A mesa do Congresso do PS em Portimão, no final de agosto passado, foi apenas uma parte desta história. Os quatros nomes que se posicionam no futuro do PS — com mais ou menos tropas e mais ou menos vontade — vão estar todos juntos, mas agora na mesa do Conselho de Ministros. António Costa tem pela primeira vez no Governo não só Pedro Nuno Santos e Mariana Vieira da Silva, como também Fernando Medina e Ana Catarina Mendes. A preparação da geração seguinte segue marcha.

Um mantém-se intocável — e reconhecido — na sua pasta, Pedro Nuno Santos, outra é reforçada nas funções e passa a coordenar a task force para a recuperação, Mariana Vieira da Silva, e outros dois entram finalmente num Executivo liderado por António Costa: Fernando Medina e Ana Catarina Mendes. Todos sempre na órbita do líder, com graus diferentes de proximidade e confiança, mas agora todos efetivamente onde Costa considera essencial estar para quem quer chegar ao topo: a acumular experiência governativa.

Sempre que é questionado sobre a sua sucessão no PS, a resposta é invariavelmente a mesma. Costa desvia-se de deixar transparecer preferências, jura que nada quer ter a ver com o caso e que tem apenas como objetivo deixar preparada uma geração tal como aconteceu com líderes anteriores. Vítor Constâncio/Jorge Sampaio/António Guterres/Eduardo Ferro Rodrigues; José Sócrates/António José Seguro/António Costa/Francisco Assis são alguns dos nomes que se foram perfilando no passado e neste momento, Costa parece convencido de estar a preparar a fornada que se segue.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o novo Governo.

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Com este Governo Costa fica 4 anos ou sai antes?

Em dezembro, em pré-campanha, numa entrevista à CNN Portugal, o socialista deu tempo à era pedronunista, quando questionado sobre se Pedro Nuno pode ser um candidato à sua sucessão: “Sim, é provável, tem boa idade para no futuro, se for essa a vontade da generalidade dos socialistas, que seja ele”. Não para já, porque o tempo é seu, como aliás fez questão de dizer ao próprio no congresso de 2018, na Batalha, ao afirmar alto e bom som que ainda não tinha metido os papéis para a reforma, numa reunião socialista que o seu então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (e pivot da “geringonça”) estava a fazer por marcar. O aviso foi bem percebido e Pedro Nuno recolheu, embora sem nunca se retirar do terreno onde continua a povoar estruturas de pedronunistas, o que será fundamental quando chegar a hora.

O líder do PS disse aí e mostrou nos anos seguintes que a sua vontade de sair ainda vem longe. E agora a maioria absoluta fez com que tivesse de enterrar os pés no solo nacional por mais tempo do que equacionaria há uns meses, quando o Governo que estava em funções tinha ainda dois anos pela frente e o seu término aparecia precisamente junto das mudanças de cenário em Bruxelas (as Europeia, que põe o calendário e os altos cargos europeus a contar, serão em 2024) — o destino que todos pintam a Costa e que o próprio nunca desmentiu. Apenas terá adiado.

No entretanto, vai cozinhando os tempos seguintes convencido, como já disse no passado, que “teria sido um primeiro-ministro completamente diferente se não tivesse sido secretário de Estado, se não tivesse sido primeiro-ministro, se não tivesse sido presidente da Câmara. Chegar a primeiro-ministro sem experiência governativa é um enorme risco”, sintetizou sobre  o que se exige para a geração que se seguir.

“Uma das preocupações que tenho tido, e acho que tenho sido razoavelmente bem sucedido, enquanto líder também do PS, é ter procurado criar oportunidades para toda a a gente das novas gerações poderem ganhar experiência e, com isto, o PS poder para o futuro – e para o presente – ter quadros altamente qualificados que assegurarão a governabilidade”.

