Índice
Índice
Sobre ela, escreveu Iain Hollingshead, no Telegraph, que tinha a capacidade de vender roupa só de olhar para as peças. Vendo bem, a influência de Diana começou por baixo, ao nível dos pés. Ainda a anos luz do território das influencers e do toque de midas das redes sociais, a procura por um par de galochas disparou de forma inesperada quando a jovem Spencer calçou umas Hunter. Diana e Carlos conheceram-se em novembro de 1977 mas foi apenas no verão de 1980 que se aproximaram, durante um jogo de polo, passando agora quatro décadas sobre o arranque desse namoro. A relação progrediu quando o príncipe convidou a futura noiva para o iate real Britannia, para um fim de semana em Cowes, seguindo-se já em novembro a aguardada escala escocesa. Dessa visita a Balmoral sairia a apresentação à família real e uma novíssima e inesperada capacidade de influência, que 40 anos depois continua a fazer o seu caminho.
É rara a semana em que uma deambulação no Instagram ou um artigo de revista não ofereça um regresso ao passado, patrocinado pelo power dressing da Princesa do Povo, com um estilo tão inspirador como capaz de arrasar qualquer atrevimento de vanguarda ou reconduzir ao bom senso quem julgue que a sua inovação é estrondosa. Um nova tendência a despontar? Provavelmente Diana já lançou. Em busca de referência segura para ilustrar uma temporada na neve? Ela já mostrou como importar um puffer jacket para o streetstyle. Polka dots e sapatos com meias? Lamentamos, mas está tudo inventado.
Diana de Gales (1961-1997) morreu muito antes do apogeu das redes, da caça desenfreada aos likes, da nossa coleção de pins no Pinterest, de qualquer outro moodboard nostálgico que possa auxiliar o guarda-roupa contemporâneo em caso de hesitação e abrir caminho para uma aborrecida uniformização nos usos e costumes. E no entanto, a sua omnipresença é gritante.
Descontraída, no seio da família, em compromissos oficiais, glamorosa, à saída do ginásio, a raspar-se dos paparazzi, parece não haver área a descoberto em matéria de estilo. Inesgotável, vai inspirar mais um filme. Kristen Stewart será a protagonista de “Spencer”, ainda em fase de pré-produção. O drama biográfico de Pablo Larraín segue três dias numa semana crítica no começo dos anos 90, quando Diana percebe que o seu casamento está por um fio e que prefere afastar-se do caminho que a levaria ao lugar de mulher do futuro rei. Pouco mais se sabe mas uma coisa é certa: o figurino do sucesso não poderá menosprezar o cuidado com o guarda-roupa.
“Shy Di” e os anos 80. “Não te preocupes, vai piorar”
Etiqueta e identidade pessoal. Conjugar um previsível espartilho ditado pelo protocolo com o desejo de liberdade e arrojo foi a respiração seguida por uma royal bem original, que conseguiria impor a sua própria cartilha de moda, que incluiu jardineiras amarelas, t-shirts gráficas que não defraudariam as aspirações da atual década, exuberantes mangas ou o elogio do lilás. Todas estas referências foram desfiladas por Diana, que se destacou ainda pelo uso de chokers (como aquele que exibiu no aeroporto de Eastleigh, quando partia em lua-de-mel, conjugado com um wrap dress Donald Campbell), de ténis, e pela dispensa de luvas, apenas uma das muitas vezes que as regras mais apertadas ficaram para segundas núpcias. Uma versatilidade que hoje acabaria com qualquer prenúncio de tédio nas redes sociais, protagonizada por uma aparente outsider.
