu avô tinha dois irmãos e uma irmã. Ele esteve na floresta — era um dos ‘Irmãos da Floresta’. Um dos seus irmãos foi obrigado a juntar-se ao Exército Vermelho e, depois de regressar, tornou-se numa das pessoas responsáveis pelas deportações. O outro irmão do meu avô foi deportado. A irmã, que vivia em Tallinn, tinha uma amiga que era judia e cuja família teve de fugir para a floresta. Eles sobreviveram.” Isto significa que, no início da ocupação russa, “os diferentes membros da família estavam todos dispersados”. “É uma típica história estónia”, frisou a escritora finlandesa, que chegou a conhecer o irmão do avô que tinha trabalhado para os soviéticos. “Lembro-me muito bem desse irmão do meu avô, responsável pelas deportações. Toda a gente na família sabia disso, mas ele visitava-nos na mesma, ia aos jantares de família. Obviamente que ele já era muito velho nessa altura.”

“O meu avô tinha dois irmãos e uma irmã. Ele esteve na floresta — era um dos ‘Irmãos da Floresta’. Um dos seus irmãos foi obrigado a juntar-se ao Exército Vermelho e, depois de regressar, tornou-se numa das pessoas responsáveis pelas deportações. O outro irmão do meu avô foi deportado.”
Sofi Oksanen

Uma vez que toda a família sabia do que se tinha passado durante a ocupação soviética, Oksanen sempre julgou que a história do seu tio-avô era do conhecimento geral. Mais tarde, depois de a Estónia recuperar a independência, em conversa com um vizinho dos avós, descobriu que não era bem assim. “Ele não sabia, portanto havia pessoas que não sabia. Ele disse: ‘Era mesmo ele? Sempre nos questionámos sobre quem seria’.” Apesar disso, não havia nada que pudessem fazer “em relação a isso”. “Ele fez parte da grande batalha patriótica, lutou no Exército Vermelho. Era um herói de guerra e recebeu todos os benefícios a que tinha direito. As coisas são como são.”

As sucessivas ocupações do território estónio obrigaram a que a sociedade se tivesse de adaptar rapidamente. Além da criação de uma nova administração e de um novo sistema legal, cada vez que um novo país anexava a Estónia, era também necessário mudar a língua em que tudo isso era feito. Pode parecer um pormenor insignificante, mas a verdade é que isso afetava até as coisas mais simples, como o nome de uma rua. Num espaço de pouco mais do que 50 anos, os nomes mudaram três vezes. Para Sofi Oksanen, o mais surpreende é que, apesar das várias invasões, a língua estónia conseguiu sobreviver ao longo dos tempos. “A Estónia esteve sob o domínio sueco, russo, alemão, dinamarquês — há muito, muito tempo. Houve sempre alguém a ir e vir”, afirmou a escritora finlandesa. “Os governantes mudaram, mas a língua das pessoas sempre foi o estónio”, apesar de este nunca ter sido “a língua da classe dominante”, que “era, sobretudo, o germânico”.

Como é que isso aconteceu, Oksanen não sabe dizer. “É uma boa questão. Costumo dizer que a história do estónio é uma história de sucesso”, afirmou. “A Estónia nunca foi uma nação expansiva. A Lituânia sim, já foi em tempos um país enorme. Agora é muito pequeno e as línguas lituanas estão a decrescer. Mas os estónios sempre lá estiveram — sempre se mantiveram nos mesmos sítios e a falar estónio. De certa forma, o método de sobrevivência foi simplesmente a língua.” E é essa língua que hoje é o símbolo da identidade estónia. “Quando conheço pessoas de outros países que representam um grande território linguístico, estas geralmente não conseguem entender como é que a língua sobreviveu. Se me perguntarem qual é identidade nacional estónia, a minha resposta é sempre e simplesmente a língua”, disse a autora.

