O que é, na verdade, um “unicórnio”? Como é que uma ‘startup’ se pode tornar um “unicórnio”? E quais são as ‘startups’ portuguesas avaliadas em mais de mil milhões de dólares — e como chegaram aí?
Todas estas perguntas resultam do crescimento exponencial do número e da dimensão das empresas de base tecnológica em todo o mundo ao longo dos últimos anos. Portugal, claro, não passou incólume a toda essa mudança e inovação tecnológica do setor empresarial, que ora trouxe para o léxico nacional ora reforçou o sentido de palavras e expressões como “capital de risco”, “business angels”, “rondas de investimento”, “private equity” e, é claro, “unicórnios”.
Numa altura em que o novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, promete fundar na cidade uma nova Fábrica de Unicórnios — anunciou-o durante mais uma edição da Web Summit em Lisboa —, chega às livrarias “Unicórnios Portugueses”, da autoria de Ana Pimentel.
Enquanto jornalista, Ana Pimentel publicou em meios como o Jornal de Negócios, Exame e Expresso até integrar a redação do Observador em 2014. Durante os sete anos seguintes (até julho de 2021), acompanhou o ecossistema tecnológico português como jornalista, primeiro, e como editora de Tecnologia e Startups, depois, tendo assinado durante cinco anos a newsletter Startups, considerada em 2020 uma das das melhores da Europa nesta área pela Sifted (publicação do Financial Times). Foi ainda distinguida, em 2015, com o prémio Startup Journalist of the Year nos Up Awards. Entre 2019 e 2021 foi autora do podcast “A App da Vizinha”, na Rádio Observador.
Em “Unicórnios Portugueses”, que chega às livrarias esta terça-feira, 9 de novembro, editado pela LeYa/ Lua de Papel, Ana Pimentel propõe-se a responder a uma pergunta: como se cria e desenvolve uma startup de mil milhões de dólares com ADN nacional?
A partir dos exemplos da Farfetch (a primeira), da OutSystems, da Talkdesk, da Remote e da Feedzai — esta última a única startup unicórnio com sede fiscal em Portugal, ainda que as restantes tenham ADN português no seu desenvolvimento —, Ana Pimentel detalha a história e o percurso das empresas que conseguem ser avaliadas em pelo menos mil milhões de dólares.
O Observador faz a pré-publicação do segundo capítulo, intitulado “Porque é que um unicórnio vale tanto?”.
Porque é que um unicórnio vale tanto?
Quando, em Março de 2015, entrei pela primeira vez na antiga fábrica de sedas que se converteu no centro empresarial da Lionesa – onde se situava aquele escritório da Farfetch –, sabia que tinha de ser rápida e que não me podia esquecer de nenhuma das muitas perguntas que levava comigo de Lisboa. A entrevista ia ser gravada em vídeo, tinha uma componente de contexto, mais pessoal e económica, e um questionário de 25 perguntas de resposta rápida para que os leitores do Observador pudessem conhecer melhor o português que tinha caído nas boas graças do ecossistema tecnológico. José Neves tinha reservado meia hora para aquela entrevista, sem atrasos. E não havia tempo para mais.
Três anos e meio antes de vermos a bandeira portuguesa hasteada na entrada da bolsa de Nova Iorque, em Wall Street, o escritório do primeiro unicórnio com ADN português já se destacava do resto do tecido empresarial do nosso país – nas cores, no arrojo, na dimensão, no escorrega vermelho em espiral que ocupava parte do piso inferior, na sala para ginástica e também na sala de jogos onde os trabalhadores podiam descomprimir. Mais tarde, haveria de ter também uma casa na árvore e outros escritórios irmãos no Porto e em Lisboa – a par do mundo todo.
Naquela altura, José Neves, então com 40 anos, ainda não era uma das pessoas mais ricas do nosso país, mas caminhava para o pódio. Quatro anos depois, em Julho de 2019, o fundador da já cotada Farfetch tinha uma fortuna pessoal avaliada em 1010 milhões de euros e era o quarto português mais rico da listagem feita pela revista Forbes, precedido de Fernanda Amorim & família (no topo, com 4173 milhões de euros em fortuna), de Alexandre Soares dos Santos (em segundo lugar, com 3554 milhões) e de Vítor da Silva Ribeiro & família (em terceiro, com 1192 milhões). Mas, em Março de 2015, tudo isto era – ainda – uma imagem distante.
