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Foi a quinta tomada de posse de Putin como chefe de Estado da Rússia

POOL/AFP via Getty Images

Foi a quinta tomada de posse de Putin como chefe de Estado da Rússia

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Um "gerente contratado" para PM, a ascensão "dos príncipes vermelhos" e a disputa pela Defesa. O que esperar do novo governo de Putin

Após a tomada de posse, Presidente russo vai nomear novo governo. PM Mishustin mantém-se, mas figuras da velha guarda como Lavrov podem dar lugar a filhos da elite. Shoigu é a grande incógnita.

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A tomada de posse foi com todo o cerimonial habitual. Lá fora, nevava e eram disparadas salvas de tiros de canhão. Dentro do Salão de Santo André, no Kremlin, uma multidão de ilustres convidados da política russa — onde se incluíam também diplomatas de alguns países europeus, como França — aguardavam.

A guarda de honra marchou primeiro pela passadeira vermelha, abrindo passagem ao Presidente eleito. De seguida, apareceu Vladimir Putin: o vencedor oficial das últimas eleições presidenciais na Rússia surgiu esta terça-feira para a sua quinta tomada de posse como chefe de Estado da Rússia.

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Vladimir Putin no seu gabinete, minutos antes da cerimónia da tomada de posse como Presidente

POOL/AFP via Getty Images

“Vocês, cidadãos russos, confirmaram que o caminho do país está correto”, afirmou depois no discurso, onde não aludiu diretamente à guerra na Ucrânia, mas admitiu “desafios sérios” para o país. “Juntos, seremos vitoriosos”, prometeu.

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Terminada a cerimónia, o governo russo em funções apresentou a sua demissão, como está previsto na Constituição do país. E, uma vez mais, tudo ficou nas mãos de Putin: é a ele quem cabe sugerir o nome do futuro primeiro-ministro e dos principais ministros do seu novo executivo. E toda a semana ficou marcada pelos rumores que circulam nos corredores do Kremlin e vão transpirando para os jornais. Irá Putin fazer uma completa remodelação ou manterá as figuras que o acompanharam no último mandato? Quem será afastado e quem será promovido? Irá o primeiro-ministro, o (quase desconhecido no Ocidente) Mikhail Mishustin, manter-se no cargo?

Valentina Matvienko, presidente da câmara alta do Parlamento e terceira figura de Estado, foi a única a pronunciar-se em público: ainda antes da tomada de posse, a 24 de abril, garantiu à agência de notícias RIA Novosti que, apesar de algumas mudanças na composição do governo, “a espinha dorsal” do próximo executivo se manterá a mesma. Putin, confirmara já uma fonte do Kremlin ao site independente Meduza, hesita em fazer “grandes mudanças” num momento em que a situação na linha da frente na Ucrânia ainda é incerta. “Esperávamos uma grande remodelação depois das eleições, mas agora parece que vamos ter decisões mais cirúrgicas”, disse o mesmo responsável. E quais podem ser essas decisões?

Mikhail Mishustin, o primeiro-ministro que não fala da guerra

A primeira confirmação chegou esta sexta-feira. “O Presidente Vladimir Vladimirovich Putin apresentou à Duma [Parlamento] a proposta de candidatura de Mikhail Vladimirovich Mishustin para o cargo de primeiro-ministro“, escreveu o presidente daquele órgão, Vyacheslav Volodin, no seu canal de Telegram. Os restantes membros do governo serão propostos nos próximos dias.

A decisão não é surpreendente. Há semanas que a imprensa russa avançava que o mais provável era a continuação de Mishustin, bem como de parte da sua equipa como o os vices Dmitry Grigorenko, Leonid Levine Alexander Gribov.

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Mikhail Mishustin, que evita comentar a guerra na Ucrânia, irá continuar como primeiro-ministro

AFP via Getty Images

O veterano jornalista russo Alexei Venediktov tinha previsto a manutenção de Mishustin, justificando-a com a sua vasta experiência dentro da máquina fiscal — o russo foi em tempos diretor da Autoridade Tributária russa, tendo introduzido reformas que permitiram um aumento de 20% na recolha de impostos. “Uma das tarefas do próximo ano será a colheita de impostos e de dinheiro para o Orçamento”, notou Venediktov à revista russa New Times. “Mishustin não tem igual nesta área.”