“Na realidade não era designer de moda, não era estilista, mas acabou por ser uma influenciadora muito forte. Talvez a primeira, ou um das figuras mais fortes desta ideia do influenciador, muito antes da expressão ser cunhada. Imagino que a palavra nem fosse usada na época”, sublinha Nelson Pinheiro Gomes, Professor Auxiliar no Programa em Cultura e Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. “Tornou-se uma referência do que seria mais tarde este tipo de agente cultural que acaba por influenciar comportamentos e mentalidades. Tudo isto se articula de forma muito interessante, com a posição política que tinha perante as causas, a vida, em relação ao estilo e ao gosto. É mais integrado do que a mera influência de moda“, continua o investigador, que tem a seu cargo a co-coordenação das pós-graduações em Tendências e Criatividade, e que a par da atividade docente tem desenvolvido investigação na área da Gestão da Cultura, especificamente ao nível dos Estudos de Tendências e do Branding Cultural.
Um dos ganchos mais interessante prende-se de facto com o perdurar de uma imagem que chega até hoje, ancorada numa ideia de celebritismo que nunca chegou a perder fôlego. E com uma influência com efeitos práticos, já que o impacto na democratização da moda e das tendências de consumo é inegável. “Adaptaram-se as referências que Diana criou a cada pessoa, a cada estrato. Somos influenciados por toda aquela construção simbólica e isso estende-se a todas as camadas sociais que estão envolvidas. Isso é parte do interesse no fenómeno, não é estrito a um grupo”. Saltando para o campo da pura especulação, em que contexto se moveria hoje Lady Di se fosse viva? “Acredito que teria um espaço mediático e teria a atenção do público mas não sei se o seu momento não foi muito particular para permitir aquela construção. Hoje é mais difícil conseguirmos um destaque no meio de tanta pluralidade”, admite Nelson.
Algo, no entanto, parece mais ou menos irrefutável: o hábito não teria bastado ao monge se a sua conduta tivesse sido bem mais ascética. “Se fosse apenas um mero ícone de estilo e gosto, não sei se continuaria a estar na memória da mesma forma. A mediatização ajudou sim mas porque é ela, pela sua pluralidade e diferentes abrangências. O que não nos faltam são referências de estilo dos anos 80. Ela cria um modelo de influência sobre o consumo, as práticas”, remata o professor.
Recuemos à fase do enamoramento dos súbditos por uma “Shy Di”, alcunha de uma princesa tímida que passo a passo foi arrebatando o público e agitando o sistema. A noite de 9 de março de 1981 trazia o prenúncio da transgressão que pautaria boa parte do trajeto futuro. Goldsmiths Hall, cenário de um concerto beneficente, não estaria preparado para uma aspirante a princesa embrulhada em tafetá preto, de ombros descobertos, uma escolha com assinatura da dupla The Emanuels. Mas foi esta a escolha de uma jovem Diana no seu primeiro compromisso oficial. “Levou vários comentadores a interrogarem-se se não teria mostrado mais do que devia numa gala com a presença da princesa Grace do Mónaco”, escreveu em 2011 o biógrafo Andrew Morton, segundo o qual a antiga estrela de cinema, na altura com 51 anos, terá tentado tranquilizar o nervosismo de debutante de Diana com uma frase ainda mais perturbadora, mas nem por isso pouco verdadeira: “Não se preocupe. Vai ser pior daqui para a frente”.
À margem dos eventos, os colares de pérolas, blusas e estampados florais rapidamente se tornaram objetos de culto. Réplicas da camisa em chiffon cor-de-rosa que coloriu a capa da Vogue no dia do anúncio do seu noivado com Carlos, voaram como pães quentes. A era dos chumaços e tecidos sumptuosos deu pano para mangas à novíssima “Dinastia Di”.