É neste entendimento que António Costa tem do xadrez político que vai colocando as peças em campo. Um tabuleiro onde também há quem, no PS, inclua outras figuras que surgiram promovidas nesta nova fase, como a de Duarte Cordeiro (ministro do Ambiente) ou a de Pedro Adão e Silva (ministro da Cultura) ou mesmo a de João Torres, que foi escolhido por Costa para seu número dois no PS, o secretário-geral adjunto. Já para não falar de uma das mais recentes militantes socialistas, Marta Temido (mantém-se na Saúde) que no último congresso saiu não só com o cartão de militante entregue pelo próprio líder como com alento para ser o que quiser no partido, a galope do relevo político ganho com a gestão da pandemia. Mas há quatro com caminho mais aberto para assumir a liderança no futuro:

Pedro Nuno Santos. De jovem turco a incontornável no núcleo duro

De uma relação que colapsou quando, no início de 2013, António Costa travou a fundo a intenção de avançar para a liderança socialista desafiando António José Seguro, à proximidade cravada na “geringonça”. Depois da Comissão Política Nacional do PS em que Costa entrou para desafiar Seguro e saiu recolhido, Pedro Nuno Santos não escondia o seu desapontamento, já que defendia uma mudança de liderança no PS. Teve de esperar mais de um ano para que tudo se efetivasse e ainda mais um ano para chegar ao ponto que até ele considerava impensável: uma solução governativa de esquerda. Não só aconteceu, em 2015, como foi ele o escolhido por Costa para coordenar essa mesma solução, a “geringonça”.

Os dois anos que se seguiram foram de rendição mútua. E apesar de, depois da tal reprimenda da Batalha (a dos papéis para a reforma), a relação ter esfriado, Pedro Nuno Santos nunca deixou de fazer parte do núcleo duro de Costa e, em fevereiro de 2019, foi mesmo promovido a ministro, ficando com a pasta das Infraestruturas e dossiês tão decisivos como o da TAP.

A sua preponderância política no Governo foi crescendo e a relação com o líder deixou de ser a do jovem turco de 2013 que ansiava por um desafiador do segurismo que puxasse o PS à esquerda. Os planos estão mais equilibrados e Pedro Nuno tornou-se naturalmente incontornável no núcleo político do atual PS. E — não esconde — com os olhos postos no futuro, que não tem pressa de pegar. Por agora.

Fernando Medina. O regresso ao jogo político

Até às últimas autárquica era um nome certo na linha da sucessão, mas o resultado em Lisboa foi um balde de água fria para todo o PS e também para qualquer ambição política que se colocasse a Fernando Medina. Entretanto, a maioria absoluta de Costa trouxe-o de volta à primeira linha, numa pasta central em qualquer Governo — onde não ganhará a simpatia dos seus pares, mas onde pode ter possibilidade de deixar marca.

Para já, o trabalho não se avizinha o mais simples: não só tem de apresentar um Orçamento do Estado a breve prazo, o de 2022, como é apanhado no começo de uma conjuntura internacional que envolve uma guerra, com as consequências que já se sentem nos indicadores económicos, como a inflação. Por enquanto tem as regras de Bruxelas suspensas, mas a trajetória de redução da dívida e a contenção do défice continuam a ser objetivos de Costa que pressionará o seu ministro.

O líder socialista pode não ter deixado a Medina a pasta mais fácil na atual conjuntura, mas trouxe-o de volta para o centro político de onde as autárquicas em Lisboa o tinham deixado arredado sem data certa de regresso — ainda que o seu nome fosse logo colocado como possível reforço do Executivo anterior numa qualquer remodelação (e estava prevista uma até ao final de 2021). Dos quatro é o único que trata o primeiro-ministro por tu, a relação entre os dois estreitou-se especialmente nos tempos da Câmara de Lisboa. Medina faz parte do círculo de confiança de António Costa e agora é também o seu braço político numa pasta onde, nos últimos anos, o primeiro-ministro encontrou sempre pela frente interlocutores com um perfil mais técnico e com menos sensibilidade para as urgências e estratégias políticas. O desempenho será decisivo para o day after do costismo, seja ele o da liderança do PS, seja o de outros voos como uma candidatura a Belém, onde também tem sido colocado (e que Costa faz questão de dizer sempre que é lugar que não ambiciona e, por isso, vai estando vago para o socialista que o quiser aquecer).