Do sítio onde fizemos aquela entrevista, no primeiro andar do escritório da Lionesa, podíamos ver bem o open space onde trabalhavam os programadores que punham a loja online de moda de luxo a funcionar. Entre José Neves e o escorrega vermelho, vários monitores, cadeiras e mesas brancas corridas compunham o meu campo de visão. Era ali que se construía a tecnologia que tinha convencido o grupo de comunicação social Condé Nast International, por exemplo, a transformar a Farfetch num negócio de mil milhões de dólares, quando investiu na quinta ronda de investimento (Série D) da empresa.
À data, aquela tecnologia chegava a 450 mil clientes que estavam espalhados por 180 países, suportava nove milhões de visitas mensais e aglomerava 125 mil produtos de luxo de mais de 1500 marcas. Só nos escritórios portugueses da empresa trabalhavam 300 pessoas e, no mundo todo, a startup empregava mais de 600 colaboradores.
Se estes números o impressionam, anote que, por esta altura, a Farfetch tinha um quinto da dimensão que apresentava quando se estreou na bolsa de Nova Iorque – a 30 de Junho de 2018, a empresa de José Neves empregava 3009 pessoas em 13 escritórios espalhados por 9 países. Só em Portugal, empregava 1690 colaboradores – 5 vezes mais. E, na minha cabeça, persistia a dúvida: por que é que uma coisa que nem sequer é palpável, que assenta num código binário, vale tanto? Como é que uma loja online se transforma num unicórnio?
Os negócios assentes na inovação passam todos por esta premissa: ninguém investe apenas no que é mostrado no momento do pitch (na apresentação breve que o fundador faz sobre a sua startup), mas antes no potencial daquilo que vê. Ou seja, investe no futuro. E investe por camadas – as tais rondas de investimento Série A, B ou C e por aí fora. Em teoria, quanto mais dinheiro estes fundos injectarem de forma privada nestas empresas, mais elas valem (a não ser que aconteça um downround, ou seja, quando uma empresa faz uma nova ronda de financiamento a um preço inferior à da anterior, o que não é muito comum).
Por cada montante injectado, o fundo ou investidor fica com uma percentagem sobre o capital accionista da empresa. De uma forma muito simplista isto explica‑se assim: se eu investir 10 milhões de euros na startup x e ficar com 10% da empresa – sendo que os sócios fundadores ficam com os outros 90% –, isso quer dizer que a startup x passou a valer 100 milhões de euros nessa ronda.
Stephan Morais, que co‑fundou a sociedade de capital de risco Indico Capital Partners em 2019, explicou‑me o processo desta forma: se um empreendedor precisar de 1 milhão de euros para os próximos 12 meses e diluir 20% do seu capital pelos investidores que lhe derem esse dinheiro, a empresa passa, então, a valer 5 milhões. “Mas se, numa ronda seguinte, outros investidores meterem 50 milhões por 20% da empresa, então 5 vezes 50 dá 250. A empresa passou a valer 250 milhões.”
Mas, atenção: neste cenário, o valor da empresa não estava escrito em lado nenhum, foram os investidores e os fundadores que o calcularam. À medida que mais investidores forem entrando e que mais contas sejam feitas, esse valor vai sofrendo alterações – sempre por estimativa, sempre por percepção e potencial. E sempre à porta fechada.
Cada ronda desta série de rondas vai crescendo em valor, mas também nos objectivos definidos para aquele projecto em específico, que são, regra geral, assentes em métricas de crescimento e vendas cada vez mais agressivas à escala global. Uma startup é, por natureza, um projecto empresarial que promete escalar globalmente de forma muito rápida. Porque só assim conseguirá a sustentabilidade do modelo de negócio e, por sua vez, ter um exit que permita aos investidores ter retorno – refiro‑me à tal aquisição ou entrada em bolsa.
Até que a startup x conquiste o mundo todo e seja rentável e lucrativa, alguém tem de pagar as contas. Refiro‑me aos salários da equipa (que também tem de crescer a passo de galope), aos escritórios que são abertos no mundo todo, aos novos mercados, aos produtos que têm de ser optimizados, ao hardware, ao marketing, às licenças para operar, aos advogados para resolver os problemas legais – que, acredite, irão surgir – e aos erros, os vários erros e falhanços que se vão cometendo pelo caminho.
