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Steven Spielberg e "West Side Story": “Cantei fora de tom e dancei com o elenco como se tivesse três pés esquerdos”

Ficou fascinado com o musical quando era miúdo e demorou nove anos a concretizar a nova adaptação que se estreia agora nos cinemas. O realizador e o elenco explicam como tudo aconteceu.

As mãos da mãe de Steven Spielberg deslizavam pelas teclas do piano como se tocar fosse tão natural quanto respirar. Em casa ouvia-se música a toda a hora e os discos eram devorados assim que chegavam. “West Side Story” estreou-se na Broadway em 1952 e pouco tempo depois já o então ainda futuro-realizador sabia de cor todas as letras do musical.

“Tinha dez anos, chegava à mesa e, à frente de toda a gente, cantava: ‘O meu pai é um bastardo, a minha mãe é uma S.O.B. [sigla para son of a bitch], o meu avô está sempre bêbado’ [letra da canção ‘Gee, Officer Krupke’]. A minha mãe ficava horrorizada e perguntava-me onde tinha aprendido aquelas palavras. Eu respondia: ‘No disco que vocês compraram’.”, contou numa conferência de imprensa que antecipa a estreia do novo “West Side Story” — nos cinemas portugueses a partir desta quarta-feira, 8 de dezembro.

Steven Spielberg nunca esqueceu o musical — que se transformou em filme em 1961 — e há muito que queria dar-lhe outra vida. Demorou nove anos a concretizar o projeto. Os ensaios começaram em abril de 2019 e durante mais de quatro meses o realizador divertiu-se como já não acontecia desde “E.T. — O Estraterrestre”. Cantou e dançou “com três pés esquerdos” com o elenco.

[o trailer da primeira adaptação ao cinema de “West Side Story”, de 1961:]

O argumento deste novo “West Side Story” foi escrito por Tony Kushner, vencedor de um Pulitzer e de um Tony, e tem um piscar de olhos à película de 1961, que em Portugal ficou conhecida como “Amor Sem Barreiras”. Rita Moreno — que ganhou o Óscar de Melhor Atriz Secundária ao interpretar Anita, a cunhada da protagonista — é uma das produtoras executivas e teve direito a um papel novo, Valentina, criado de raiz só para ela.

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Mas, antes de nos perdermos nas histórias de bastidores que realizador, argumentista e atores contaram na conferência de imprensa virtual em que o Observador participou, vamos ao resumo de “West Side Story”. A ação passa-se em 1957, em Nova Iorque (EUA). Nas ruas do Upper West Side que passam pelos bairros de Lincoln Square e San Juan Hill há uma constante luta pelo território. De um lado estão jovens delinquentes americanos que acham que tudo lhes pertence. Do outro, imigrantes, sobretudo porto-riquenhos, recém-chegados e à procura de uma vida nova e melhor. Perdidos nestas disputas, não se apercebem que estão todos prestes a ficar do mesmo lado da barricada. Nos anos 50 um projeto do arquiteto Robert Moses fez com que esses bairros fossem demolidos para aí nascer o Lincoln Center for the Performing Arts (um complexo de edifícios dedicados a cinema, teatro, ópera, dança). Esta é a parte verídica. Mas o que tornou o musical um dos mais adorados de sempre foi o romance trágico ao estilo de “Romeu e Julieta”. Tony (Ansel Elgort) faz parte dos Jets, os adolescentes americanos. Maria (Rachel Zegler) é porto-riquenha. O amor dos dois é proibido e vai afetar o caminho de muitas histórias e personagens.

"Queria que parecessem miúdos a sério, não pessoas de 38 ou 39 anos a interpretarem personagens de 18. O elenco está todo abaixo dos 23 anos" diz Steven Spielberg

Rachel Zegler, a protagonista da nova versão, tem 18 anos e nunca tinha participado num filme. Isso não a impediu de ser escolhida por Steven Spielberg — apesar de o processo ter incluído muitas audições. “Foi o ano mais longo da minha vida. Foi uma amiga que me avisou que estavam a fazer o casting. Fiz um vídeo de ‘I Feel Pretty’ no meu quarto e mandei. Depois pediram-me outro, chamaram-me para audições e testes de câmara com o Ansel Elgort (Tony)”, explica.

