António Costa tem sempre uma agenda preenchidíssima. Rio tem duas ou três ações por dia. Costa é frenético e quer falar com tudo o que mexe. Rio sorri e acena. Costa ataca. Rio queixa-se e depois ataca os ataques. Costa assusta com Passos. Rio responde com Sócrates. António Costa teve Pedro Nuno Santos. Rui Rio teve Luís Montenegro e uma curtíssima aparição de Paulo Rangel. Os dois mostraram o que têm: partidos em suspenso com o que pode acontecer no dia 30 de janeiro.
O Observador acompanhou o fim de semana de campanha dos dois e cruzou os dias de ambos precisamente no período onde aconteceu uma viragem nas intenções de votos (Rio em primeiro, Costa em segundo) que logo depois revirou (Costa em primeiro, Rio em segundo). Seja como for, a perceção nas duas campanhas é de que a disputa está taco-a-taco e de que isto pode virar para um lado ou para outro.
O resto são dinâmicas e estratégias próprias. Costa parece que tem de ganhar as eleições. Rio parece só precisar de não as perder. Os papéis, de alguma forma, inverteram-se: Costa vestido de líder de oposição a tentar encurtar distâncias para o primeiro-ministro em funções; Rio no fato de chefe de governo que acredita que não é preciso fazer muito para manter o poder.
As aparências iludem. Apesar da energia colocada em campanha, Costa não perde uma oportunidade de jogar com a autoridade de primeiro-ministro e os riscos da instabilidade; apesar da aparente complacência com que tem feito esta corrida, Rio montou uma campanha minimal, mas profissional: sem dramatização, com vitimização, sem espaço para cometer erros, sem trazer temas fraturantes, com pimba e simpatia q.b. para aparecer na TV.
E os dois estão constantemente a registar a eficácia da mensagem (verbal e não só) a cada momento. As comitivas de ambos fazem marcação cerrada, renovam estratégias, comparam magotes de gente, medem bandeiras e fazem incursões no terreno quando sabem que o adversário vai lá a seguir. Todos os votos contam.
Sábado, dia 22 de janeiro
10h00 Rui Rio arranca o fim de semana sem qualquer ação na manhã de sábado. Acabou o dia anterior na cidade de Coimbra e fez-se à estrada para participar no programa de Ricardo Araújo Pereira, nos estúdios da SIC, suspendendo por umas horas a campanha. De resto, o humorista começou a conversa a dois precisamente por aí: o líder social-democrata preferiu percorrer 200 quilómetros para participar numa “fantochada” já depois de ter faltado ao debate entre candidatos organizado por algumas rádios alegando falta de tempo e espaço na agenda.
Mas a “fantochada” de Ricardo Araújo Pereira tem um potencial que nenhum outro debate tem ou terá: os convidados recebem o guião das perguntas, ensaiam algumas graçolas e tentam mostrar um lado mais informal, mais humano, a uma audiência incomparavelmente maior – a edição com Rui Rio foi o programa mais visto do dia, com mais de 1 milhão e 200 mil espectadores.
O líder social-democrata ensaiou bem a coisa, satirizou o Orçamento do Estado para 2022 do PS, com promessas como “cirurgias mesmo quando o utente não precisa” e acabou com mais uma referência ao gato Zé Albino, transformado numa espécie de estrela da campanha do PSD. Um passeio no parque que poupa muitos outros passeios, arruadas, bombos, concertinas, apertões, abraços, beijinhos e perguntas de jornalistas. Seria preciso esperar até bem para lá das 15 horas para ver Rui Rio em carne e osso.
10h20 Aquele atraso de 20 minutos da praxe, até porque da noite anterior em Castelo Branco, António Costa ainda foi dormir a Lisboa e foi de lá que saiu, de manhã, rumo à caravana nacional estacionada em Leiria. Largou a samarra que usou no Alentejo e que irritou o PAN, por causa da gola de pêlo, e chega de canadiana que o frio aperta, já ditam os avisos térmicos socialistas logo pela manhã nos grupos de whatsapp. Também largou a gravata, mas aí já há leitura política, já que foi ele mesmo quem fez a distinção nas autárquicas: sem gravata era o líder do PS, com era o primeiro-ministro. Nesta campanha só a tirou neste fim de semana.
10h26 Dá três passos e já está a disparar sobre o povo leiriense que por ali passa nas compras da manhã de sábado, junto ao Centro Comercial Maringá, bem no centro da cidade. Disparar? Sim, um senhor fala-lhe dos baixos salários e Costa mete a cassete da sua política de rendimentos. Ainda o homem mal acredita que disse mesmo aquilo ao primeiro-ministro e já está, logo pela manhã, a ouvir falar no IRS jovem e no das famílias com filhos. A coisa promete.
10h41 Costa lá segue, com a mulher Fernanda Tadeu sempre ao lado, António Lacerda Sales do outro e Pedro Marques, o eurodeputado, mais atrás. Mariana Vieira da Silva, que esteve ausente na última semana, está de volta. A caravana empenhada ensaia um grito de guerra: “Costa vai ganhar maioria para governar”. Mas não pega. Calam-se logo ali.
10h46 Uma lojista impaciente manda a caravana circular que lhe está a afastar os clientes. Não fica pelo geral, quando o candidato tenta cumprimentá-la desata a protestar: “Destesto manifestações, quero é clientes na loja”. Costa não se fica e diz logo que lhe deseja “muitos clientes” e também “que tenham mais rendimento para poderem vir mais”. Lá está, já não chega dizer do palco dos comícios, agora é dizer pessoa a pessoa e mesmo a quem não o quer ouvir, como era o caso. “Tu é que tens a culpa, tu é que os chamaste”, atira outra lojista à colega de balcão.
10h57 Pára no meio da rua para declarações aos jornalistas e quando ouve uma pergunta sobre o desaparecimento em combate do pedido já assumido por uma “maioria absoluta”, foge ao assunto com um esquivo “sobre a governabilidade está tudo dito”. Mas nesta altura já vai sendo, no mínimo, estranho que tenha cortado o “absoluta” da expressão quando a tinha assumido “sem medos” ainda na terça-feira na Madeira.