Do uniforme do jardim de infância ao tafetá das estrelas. Deixem passar a noiva
Foi tudo costurado no segredo dos deuses, para ampliar ainda mais a surpresa quando a antiga professora do jardim de infância se apeou do carro e mostrou ao mundo o modelo escolhido para trocar votos com o filho da rainha, nesse dia 29 de julho de 1981. Como se todos os looks até aqui exibidos desde a estreia na esfera pública tivessem sido banais ensaios rumo ao dia D. Ainda recentemente a Tatler recordava a história de um dos mais populares vestidos de noiva do século XX, que catapultou o jovem casal David e Elizabeth Emanuel para o estrelato, a partir desta escolha com caráter bem patriótico. Com a cauda mais longa da história da realeza moderna, e um valor estimado em 90 mil libras, foi a criação mais imponente da dupla, depois de uma série de visuais mais casuais concebidos para a princesa. Terá bastado um telefona para que Diana mostrasse a intenção de provar alguns dos coordenados do par. Tal como, no rescaldo do anúncio do noivado, bastou nova chamada para formular o maior pedido de todos: que os Emanuel, entretanto divorciados, assinassem o tão esperado vestido de noiva, o elemento mais destacado de uma monumental orquestração.
“O casamento deles é o primeiro televisionado. Logo aí temos o primeiro marco de intenção pop, de transformar isto em ícone de cultura pop. Historicamente estamos a sair daquela Inglaterra muito fustigada pela era Thatcher, as revoltas sociais todas dos anos 70 e 80, que são muito o início de toda uma cultura punk, dos movimentos contra e subcultura que começam a surgir nessa altura. Eles os dois vêm salvar esta imagem do God Save the Queen da Vivienne Westewood da rainha com um alfinete. Esta é capaz de ser a primeira grande manobra de marketing e faz muito sentido dentro desta lógica de hiper marketing do poder político — porque por muito que seja monarquia, estamos a falar de instrumentos de poder”, ressalva Joana Barrios, com um olhar clínico sobre este providencial embrulho light e divertido, que “deu muito jeito para lavar aquela imagem incestuosa e velha da coroa britânica”.
Às linhas gerais de uma campanha de venda bem montada, somava-se então um pivot que reunia os principais ingredientes para triunfar. “Quando se começa a trabalhar esse marketing com uma mulher telegénica, bonita e prá frentex como ela era, claro que faz todo o sentido continuar a falar dela como ícone porque ela foi a primeira. Ela distribuiu o jogo. Diana era todo um salero“, continua a atriz e autora do blogue Trashédia, que acredita que atualmente beneficiaria da capitalização da imagem, pressionada, como tantas, por um social media que condena os seus utilizadores a manterem a relevância, não vão cair no esquecimento.
Joana recorda as estreantes combinações proibidas nas cores, a épica camisola do Machu Picchu, as ugly sweaters, ou mesmo os jumpsuits em tons suaves. Opções de alguém com gostos assumidamente pouco consensuais e com um grupo de amigos nada normativo. “Adoro aquela história em que o Freddie Mercury e o Elton John a mascararam para se ir divertir num clube em Londres. Acredito que o escrutínio seja tão grande que este tipo de pessoas não tem um segundo para se divertir. Nesse aspeto acredito que tenha sido uma mulher mais livre que todas as outras e o protagonismo que granjeou tornou-se bastante incómodo.”
Dificilmente a princesa imaginaria que passadas quase quatro décadas o seu exuberante vestido de noiva continuaria a ser motivo de conversa, mas pelo menos à época era incontestável que representava o conto de fadas perfeito e estava para os 80’s como uma taça de suspiros para a sobremesa. “Sabemos que as pessoas procuram referências nas suas raízes e nas suas memórias que permitam ser uma bússola e identificação com as identidades próprias. Estas construções são hoje vistas sobre este ponto de vista. Procuramos uma referência como Diana, que teve impacto positivo, peso no passado, que resgatamos com os nossos olhos, atribuímos novas características à luz do momento e usamos essas referências como componente importante do nosso repertório simbólico atual“, enquadra Nelson Pinheiro Gomes, acreditando que atualmente é mais difícil construir estas referências sólidas, um dos motivos para a vitalidade do fascínio. “É por isso que ainda hoje falamos destas representações. Alguém com 17 anos que não viveu aquele acontecimento, quando conhece a narrativa acaba por experienciá-la de uma forma direta, apropria-se de uma memória que não era dela, como acredito que muitos olhem e não saibam quem é”.