Mariana Vieira da Silva. Um delfim de eleição

A sua carreira política começou com Costa, cimentou-se com Costa e disparou com Costa. Começou como secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, passou a ministra da Presidência e aí se mantém mas com uma super pasta que acumula não só o Planeamento e a coordenação da task force da governação, como também a Administração Pública (basicamente assumiu as tutelas que estavam em dois ministérios que foram extintos). Subiu vários degraus até ao posto que agora ocupa: número dois do Governo de António Costa — o que na prática já era, tendo em conta que o primeiro-ministro não a dispensa de nenhuma questão da coordenação política (e não só) dos seus Executivos.

Não há filhos preferidos, mas se houvesse delfins de eleição, Mariana Vieira da Silva era a de Costa. O primeiro-ministro não se coíbe de dizer aos seus mais próximos que Mariana é a melhor preparada para o cargo que é seu, mas também sabe que há um condimento essencial na política: carisma. E Mariana Vieira da Silva é um elemento de bastidores, pouco dada a holofotes e com tal discrição que, por vezes, evidencia até desconforto em momentos de maior exposição. Uma desvantagem política, mas que é uma vantagem naquilo que Costa mais valoriza em quem trabalha consigo. Isso além da elevada capacidade de trabalho, organização e ponderação. É uma conselheira de que não dispensa e que se diverte ao lançar para lutas futuras pela liderança do PS, apesar de saber que não é esse o seu espírito.

Certo é que, no ano passado em entrevista ao Observador, quando foi questionada sobre esse cenário Mariana Vieira da Silva deu uma resposta diferente pela primeira vez. “Na primeira entrevista que me fizeram quando estava a elaborar o programa eleitoral em 2015, perguntaram-me se eu estava a pensar ir para o Governo e na altura ri-me. Isso corresponde a um certa maneira de as pessoas estarem na vida. Estou sempre muito concentrada no que estou a fazer. Não faz sentido dizer que estou ou não estou nesse grupo. Acho que é demasiado cedo. Não vou dizer nem uma coisa nem a outra”. Não descartou a hipótese colocada e isso foi notado no PS.

Ana Catarina Mendes. À terceira foi de vez

Esperou seis anos e alcançou um Ministério neste Governo. Num Governo com uma maioria absoluta, a pasta dos Assuntos Parlamentares poderia ser vista — e é — como pouca uva para quem aguardou tanto tempo por uma promoção desta natureza, mas Ana Catarina Mendes vai ser também Adjunta do primeiro-ministro e ainda com uma tutela importante nos tempos que correm, a das migrações. Está na coordenação política do Governo, anos depois de integrar o núcleo político do PS de Costa, fazendo parte das reuniões de coordenação política das terças-feiras, tanto quando foi secretária-geral adjunta do PS como no tempo em que foi líder da bancada parlamentar.

Quando se fala no pós-costismo o seu nome aparece também naturalmente, pelo percurso nos últimos anos — promovido por António Costa, que não a chamou para nenhum dos dois primeiros governos, deixando-a, no primeiro, a tomar conta do partido e, no segundo, a gerir a bancada parlamentar. Foram movimentos que demonstraram confiança, mas que com o passar dos anos sabiam a pouco. Nesta fase a pressão já era grande para que Ana Catarina Mendes integrasse um Executivo e se Costa tenta não evidenciar preferências para a sua sucessão, já não é tanto assim com quem não considera ter perfil. Uma nova exclusão desta socialista daria, por isso, azo a todo o tipo de interpretações.

Em 2019, depois de revelados múltiplos casos de ligações familiares no Executivo de Costa (o family gate), o líder socialista criou uma regra que acabou por adiar a entrada de Ana Catarina Mendes no Governo: esvaziou o Executivo que escolheu em 2019 de situações do mesmo género. Ora, o irmão de Ana Catarina é António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Desta vez, essa questão terá sido ultrapassada e a socialista tem finalmente a possibilidade de “acumular experiência governativa”, a tal condição que António Costa considera fundamental para quem quiser ser candidato a primeiro-ministro. Mas isso só num futuro em que ele mesmo já não esteja interessado no cargo.