Esse alguém que paga a festa é constituído pelos investidores em capital de risco, e é para isso que estas rondas também servem. As regras do jogo são estas e não as do sector empresarial mais tradicional. E isto é um ponto que convém ficar claro, logo aqui, de início.
“Um investidor de capital de risco quer obter retornos exponenciais. O que significa que, idealmente, a startup em que investe deve dar‑lhe um x de retorno. É disso que os investidores dos fundos de capitais de risco estão à espera. E é por isso que arriscam com capital: para apanharem a grande onda. É importante atacarem um grande mercado que está a crescer”, disse‑me numa conversa para o Observador em 2016 Eze Vidra, ex‑managing partner da Google Ventures – fundo de investimento em capital de risco da gigante tecnológica.
Voltando às minhas dúvidas: por que é que uma coisa que nem sequer é palpável, que é código, vale tanto? Porque assim o determinam os investidores, com base nas métricas a que têm acesso no momento em que investem e o potencial que representam.
“É altamente subjectivo, mas o que é que é o preço? O preço é o que as pessoas estão dispostas a pagar. É tipo magia. Acaba por haver aqui métricas comparáveis: se uma startup equivalente, com estas vendas, foi transaccionada por x, então, esta também há‑de valer mais ou menos entre x e y”, explicou‑me Stephan Morais, que, através da Indico, lançou o primeiro fundo de venture capital português, independente e privado, em Janeiro de 2019.
Não há, então, “exactidão matemática nenhuma” nas contas que avaliam uma empresa. “Isso não existe. É sempre uma aproximação. Só que nas startups a aproximação é mais difícil, porque não há resultados positivos e porque a incerteza é muito grande”, acrescentou Stephan. Voltemos então às métricas – as bolas de cristal que permitem aos investidores vislumbrar o que aí vem. Segundo o fundador da Indico, “os unicórnios, teoricamente, são empresas que estão mais avançadas e têm métricas muito sólidas. Podem não ganhar dinheiro, mas têm vendas e um resultado líquido como outra empresa normal.”
Quando falamos em startups, são as métricas que traduzem o presente daquela empresa em números, mas são os múltiplos que representam o que se prevê que aconteça no futuro. Como não há fluxo de caixa nenhum (ou há muito pouco), a única forma de estimar o valor da empresa é fazendo múltiplos das vendas, explicou‑me o Stephan. “No fundo, estás a acreditar que aquilo [as contas] não há‑de estar sempre no vermelho”, ou seja, a dar prejuízo. Haverá um momento em que o jogo muda e o resultado começa a ser positivo.
Não referi anteriormente que as métricas eram bolas de cristal? “É tudo futurologia, é tudo magia. Não tem nada de científico, tem aquilo que se chama múltiplos de mercado. É uma suposição que fazes: dentro deste padrão, isto vale três vezes as vendas, por exemplo”, explicou o gestor. E é por isso que o título do primeiro capítulo deste livro não é de todo enganador: no que toca a unicórnios multimilionários, não há, na verdade, magia nenhuma que os caracterize. Há risco e expectativa. Muito risco e alguma expectativa. E uma forte crença de que todo este cocktail poderá um dia funcionar.
O mundo é de quem arrisca
Não seríamos portugueses se não sentíssemos um arrepio na pele quando ouvimos a palavra “risco”. Estou certa? Não querendo entrar em generalizações que possam induzir‑nos em erro, penso que não é imprudente afirmar que a cultura europeia é, por tradição, mais avessa ao risco do que a norte‑americana. Se olhássemos para os números do ranking da CB Insights a 20 de Novembro de 2019, eles diziam‑nos o seguinte: cerca de metade dos unicórnios do mundo eram, à data, norte‑americanos (207), e a Europa, com os seus 50 unicórnios, perdia em larga escala para a China, com 101 empresas. Em jeito de comparação, Israel apresentava‑se no ranking com 6 startups, o Brasil com 5 e a Índia com 18.