O natural sentido de moda e estilo de Diana encontrar-se-iam com a bengala certa na caminhada. Foi decisivo conhecer Anna Harvey, ainda anos 80, já que a então responsável pela pasta da moda da Vogue britânica foi a eleita pela diretora da publicação para orientar Diana nas suas escolhas de guarda-roupa, missão que continuaria a manter mesmo depois do casamento dos príncipes, e até depois do divórcio do casal. Quando recrutou nomes como Catherine Walker, Jacques Azagury ou Versace, catapultou em definitivo o estilo de Diana de Gales para o firmamento internacional. “Ela sabe o que quer e não tem necessariamente a ver com o que está na moda”, chegou a descrever Harvey, que esteve longe de resumir esta operação ao contributo dos designers — a metamorfose e consequente ascensão a ícone não seria a mesma sem as parcerias estabelecidas com fotógrafos como Steven Meisel ou Bruce, ou sem a pena da jornalista de moda Plum Sykes, que ampararam a construção do mito.
O papel de Harvey (1944 –2018) foi tal que em 1986 a Harpers & Queen colocava-a no 23º lugar na lista das figuras mais influentes no Reino Unido, oito furos acima do próprio príncipe Carlos. Confidente de Diana, a sua carreira nas publicações da Condé Nast estendeu-se a longo de mais de três décadas, com um contributo determinante na indústria da moda.
Para quase todas as perguntas sobre Diana é possível que encontre resposta online. O escrutínio do estilo da princesa estendeu-se aos mais pontuais dos detalhes, que invariavelmente assumiam um pendor afetivo. Os olhos mais atentos terão reparado quando o seu pulso exibiu dois relógios em simultâneo, prova de apoio ao príncipe num jogo de polo. E as mais aventureiras na make up terão arrojado replicar o seu emblemático eyeliner azul, uma das primeiras imagens de marca em matéria de cosmética, que Diana haveria de abandonar a conselho da lendária Mary Greenwell, mestre de nomes como Charlotte Tilbury ou Lisa Eldridge e responsável por clientes como Victoria Beckham e Naomi Campbell.
Em entrevista, vários anos mais tarde, Greenwell haveria de explicar a transição, sem grandes mistérios, de uma penada. “Penso que beges e castanhos são bem mais bonitos. Tão simples quanto isso”, resumiu, justificando o abandono do dito eyeliner azul de assinatura, por ventura a única ou das pouquíssimas alterações mais estridentes numa imagem que se queria mais consistente. “Para alguém que está sempre debaixo do olhar do público não é muito apropriado estar sempre a mudar. Ela mudou um pouco a sua maquilhagem, mas nenhuma mudança muito dramática. Não me parece que isso funcione para alguém que está na Casa Branca ou numa família real”.
Um tricórnio para a posteridade e uma tesourada nos estereótipos de género
Apesar das origens britânicas, a jovem Diana Spencer estava longe de ser uma devota dos chapéus, exceção feita a um providencial gorro usado nos Alpes ou durante os rigores do inverno de Londres. Quando começou a namorar com Carlos, a mãe assegurou o devido upgrade nos looks da futura princesa do Povo e o progresso não seria consumado sem o dedo de John Boyd. Quando o mago chapeleiro morreu, em 2018, aos 92 anos, de entre todas as possíveis ligações com a Coroa, os títulos não hesitaram. Desaparecia o homem que transformara Diana num “ícone de moda”. “Diana frequentava a loja mas preferia estar no espaço de trabalho todo desarrumado, onde os chapeleiros faziam os chapéus”, recordava então Sarah Marshall, que há poucos anos assumiu as rédeas do negócio de Boyd, sempre discreto em relação aos seus clientes reais.