Pelo meio também vai fingindo que não ouve uma pergunta que lhe chega de um dos jornalistas. Mas não tem grande hipótese, José Sócrates tinha mesmo dado uma entrevista à CNN no dia anterior abespinhado com Costa que pede maioria ignorando a única que o PS teve, a sua. “Não tive a oportunidade de ver”. Não bastou uma vez, na fórmula de São Pedro, negou ter visto Sócrates três vezes e desviou caminho.
11h12 Uma vendedora de castanhas está tranquilamente no final da rua que o candidato percorre com o seu séquito. Dificilmente escapa à turba que lá vem e prepara-se para isso. Ironia das ironias: a folha de revista que se segue ali em cima do assador, pronta para se enrolar num cartucho, tem uma fotografia de António Costa. Os jornalistas acotovelam-se, mas quem já vira castanhas há tantos anos – “há 20 estive sempre ali do outro lado da estrada” – não se deixa apanhar facilmente e quando Costa chega e aceita umas castanhas, vai buscar a folha debaixo. “Aquela é mal empregada”, diz expedita ao mesmo tempo que passa o cartucho quente ao candidato do PS e lhe atira preocupada: “Quem descasca?” “Descasco eu, ora essa!”, responde Costa enquanto procura moedas nos bolsos que a mulher não aceita nem por mais uma.
Costa segue a distribuir castanhas pelos seus acompanhantes e até jornalistas e seguranças, e a vendedora fica ali a contar que não é a primeira vez que oferece um cartucho a um primeiro-ministro, que é quem afinal viu ali à sua frente apesar das bandeiras da campanha. Há muitos anos fez o mesmo com o primeiro-ministro Mário Soares.
12h17 Uma visita curta a uma empresa de moldes (Ibermoldes) na Marinha Grande, Costa vai ouvindo explicações detalhadas da produção. Antes de sair, vê que há diretos televisivos prontos a sair e alinha-se ao microfone para falar: “Dizem quando for?” Mas nem é preciso, mal ouve uma das jornalistas preparar-se, começa logo a falar de “um dos maiores setores exportadores” e das suas medidas para a economia. A dada altura perguntam-lhe sobre as sondagens e Costa finta com uma frase batida: “O nosso campeonato não é o das sondagens”. Fala na “luta titânica” que tem liderado “contra a pandemia” e aponta para o candidato e secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, “rosto” dessa mesma luta. Aconselha todos a pedalar a bicicleta, que é como quem diz, manter o PS no Governo: “Se para caímos”.
14h43 Os bombos do Grupo Recreativo Escola de Samba Charanguinha, “uma das mais famosas e carismáticas escolas de samba da cidade de Ovar e em Portugal”, como informa a página do Wikipedia, está a postos para receber Rui Rio em Santa Maria da Feira. A postos mais ou menos: com a máscara a tapar estrategicamente o queixo, dois músicos ainda sugam o caramelo do cigarro – tão cedo não terão outra oportunidade.
Um dos seguranças de Rui Rio – são dois – grita. “Deixa passar aí”. Refere-se ao Lexus cinzento que tem transportado o líder social-democrata de Norte a Sul do país. Ao som de gritos “Pê–ésse-dê”, Rui Rio deixa o carro, sobretudo preto, ligeiramente comprido nas mangas, calça preta, camisa aos quadrados, fundo branco, linhas em tons de azul, verde e vermelho
O convidado especial do dia acerca-se do líder social-democrata. Camisola azul bebé, camisa branca, sobretudo azul escuro, sorriso nada amarelo: Luís Montenegro tinha acabado de entrar na campanha de Rui Rio. Seguir-se–ia uma tarde de passeio a dois, braço dado, juras de lealdade e muita confiança na vitória. O adversário de sempre transformado em trunfo eleitoral. A política tem destas coisas.
14h47 “Viva o António Costa! Viva o Pedro Nuno Santos”. O socialista de quem todos falam no distrito de Aveiro já chegou a Espinho, Costa? Não, Pedro Nuno. Mal vê chegar o Citroen D55 preto que o transporta António Costa pelo país, vai para o abraço da praxe. Não chega, sobem os dois a um banco de pedra, na marginal, juntos às marisqueiras, posam de braços o ar abertos e mãos dadas. O presente e o futuro. Quem está e quem a direita avisa que pode vir a estar se a coisa não correr bem ao PS no dia 30.
Costa anda incomodado com excessos de confiança que ouve na rua e, ali, quando um apoiante dispara com o grito de “vi-tó-ri-a, vi-tó-ri-a”, deita de imediato água fria por cima: “Só dia 30 é que é a vitória”. Pelo meio, um representante dos lesados do BES pede solução para o problema, Costa afasta-se. São visitas recorrentes em campanha, mas que o candidato dispensa.
14h58 Sempre atento aos diretos televisivos que se preparam, Costa fala ao lado de Pedro Nuno e responde às perguntas sobre a importância deste apoio. Chama-lhe “grande cabeça de lista — não só em altura — mas também politicamente. Eu gosto de trabalhar em equipa e de ter os melhores na minha equipa. Sou dos que gosto de integrar, Há outros que é outro género, gostam mais de excluir”. Pedro Nuno responde totalmente à chamada para malhar em Rio e provoca uma sonora gargalhada em Costa ao dizer à comunicação social: “Se Rui Rio acha que eu sou um papão, só tem uma solução, que é votar em António Costa”.
15h05 Florbela Guedes, a poderosa assessora do PSD, a mulher na sombra de Rui Rio, pede para a caravana parar. É tempo de Rui Rio falar aos jornalistas. A rua de comércio tradicional de Santa Maria da Feira, que já seria demasiado pequena para tamanho ajuntamento, torna-se rapidamente claustrofóbica. Sétimo dia de campanha, sétima sova de apertões, com direito a cotoveladas, câmaras a passar perigosamente perto de sobrolhos, microfones por todo o lado, jornalistas ensanduichados, bandeiras a ameaçar estragar a vista alguém, uma cena que alguém, no anonimato da multidão, sintetizou na perfeição. “Estou aqui completamente entaladinha, nem me posso mexer”. Estamos todos, estamos todos.