Apesar de, nos últimos anos, a imprensa ter dado conta de que havia startups com ADN nacional com um chifre em espiral na testa, só a Feedzai tinha efectivamente uma sede em Portugal. As outras tinham subsidiárias. Apesar de desenvolverem a tecnologia no nosso país, as sedes da Talkdesk, OutSystem e Remote estavam registadas nos EUA; e a da Farfetch, no Reino Unido.
Quando, em 2021, o ministro da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, usou o Twitter para felicitar a Feedzai, escreveu que esta era “uma notícia importante para Portugal, que passava a contar com quatro ‘startup unicórnios’”. Nuno Sebastião fez questão de lhe explicar que não era bem assim; a empresa de Coimbra era a primeira “com sede em Portugal e segundo a lei portuguesa a valer mais de mil milhões”.
Mas voltando ao “risco”, condição sine qua non para alguém se aventurar nas lides do empreendedorismo, sobretudo o tecnológico. Escrevia eu que os portugueses têm, por natureza, alguma dificuldade em tomar decisões de risco. Não será por acaso. E tão pouco seremos os únicos.
Etimologicamente, a palavra “risco” deriva do termo grego de navegação marítima rhizikón, que descreve um perigo. A economista e jornalista Allison Schrager explica, no livro Um Economista Entra Num Bordel e Noutros Lugares Inesperados Para Compreender o Risco, que, com a exploração do Novo Mundo, o conceito de “risco” se tinha alterado um pouco. O tal perigo deixou de estar à mercê do destino, passando a ser encarado, então, como algo possível de ser controlado pelas pessoas. Com a evolução para o alto‑alemão médio, a palavra rysigo passou a significar “ousar, tomar iniciativa, empreender, aspirar ao sucesso económico”. Ou seja, unicórnios?
“Quando as pessoas ouvem a palavra ‘risco’, pensam imediatamente no mais grave dos cenários, algo terrível como perder o emprego, as poupanças ou um companheiro. No entanto, se queremos melhorar as nossas vidas, temos de correr riscos. Temos de entrar no jogo, mesmo que com isso venha a possibilidade de sairmos a perder. Se desejarmos ter um relacionamento amoroso, arriscamo‑nos a que nos partam o coração. Se queremos progredir na nossa carreira, temos de nos voluntariar para projectos nos quais podemos até falhar redondamente. Se passarmos a vida a evitar o risco, não iremos a lado nenhum. Tecnicamente, o risco inclui tudo o que pode vir a acontecer – tanto de bom como de mau –, bem como o quão provável é cada uma destas hipóteses”, escreveu Schrager.
Com o “perigo” e “o sucesso económico” de braço dado neste conceito, não é então de estranhar que o combustível que alimente as empresas que valem milhares de milhões de dólares seja o venture capital, ou seja, o capital de risco. São as sociedades ou fundos deste tipo de investimento (bem como os business angels, ou seja, investidores particulares) que alimentam esta cadeia de rondas.
Como explica a Associação Portuguesa de Capital de Risco, “a participação destas entidades no capital das sociedades é temporária e, na generalidade dos casos, minoritária. O operador de capital de risco intervém na empresa com o objectivo de criar valor, alienando a sua participação num prazo médio de três a sete anos”. Lembra‑se de, há algumas páginas, ter lido que Aileen Lee concluiu que eram “precisos mais de sete anos para haver um evento de liquidez” nestes unicórnios? Começa a fazer sentido?
Sem exigir garantias reais ou pessoais caso o investimento não chegue a bom porto, este tipo de operações são uma espécie de tudo ou nada para quem investe: em caso de sucesso, as mais‑valias podem ser muitas, mas, em caso de fracasso, o investidor pouco ou nada recupera. “Arriscarmo‑nos a perder é o preço que pagamos pela possibilidade de ganharmos mais”, escreveu Allison Schrager.
E quando é que estes fundos decidem que estão dispostos a perder? Quando se focam nos eventuais ganhos: “Quanto maior a potencial recompensa, maior o risco que temos de assumir. Porém, riscos maiores nem sempre representam ganhos maiores”, acrescentava a economista no mesmo livro.
Já em 2015, sete meses depois de ter sido noticiado o nascimento do primeiro unicórnio com raízes portuguesas (a Farfetch), Stephan Morais – na altura, administrador‑executivo da Caixa Capital – dizia‑me, numa entrevista ao Observador, que este tipo de investimento era “um negócio de paciência e ritmo, mas também de grande ambição”. E que era importante que os fundos investissem nas startups que consideravam promissoras com “montantes adequados e diluição adequada”.