Essa não será, contudo, a única razão pela qual Mishustin continua a merecer a confiança de Putin. Apesar de ser considerado dentro do Kremlin por alguns membros da área da segurança como um “liberal”, o primeiro-ministro russo raramente se pronuncia sobre a guerra na Ucrânia, deixando a gestão desse tema por inteiro ao Presidente: “Ele não fala da ‘operação especial’, nem sequer em privado. Só lhe chama ‘desafios externos'”, resumiu uma fonte próxima de Mishustin ao Meduza.

A postura discreta parece indicar uma falta de ambição, algo que agradará a Vladimir Putin, nota a consultora Stratofr: “O primeiro-ministro de 58 anos deve manter o cargo precisamente por não ser considerado um sucessor provável de Putin.” Ideia reforçada por Venediktov, que considera que a escolha de Mishustin prova que o atual Presidente russo não tem qualquer intenção de abandonar o poder a médio-prazo: “Putin está a planear para lá dos próximos seis anos [de mandato]. Mishustin não é um governador, não é um herdeiro, é um gestor contratado“, afirmou. “Se ele nomear Mishustin agora, significa que está a jogar a longo-prazo. Não vai descansar.”

A ascensão dos “príncipes vermelhos” Patrushev e Kovalchuk e dos governadores

As maiores mudanças que podem vir a ser anunciadas nos próximos dias sobre o novo governo relacionam-se com a substituição de alguns membros do governo mais velhos, que estão “desejosos de se reformarem”, notou uma fonte ao Meduza.

“Os líderes da Duma acham possível que Lavrov continue no Ministério durante mais um ano, ano e meio, e que saia só depois das eleições presidenciais nos Estados Unidos”, avançou a RTVi.

Vários media como o Meduza, mas também o canal RTVi e a agência Bloomberg tiveram a informação de que o atual ministro dos Negócios Estrangeiros, o experiente Sergei Lavrov, poderá ser um dos reformulados, havendo dúvidas se essa saída se realizará no imediato ou mais à frente. “Os líderes da Duma acham possível que Lavrov continue no Ministério durante mais um ano, ano e meio, e que saia só depois das eleições presidenciais nos Estados Unidos”, avançou a RTVi, segundo a revista Newsweek.

Lavrov, de 74 anos, dirige a diplomacia russa desde o ano de 2004, tendo sido o ministro de Putin para esta área durante praticamente todo o tempo que o Presidente esteve no poder (foi eleito pela primeira vez no ano 2000). No entanto, não é claro que os dois estejam atualmente muito próximos. O historiador Owen Matthews garantiu recentemente no seu livro Passar das Marcas (ed. Edições 70), por exemplo, que Lavrov só foi informado sobre a invasão de larga escala da Ucrânia um dia antes.

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Sergei Lavrov já deu sinais de que gostaria de se reformar, mas tal pode só acontecer depois das eleições dos EUA

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O substituto poderá ser Alexander Novak, vice-primeiro-ministro de 52 anos, que tem feito a ponte com os países do Golfo Pérsico como a Arábia Saudita e o Qatar — importantes para a Rússia conseguir contornar as sanções impostas pelo Ocidente a propósito da guerra —, capitalizando os contactos que fez nessa região quando foi ministro da Energia no passado.

Mas Novak pode não ser o único representante de uma nova geração de ministros. Os media russos têm noticiado ao longo das últimas semanas as prováveis promoções daqueles a quem se chama informalmente na Rússia “príncipes vermelhos”. A agência Reuters e a Bloomberg confirmaram junto de fontes russas que Dmitry Patrushev (atual ministro da Agricultura) e Boris Kovalchuk (ex-CEO da empresa energética Inter RAO), ambos de 46 anos, irão provavelmente assumir cargos de maior responsabilidade na nova orgânica do russo. Patrushev é apontado para o cargo de vice-primeiro-ministro, enquanto que Kovalchuk — que se demitiu da Inter RAO em março — é mencionado como possível ministro da Energia.