Os minutos anteriores não tinham sido mais fáceis. Ao lado de Montenegro e António Topa Gomes, Rui Rio desceu a Rua Dr. Roberto Alves engolido pela bolha em que se meteu desde domingo, ao som de bombos e de algum parente afastado de vuvuzela. A jogar em casa, no distrito de Aveiro, Salvador Malheiro, vice-presidente e king maker com três licenciaturas (contra Santana, Montenegro e Rangel) anda acima e abaixo gritando ordens impercetíveis. À frente, João Montenegro, ex-adjunto de Passos Coelho, ex-diretor da campanha interna de Santana Lopes, atual secretário-geral adjunto e peça cada vez mais influente no rioísmo, controla o ritmo do cortejo. Não parece, mas nada é deixado ao acaso.
Interações com gente fora do cordão feito por militantes, seguranças e repórteres contam-se pelos dedos. A confusão é muita e a vontade não abunda. Pit stop na Confeitaria Castelo, casa de excelência das famosas fogaças de Santa Maria, para sossegar a marcha caótica. Rio não está com grande paciência – visitou o mesmíssimo sítio e falou das mesmíssimas fogaças nas últimas legislativas. É para sair, venha o bombo dos Charanguinha, que Rio já mostrou ter jeito para marcar o ritmo. Na véspera, em Coimbra, um músico mais apaixonado sacudiu o corpo do líder do PSD com um abraço intenso. Desta vez foi tudo mais contido.
É tempo da coreografia da tarde. É importante aparecer ao lado de Montenegro? “É obviamente importante o facto de o PSD estar unido para conseguir ganhar as eleições”, assumiu Rio. Veio por ser em Aveiro? “Iria aonde quer que fosse. O PSD está muito unido e coeso no propósito de vencer as eleições e dar a Portugal um Governo novo”, devolveu-lhe Montenegro. Pensa em candidatar-se à liderança do PSD se perder as eleições? “O PSD vai ganhar as eleições, essa pergunta tem de ser colocada a Pedro Nuno Santos, Ana Catarina Mendes, Mariana Vieira da Silva e Fernando Medina. Eles é que vão ter um problema de sucessão”, lançou Montenegro. Conta com ele para o futuro? “Está visto que sim, ele está aqui, é porque posso contar com ele”, mimou Rio. Machado de guerra enterrado com nota artística. É tempo de rumar a Espinho, terra natal de Montenegro. Os dois arrancam juntos no Lexus do líder social-democrata.
15h10 A arruada do PS corre em grande intensidade, com muita gente, a maior até ao momento. Há quem consiga chegar ao candidato, por entre todos os apertos. “É preciso aumentar os salários, o mínimo é muito pouco”. António Costa não faz a coisa por menos e a cada abordagem do género perde, agora, algum tempo na argumentação a seu favor a desfavor de Rio. “É preciso ter atenção porque o PSD não quer aumentar o salário mínimo”. “Isso não pode ser”, responde a senhora que interpelou o socialista.
15h12 Fernanda Tadeu desaparece da bolha e Costa, sempre atento, comenta para a equipa: “É preciso descobrir a minha mulher”. “Ela já aparece”, ri-se um apoiante. Nas arruadas vai junto ao marido, a distribuir rosas a quem passa e normalmente ao saltinhos, ao ritmo dos bombos. Acabou por aparecer orientada pelos seguranças. Teve mais sorte do que outro representante dos lesados do BES que foi referenciado pela organização a dada altura, os seguranças do corpo de segurança pessoal da PSP, que obrigatoriamente acompanham o primeiro-ministro, foram avisados e comunicam entre si. Até ao fim da arruada não se viu mais nenhum lesado a chegar perto.
15h14 Aqui e ali António Costa é parado por alguém. Ora para uma selfie, ora para um cumprimento, ora para uma palavra. “Quando vai descer o IVA da restauração?” Para esta pergunta traz resposta pronta: “Descemos há anos”. Aproveita e devolve logo com o fim do Pagamento Especial por Conta que consta no Orçamento do Estado para 2022.
15h20 Um reformado agarra-o pelo braço. “O senhor, foi Deus que o pôs na terra, é um santo”. Tanta fé junta ainda Costa não tinha visto, já que a maior parte das vezes que reformados o abordam é para se queixarem do tamanho da sua pensão. Mas ali há um crente no costismo que envergonha o idolatrado. Na rua, toda a gente usa máscara. Mas quando está mal posta em quem o aborda, Costa corrige a situação. E se alguém tenta aproximar-se sem máscara, não raras vezes são os próprios seguranças que avisam.
15h34 Mais uma selfie, mas a dada altura vê Pedro Nuno ficar de fora e chama-o insistentemente para o enquadramento: “Venha cá”. Mas logo de seguida faz do seu ministro das Infraestruturas fotógrafo de outro registo fotográfico enquanto o provoca: “Este homem é polivalente”. A verdade é que, nesta arruada, Pedro Nuno esteve para o que Costa precisou: encheu a rua, deu-lhe o palco todo, entrou em selfies, tirou fotografias, manteve-se o mais lateral que conseguiu, atacou Rio, jurou lealdade ao líder a que quer suceder no PS, e até o classificou como “o melhor político português a candidatar-se a primeiro-ministro”. No dia 31, falarão.
15h48 A arruada em Espinho termina. “Vemo-nos na terça-feira, não é?”, pergunta Costa a Pedro Nuno que confirma. “Tchau!”, despede-se o seu ministro que, no entanto, continua pela marginal fora, com um séquito atrás de si. Calças brancas e passo longo, vai metendo conversa com quem vai consigo e também com quem passa. Há uma senhora que o pára de repente: “Ó tu, ó Nuno, não falas?” Qual quê? O candidato passa-lhe o braço por cima do ombro e no acto seguinte está tudo a gritar PÊ-ESSE PÊ-ESSE. Mas este acompanhamento fica por aqui, esse tempo virá.
16h00 Rui Rio já está em Espinho há um bom par de minutos. O Observador junta-se mais tarde, não porque tenha sido ultrapassado em velocidade nos 17 quilómetros que separam Santa Maria da Feira de Espinho. Antes pelo contrário: nas vezes em que aconteceu de cruzar com a caravana mais restrita onde circulam Rui Rio e o seu núcleo mais próximo, nunca o cortejo circulava em excesso de velocidade. A vantagem de Rio, como a de qualquer líder partidário que ande nestas andanças, é outra: é deixado no ponto A e recolhido no ponto B, sem ter de se preocupar com trânsito e estacionamento.