A verdade é que as regras para o uso deste acessório no seio da realeza estavam estabelecidas muito antes da aparição de Diana. Dois aspetos, pelo menos, são decisivos na escolha de semelhante peça: as abas não devem tapar o rosto e devem ser à prova de um inoportuno voo em caso de rajada. Di terá chegado a confessar a sua posterior inclinação para os chapéus, admitindo mesmo que se sentia mais confiante, mas rapidamente os modelos mais sóbrios ou previsíveis ficariam pelo caminho. Não demoraria até Diana ter direito ao seu próprio chapéu-assinatura. De tal forma que John Boyd, que foi o chapeleiro oficial da antiga primeira-ministra Margaret Thatcher e que serviu a princesa Ana desde a sua adolescência, chegou vários anos mais tarde a criar um “chapéu princesa Di” para Kate Middleton, quando esta se casou com William.
Foi das mãos de Boyd que saiu o mítico tricórnio colorido que a princesa usou depois da sua união com Carlos a caminho da lua de mel, e que haveria de tal forma ser replicado mundo fora que a arte da chapelaria saiu da estagnação. Sobre os modelos de maiores dimensões, a tradição deve-se a outro mestre do setor, o neo-zelandês Philip Somerville, que ao mesmo tempo ajudou a eliminar qualquer receio de apostar nos tons vibrantes. As escolhas deveriam ainda observar os preceitos locais, como o modelo preferido para uma deslocação ao Dubai, azul e branco, apropriado para um destino onde as mulheres não mostravam o cabelo, e ainda assim mantendo a devida toada fashion.
“Ela tinha muita noção da linguagem da roupa, e de que exprimia alguma coisa de que cada vez que vestia algo”, chegou a defender Eleri Lynn, curadora da mostra “Diana: Her Fashion Story”, um dos inúmeros momentos na história recente que permitiram folhear o livro de estilo de Diana e recuperar alguns dos looks mais emblemáticos. Sempre mais influenciadora que influenciada, para a história fica o fato de inspiração masculina que exibiu num concerto em 29 de abril de 1990, já que era a primeira vez que um elemento feminino da realeza surgia de calças num evento oficial já depois do cair do dia.
Em bom rigor, só os mais desatentos poderiam ter assumido que se tratava de um legítimo debute em termos de statement. Quatro anos antes, a princesa optara por um registo dentro do mesmo espírito para um compromisso oficial no Canadá. Nesse encontro em 1986 todas as cabeças se voltaram para apreciar o conjunto com assinatura do designer britânico Jasper Conran.
A veia andrógina era extensível a outros departamentos. Distante das longas e clássicas cabeleiras, Diana privilegiou sempre um corte curto, confiando os seus fios claros a Richard Dalton, o hairstylist que mesmo vários anos após a morte de Di mantém a discrição sobre os encontros com esta cliente especial. Coube ao seu assistente, Kevin Shanley, rubricar um dos primeiros cortes marcantes e tratar do penteado para o casamento, mas quanto a manutenção diária, foi Dalton, o mesmo que tratou dos primeiros cortes de cabelo dos pequenos príncipes, quem esteve sempre por perto, ao longo de 12 anos.
“Qualquer coisa que lhe fizesse acabava na primeira página dos jornais”, comentou à Town&Country. Richard Dalton recorda a véspera de um embarque para uma viagem por África e como Diana pretendia um corte mais curto. Em vez de despachar o assunto numa única sessão, algo que se tornaria demasiado evidente e indisfarçável da curiosidade dos media, o stylist foi aparando dia após dia, até ao resultado desejado. “Tivemos que ser muito cuidadosos. Íamos cortando um bocadinho de cada vez ao longo de várias semanas”.
As precauções eram justificadas. Afinal, muito antes deste zelo, uma imprevidência de Diana criara um imbróglio real. Foi pouco depois do nascimento do príncipe Harry — o cabelo da princesa estava mais longo do que apreciava e decidiu estrear um novo corte num grande evento real. O problema foi ter ofuscado o grande propósito desse dia em que se assinalava nada mais nada menos que a abertura do Parlamento, que acabaria por ficar em segundo plano no alinhamento dos jornais e televisões, como recorda o documentário H.M The Queen: A Remarkable Life. Para a Casa de Windsor sobrava um embaraço de pôr os cabelos em pé.