Quer isto dizer o seguinte: calma, empreendedores. Nem sempre uma ronda elevada se traduz em benefícios elevados; nem sempre uma valorização elevada é vantajosa para a fase da vida em que a startup se encontra. Pode, inclusive, ser prejudicial às rondas que a empresa terá de fazer a seguir para dar outras passadas: se o caminho é ascendente e o valor da primeira ronda for já muito alto, pode, então, deixar de haver espaço no mercado para as subsequentes. E isso será um problema.
Como explicava Stephan Morais, a propósito do investimento de 1 milhão de euros que a Caixa Capital tinha feito nesse ano na Codacy, startup de análise de código co‑fundada por Jaime Jorge e João Caxaria, “as rondas devem ser graduais, nem demasiado rápidas nem demasiado lentas. Têm de ser ao ritmo certo”. E acrescentou: “As rondas de investimento devem ser uma consequência e não um objectivo. O objectivo da empresa deve ser tornar‑se robusta, saudável e crescer de forma sustentada”. Por esta altura, a Codacy tinha 3 anos de vida. E em 2014 tinha vencido a competição de startups da Web Summit, na sua penúltima edição em Dublin, na Irlanda.
Quatro anos depois, em Outubro de 2019, a Codacy levantava mais 7 milhões de euros, numa ronda de investimento liderada pela capital de risco alemã Join Capital e com a participação de outros investidores. Com um escritório em Lisboa e outro em Nova Iorque, empregava cerca de 50 pessoas, à data, e estava a contratar mais 30.
Um mês depois, quando voltámos a conversar para a Rádio Observador, durante a Web Summit de 2019, Jaime Jorge revelou que facturava “alguns milhões de euros” e que desejava que, no espaço de cinco anos, “pudesse estar a pensar num possível IPO”. Haveria novo unicórnio português à vista? “[Ser unicórnio] é um processo natural, a avaliação é uma coisa natural. Se acontecer, tanto melhor.”
O que é certo é que a maioria das avaliações destas startups não chegam sequer a ser conhecidas, a não ser que sejam a esta escala – a de unicórnio. Muitos empreendedores e investidores decidem revelar o valor das rondas de investimento que fecham, mas não o montante em que ficam avaliadas. Até porque, a bem da verdade, como me explicava, no final de 2016, Paulo Soares de Pinho – à data, director académico do The Lisbon MBA –, estas avaliações privadas e o seu respectivo peso em nada se comparam às públicas.
“É difícil dizer realmente quanto vale uma startup, mesmo quando olhamos para uma ronda de capital de risco. Uma ronda não é uma emissão de acções em bolsa. Numa emissão de acções em bolsa, vende‑se uma determinada quantia de acções a um determinado preço. Numa ronda de capital de risco, não é isso que acontece. As acções têm um determinado preço, mas, depois, há um conjunto de cláusulas que, na prática, afectam a valorização daquelas acções.”
Ou seja, se comprar acções a determinado valor numa ronda e ficar com 20% da empresa, isso não quer dizer que depois vá receber 20% do capital próprio quando a empresa for vendida. Pode até receber muito mais do que isso, o que na prática até desvaloriza o preço da ronda, explicou o professor. “Por outras palavras, duas empresas que numa ronda tenham conseguido a mesma valorização podem gerar retornos completamente diferentes para os investidores, o que torna as coisas muito pouco comparáveis.”
O especialista em private equity explicou ainda que o valor de uma empresa passa pela sua capacidade de gerar dinheiro no futuro e que “a maior parte dos pseudo‑empreendedores” não percebia que, num contracto com um investidor, “a avaliação importava muito pouco”.
“Você, como empreendedor, pode ter uma avaliação da empresa tão grande que fica com 80%, mas se a saída for por um preço baixo, você pode receber zero, dependendo do contracto que estabeleceu com o investidor. A avaliação muito alta pode não ter servido de nada. As avaliações de capital de risco não são comparáveis com as avaliações em bolsa. É preciso ter sempre este cuidado”, disse‑me. E, por falar em rondas, vamos a elas?