Olá

869kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Tancos. Vasco Brazão é "manipulador"? MP quis perícia em segredo, mas o major recusou responder

Procuradores de Tancos pediram perícia ao ex-porta-voz da PJ Militar sem que ele próprio soubesse que suspeitavam que era "manipulador". Mas Brazão recusou fazer o exame e agora optou pelo silêncio.

Dois meses antes de formalizar a acusação do caso Tancos contra 23 arguidos, o Ministério Público quis fazer uma perícia à personalidade do major Vasco Brazão, tido como um dos principais mentores da operação encenada que levou à recuperação de material de guerra. Com uma particularidade: o militar seria notificado para comparecer no Instituto Nacional de Medicina Legal, mas não lhe podiam ser comunicados os quesitos dos exames — os pontos a avaliar. Justificação? Um dos parâmetros a ser avaliado seria precisamente o seu “estilo manipulativo” e, caso soubesse o que a polícia procurava, poderia conseguir enganar os peritos. O exame acabou por nunca ser feito.

Vasco Brazão, que até à fase de instrução do processo prestou sempre declarações às autoridades e que na comissão parlamentar de inquérito ao caso disse mesmo que iria “contar toda a verdade, doa a quem doer”, tinha encontro marcado esta segunda-feira com o juiz Carlos Alexandre. Mas, na sexta-feira, a audiência de instrução — uma fase em que o magistrado analisa o caso para decidir se ele deve seguir para julgamento — acabou por ser cancelada. Isto porque, apurou o Observador, o militar informou o juiz que iria mesmo remeter-se ao silêncio. Aliás, a opção de chamá-lo partiu do próprio Carlos Alexandre, uma vez que o ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar (PJM) nem sequer tinha pedido para ser ouvido, ao contrário de outros arguidos.

O advogado do major Brazão, Ricardo Sá Fernandes, informou o tribunal que o seu cliente não iria falar

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Esta postura foi diferente daquela que manteve ao longo de todo o processo e que levou a Polícia Judiciária, em julho de 2019, a pedir ao MP que mandasse o arguido ser alvo de uma perícia à sua personalidade. Naquela altura, os inspetores já tinham ouvido dezenas de testemunhas e o que elas diziam não batia certo com o discurso do próprio Vasco Brazão. Se, por um lado, o militar dizia que se limitou a cumprir ordens superiores, por outro, os seus colegas descreviam-no sempre como manipulador — manipulando até o ex-diretor da PJM, também arguido no processo. “Depoimentos de várias testemunhas mostram que a personalidade de Vasco Brazão não se coaduna com essa atitude que o mesmo pretende fazer transparecer para os autos”, lê-se no pedido da PJ enviado a 5 de junho ao MP, que consta no processo e a que o Observador teve acesso.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Tancos. Juiz Carlos Alexandre quer ouvir todos os arguidos, mas os primeiros dois não quiseram falar

Nesse pedido de perícia psicológica “em termos de relacionamentos interpessoais e processos mentais deste arguido” para obter “o perfil de personalidade”, a PJ estabelece mesmo os quesitos que devem ser analisados pelos peritos: “volubilidade/encanto superficial, sentir grandioso de si próprio, estilo manipulativo, ausência de remorsos ou sentimentos de culpa; superficialidade afetiva; ausência de empatia; não acatamento de responsabilidades pelas suas ações; impulsividade; irresponsabilidade; egocentrismo; natureza da relação profissional com os seus subordinados, com os pares e com os seus superiores”. Quesitos que, de acordo com o psicólogo criminal Carlos Poiares ao Observador, se coadunam com “critérios de diagnóstico de perturbação antissocial, o que na gíria aparece como um quadro de psicopatia”, diz o especialista sem conhecer o processo em causa.

"Depoimentos de várias testemunhas mostram que a personalidade de Vasco Brazão não se coaduna com essa atitude que o mesmo pretende fazer transparecer para os autos."
Pedido da PJ enviado ao Ministério Público

Para fundamentar as suas suspeitas, a PJ descreve alguns testemunhos ouvidos durante o processo. Um deles é do capitão Bengalinha, o inspetor da PJM que tomou logo conta da investigação no dia em que foi detetado o furto em Tancos — mas que acabou afastado, passando o dossier para Brazão. “É uma pessoa com uma excelente capacidade de persuasão, manipulador, com alguma assertividade e com enorme ascendente sobre o diretor-geral”. Este ascendente seria também referido à PJ pelo tenente-coronel Donato Helder da Costa, da PJM: “Bastante manipulador, o que acontecia, também, relativamente ao diretor-geral Luís Vieira”. E pelo tenente-coronel Amílcar dos Anjos Reis: “Usava o medo que os mesmo nutriam face a si para levar a sua vontade avante”.