Adeus “Shy Di”. O antes e o depois do lendário revenge dress
Introduzir algum caos na coreografada ordem real sempre foi seu apanágio, mais ou menos involuntário. É difícil eleger de forma rotunda a aparição que mais sobressalto gerou mas há uma fortíssima candidata ao primeiro lugar do pódio, indicador de uma profunda revisão do estilo. O look “estou ótima, bem resolvida e a borrifar-me para tudo e todos” inscreve-se num longo historial de vestidos que patrocinaram quentíssimas pequenas vinganças. Diana não escapou à toada, aliás, o dia em que roubou todas as atenções é um dos mais memoráveis neste segmento. Caso houvesse mestrado em aparições públicas pós-traição ela terminaria as lições com distinção.
A 29 de junho de 1994, Diana é esperada no jantar da Vanity Fair na galeria Serpentine, em Londres, na mesma noite em que o príncipe Carlos abrira o jogo sobre a sua relação com Camilla Parker-Bowles, acontecimento mediático que poderia ter esgotado toda a confiança da princesa. Pelo contrário, o look deslumbrante com que apareceu no rescaldo da confissão ofuscou as confissões do marido — o assunto dominante nos jornais foi o modelo cocktail que deixava os ombros a descoberto e umas perna sem fim. Mas o mais curioso é que o revelador vestido preto desenhado por Christina Stambolian foi uma segunda escolha que se revelou providencial.
Para o evento no Hyde Park, Diana comprara um Valentino, e foi com enorme desagrado que viu a maison revelar antes de tempo o look escolhido pela princesa para esse serão. O passo, tão prematuro quando desautorizado, levou-a a mudar de planos, com a peça assinada por Stambolian a entrar em cena, para um bombástico renascer. “Era a primeira vez que as pessoas eram apresentadas à nova Diana, aquela que não precisava da família real, especialmente do príncipe Carlos”, destacou o stylist e jornalista de moda britânico Alex Longmore, num dos múltiplos ensaios sobre o icónico vestido da vingança. “Com aquele mini vestido ela transpirava confiança, felicidade e independência. Era um daqueles casos clássicos em que é a mulher a vestir o vestido e não contrário”, acrescentou.
Com a separação entre Carlos e Di a consumar-se em dezembro de 1992, o processo de divórcio conseguiria arrastar-se por mais quatro penosos anos, tempo empregado por Diana a modernizar o seu guarda-roupa e a cultivar ao detalhe a imagem de emancipação.
Silhuetas estilizadas, uma carteira Dior e a vida depois do divórcio. Chanel? Não, obrigada
Foi preciso esperar até esses meados dos anos 90 para que Diana encontrasse por fim o seu estilo, com a ressurreição pós-divórcio. Os próprios anos 80 ficavam arrumados no fundo do armário, com todos as suas silhuetas excessivas e os color block que haveriam de ser resgatados vários anos mais tarde. A sobriedade dos tons e dos cortes e o minimalismo contagiavam um leque de escolhas mais maduras. Os tempos foram do elogio do blazer, dos vestidos de ombros a descoberto, bem mais justos, entre a sofisticação e a ousadia, e mesmo das inspirações militares. O triunfo esteve muitas vezes à distância de uma básica mas eficaz combinação: t-shirt branca e jeans, muito em linha com as preferências que as grandes topmodels dos idos anos 90 desfilavam por aí.