Recuperado o atraso, é ver Rui Rio e Montenegro desfilar pela rua comercial de Espinho, vestida a rigor, com as bandeiras da praxe, sem os bombos do costume e com uns guardas-chuvas laranja a estrear. A casa está composta para receber o líder do PSD, mas não se pode dizer que tenha excedido as expectativas, sobretudo porque todos ali sabiam que António Costa tinha acabado de fazer um brilharete na cidade. Não há tempo para esmorecer.
Ainda lhe perguntam se tinha uma estratégia pensada para o caso de se cruzar com a comitiva socialista. Rio, adepto confesso de corridas de automóveis, vai ao livro de trânsito. “Se nos cruzarmos eu acho que a solução é respeitar a lei da prioridade, quem se apresentar pela direita passa primeiro, é a minha sugestão”. Não chegou a ser preciso porque as campanhas não se cruzaram.
“Rio segue em frente tens aqui a tua gente”, gritam-lhe. E Rio segue. Tira umas fotografias, entra numas quantas lojas, bebe um café, faz festas a um canídeo (“Está nervoso por conhecer o futuro primeiro-ministro”, diz-lhe o dono), ouve palavras de incentivo (“Tem de pôr mão neste país doutor Rui Rio, isto está uma desgraça, confio em si, nunca na minha vida votei PSD para as legislativas e vou votar em si porque confio em si”), dá conselhos (“Nem sei o que faço se o doutor ganhar”, “Não faça nada. Beba antes uma garrafa de champanhe”), entra num alfaiataria e remata para golo: “Já tem o fato de primeiro-ministro?”, perguntam-lhe. “É, tenho de comprar um”,concede, divertindo-se com a resposta.
De sapatos não precisará. Na arruada de Espinho, os papéis inverteram-se e foi Rio a ouvir de um comerciante a promessa de que se for eleito primeiro-ministro terá “um par de sapatos por ano”. Até lá, Rio tem de calcorrear o caminho com os que tem, mesmo que isso signifique nem sempre ter a agilidade de um chefe de Governo: no caminho, não conseguiu evitar ser intercetado por um dos representantes dos lesados do BES ao contrário do que acontecera minutos antes com António Costa.
Os seguranças e assessores do primeiro-ministro (em maior número, naturalmente), conseguiram neutralizar o potencial embaraço. Rio não teve a mesma sorte e teve de ouvir as reivindicações do manifestante. Não houve sobressaltos, nem grandes estados de espírito. Lavrado o protesto, ainda se ouve: “Pronto, já está”. As câmaras tinham captado as imagens, não havia mais nada para fazer ali. Rio também seguiu viagem sem acrescentar muito mais que umas palavras de circunstância.
16h12 Rui Rio e Luís Montenegro, o arqui-inimigo de sempre, de braço dado, a trocarem algumas palavras de forma cúmplice, aproximam-se do fim do passeio por Espinho. O líder social-democrata repete o ritual, pendura-se no carro, faz o “V” de vitória e ouve gritos de apoio. O segurança segura-lhe no sobretudo, Rio entra no carro e ainda ouve Montenegro desejar-lhe a “continuação de uma boa campanha”. Já tinha cumprido o seu papel e não segue para Aveiro, onde o candidato terminará o sétimo dia de campanha.
16h15 Montenegro volta a falar aos jornalistas, desta vez sem dividir o protagonismo com Rui Rio. “Só se ganham as eleições no dia das eleições, que isso não sirva para todos aqueles que estão envolvidos na campanha do PSD esmorecerem o seu esforço de esclarecimento e de conquista de votos. Cheira a vitória do PSD”, despediu-se o antigo líder parlamentar.
16h41 No PS começa a correr o rumor, em jeito de celebração, de que a ação de campanha de Rio em Espinho não tinha sido famosa. O Observador cruza-se com a comitiva restrita de Rio a caminho de Aveiro, antes de esta entrar numa estação de serviço. Ficaria lá até perto das 17 horas. Espinho terá ficado aquém das expectativas da organização da campanha social-democrata.
17h01 “Oh senhor guarda não leve a mal / O que está vendo não é só o tal e tal…”. O cantor Emanuel e as quatro bailarinas, body de lantejoulas e saias de tule, que o acompanham já estão em cima do camião-palco da campanha do PSD. Vai ser ele a entreter os militantes do PSD (sobretudo mulheres nos seus entas) que esperam a chegada de Rui Rio para mais uma sessão de esclarecimento, desta vez dedicada ao tema da Justiça.
É a primeira incursão do músico nesta campanha e Emanuel não faz a coisa por menos: “Nós pimba”, “Baby, és uma bomba”, “Hino À Alegria (Let’s Go)”… todos os grandes clássicos do repertório do cantor cantados com a entrega de sempre ainda que a letra volta e meia falhe. “Divirtam-se com a música popular no seu estado mais puro”, pede Emanuel, ainda longe de saber que iam ter de enfrentar uma pequena tentativa de invasão de palco. “Não posso, minha querida, temos de manter a distância”, recusou Emanuel.
17h35 As colunas tinham começado a gritar os primeiros acordes da “Cada Vez Que Um Filho Nasce”, balada composta em homenagem aos filhos gémeos que nasceram há 16 anos. As quatro bailarinas estão quietas a um canto para não desviarem ninguém da mensagem. Tinha sido um pedido especial do público, mas Emanuel acaba interrompido por único homem capaz de dividir atenções com ele: Rui Rio acabara de chegar. “Tinha de parar de cantar agora. Um aplauso para Rui Rio”, pede Emanuel ao obediente público.
O cantor compôs o hino da candidatura do líder social-democrata para esta campanha às legislativas. Reza assim: “Ninguém nega a sua competência / E a natureza da sua consciência. / Rui Rio é um homem da nossa gente / Um líder competente / Pra governar, Portugal, Portugal”. Emanuel explica que, apesar de não se meter em política, religião e futebol, não teve como dizer que não ao convite. “Quando se conhece um homem competente, seguro, com emoção e coração, era fácil”, concede Emanuel.