Escolheu não ver o filme original — “não queria ficar condicionada” — mas conhecia as canções e na escola tinha um poster de Rita Moreno no cacifo. O elenco principal (todos com menos de 23 anos) começou por sentir-se intimidado pela veterana que tem agora 89 anos, mas rapidamente a dinâmica mudou. “Entre as cenas eu e a Rita dançávamos os dois”, conta Ansel Elgort, o ator que mais contracenou com Moreno. A sua experiência no cinema era maior (“Baby Driver — Alta Velocidade”, “A Culpa é das Estrelas”) mas para “West Side Story” foi preciso aprender a dançar e cantar.

"Quem me dera ser outra vez nova e fazer tudo de novo, mas tive este papel lindo. Adoro todas as cenas das quais faço parte mas também foi arrepiante a cena em que contraceno com a Anita [Ariana DeBose]. Foi estranho para ela, mas foi ainda mais difícil para mim. Não parava de olhar para ela e tive imensa dificuldade em concentrar-me porque eu fui aquela no filme original."
Rita Moreno, atriz

“Num dos ensaios, o Ansel estava tão empolgado que deu um pontapé fora do sítio e enfiou o pé numa parede”, recorda Mike Faist, que interpreta Riff. Os dois são os melhores amigos na história — pelo menos até certo ponto — e passaram meses sempre juntos. “Tínhamos de nos conhecer, saber tudo um do outro e criar uma verdadeira empatia que depois se visse no ecrã.”

O empenho dos atores é inegável, confirma-se, tal como o dos dançarinos. Juntos enfrentaram temperaturas de quase 40 graus para filmarem uma das sequências míticas de “West Side Story”, o tema “America”. Porém, num dos dias em que se previa uma onda extrema de calor, Steven Spielberg resolveu dar folga a toda a equipa e cobriu os custos de um dia perdido.

“West Side Story” marca a estreia de Spielberg na realização de um musical. Tem mensagens claras e detalhes subtis. Tem duas horas e 36 minutos de planos de cortar a respiração, cor, canções que ficam no ouvido e uma jovem atriz cujo nome (Rachel Zegler) é melhor decorar. Antes da estreia, Steven Spielberg, Tony Kushner e Rita Moreno reuniram-se com jornalistas de vários cantos do mundo para explicar as motivações por detrás do projeto.

[o trailer da nova versão de “West Side Story”, realizada por Steven Spielberg:]

Stephen Sondheim, que compôs os temas para o musical com apenas 24 anos, morreu há uns dias, a 26 de novembro. Que envolvimento teve ele no filme?
Steven Spielberg (SS):
 O Stephen foi a primeira pessoa com quem me encontrei quando estava a querer adquirir os direitos para a adaptação. Estive em casa dele, em Nova Iorque, com ele com os cães dele, claro. Já nos tínhamos cruzado antes porque a minha produtora tinha feito o “Sweeney Todd: O Terrível Barbeiro de Fleet Street”. Encontrámo-nos na estreia, depois estivemos juntos na Casa Branca quando recebemos a Medalha da Liberdade, juntamente com a Barbra Streisand, e queria dizer ao Steve: tenho este desejo desesperado de fazer uma versão de “West Side Story”. Mas não conseguia que as palavras saíssem da minha boca. Falava de tudo menos disso, até que finalmente ganhei coragem e encontrei-me com ele e com os outros herdeiros [dos direitos da obra]. Ele esteve muito envolvido, o Tony [Kushner, argumentista] teve um diálogo muito aberto com ele sobre o argumento, mas onde ele esteve realmente presente foi nas pré-gravações com os artistas. Gravámos os temas antes das filmagens e o Steve esteve lá durante três semanas, cinco dias por semana, sentado ao meu lado no estúdio.

Tony, como é que foi escrever este argumento?
Tony Kushner (TK):
Quando o Steven falou comigo, eu estava em casa e disse ao meu marido: “O Steven pediu-me para fazer uma coisa completamente louca, como é que saio disto?” Pensei que era uma tarefa impossível. Adorei o filme dos anos 60, tal como toda a gente. A primeira reação do Mark [Harris, jornalista e autor norte-americano] foi: “Devias fazê-lo mas tens de te livrar da personagem Doc. Devias ter a viúva do Doc, torná-la porto-riquenha e convidar a Rita Moreno para o papel.” Liguei ao Steven, ele adorou a ideia, mas acho que esperamos até ter o argumento completo para falar com a Rita. Ela aceitou quando lhe garantimos que não era…

Rita Moreno (RM): Uma participação especial.