A reinvenção não ficaria concluída sem os acessórios-chave, sabendo-se de antemão que se usar uma boa carteira é um ponto distintivo, possuir uma com o nosso nome é o cúmulo do elogio. O enamoramento entre a princesa e a Dior remonta a 1995 e uma viagem oficial a Paris, quando a antiga primeira dama Bernardette Chirac presenteou Diana com uma Chou Chou, que a maison francesa — pela primeira vez e presumivelmente em tempo recorde –confecionara em pele, reproduzindo o logo e os pendentes que desde logo cativariam Di. De regresso a casa, não só a usaria noite e dia como acabaria por trazer várias Dior depois de umas compras nos armazéns Harrods.
Num ápice tornar-se-ia uma companheira de estimação da princesa, espelho da sua renovação e do enterro definitivo de uma tímida Diana. Ainda em 1995 levaria a sua Dior até Liverpool, harmonizada com um fato de saia e casaco tangerina com etiqueta Versace. No ano seguinte, a carteira não abandonou o seu pulso quando esbanjou charme num slip dress Galliano em plena Met Gala. E assim a Chou Chou alcançava o estatuto de it bag, voou de todas as lojas Dior mundo fora, e acabou rebatizada: Lady Dior, uma homenagem à renascida Diana Spencer, sensível a uma série de recriações artísticas ao longo do tempo.
Quanto ao calçado, a Rayne Shoes, a mais antiga marca de sapatos para senhora no Reino Unido, mantinha-se entre as preferências quer da rainha quer de Diana, que escolheu um modelo bicolor para se encontrar com madre Teresa de Calcutá em 1997. Nesse mesmo ano, agora em viagem a Angola, chegou a discursar com uns ténis Superga. Como em quase tudo, Diana nunca se fixou num objeto ou marcas únicas, oscilando entre estilos e fases da vida. Se a dado momento os stilletos haveriam de perder terreno face aos kitten heels, a sensualidade subiria em flecha após a separação, com as criações de Manolo Blahnik e Jimmy Choo a fazerem parte do alinhamento obrigatório. Em 2018, Diana Clehane, autora de Diana: The Secrets of Her Style , lançado 20 anos antes, apontava o único tipo de calçado que Diana jamais usou: sandálias ou outros sapatos que mostrassem os dedos. Quanto às impecáveis pernas da modelo, sempre que a rainha não estava por perto atreviam-se a dispensar as meias.
Lições de athleasure antes do athleasure e as homenagens dos designers
Em passo acelerado, a caminho do ginásio, num compromisso sempre desafiante entre bike shorts (que tiveram o seu revivalismo há não muito tempo), sweatshirts e mais umas quantas carteiras statement. Em agosto, para a Vogue francesa, Hailey Bieber recriava alguns dos mais icónicos e casuais momentos de estilo de Di, fotografada por Gregory Harris e com o styling de Virginie Benarroch, para um encontro de gerações que, mais uma vez, recuperava o papel decisivo de Diana em territórios ao mesmo tempo tão prosaicos como relevantes como o streetwear.
De resto, já em dezembro de 2019, Hailey aproveitava o balanço e emulava o combo botas, sweatshirt, blazer oversized e boné, saído do baú de 1989, revisitando alguns dos instantes mais memoráveis da malograda princesa, muitos deles em fuga dos flashes dos fotógrafos.
Atlética como poucas, Diana anima o melhor do athleasure mesmo antes da expressão se intrometer no guarda-roupa de milhões. Acima de tudo, prática, em particular depois da maternidade, numa legião de cenários que hoje podem ser recriados. E se há coisa que não falta é inspiração visual, não tivesse sido uma das mais documentadas da história moderna. “Devido à ausência de legislação para a a captação de figuras públicas pelos paparazzi, Diana foi hiper fotografada. Há um excesso de imagens dela incrível, especialmente depois do divórcio. Diana celebrou a separação obedecendo ainda a um protocolo mas já bastante aliviado“, recorda Joana Barrios, lembrando como essa originalidade face a outras figuras da realeza passava por um físico invejável que reforçava ainda mais o sex appeal. “Há certas regras que nunca vai quebrar mas é dos primeiros membros da realeza com uns braços ou pernas musculadas. Ela encarna uma espécie de ideal renascentista num mundo que está evoluir para aquilo que é hoje: super filmado, super documentado, datado, explicado. Por um lado é assustador. Toda a gente sabe onde estava quando Diana morreu e toda a gente se lembra dos outfits dela, sobretudo os pós-divórcio.”