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Dmitry Patrushev e Boris Kovalchuk, filhos de amigos do Presidente, podem ser promovidos neste governo

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Essas promoções seriam de particular relevância por Patrushev e Kovalchuk serem apelidos de peso. O pai de Dmitry é nada mais nada menos do que Nikolai Patrushev, atual presidente do Conselho de Segurança russo (principal órgão de aconselhamento do Presidente) e um velho aliado de Putin dos tempos do KGB. Já o pai de Boris é Yuri Kovalchuk, amigo pessoal do Presidente, dono do Banco Rossiya — apelidado de “carteira de Putin” pela investigação dos Panama Papers — e diretor de um dos maiores grupos de media estatais do país.

Tanto Patrushev sénior, como Kovalchuk sénior são considerados figuras com particular influência junto de Putin, que se terá reforçado nos últimos anos. O presidente do Conselho de Segurança é conhecido pelas suas posições públicas altamente críticas do Ocidente, que incluem frequentemente acusações de uso de armamento nuclear por parte dos Estados Unidos na Ucrânia. Já Kovalchuk foi das poucas pessoas que tiveram acesso a Putin durante a pandemia de Covid-19, altura em que o Presidente escreveu o seu manifesto ideológico sobre a identidade da Ucrânia.

Se estes “príncipes” vierem a assumir cargos de maior relevância no novo governo, esse facto pode ser interpretado de diferentes formas. Nikolai Petrov, investigador da Chatham House, notou ao Politico que tal pode ser uma estratégia por parte de Putin para garantir que mantém “uma trela” sobre os pais dos dois homens. A consultora Stratfor, contudo, lembra que tais nomeações “alimentam a especulação de que estarão a ser preparados como potenciais sucessores de Putin“.

Outros nomes ligados a uma geração mais jovem têm sido mencionados nos corredores do Kremlin. O antigo ministro do Desenvolvimento Económico (2016-2020) Maxim Oreshkin, de 41 anos, terá caído nas boas graças de Putin, sobretudo por ter sido dos primeiros na Rússia a fazer “previsões otimistas sobre o futuro da economia russa face às sanções, que se têm vindo a confirmar”, nota uma fonte ao Meduza. Oreshkin pode por isso ser regressar ao governo, agora como vice-primeiro-ministro, com supervisão da pasta da Economia.

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O governador Alexei Dyumin é próximo de Vladimir Putin e pode vir a assumir uma pasta

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Já o ministro do Desenvolvimento Económico atual, Maxim Reshetnikov, deverá ser remodelado, segundo o site independente iStories. Para o seu lugar poderá ser escolhido Gleb Nikitin, governador da região de Nizhny Novgorod.

E Nikitin não deverá ser o único governador a entrar no governo: Alexei Dyumin, governador da região de Tula e antigo guarda-costas do Presidente, tem dado nas vistas junto de Putin. À altura a trabalhar dentro do Ministério da Defesa, em 2014, Dyumin terá sido um dos supervisores do processo de anexação da Crimeia e, no ano seguinte, terá estado envolvido no processo de criação da milícia privada Wagner. Devido a esta experiência, site bne, especialista na Europa de Leste, prevê que lhe poderá ser atribuída a pasta da Defesa.

A incógnita de Sergei Shoigu, abalado pelo escândalo do seu vice

As hipóteses de Dyumin se tornar ministro da Defesa aumentaram substancialmente ao longo das últimas semanas, depois de o atual titular da pasta — Sergei Shoigu — ter sido afetado pela detenção do seu vice-ministro Timur Ivanov, à saída de uma reunião com o próprio ministro. Em causa está uma acusação por corrupção que já fez com que Ivanov comparecesse em tribunal.