“Os estónios sempre lá estiveram — sempre se mantiveram nos mesmos sítios e a falar estónio. De certa forma, o método de sobrevivência foi simplesmente a língua.”
Sofi Oksanen

O estónio pertence a um grupo relativamente isolado de línguas europeias — as urálicas. Composto por entre 20 a 30 idiomas (dependendo das contagens), este ramo linguístico inclui línguas como o finlandês e o húngaro que, juntamente com o estónio, são as que têm o maior número de falantes. E ainda mais importante do que isso — para Sofi Oksanen, estas são aquelas que estão “realmente vivas” e que desempenham um papel “vital” na vida dos países porque a maioria das línguas urálicas, faladas numa pequena região do território do norte da Europa e Rússia, está a morrer. Este é o caso, por exemplo, da língua livónica, um idioma falado na região da Livónia, no norte da Letónia, que, atualmente, conta com pouco mais do que 20 falantes. Oksanen admite, por isso, ser “muito cética em relação ao futuro dessas línguas”, principalmente porque muitos dos seus falantes vivem em território russo, “onde existe petróleo”. “Isso significa que a Rússia não lhes vai querer dar mais independência ou que não está interessada em tomar conta dessas línguas porque, quanto mais forte a língua, mais interesse pode haver em relação a outros direitos.”

Finalmente, a independência

Sofi Oksanen era apenas uma adolescência quando a Estónia recuperou a independência em 1991 mas lembra-se bem daquele momento. “Toda a gente ficou feliz”, recordou ao Observador, mas o momento foi agridoce. Apesar do fim da União Soviética, as tropas russas só abandonaram o país três anos depois, em 1994. “Ainda havia tropas soviéticas apesar de a União Soviética já não existir.” Na Letónia, foi ainda pior: os russos só abandonaram o território em 1996. De acordo com a autora finlandesa, isso aconteceu porque “a União Soviética era um império enorme”.

“Demorou algum tempo até perceberem o que fazer com todas as tropas [espalhadas pelos diferentes países]. Era estranho porque, apesar de Estónia, Letónia e Lituânia serem independentes, os estónios não podiam entrar na área de guarnição militar soviética. Continuou a haver muitos lugares ‘secretos’ depois da independência, que eram guardados com armas. E a presença soviética continuou em alguns países muito depois disso, mesmo depois de eles terem a sua própria moeda e a sua independência ter sido reconhecida pelo mundo inteiro. Não puderam dizer ‘sim, vencemos’ até que as tropas saíssem do país. Foi um processo muito longo que continua em curso porque tiveram de começar do zero. Tiveram de fazer as pazes com o passado e aprender a lidar com aqueles que trabalharam para o KGB, por exemplo. Coisas como estas são muito complicadas.” E continuam a ser: na Estónia, sempre que é levado a tribunal algum antigo membro dos serviços secretos russos, “a Rússia intervém”. “Acho que esses julgamentos deviam ser levados a cabo num país neutro, noutro sítio qualquer porque, caso contrário, só se vê a televisão russa de um lado para o outro”, defendeu Oksanen.

“Parece que apenas as histórias escritas por homens conseguem chegar a uma audiência estrangeira. Estamos em 2018, já não devia ser assim.”
Sofi Oksanen

O facto de a Estónia ainda estar a recuperar dos longos anos de ocupação soviética não deixa de ter as suas vantagens — continuam a surgir anualmente novos trabalhos, novos projetos de investigação. Em Tallinn, existe o Museu das Ocupações, que tem uma exposição permanente dedicada ao período de 1940 a 1991, quando a Estónia esteve nas mãos dos russos e alemães, e o Instituto Estónio da Memória Histórica, uma organização que investiga crimes internacionais e violações dos direitos humanos cometidos por regimes totalitários. Ainda este ano, vai ser inaugurado um novo memorial em honra das vítimas da ocupação. Para Oksanen, este material — que “não podia ser acedido nos tempos da União Soviética” — é “muito interessante para um escritor”. “Estão sempre a surgir novas informações. Claro que também seria bom se a Rússia abrisse os seus arquivos. Mas isso não vai acontecer e não impede a pesquisa histórica.” Graças a isso, é muito provável que Oksanen volte a falar da história em breve, já que “há muito material novo”.