Há tempo para ainda para uma espécie de encore. Emanuel agarra-se ao microfone e começa a cantar as primeiras palavras de “O ritmo do amor (kuduro)”. Na fila da frente, já devidamente sentado, Rio vai marcando o ritmo da música com as pernas, esquerda, direita, esquerda, direita duas vezes, esquerda, direita, esquerda, direita duas vezes. Tem bom ouvido e não falha uma. Só não arriscou tanto como Ribau Esteves, presidente da Câmara Municipal de Aveiro, que mal deu por ela e já estava a dançar agarradinho a uma muito feliz militante do PSD.
Emanuel despede-se (não desta campanha, voltará em breve) com um derradeiro apelo ao voto. “Não se esqueçam de serem felizes e de elegerem políticos experientes e competentes para governar a nossa vida como deve ser. Temos a obrigação de colocar lá os melhores”, pediu, antes de se dirigir diretamente a Rui Rio. “No dia 30, vai chegar ao topo. E não sou profeta, o que fará se fosse.”
17h45 Rio está agora a fazer a sua intervenção. Volta a acusar o PS de só estar preocupado em “deturpar” as propostas do PSD, lamenta a “morosidade” na Justiça, denuncia os “julgamentos da tabacaria”, impressão digital de um sistema que está doente e que, neste aspeto particular, está hoje pior do que em 1974, acusa o PS de nada querer fazer para reformar o setor, aponta o dedo à ministra da Justiça por só se ter preocupado com a sua corporação e nada mais, e promete tudo fazer para mudar o estado de coisas.
“Não vale a pena querer ganhar as eleições para depois ir para o Governo e não tratar dos verdadeiros problemas do país. Se vamos conseguir ou não, com toda a sinceridade não sei que não sou bruxo, que vamos tentar, que não vamos ter medo e que vamos fazer, vamos”. São 13 minutos a bater na inércia e corporativismo do PS e a cada passagem Rio pimba nos socialistas. “Não vale a pena querer ganhar as eleições para depois ir para o Governo e não tratar dos verdadeiros problemas do país com receio dos obstáculos que possam surgir”, foi repetindo o líder social-democrata.
Era tempo de passar o micro à co-palestrante, a Mónica Quintela, deputada e coordenadora do PSD para área da Justiça. “Falar de Justiça e falar de Justiça sobretudo depois do Emanuel não é fácil”, reconhece. O público, de facto, tinha murchado.
18h18 Só desperta quando Ribau Esteves intervém, já na fase das perguntas da audiência. O autarca aproveita o tema da sessão de esclarecimento para recuperar José Sócrates e Armando Vara (“Sempre nos lembramos dos embrulhos em que o PS anda metido. Eu não tenho medo de dizer os nomes”) pede a receita a Rio de como derrotar a “modorra esquerdóide” e antecipa a vitória de um PSD “renascido” contra um “PS” falido. Existiriam mais duas perguntas, mas estava definido o tom.
18h30 Rio começa agora a responder às questões. E começa logo por dizer ao que vai: “Não sou um super-homem que sabe tudo. Se fosse a coisa ia correr mal de certeza”. Tecnicalidades ficarão a cargo de Mónica Quintela.
Ainda assim, durante quase 20 minutos, volta a lamentar a falta de vontade dos partidos políticos para mudarem o que quer que seja e fala sobre a proposta que lhe deu mais dores de cabeça: o fim da maioria de magistrados no Conselho Superior do Ministério Público e da Magistratura. Ainda no debate com António Costa, o socialista aproveitou para voltar a acusar o social-democrata de querer “destruir a separação de poderes”e controlar o Ministério Público.
Rio não se conforma: “Isto é uma mentira que ele sabe que é uma mentira. Está a enganar as pessoas. Ele é jurista e até já foi ministro da Justiça e eu nem sequer sou jurista, claro que tem essa vantagem. Mas a vantagem técnica que ele possa ter não chega para me enganar e para eu perceber que ele está a tentar enganar-me a mim e a enganar as pessoas todas.”
18h50 Florbela Guedes, assessora de Rui Rio, está sentada junto de um de quatro aquecedores a gás distribuídos pela tenda gigante. Tem um casaco de pelo branco e a carteira ao colo. Começa a agitar-se na cadeira. É tempo de terminar.
19h05 Rui Rio segue a pé até ao Imperial Hotel, em Aveiro, enquanto conversa animadamente com Ribau Esteves. Florbela segura-lhe a pasta. Para trás tinha ficado um dia forte de campanha.
18h40 Costa já chegou a Viseu para um comício onde ouve João Azevedo, líder da distrital, lançar ali no palco a sua recandidatura autárquica. É só daqui a quatro anos, sim, mas Azevedo herdou a emotividade do pai político Jorge Coelho e vai até ao fim em crescendo, a chamar a António Costa “um montanhista”. Está visto que é dia de analogias com o ciclismo. Costa fala a seguir, mas sem grande história, a não ser que já não fala da maioria absoluta, por mote próprio, desde terça-feira na Madeira. Coincidiu com as sondagens a mostrarem uma distância mais curta para Rio, mas os seus conselheiros na caravana apressam-se a desmentir que exista relação. Pero que las hay…
Domingo, dia 23 de janeiro
9h28 Rui Moreira está à porta do Pavilhão Rosa Mota onde, este domingo, quem está no Porto mas recenseado noutro local pôde ir votar antecipadamente. O presidente da Câmara do Porto já sabia que António Costa ia ali votar nesse mesmo dia e a essa hora, ainda assim insiste que o encontro é “mera coincidência”. No dia anterior, numa entrevista à SIC, atacara Rui Rio pelos “julgamentos de tabacaria” no chamado caso Selminho. “Não lhe reconheço, pelo menos no plano ético, nenhuma autoridade especial”. É amigo de Costa e aquele foi, segundo os socialistas do Porto, “o apoio máximo que ele podia dar nesta altura”.
9h40 António Costa chega para exercer o seu direito de voto e está tão pouca gente para fazer o mesmo de forma antecipada que leva pouco mais de cinco minutos até estar na cabine a desenhar a cruzinha. No final fala aos jornalistas, mas são declarações de circunstância: apela ao voto, garante existirem condições de segurança hoje como daqui a oito dia, agradece a quem está nas mesas e congratula-se pela alteração legal que permitiu o voto em mobilidade que, espera, possa mitigar a abstenção.