Brazão ficou com a investigação, na PJM, ao furto de Tancos, depois de ter tido o caso dos Comandos

PAULO CUNHA/LUSA

“Se a realidade contida nos autos é, por si só, suficientemente demonstradora da participação ativa, determinante e imprescindível do arguido Vasco Brazão tanto nos atos materiais que conduziram à recuperação do material de guerra, na Chamusca, na noite de 17 para 18 de outubro de 2017, como também  na conceção e planificação do plano criminoso que conduziu à consecução daqueles factos criminosos, a verdade é que, em obediência ao princípio da investigação, princípio basilar do Direito Processual Penal Português, impõe-se que a investigação realize todas as démarches investigatórias que se revelem importantes e necessárias”, escreve a PJ no pedido, explicando que é preciso destrinçar se Brazão é o “tipo de funcionário que, ao receber uma ordem, a cumpre cegamente, sem qualquer reação, sequer, preocupação em sindicar a legalidade da mesma, ou se, pelo contrário, não é um ‘subordinado fácil'”, como o próprio se descreveu às autoridades.

"Como tenho o direito ao silêncio informo que não estou disponível para responder às perguntas (...) porque isso interfere no meu direito em manter-me calado."
Major Vasco Brazão

A resposta do Ministério Público seria assinada pela procuradora Cláudia Oliveira Porto a 11 de julho de 2019. Além de autorizar o pedido de perícia, a magistrada ordenou que os serviços de saúde fossem avisados para que o arguido não tomasse conhecimento dos quesitos que estavam em cima da mesa na sua avaliação, de forma a tornar o resultado “fidedigno”. “Requeremos que não seja dado conhecimento ao arguido do teor da presente promoção”, lê-se no despacho. O que para Carlos Poiares, “é normal” nestes casos.

Tancos. Vasco Brazão foi condenado a pagar multa por recusar perícia à personalidade

No processo consultado pelo Observador consta, também, um pedido de autorização do major Brazão, a 30 de julho de 2019, para poder sair de casa — onde se encontrava, à data, em prisão domiciliária — a fim de comparecer em consultas de psicologia e psiquiatria em nada relacionadas com a investigação. Pedido que foi autorizado.

O Instituto de Medicina Legal marcou, então, para 30 de agosto desse ano a perícia, mas o militar acabaria por faltar. O tribunal foi, por isso, contactado pelos serviços de saúde, que deram conta da falta, e reagendou os exames para o dia 12 de setembro. Três dias antes, a técnica de justiça ainda telefonou para Brazão a avisá-lo e deixou uma mensagem. Também ligou do seu telemóvel pessoal, mas não obteve qualquer resposta por parte do arguido. O tribunal acabou por notificar o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, da data para exame. O ex-porta voz da PJM compareceu na morada indicada pelo tribunal, mas depois de ter sido informado da natureza da “perícia e metodologia” pela perita recusou fazê-la.

“Como tenho o direito ao silêncio informo que não estou disponível para responder às perguntas (ilegível) porque isso interfere no meu direito em manter-me calado”, lê-se na declaração escrita à mão por Vasco Brazão.

Dias depois , a 25 de setembro, seria formalmente acusado dos crimes de associação criminosa, tráfico de armas, denegação de justiça e prevaricação.

No mesmo pedido que a PJ fez ao MP para a perícia, os investigadores deixaram claro o que até aquele momento tinham conseguido na investigação, com provas suficientes que indiciariam que Brazão seria “uma peça fundamental na engrenagem montada com o objetivo de recuperarem, sem sustentação legal, o material militar de guerra furtado em Tancos”. Sublinhavam, sobretudo, os registos telefónicos que colocam Vasco Brazão a participar em reuniões, conjuntamente com os coarguidos da PJM, Pinto da Costa e Mário Lage de Carvalho, e da GNR de Loulé, Lima Santos, Bruno Ataíde e José Gonçalves, para delinearem aquilo que a acusação agora diz ser um plano criminoso para recuperar as armas furtadas de Tancos. Nesta altura, já a PJ tinha Bruno Ataíde como elo de ligação a João Paulino, acusado de ser autor do furto. A PJ chega mesmo a chamar aqueles que trabalharam com Brazão como os seus “correlegionários”.

Brazão acabaria por dizer às autoridades aquilo que disse no gabinete do ex-ministro da Defesa, quando foi recebido pelo general Martins Pereira, chefe de gabinete de Azeredo Lopes: que levou esta operação policial avante porque foi uma condição do informador, Fechaduras, para dar a localização das armas. E que, sendo Fechaduras também informador da PJ civil, temia que a sua família sofresse represálias.

Como a Judiciária Militar investigou ilegalmente o caso de Tancos — nas palavras de um dos investigadores

Azeredo Lopes acusa Brazão de ser um “mitómano”

Também no processo constam descrições de outros arguidos e do próprio MP que tentam derrubar a tese que  Brazão apresentou em sua defesa até agora, aquela de que estaria a cumprir ordens superiores quando avançou para a investigação ao furto de armas em Tancos — contra o estipulado pela Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, que decidira dar a investigação à PJ Civil, alegando podendo estar em causa o crime de terrorismo. “Nunca fui carreirista, sempre cumpri as ordens. Entendi aquilo como uma missão a cumprir, porque o diretor não se cansava de dizer que a questão da competência viria mais cedo ou mais tarde para o nosso lado”, disse o major Vasco Brazão na comissão parlamentar de inquérito ao caso, declarações que foram também usadas no processo-crime.