TK: Exato. Que não era uma participação especial e que não tínhamos usado o horrível tradutor da Google para o espanhol.

SS: Eu nem posso dizer “buenos dias” sem a Rita responder “não voltes a falar comigo”.

Nas partes do filme faladas em espanhol não há legendas. Foi intencional?
SS:
 Sim, foi. A Anita passa o tempo a corrigir toda a gente, dizendo que agora estão em Nova Iorque e que têm de falar inglês se querem ser americanos. O filme começa com o tenente Schrank a dizer “[falem] em inglês”, não quer ouvir falar espanhol. Foi por respeito que não usamos legendas nas partes faladas em espanhol. A língua tinha de existir em proporções iguais, ao lado do inglês. Também quero que os espectadores americanos [ou que falam inglês] sentados no cinema comecem, de repente, a ouvir risos vindos de certos pontos da sala, das pessoas que falam espanhol.

TK: Porque somos um país bilingue.

"Foi como um assunto de família, o mais delicioso que tive desde o “E.T. — O Extra-Terrestre”. No “E.T.” fui um pai para aquelas crianças todas. Ainda não era pai na vida real e o filme fez-me ter essa vontade. O meu primeiro filho nasceu três anos depois de fazer o “E.T.” e esta foi a outra ocasião em que tive a sensação de fazer parte de uma família muito diversificada. Não estava no centro da família, era simplesmente parte dela."
Steven Spielberg, realizador

Steven, disse que a última vez que se divertiu tanto a fazer um filme foi com “E.T. — O Extra-Terrestre” (1982). Também disse que em miúdo sabia todas as letras de “West Side Story” de cor. Juntando tudo isso, diga-nos, teve vontade de saltar da cadeira e começar a cantar e a dançar com o elenco?
SS:
 Sim, é verdade que saltei da minha cadeira e cantei com o elenco. Cantei fora de tom e dancei como se tivesse três pés esquerdos durante os ensaios. Tivemos quatro meses e meio de ensaios intensos, tanto na cidade, no Lincoln Center, como em Brooklyn, numa zona chamada Dumbo [que significa Down Under the Manhattan Bridge Overpass]. Foi quando realmente tive oportunidade de dançar. A Rita também estava lá e dançou com o elenco. Estávamos tão envolvidos porque havia no ar uma vida de canções e danças de um coreógrafo génio, o Justin Peck. Quando fiz o filme, não, fui só um realizador. Nem bati com o pé no chão, estava demasiado concentrado nas imagens que estávamos a captar. Mas foi como um assunto de família, o mais delicioso que tive desde o “E.T. — O Extra-Terrestre”. No “E.T.” fui um pai para aquelas crianças todas. Ainda não era pai na vida real e o filme fez-me ter essa vontade. O meu primeiro filho nasceu três anos depois de fazer o “E.T.” e esta foi a outra ocasião em que tive a sensação de fazer parte de uma família muito diversificada. Não estava no centro da família, era simplesmente parte dela.

TK: Um dos meus momentos favoritos não envolveu o Steven a dançar mas, logo no início, nos ensaios, o Justin estava a coreografar uma parte de “America” [um dos temas mais conhecidos], apenas a experimentar. Eu e o Steven estávamos sentados a ver e o Steven ficou tão empolgado que pegou no iPhone [para filmar] e sentou-se numa cadeira de escritório com rodas e quis que o Craig [Salstein], o assistente do Justin, o empurrasse de um lado para o outro porque não aguentava simplesmente estar parado, tinha de ir lá para o meio. Foi o momento em que percebi que o filme ia mesmo resultar.