11h08 Os tambores, com ritmo e tom ligeiramente mais bélicos do que os bombos dos Charanguinha de Ovar, antecipam bem o que aí vem: uma verdadeira enchente no centro histórico de Guimarães. Pais, filhos, avós e netos, homens, mulheres e crianças, canídeos aqui e ali, tudo ao molho e fé em Deus no primeiro–verdadeiramente-digno-desse-nome mar de gente na sempre bem preenchida campanha de Rui Rio.
A organização não fez a coisa por menos – o Observador sabe que vieram autocarros de outros concelhos do distrito de Braga para ajudar a compor a casa. Aliás, os muitos militantes que ali estavam denunciavam origens que não Guimarães: além de haver muita gente de Famalicão ou de serem os jotas de Cabeceiras de Basto a ajudarem a marcar o ritmo, havia cartazes a dizer “Rio, Vieira do Minho está contigo”. Vale o que vale: a máquina do PSD disse está bem oleada e decidiu aparecer em força.
“Cuidado com a coluna!”, pede um técnico de som, já agarrado à dita cuja enquanto a multidão varre e esmaga todos os corpos estranhos que oferecem alguma resistência. Há direito a chuva de confetes brancos e tudo. “Por favor, cheguem-se mais para a frente para deixarem as pessoas lá atrás aproximarem-se”, pedem o speaker, como pedem os motoristas dos autocarros apinhados – todos queriam ver o líder social-democrata o mais perto possível. E lá atrás só se veem cabeças, bandeiras e mais cabeças e mais bandeiras.
11h15 O ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes chega tranquilamente, nesta manhã cheia de sol, à marginal de Vila do Conde, mesmo junto à zona piscatória das Caxinas. É candidato pelo Porto e lá vai ele para entrar numa arruada ao lado do líder socialista, mas pouco se mantém na bolha, a não ser para dois dedos de conversa com Fernanda Tadeu, de resto, é mais à distância que prefere manter-se. Até porque esta é das intensas para o PS que tem história no território. Está o homem do PS-Porto, Manuel Pizarro, está o antigo presidente de Vila do Conde, está tudo no seu devido lugar para passar a imagem de força e energia que o PS quer, para contrariar teses (sustentadas em sondagens) de que que o partido está a deixar cair os braços. E esta é apenas a primeira de três do dia, todas elas com tudo o que se pede em campanha.
11h16 Rui Rio e André Coelho Lima, vice-presidente e homem da terra, sobem ao palanque para discursar. É apenas a segunda vez que Rio o faz nesta campanha – haveria de o repetir já em Arcos de Valdevez. Arranca Coelho Lima. “A nossa ambição não é vencer, nem é olhar para as sondagens com triunfalismos. A nossa ambição é, com humildade, merecer os votos de Portugal e, com isso, mudar Portugal”. Ouvem-se gritos de “vitória” entre a multidão.
Micro para Rio. São 12 minutos de linguagem simples que serve eficazmente o propósito de provocar na multidão que o ouve e vê (aqui em Guimarães e em casa, pelos televisores) duas sensações: união contra o adversário que está a jogar “feio” nesta campanha; e confiança na vitória. O PSD de Rio contra o mundo de Costa e companhia.
“Ninguém consegue governar um país a dizer mal dos outros. Dizer mal dos outros não é programa para nada. À mínima dificuldade o PS recua e ajeita a casa mais ou menos e segue em frente. Nós não podemos ter um país que ajeita a coisa mais ou menos”, atira Rio. Os tambores reagem mais uma vez.
“António Costa já não consegue ir lá pela positiva, já está a baixar os braços. De hoje a oito vamos ter uma grande vitória. Vamos conseguir começar a mudar Portugal”, despede-se Rui Rio, antes de ser novamente abençoado por mais um banho de confetes.
11h51 O líder chega ao som dos bombos e perante a impaciência dos caxineiros. “Estou aqui e nem vejo o homem, carago!”. Só se percorre uma rua, mas os apertos e as solicitações são tantas e tão enérgicas que deixa os seguranças de Costa com os nervos em franja. Pedem reforços, é muita gente a querer qualquer coisa do socialista que, embora bastante disciplinado nestas andanças, fura a sua própria bolha de repente porque vê alguém à janela ou porque na Churrasqueira das Caxinas a montra abana com um grupo de mulheres que está lá dentro a bater energicamente no vidro para o chamar.
12h30 Elídio Oliveira apresenta-se a Costa como “um trabalhador” fura a bolha e pede-lhe “que seja mais humilde”. O socialista ouve-o dizer onde deve aplicar os “milhões que vêm da bazuca derivado a este vírus”, são longos minutos de conversa no meio dos apertos da rua. E também de várias tiradas que vão chegado de fora. “Eu quero é uma reforma máior”, ouviu-se lá atrás. Costa saiu dali das Caxinas com duas analogias, uma ao mar que quando está bravo também tem de ser enfrentado como ele fez na pandemia. Tudo bem, percebe-se. A outra foi aproveitando estar na bacia leiteira Entre Douro e Minho para disparar que por ali sabem bem como é : “Para as vacas estarem gordas, é preciso alimentar o gado, acarinhar o gado para que o gado engorde”. E ele ali estava, a alimentar… eleitores. Luísa ouvia embevecida na primeira fila, ia acabando as frases e comentando: “É isso mesmo!”. Atirou-lhe, mal o viu chegar ao microfone: “Está cansado, está cansado”. Mesmo no meio dos berros Costa ouviu e deu um salto: “Cansado?! Estou cheio de energia”. Luísa, enrolada no seu casaco comprido bordeaux, ia entregando os pontos à direita que aponta ao desgaste do socialista. Ficou a gritar, quando Costa saiu: “Cansado de trabalhar. De trabalhar!”
13h00 Rui Rio está a almoçar no restaurante “Casa Outeirinho”, em Famalicão, com presidentes de Câmara do distrito e candidatos a deputados. Não consta da agenda oficial de campanha, mas tem sido sempre assim: por onde passa, Rio almoça com estruturas locais longe dos olhares indiscretos da comunicação social.
Desta vez, houve um ligeiro twist: depois de sair de Guimarães, e mais uma vez sem que nada estivesse previsto na agenda oficial, Rio fez uma paragem em Vizela para marcar território. António Costa aparecerá lá à tarde e é preciso reforçar o apelo ao voto no PSD. Marcação cerrada entre campanhas.