“Nunca fui carreirista, sempre cumpri as ordens. Entendi aquilo como uma missão a cumprir, porque o diretor não se cansava de dizer que a questão da competência viria mais cedo ou mais tarde para o nosso lado.”
Major Brazão

No parlamento, o ex-porta-voz da PJM, que contou como ele e uma equipa de inspetores da PJM fizeram várias diligências de investigação, juntamente com a GNR de Loulé, paralelamente à PJ civil, chegou a afirmar que o então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, sabia de tudo. O ex-governante, que acabaria por demitir-se um ano após a recuperação das armas e que foi também acusado agora no processo-crime, disse ao juiz de instrução que Brazão não dizia a verdade. “Acho que há aqui um momento de alucinação. Já vi coisas que mostram que não é uma coisa… É um mitómano… eu não posso responder pela alucinação de um indivíduo que nunca me viu”, disse.

Vasco Brazão disse no parlamento que o então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, sabia de tudo

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Vasco Brazão continua a utilizar a internet, mesmo sem poder

O Ministério Público também não foi parco nas palavras quando, em abril de 2019, Brazão pediu ao Tribunal da Relação que reavaliasse a sua prisão domiciliária e o pusesse em liberdade, como fez com o seu superior, o ex-diretor da PJM, Luís Vieira. Àquele tribunal superior, o MP lembrou que o arguido continuou a ser escutado entre janeiro e abril de 2019 e que, pelas escutas, a PJ, se apercebeu como ele usava a comunicação social para “passar mensagens a outros militares”. Naquela altura, reforçava o MP, continuavam a aparecer na investigação várias testemunhas “intimidadas, receosas e que frequentemente dizem aos Magistrados e Inspetores que as inquirem não escreva isso, por favor, analisando, escrupulosamente, as palavras que dizem e ficam escritas, os pormenores que fornecem, escolhendo sinónimos mais suaves, com conotação menos negativa, nitidamente com receio de represálias futuras.”

E o medo neste processo não foi transmitido apenas por testemunhas, segundo o MP. “Alguns arguidos confessam, fora das gravações, ter receio de contar tudo o que sabem, apresentam-se titubeantes na decisão de prestar ou não declarações, medindo as possíveis consequências dessa decisão, até do ponto de vista profissional, interno, ao nível da instituição de origem”, lê-se na resposta do MP.

Os responsáveis pela investigação que está agora a ser instruída por Carlos Alexandre lembram mesmo aos juízes desembargadores que Vasco Brazão foi impedido de, em prisão domiciliária, usar a internet precisamente para impedir contactos com arguidos, testemunhas e militares em plataforma de conversação. Medida que não estaria, à data, a cumprir.

Testemunhas dizem que o major Brazão tinha um grande ascendente sobre o então diretor da PJM, Luís Vieira

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

“O arguido, ora recorrente, utiliza, despudoradamente, a internet, manifestando um total alheamento e desrespeito pela decisão judicial do juiz de instrução Criminal, sendo certo que entre essas sessões medeia quase três meses, o que evidencia ser um comportamento que tem vindo a perdurar no tempo. O arguido não só desobedece, totalmente, à decisão do Juiz de Instrução, como, ainda, se apresenta, perante o Tribunal da Relação de Lisboa e perante os Venerandos Desembargadores com uma postura de inocência e bom comportamento de que sabe não ser merecedor”, escreve.

“É uma pessoa com uma excelente capacidade de persuasão, manipulador, com alguma assertividade e com enorme ascendente sobre o diretor-geral."
Capitão Bengalinha

A tese do Ministério Público não foi totalmente acolhida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que acabou por revogar a prisão domiciliária, mas manteve as outras medidas de coação, como a proibição de contactar com outros militares ou de utilizar a internet. Para os desembargadores, estando Brazão suspenso de funções da PJM, não há “perigo de continuação da atividade criminosa”. “Neste aspeto, propendemos a concordar com o recorrente, sobretudo tendo em conta que todos os crimes indiciados foram praticados no exercício das funções que então desempenhava”, decidiu o tribunal superior.

Tancos. Azeredo deixou consequências para a PJM nas mãos da Procuradora-Geral

Na decisão é também argumentado que “foram, entretanto, detidos os arguidos suspeitos da prática do crime de furto das armas de Tancos e do tráfico subsequente, já decorreu o tempo necessário para que o Ministério Público (MP) procedesse às perícias ao computador do recorrente e à demais documentação e que apesar do tempo decorrido, tem cumprido escrupulosamente as obrigações a que está adstrito”. “Efetivamente, mantendo-se a proibição de contactos ordenada em sede de primeiro interrogatório judicial, bem como a proibição de utilização da internet — aliada, claro, à suspensão de funções — afigura-se que o perigo de perturbação do inquérito fica obviado”, lê-se.

O processo de Tancos  terminou em 23 acusações, entre suspeitos do furto, arguidos da PJM e da GNR que recuperaram as armas e o ex-ministro da Defesa. Esta semana, o juiz Carlos Alexandre continua a ouvir testemunhas..

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.