É verdade que essa cena, com o tema “America”, foi filmada num dos dias mais quentes em Nova Iorque?
SS:
 Tivemos três dias de calor insuportável. Só podíamos fechar as ruas do Harlem [um dos cinco bairros de Nova Iorque] no sábado e no domingo. Tivemos folga quinta e sexta e trabalhámos nesses dias. No sábado a sensação térmica era de 39ºC, a temperatura real chegava aos 35,5ºC. Estavam a fazer a parte da dança de “America”, a parte que não é cantada. Demorou muito tempo a filmar, foram muitos takes. Os miúdos estavam a trabalhar tanto, transpiravam através da roupa, ao ponto de termos tido de eliminar o suor com a tecnologia digital. Eliminámos muito suor na pós-produção. No final do dia, os miúdos estavam sem fôlego. O que fazia quando havia um bom take era chamar o elenco inteiro para dentro da tenda. Eles adoravam porque havia sombra ali, mas também queriam ver o que tínhamos acabado de filmar. Havia uma enorme celebração e alegria quando se viam a eles próprios a dançar. Queriam voltar lá para fora e fazer tudo outra vez, mesmo estando alagados em suor. Falei com a Kristie [Macosko Krieger, uma das produtoras] e perguntei-lhe qual era a previsão da temperatura para o dia seguinte. Ela disse que podia chegar quase aos 39,5ºC no pico e eu basicamente disse: vamos folgar no domingo e eu cubro os custos. Não vamos cobrar à Disney Fox por isto, estou a cancelar um dia de estúdio mas não vou deixar os meus dançarinos passarem por isto outra vez. Por sorte a temperatura baixou e quando voltamos para filmar “America” estávamos nuns confortáveis 31ºC.

RM: No filme original também houve esse problema. Um calor horrível a dançar nas ruas de alcatrão.

Ed Murray | NJ Advance Media for

Neste filme, Nova Iorque é uma personagem por si só. Como foi recriar a cidade de há 70 anos?
SS:
Na verdade a cidade de há 70 anos ainda existe em certos bairros. Encontrámos a cidade dos anos 50 viva em Queens, Brooklyn, no Bronx, também a norte do Harlem. Filmamos apenas onde os edifícios não mudaram. Fomos para Patterson, Nova Jérsia.

RM: Patterson tornou-se o nosso gueto.

SS: Tornou-se San Juan Hill. Arquitetonicamente era parecido com o que era San Juan Hill entre as ruas 59 e 72.

RM: O Adam Stockhausen [responsável pela cenografia] construiu cenários inacreditáveis.

SS: Este é o terceiro filme que fazemos juntos. Fizemos “A Ponte dos Espiões” (2015), “Ready Player One: Jogador 1” (2018) e agora “West Side Story” e ele é um incrível diretor de arte. Também quero dizer que a única coisa digital no filme, a única que fizemos no computador, foi uma extensão do cenário logo na cena de abertura. Ele construiu cinco quarteirões de ruínas do West Side e nós só acrescentamos ao fundo a extensão até ao rio Hudson. Além disso, a outra coisa que fizemos foi apagar os ares condicionados, os pratos de satélite e as barras de segurança nas janelas. Hoje, Nova Iorque tem barras de segurança acima do segundo andar. Tudo o resto é autêntico, porque Nova Iorque mantém-se autêntica em relação a esse período.

TK: E construímos o cais em ruínas. Fiquei mesmo triste por não termos podido deixá-lo.

Rita, como foi passar o testemunho, tendo feito parte do filme original?
RM:
 Passar o testemunho é uma boa descrição. Não foi fácil. Não vou dizer que não tive inveja, seria pura mentira. Quem me dera ser outra vez nova e fazer tudo de novo, mas tive este papel lindo. Adoro-me neste filme, não se diz isto facilmente. Adoro todas as cenas das quais faço parte mas também foi arrepiante a cena em que contraceno com a Anita [Ariana DeBose]. Foi estranho para ela, mas foi ainda mais difícil para mim. Não parava de olhar para ela e tive imensa dificuldade em concentrar-me porque eu fui aquela no filme original.

SS: Essa cena podia ser um episódio de “Black Mirror”, só isso.

"A parte do bairro onde vivem os Jets [grupo dos jovens americanos] foi limpa, mas também San Juan Hill, onde estavam os acabados de chegar, a tentar criar uma vida. Estas pessoas foram arrancadas das suas casas, ninguém as ajudou a serem realojadas e as casas foram demolidas. Acho que reagimos os dois [Kushner e Spielberg] ao facto da paisagem desaparecer debaixo dos pés destas pessoas que estão em luta. Há um inimigo maior."
Tony Kushner, argumentista

Steven e Tony, colocaram a hipótese de transpor a história para a atualidade?
TK:
 Falámos dessa possibilidade mas houve dois motivos para não o fazermos. Não há nada datado na banda sonora. Cada vez que ouvimos os temas pensamos que é algo a acontecer agora. Não é antiquado. O Sondheim foi um dos maiores letristas e compositores, diria de sempre. Ele consegue transpor o que as personagens pensam ou sentem sem ser datado. Foi muito específico e as expressões das canções são aquelas que os miúdos usavam em 1957. Seria estranho ter essas canções em 2021. Além disso, quando eu e o Steven começámos a falar disto, ele disse-me: eu quero que os miúdos na rua estejam sujos, famintos.