14h29 O líder almoça no caminho até Guimarães, no carro que não há tempo para mais. As reportagens atrás de ministros e a história recente do ex-ministro Cabrita fizeram com que fossem dadas indicações aos motoristas do partido para não ultrapassarem limites de velocidade e sem essa correria, a caravana tem de aproveitar todos os minutos. Os socialistas iam picados – para usar uma expressão de Rio – porque já sabiam que o líder do PSD tinha brilhado na cidade berço. “Já nos avisaram que temos de ter uma coisa como nas Caxinas”, confidenciava um socialista ao Observador. Pelos vistos Costa, visto como pé frio em campanha, também funciona melhor quando o picam. Chegou a Guimarães debaixo de papelotes e subiu de imediato ao capot do carro para cumprimentar a multidão que o esperava. Vinte minutos depois, subiu a uma varanda para apelar ao voto, e mais dez minutos e dava sinal para que o levantassem em ombros. Antes de sair ainda respondeu à líder do BE, que o acusava de não querer dialogar: “Não aceito lições de Catarina Martins”. E siga para mais uma volta.
15h42 Rui Rio chega a Arcos de Valdevez para a segunda ação oficial do dia. Seria coisa rápida mas preenchida. Domingo é dia de ajuntamentos e lá ao longe já se vê uma roda de vira. Vais ser ver, chegar, vencer e encher os telejornais com imagens que transmitem simpatia, genuinidade, simplicidade… O que se quer nestas coisas, potanto.
Rio vai desfilando, desta vez em terreno mais amplo, do ponto A, onde o deixaram, até ao ponto B, café-restaurante “DNA”. Não são mais de 500 metros. Tempo para receber incentivo popular (“Tem de ser mais esperto para bater António costa que ele é muito espertalhão”), ouvir várias referências ao vira (“Vamos virar para a vitória”) e fazer outra às sondagens, agora bem mais simpáticas para o PSD. Pode ter sido um momento de viragem? “Ando a virar isto há muitos anos”, responde Rio.
Falta cumprir a rima da praxe, venha daí a minhota. “Se minha palavra não erra / Boa-tarde ao povo todo / Se minha palavra não erra / Oh meu bonito Rui Rio, bem-vindo à minha terra”. Estava feito. Rio tem ainda um palanque à espera antes de poder finalmente sentar para tomar café.
15h49 Em Vizela, o autarca da terra, Victor Hugo Salgado, já espera pelo líder que chega ao som de – surpresa! – bombos. Ali nunca falha. Até foguetes foram disparados quando Costa chegou para o mini-comício no jardim público. Victor Hugo fez questão de ir ao microfone dizer que Rio passara ali pelas 12h30… “estavam 20 pessoas, nem um mini bus enchiam”. Nesta picardia dos números acusou o líder do PSD de “cobardia” ao esconder agenda e ter receio de apupos. Acabou com Costa a entregar-lhe de volta o cartão de militante, depois de a reconciliação política entre os dois (Victor Hugo concorreu contra o PS em 2017 e ganhou) ter acontecido na última campanha autárquica.
16h01 Rui Rio já está em cima do palanque, bem mais modesto do que aquele que enfeitou o centro histórico de Guimarães, mais ou menos ao nível de o grupo de apoiantes que se deslocou para o ouvir. Não envergonha, mas não é (nem poderia ser) comparável. Rio está em casa. Não só porque tem casa e raízes no distrito de Viana do Castelo, como, à exceção de um cão de pequeno porte que não se cansa de ladrar, só estão defronte dele caras simpáticas. Vê-se muita gente vestida a rigor, crianças no chão com bandeiras, crianças ao colo, crianças às cavalitas, pais, mães e avós. Um serão familiar de domingo à tarde misturado com comício político improvisado.
As primeiras palavras do líder social-democrata servem para lamentar, mais uma vez, aquilo que diz ser uma campanha negra do PSD. Por muito que Rio repita que não quer privatizar a Saúde ou a Segurança Social, lá vem António Costa, queixa-se, “deturpar” as propostas do PSD. “Ele sabe que tudo isso é mentira, mas é esse o rumo que tem seguido. É relevante sublinhar isto para que as pessoas não vão na ladainha sem pés nem cabeça.”
Marcado o ponto, Rio ainda cita Sá Carneiro sobre o país “onde os mais idosos tenham presente e os mais novos tenham futuro” e lança mais um incentivo aos apoiantes: “Estou convencido que no domingo vamos ganhar”.
Com tempo ainda para ensaiar um apelo ao voto útil à direita, discurso frequente nos dias que antecederam a corrida aos votos e coisa rara neste período oficial de campanha. “Todos aqueles que não querem que António Costa continue como primeiro-ministro têm de votar PSD. Caso contrário, corremos o risco de continuar a ter António Costa como primeiro-ministro”, avisa. Será esta a estratégia de Rio para a segunda metade da campanha?
16h14 A empregada de mesa nem quer acreditar no que lhe havia calhado. O staff de Rio tinha pedido cafés para a mesa na esplanada do “DNA” onde se encontrava o líder social-democrata. “Para ali?”, pergunta, assustada. O “para ali” era uma confusão danada de militantes, câmaras e jornalistas. É um trabalho duro, mas alguém tem de o fazer.
Sentado, Rio vai gracejando. Continua a ter duas garrafas de champanhe como tinha nas diretas do PSD, uma para assinalar o fim de ciclo no partido, outra, a que foi verdadeiramente aberta, para celebrar a vitória? “Agora alterei a estratégia: só tenho mesmo uma – e é para se ganhar.”
16h19 É tempo de prestar declarações aos jornalistas. Se Costa anda a usar o governo de Pedro Passos Coelho e a troika para assustar os portugueses, então Rio responde-lhe com José Sócrates e a bancarrota. “O governo de Passos Coelho teve de implementar um programa que foi negociado pela troika que foi motivado pelo facto de o PS ter governado mal e ter atirado o país para a bancarrota”, começou por dizer. Temos falado pouco do passado. Temos, apesar de tudo, algum pudor. Não me vê a criticar permanentemente aquilo que Sócrates fez. António Costa, não tendo argumentos, vem dizer que vamos fazer o mesmo que o governo de Pedro Passos Coelho. É preciso ter lata. António Costa sabe isto melhor que ninguém. Se é isto que joga para o patamar político é porque não tem propostas”, atira. É hora de seguir viagem para Viana do Castelo.