Da mais requintada alfaiataria às versões mais desportivas, as suas escolhas ainda hoje contaminam a fast fashion. Em 2016, Sharmadean Reid desenhava uma coleção para a ASOS, centrada nesse ideal de sportswear com toque de luxo e sintonia com os preceitos contemporâneos. Dois anos mais tarde, a coleção de primavera da Off-White acomodava com o dedo de Virgil Abloh algumas das criações mais sonantes de Diana — com Naomi Campbell a ressuscitar essa combinação entre um blazer branco e leggings, piscando o olho a uma princesa em modo ora formal ora off duty. Em 2019, era a vez de Tory Burch importar algum do estilo de Di dos anos 80 para o seu desfile na Semana de Moda de Nova Iorque.
E se pensa que a influência exercida se cinge ao público feminino, não podia estar mais enganado. Marcas masculinas como a Rowing Blazers Moodboard ou o designer F. E. Castleberry reveem-se nas imagens de uma ultra feminina Diana com as suas Chelsea Boots e blusões Barbour. Em abril de 2019, a GQ não hesitava na atribuição da coroa: “A princesa Di é a verdadeira rainha do streetstyle“.
Diana em leilão. Do Travolta dress à camisola Virgin, que siga a dança
Corria ainda 1985 quando Diana se afastou por completo de eventuais zonas de conforto e mergulhou de cabeça num vestido de veludo midnight blue de Victor Edelstein. O pretexto era a visita de Estado que o casal fazia aos EUA e o encontro com o então presidente Ronald Reagan e com a primeira-dama Nancy — e a nota dissonante em relação aos sóbrios fatos usados durante o dia foi evidente. Desse serão, sairiam algumas das mais memoráveis imagens de Diana com John Travolta. Aparentemente, o único e grande desejo expresso pela princesa para essa deslocação ao outro lado do Atlântico era dançar com o conhecido ator.
O vestido entraria na posteridade como Travolta dress e é apenas um dos exemplos recentes de como quase 40 anos depois o nome de Diana continua a vender como poucos, depois dessa dança ao som de “You Should Be Dancing”, de Febre de Sábado à Noite. A 9 de dezembro de 2019, foi leiloado na casa londrina Kerry Taylor, mais uma amostra dos muitos euros, ou libras (neste caso mais de 350 mil), que Diana Frances Spencer ainda vale à luz dos dias de hoje.
E se preferir algo mais vestível mas com não menos valor estimativo, pode sempre contar com peças como a camisola que Di levava para o ginásio, uma das mais fotografadas de sempre — em todo o caso prepare-se sempre para desembolsar largos milhares. Na circunstância, o presente oferecido por Richard Branson, com o símbolo da Virgin Atlantic, foi vendido também há poucos meses por mais de 42 mil libras.
O acessório foi cedido por Jenni Rivett, antiga personal trainer de Diana, a quem a Princesa do Povo oferecera a camisola poucos meses antes de morrer, em Paris, em 1997. Monetizável ao limite, a lista de itens que já engrossou catálogos de exposições ou foi escoada ao longo dos anos é extensa, incluindo um lote em 2013 do qual fazia parte outra escolha que ajuda a compor o perfil de Diana, o vestido preto Catherine Walker que envergou frente à objetiva de Mario Testino, nessa célebre produção para a revista Vanity Fair, em 1997, no palácio de Kensington, que revela a dimensão de Diana enquanto celebridade.
Qual estrela de cinema, também o vestido sem alças inspirado em Grace Kelly em Ladrão de Casaca, também com assinatura Catherine Walker, e que Diana usou em 1987 no Festival de Cannes, acabaria arrematado por mais de 80 mil libras.