Apesar de a acusação sobre Ivanov não envolver diretamente Shoigu — já que se relaciona tanto com questões militares, mas sim com contratos específicos do Exército, que eram supervisionados por Ivanov —, a verdade é que a proximidade entre os dois pode prejudicar o atual ministro. Afinal, diz o Politico, Ivanov era apelidado por alguns de “carteira de Shoigu”.

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A detenção do vice-ministro da Defesa lançou dúvidas sobre a permanência do ministro Sergei Shoigu

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O grande trunfo do atual ministro da Defesa é o facto de o país estar mergulhado numa guerra ativa na Ucrânia, o que poderá levar Putin a não arriscar mudar a mais alta liderança militar do país. “Não se mudam os cavalos a meio da corrida”, notou uma fonte do Kremlin à Reuters, especulando que Shoigu e Lavrov se deverão manter como ministros durante mais algum tempo.

Opinião partilhada pelo jornalista Alexei Venediktov, que considera que o afastamento de Shoigu a meio da guerra seria “admitir que o Exército está a perder”. Mas o processo sobre o seu vice é a prova, diz, de que dentro do Kremlin está a decorrer “uma luta pelo poder”. “Não apenas pela tarte [o dinheiro], mas pelo próprio poder numa altura de turbulência política”, sublinhou à New Times.

O “Kinder Surpresa” Kiriyenko pode voltar a surpreender

A luta pelo poder é, na prática, uma situação em que todos se tentam posicionar no Kremlin da melhor forma possível para, no futuro, poderem vir a ser equacionados como sucessores de Putin.

E se os “príncipes” Patrushev e Kovalchuk parecem seguir com vantagem nessa corrida, mas não são os únicos. Há outras figuras discretas que impressionaram Putin nos últimos tempos, como Sergei Kiriyenko — o antigo primeiro-ministro de Iéltsin que ganhou uma segunda vida, depois de ter organizado os referendos de anexação nos territórios ucranianos ocupados pela Rússia.

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Sergey Kiriyenko, responsável pelos referendos nas zonas anexadas da Ucrânia, pode vir a controlar um novo Ministério da Educação Patriótica

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Kiriyenko era até agora, formalmente, apenas vice-chefe de gabinete da Administração Presidencial. Mas com o novo governo no horizonte, o homem a quem há duas décadas chamavam “Kinder Surpresa”, pela sua juventude, pode assumir um novo lugar de maior destaque.

Em abril, o jornal russo Vedemosti noticiava que estava a ser estudada a criação de um novo Ministério para a Política da Juventude e Educação Patriótica. Semanas mais tarde, o Meduza citava fontes que apontavam como Kiriyenko e os irmãos Kovalchuk (Yuri, o amigo de Putin, e o seu irmão) pretendiam manter “controlo” não oficial sobre esta nova pasta. Mas não excluíam a possibilidade de Kiriyenko assumir um cargo oficial, como responsável máximo da Administração Presidencial ou até mesmo vice-primeiro-ministro, com responsabilidade sobre os “novos territórios” ucranianos. Há até quem sugira que pode estar de olho na autarquia de Moscovo.

“É uma luta por influência e uma luta pessoal. Gostem ou não, todos estão à espera. E todos pensam: ‘E se amanhã acontecer alguma coisa?'”
Alexei Venediktov, veterano jornalista russo

Quais destes cenários se concretizarão de facto, só Putin sabe. Uma grande remodelação, alerta o analista Mikhail Vinogradov, é necessária, mas arriscada. “Optar pela mudança significa submeter o sistema a stress adicional”, escreveu para o Carnegie Center. No Kremlin, todos estão de olho bem aberto, resume o jornalista Alexei Venediktov: “É uma luta por influência e uma luta pessoal. Gostem ou não, todos estão à espera. E todos pensam: ‘E se amanhã acontecer alguma coisa?'”, diz, referindo-se a um cenário inesperado como, por exemplo, a morte de Vladimir Putin. “Que pessoas estarão em que posições nessa altura?”

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