17h07 Alexandre Rodrigues, o grande operacional de Salvador Malheiro, que está a coordenar a campanha no terreno com pulso férreo, trata das águas no camião-palco estacionado em Viana do Castelo. Daí a nada, haverá nova sessão de esclarecimento, desta vez dedicada ao tema da Economia do Mar, mas nem a tenda avançada disfarça o frio que se faz sentir na cidade.
17h20 A chegada de Paulo Rangel (esperada e anunciada) ajuda a aquecer as coisas. O eurodeputado, e adversário de Rui Rio nas últimas diretas, aparece de forma discreta, sozinho, surpreendendo a generalidade dos jornalistas. Mas, tal como Luís Montenegro na véspera, cumpre o seu papel.
“O PS está esgotado, António Costa está esgotado, só ataca a geringonça, só ataca o PSD, não oferece nada ao futuro do país. O PS nunca resiste a mais de seis anos. António Costa já desistiu. Está exausto. Só Rui Rio pode derrotar António Costa. É preciso concentrar votos no PSD para garantir que há uma mudança em Portugal.”
17h35 Rui Rio chega. Paulo Rangel, está na primeira fila, no lugar que lhe fora reservado. Os dois trocam um abraço rápido mas aparentemente genuíno. É tempo de dar início à sessão.
À exceção da que foi estrelada por Emanuel, esta, como todas as outras, tem direito a uma rábula humorística feita por dois atores em jeito de revista à portuguesa que arranca sempre alguns sorrisos — sobretudo de constrangimento. Rio, pernas para a frente cruzadas nos pés, vai alternando entre os braços cruzados e as palmas ao nível do rosto; Rangel, mais encolhido, bate palmas curtas, debaixo do sobretudo.
A “Dona Palmira”, personagem interpretada pela atriz Maria da Conceição, despede-se do seu “fã número 1”, como se refere sempre a Rio, com votos para que regresse rapidamente a casa, não vá o Zé Albino apoderar-se do sofá. “Ponha-se a pau. Trate bem do bichinho”. É altura de começarem as “Conversas Centrais” sobre Economia do Mar.
17h48 O líder social-democrata começa a falar e não foge ao guião que tem dominado toda a campanha: trocou os comícios por aquelas sessões de esclarecimento para não andar a “berrar” contra os adversários, António Costa não faz outra coisa que não “mentir” e “deturpar” as ideias do PSD, “é preciso ter lata” para falar em Pedro Passos Coelho quando se tem Sócrates no currículo e é tempo de acabar com a campanha pela negativa. “Depois do 25 de Abril, diziam que os comunistas comiam criancinhas. Costa está a fazer o mesmo connosco”
A vinda a Viana tem um lado mais sentimental. “Se me puser de pé quase vejo a minha casa daqui”, graceja Rio. “Esta vida de marinheiro em que me meti é não me permite vir aqui mais vezes”, lamenta.
O ritual prossegue. Em todas as sessões de esclarecimento, Rio começa por fazer uma intervenção mais genérica, o moderador passa a bola ao especialista do partido em cada área, há um espaço dedicado a perguntas, Rio anota tudo atentamente, não evitando morder a caneta enquanto tira notas, até que a palavra volta a pertencer ao líder social–democrata, que por sua vez volta a dizer que “nenhum de nós sabe tudo” e que o especialista-convidado tratará de responder às questões “mais técnicas”.
18h29 Cumprida mais uma sessão, Rio despede-se dos militantes e simpatizantes, com um agradecimento especial a Paulo Rangel. “Paulo Rangel foi o meu adversário. E ao estar aqui mostra a qualidade do PSD.” Ainda há tempo para escutar o “Havemos de ir a Viana” tocado em concertina e para receber um quadro de Francisco Sá Carneiro. Rui Rio tem de se despachar para a entrevista à Antena 1 – se Rio não vai à rádio, a rádio vai até ele.
18h55 Começa o comício em Braga, com José Luís Carneiro, o secretário-geral adjunto e cabeça de lista pelo distrito, a fazer as honras. Mas só daí a uns minutos aconteceria o momento inédito: uma cantora lírica a cantar no púlpito. Elisabete Matos, independente que entra pela lista de Braga, é cantora lírica e depois de discursar, antes de Costa subir ao palco, emocionou o líder a cantar o tema de campanha, o “Nessum Dorma” de Puccini, de punho esquerdo no ar. Costa também espera que “ninguém durma”. Mas quase conseguiu, nesse mesmo comício, ao trazer slides para mostrar, através de casos práticos, a poupança que as famílias já perderam com o chumbo do Orçamento. E atacar Rio que não quer reduzir o IRS, “só lá para 2005 ou 2006”. A plateia bem fez gestos e mas a esta hora Costa já 550 km percorridos em menos de 48 horas e nem percebia o erro: “Desculpem? Ah, 2025, 2026!”. Afinal quem estava a dormir?
21h42 Mais uma corrida. Saiu de Braga muito perto das oito da noite e já está a entrar no Teatro Sá de Miranda, em Viana do Castelo. Como fica à entrada a dar duas voltinha do vira com um grupo folclórico, já não assiste ao artista Zezé que anima a plateia socialista dentro da sala.
Mas nem era preciso, Miguel Alves, líder da distrital do Alto Minho, faz isso num discurso. Agarra no passado de Rio e serve-o a Costa como ainda nenhum outro socialista tinha servido até aqui, com exemplos da gestão autárquica que no Norte socialista é muito criticada – Tiago Brandão Rodrigues fez o mesmo, se seguida, quando questionou se “é de centro andar a dar abracinhos à extrema-direita”. Miguel Alves já tinha levantado a sala e ainda mais quando tirou um ovo do bolso para alertar que no próximo domingo “quem vai perder é quem acha que pode contar com este ovo onde as galinhas o guardam”. Costa aproveitou a deixa e fechou o fim de semana sem que se possa dizer que não partiu um ovo. A caravana saía a respirar de alívio. “O dia de hoje foi considerado o melhor da campanha”, confidenciava um dirigente local ao Observador. Numa semana marcada por números a descer, o PS precisava de fôlego como de pão para a boca.