O seu último livro, contudo, é muito diferente. Depois de uma série de romances históricos, a finlandesa decidiu afastar-se da Estónia e escrever uma história um pouco diferente: depois da morte súbita da mãe, Norma Ross, dona de um cabelo “sobrenatural”, sensível às mais pequenas mudanças do seu humor, descobre um terrível e sinistro segredo. Passado em Helsínquia, na época contemporânea, Norma (2015) fala da exploração do corpo feminino e das loucuras que alguns estão dispostos a cometer em nome da beleza. Estas questões já tinham sido abordadas nos seus dois primeiros romances, Stalin’s Cows e Baby Jane (sem tradução em Portugal), mas desde A Purga que Oksanen não saia do domínio da História. Para ela, Norma, foi uma experiência “libertadora”.

Sofi Oksanen nasceu em Jyväskylä, uma cidade no centro da Finlândia, no final dos anos 70. Tem cinco romances publicados

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“Foi um processo interessante escrever sobre uma coisa coisa que não estava relacionada com História porque, quando escrevemos um romance histórico, temos de nos cingir aos factos. A História transforma-se numa personagem e temos de usar uma espécie de moldura para a história. Nesse sentido, foi muito interessante escrever uma história onde essa moldura não existia”, afirmou. “Foi muito libertador até. Nunca tinha pensado no quão presente estava a moldura histórica, apesar de, quando escrevemos um romance histórico, ela obviamente existir. Foi um processo de escrita muito diferente.”

Um espaço em branco no mapa

Apesar de Sofi Oksanen ser possivelmente a escritora nórdica mais conhecida, isso não significa que não existam outras. Na Estónia, o número de mulheres a dedicarem-se à escrita é até elevado. Na Letónia e Lituânia também, só que os seus livros não são traduzidos. Oksanen admite que não consegue entender esta situação: “Parece que apenas as histórias escritas por homens conseguem chegar a uma audiência estrangeira. Estamos em 2018, já não devia ser assim”, disse ao Observador. “A maioria dos editores são mulheres, o que significa que a maioria das decisões editoriais é tomada por mulheres”. As mulheres também são as que lêem mais, as que compram mais livros no mundo inteiro. “Por isso é muito estranho. Parece que não existe um equilíbrio.”

De um modo geral, a literatura nórdica parece ter dificuldade em atravessar fronteiras. Nisso, também Sofi Oksanen é uma exceção — os seus livros estão traduzidos em mais de 50 línguas no mundo inteiro. Apenas os policiais, sobretudo os suecos, conseguem chegar mais longe. É talvez por isso que a autora é muitas vezes comparada a Stieg Larsson, autor da saga Millenium, e os seus livros são muitas vezes colocados na secção de policiais nas livrarias. “E também acho que pensam que sou sueca”, brincou Oksanen, acrescentando que “não existe lugar para os livros nórdicos que não são policiais”. Apesar disso, admite que não fica chateada quando encontra as suas obras na secção errada porque quer que estas sejam encontradas pelos leitores. “Mas é verdade que, além dos policiais, a ficção nórdica não é traduzida”, frisou.

Ainda assim, Sofi Oksanen acredita que há “esperança”. A tradução de policiais significa que os tradutores de línguas nórdicas “conseguem meter comida na mesa”. Além disso, estes podem “abrir uma porta” a outro tipo de literatura. Se isso vier acontecer, talvez os autores da literatura nórdica consigam ganhar a sua independência, tal como aconteceu com a Estónia.

O Observador viajou até ao Funchal a convite do Festival Literário da Madeira (FLM).

Fotografias de JUSSI NUKARI/AFP/Getty Images e Festival Literário da Madeira (FLM).

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