RM: Pálidos.

SS: Queria que parecessem miúdos a sério, não pessoas de 38 ou 39 anos a interpretarem personagens de 18. O elenco está todo abaixo dos 23 anos.

TK: Começámos a falar da dureza e havia um nível de pobreza nos anos 50 que estava localizado no West Side naquela altura. Interessámo-nos pelo facto daquele pedaço de cidade, da Broadway até ao rio, ter sido demolido pelo Robert Moses [arquiteto responsável pelas obras públicas] e o comité da limpeza dos bairros de lata. A parte do bairro onde vivem os Jets [grupo dos jovens americanos] foi limpa, mas também San Juan Hill, onde estavam os acabados de chegar, a tentar criar uma vida. Estas pessoas foram arrancadas das suas casas, ninguém as ajudou a serem realojadas e as casas foram demolidas. Acho que reagimos os dois ao facto da paisagem desaparecer debaixo dos pés destas pessoas que estão em luta. Há um inimigo maior.

SS: A verdadeira luta é sobre raça mas o território pelo qual eles dizem estar a lutar está debaixo da sombra da bola de demolição. Por isso é que começamos o filme com a bola. Vai tudo desaparecer para dar lugar ao Lincoln Center.

TK: É interessante porque, no final da música dos Jets, estes adolescentes delinquentes trepam para cima de uma pilha de pedras e lixo e dizem “somos os reis do mundo”.

SS: São reis do lixo, de nada.

É um filme político também?
RM:
Acho que sim. Ainda mais do que o primeiro.

TK: Adoro que penses assim [dirigindo-se a Rita Moreno]. É verdade que quando o filme saiu, em 1961, ou o musical, em 1957, houve algumas articulações ou aspirações que não podiam ser feitas. Além disso, era um musical. Mas terem feito tanto quanto fizeram em 1957 foi uma coisa incrivelmente radical. Fiz muita pesquisa sobre isto e acredito que, tanto o musical como o filme, representaram enormes passos em termos de representatividade [de minorias]. Não são perfeitos, de forma alguma, mas, quer dizer, prova número um [aponta para Rita Moreno]. Não podem convencer-me de que quem viu a performance da Rita como Anita não pensou nos próprios preconceitos, não refletiu sobre isso. A dignidade, o poder e a beleza daquela personagem, tudo isso fez a diferença. E ganhou um Óscar.

Houve alguma cena específica em que sentiram mais pressão para atingir a perfeição?
SS:
 Não houve nenhuma cena em que eu e o Tony sentíssemos mais pressão. Uma cena é simplesmente um ponto para chegar a um argumento, o caminho para o final da história. Se sentíssemos que uma cena não contribuía para o desenvolvimento da personagem ou da história, não tinha lugar em “West Side Story”. Por isso, cada cena tem um papel central na celebração de estar vivo e na tragédia, porque não era possível haver diálogo antes da tragédia acontecer. Há a mensagem de que tem de se tentar o diálogo antes de qualquer outra coisa. As cenas são como blocos em movimento, ou como um colar de pérolas, e acho que não houve nenhuma a que não prestássemos uma atenção cirúrgica. Especialmente o Tony, que é obcecado com pesquisa, mas que também está sempre aberto a novas ideias para fazer a cena de forma diferente. Houve uma cena em particular, não vou dizer qual, reescrita 32 vezes. A última versão aconteceu 24 horas antes de a filmarmos.

TK: Fizemos quatro filmes juntos [“West Side Story”, “Lincoln” (2012), “Munique” (2005) e “The Fabelmans”, que está em pós-produção] e em todos há sempre uma cena.

SS: Que reescrevemos e reescrevemos e reescrevemos.

TK: Não sei porquê. Não é a pressão de acertar. Começamos a divertir-nos e a explorar.

SS: Começamos a pensar: que migalhas é que estamos a deixar na mesa que podiam interessar aos espectadores? Não vamos deixar nada na mesa. Às vezes isso significa refazer a cena toda.

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